terça-feira, 25 de agosto de 2020

CRÔNICA: EU VI! EU SEI! EU LI! - JOBA TRIDENTE - COM GABARITO

 Crônica: Eu vi! Eu sei! Eu li!   

                    Joba Tridente

 

Eu vi! Eu sei! Eu li!

Da coletânea de crônicas: Catarse Tardia

 Um homem foi preso, ontem. Eu vi! Tentava roubar uma bandeira nacional, do pavilhão, na praça do governo. Os homens que o prenderam eram brutos. Eram montes enormes. Eu sei! Usavam armas de última geração. Dessas que matam sem deixar marcas. Eu li!

        O homem desapareceu no meio dos grandes. Como um afogado. Depois voltou a aparecer. Só a cabeça. Como um afogado. Os prendedores eram como ondas. Não havia salva-vidas, ali. Só grandes ondas e um pequeno homem se debatendo no meio delas. Alguns pombos voavam. Corujas também. O homem resistia à tormenta das ondas. Parecia não aguentar nadar por muito mais tempo. Faltava-lhe o ar. Engasgava-se. Dizem que o sangue é doce. Também salgado. Talvez acre-doce. Assim como o mar.

        Um náufrago morreu na praia, hoje. Eu vi! Dizem que estava bêbado e saiu pra pescar tubarões, em alto mar, além das 200 milhas. Foi atacado por orcas e peixes-espada. Eu sei! Os jornais disseram outra coisa. É difícil saber a verdade. É palavra de pescador contra de informador. Um colunista disse ouvir dizer de uma fonte confiável que, antes de morrer na praia, o homem cuspiu algumas palavras. Elas foram gravadas, por um anônimo e estão sendo analisadas por peritos, em um Laboratório de Fonética Forense. A sua fonte adiantou que os técnicos estão confusos. O que o homem parece dizer não bate com a explicação dos pescadores. A gravação diz que ele saiu pra pescar uma bandeira nacional. Como é que alguém pode ir pescar uma bandeira em alto mar? A voz, na fita, diz que a bandeira era pra fazer roupa pros seus filhos. Entre outras coisas o náufrago morto alega que seus filhos, depois, vestidos de bandeira, seriam uma bandeira viva andando pelas ruas. E não um simples pedaço de pano voando ao léu... Eu li!

                                                                Joba Tridente: 16.04.1998

Entendendo a crônica:

01 – O texto é construído com base nas informações que o cronista colhe nos lugares que percorre cotidianamente. De acordo com isso responda:

a)   Que fato desencadeou os acontecimentos narrados na crônica?

Um homem foi preso, ontem.

b)   Em que parágrafo o autor menciona o acontecimento que derivou essa crônica?

No primeiro parágrafo.

02 – Qual o lugar onde ocorreu o fato?

      Na praia.

03 – Em que pessoa verbal o narrador conta o fato?

      Na terceira pessoa do singular.

04 – O narrador fazia parte da história contada ou estava como observador, de fora?

      O narrador estava como observador.

05 – Explique o título “Eu vi! Eu sei! Eu li!”

      O narrador diz que viu um homem ser preso. Ele diz que sabe que os homens que prenderam o homem eram brutos, e leu que eles usavam armas de última geração.

06 – Que motivo levou o homem a ser preso?

      Estava tentando roubar uma bandeira nacional, do pavilhão, na praça do governo.

07 – Que pretendia o homem fazer com a bandeira?

      Fazer roupas para seus filhos.

 

ARTIGO DE OPINIÃO: O NAUFRÁGIO DE MUITOS INTERNAUTAS - MARIO SÉRGIO CORTELLA - COM GABARITO

 ARTIGO DE OPINIÃO: O naufrágio de muitos internautas

             Mario Sergio Cortella

        Há mais de um século, o francês Júlio Verne publicou uma de suas mais encantadoras e assustadoras obras, "Vinte Mil Léguas Submarinas". Na época do lançamento, 1870, a maior parte das pessoas que tinham acesso a livros dominava minimamente o latim, seja por ser disciplina constante do currículo escolar em muitos países seja por interesses específicos. Por isso não ficou estranho que o romancista tenha chamado de Nemo ao enigmático capitão do Nautilus. No correr dos últimos 130 anos, porém, o latim, que há alguns séculos perdera seus falantes, perdeu a maior parcela dos seus conhecedores e, por consequência, no Capitão Ninguém (traduzindo para o português) desfez-se parte da aura misteriosa.
Restou, no entanto, para além da força literária dessa precursora obra de ficção científica, um caráter premonitório: a possibilidade de as pessoas se extraviarem nas novas profundezas abissais, embarcando, agora, não mais no Nautilus, mas, isso sim, em um computador, conduzidas, mais uma vez, por Ninguém.

        Ora, a cada dia fala-se, mais e mais, sobre a triunfal entrada da humanidade na era do conhecimento; exalta-se a capacidade humana de estar vivendo, a partir deste momento, um período no qual o conhecimento será a principal riqueza. Tudo é fonte para o conhecimento, e a principal delas seria a Internet.

        Devagar com isso! Não se deve confundir informação com conhecimento. A Internet, entre as mídias contemporâneas, é a mais fantástica e estupenda ferramenta para acesso à informação; no entanto transformar informação em conhecimento exige, antes de tudo, critérios de escolha e seleção, dado que o conhecimento (ao contrário da informação) não é cumulativo, mas seletivo.

        É como alguém que entra numa livraria (ou em uma bienal do livro) sem saber muito o que deseja (mesmo um simples passear): corre o risco de ficar em pânico e com uma sensação de débito intelectual, sem ter clareza de por onde começar e imaginando que precisa ler tudo aquilo. É fundamental ter critério, isto é, saber o que se procura para poder escolher em função da finalidade que se tenha.
Os computadores e a Internet têm um caráter ferramental que não pode ser esquecido; ferramenta não é objetivo em si mesmo, é instrumento para outra coisa. Por isso há um ditado atribuído aos chineses que se diz: "Quando se aponta a Lua, bela e brilhante, o tolo olha atentamente a ponta do dedo".

        O instigante Lewis Carol, na sua imortal "Alice no País das Maravilhas", a ser lida e relida, tem duas personagens bem expressivas para entendermos os tempos atuais: um coelho (como nós) sempre correndo, sempre olhando o relógio e sempre reclamando "estou atrasado, estou atrasado"; e um insondável gato, que, no alto de uma árvore, tem um corpo que aparece e desaparece, às vezes ficando só a cauda, às vezes, só o sorriso. Há uma cena (adaptada aqui livremente) na qual Alice, desorientada, vê o gato na árvore e pergunta: "Para onde vai esta estrada?". O gato replica: "Para onde você quer ir?". Ela diz: "Não sei; estou perdida". O gato não titubeia: "Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve...".

        Sem critérios seletivos, muitos ficam sufocados por uma ânsia precária de ler tudo, acessar tudo, ouvir tudo, assistir tudo. É por isso que a maior parte dessas pessoas, em vez de navegar na Internet, naufraga...

MARIO SERGIO CORTELLA, filósofo, professor da PUC-SP e autor de "A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos e Políticos" (ed. Cortêz/IPF).

Entendendo o texto:

01 – Das afirmações a seguir, a respeito do texto, a que deve ser considerada inadequada é:

a)   A narrativa de Júlio Verne tem certa analogia com o uso da internet em nosso século.

b)   Hoje, pode-se considerar a Internet uma ferramenta fundamental para o conhecimento.

c)   O conhecimento pode ser entendido como a principal riqueza de nossa era.

d)   Segundo o autor, a informação tem um caráter cumulativo.

e)   O acesso à Internet, por si só, garante a imersão no mundo do conhecimento.

02 – O autor do texto:

I – Manifesta uma visão pessimista quanto ao uso indiscriminado e ingênuo da Internet como meio de aquisição de conhecimento.

II – Sugere que a utilização da Internet, sem o conhecimento da língua latina, desorientará o usuário.

III – Censura o uso da Internet como ferramenta de acesso à informação.

Está(ão) correta(s):

a)   Apenas I.

b)   Apenas I e II.

c)   Apenas II e III.

d)   Apenas III.

e)   Apenas II.

03 – O item que expressa claramente o modo de pensar do autor é:

a)   As informações que circulam na Internet não podem se transformar em conhecimento.

b)   Ao navegar na Internet, o usuário deve saber de antemão o que procura e ter critérios de seleção das informações.

c)   Não podemos nos enganar ao supor que a humanidade está entrando em uma era de conhecimento.

d)   O usuário das mídias contemporâneas deve se comportar como quem entra numa livraria e começa a ler tudo que lá se encontra.

e)   Como ferramenta útil que é, o computador pode ser utilizado como um objetivo em si mesmo.

04 – O autor do texto utiliza duas comparações principais ao situar, de forma metafórica, o moderno usuário de computadores: com a navegação do Nautilus e a entrada em uma livraria. Com essas comparações, seu objetivo é ilustrar, respectivamente:

a)   Um mergulho no conhecimento e a ampla possibilidade de escolha.

b)   A falta de conhecimento de línguas clássicas e a angústia diante de muitos livros para ler com pouco tempo para fazê-lo.

c)   A ausência de um objetivo e a desorientação diante de muita informação.

d)   O desconhecimento da fonte de informações e um passeio sem destino.

e)   A identificação de quem nos dirige e a sensação de pânico.

TIRINHA E LINGUAGEM INFORMAL - FOLHA DE S.PAULO - COM GABARITO

 Tirinha e Linguagem Informal

            Adão Iturrusgarai

            Folha de S. Paulo, 13 de junho de 2009.

Entendendo a tirinha:

01 – Que gênero textual é esse?

      Esse texto é do gênero tirinha.

02 – Como ele é organizado?

      Ele é organizado com as falas dos personagens em balões e cada quadro ao lado do outro em fila.

03 – De onde e quando ele foi publicado?

      Ele foi retirado do Jornal Folha de S. Paulo. E foi publicado no dia 13 de junho de 2009.

04 – Quem o escreveu?

      O autor é Iturrusgarai.

05 – Há quantos personagens no texto?

      No texto há duas personagens.

06 – Observe a expressão facial da menina de cabelo solto, no último quadrinho. Ela indica que a menina está:

(  ) Satisfeita.

(X) Decepcionada.

(  ) Nervosa.

(  ) Feliz.

07 – Onde se passa a história?

      Elas podem estar no balcão ou mesa de algum local que sirva bebidas ou até mesmo em casa.

sábado, 22 de agosto de 2020

MÚSICA(ATIVIDADES): UM DIA QUALQUER - SKANK - COM GABARITO

 Música(Atividades): Um Dia Qualquer

                                                                      Skank

Na espuma das ondas
As meninas se lançam
As cadeiras redondas
Onde as ondas se amansam.

Todo dia é na praia
todo minuto é pra um
Todo dia é todo o tempo
O tempo todo, tempo algum

Eu passei lá na vila
Ele é de vila Isabel
Meu nego meu jongo
Hoje eu chego na barra do céu

Você me entenda
Dança de Oxum é assim
Se joga no mundo
Cai nas ondas e volta pra mim

Hoje é final de século
Hoje é um dia qualquer
Você vai ao cinema
Ou toma um foguete, ou toma um café

Hoje bobagem, drama
hoje é um dia comum
Você deita na cama
Com os pés no século vinte e um

Então corre pra ver
Então fica pra ver
Então corre pra ver
Beleza do mundo descer

Toda rua começa
Onde acaba meu mal
De conversa em conversa
Eu já passei da capital

Era um filme domingo
Penas do paraíso
Eu só guardo o que me ensinou
Que tocar é preciso.

Composição: Chico Amaral.

Entendendo a canção:

01 – Julgue os itens da questão e marque as alternativas com (V) verdadeira (F) falso.

(V) Lendo somente as palavras em negrito, pode-se perceber que a imagem de vida do eu lírico permanece inalterada mesmo com a proximidade do século vinte e um.

(F) No texto, predomina a narração com a manutenção da unidade temática.

(F) A linguagem do texto é marcada pela logicidade e linearidade.

(F) O texto ressalta a uniformidade da formação cultural brasileira: branca, europeia e cristã.

02 – Assinale as questões com (V) verdadeiro e (F) falso.

(F) Na primeira estrofe, concretiza-se uma paródia do célebre poema de Bandeira: “A onda anda / aonde anda / a onda?”.

(V) Há também na primeira estrofe um traço erotizante traduzido pela imagem... cadeiras... onde as ondas se amansam.

(V) O espraiar das ondas é sugerido pela reiteração de fonemas nasais em toda a estrofe primeira.

(V) A última linha do texto estabelece intertextualidade com os versos “Navegar é preciso / viver não é preciso”, revelando, assim como estes, o sentido da vida para o eu lírico.

 

 

POEMA: EROS E PSIQUE - FERNANDO PESSOA - COM GABARITO

 Poema: EROS E PSIQUE

                                                          Fernando Pessoa

Conta a lenda que dormia

Uma Princesa encantada

A quem só despertaria

Um Infante, que viria

De além do muro da estrada.

 

Ele tinha que, tentado,

Vencer o mal e o bem,

Antes que, já libertado,

Deixasse o caminho errado

Por o que à Princesa vem.

 

A Princesa Adormecida,

Se espera, dormindo espera.

Sonha em morte a sua vida,

E orna-lhe a fronte esquecida,

Verde, uma grinalda de hera.

 

Longe o Infante, esforçado,

Sem saber que intuito tem,

Rompe o caminho fadado.

Ele dela é ignorado.

Ela para ele é ninguém.

 

Mas cada um cumpre o Destino —

Ela dormindo encantada,

Ele buscando-a sem tino

Pelo processo divino

Que faz existir a estrada.

 

E, se bem que seja obscuro

Tudo pela estrada fora,

E falso, ele vem seguro,

E, vencendo estrada e muro,

Chega onde em sono ela mora.

 

E, inda tonto do que houvera,

À cabeça, em maresia,

Ergue a mão, e encontra hera,

E vê que ele mesmo era

A Princesa que dormia.

Poesias. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995). - 237.

Entendendo o poema:

01 – No final do poema, na última estrofe, a situação conflituosa tem um desfecho surpreendente, expresso no verso: “E vê que ele mesmo era”. Essa afirmação constitui uma figura de linguagem, denominada:

a)   Paradoxo.

b)   Ironia.

c)   Metonímia.

d)   Eufemismo.

e)   Personificação.

02 – Eros e Psique, os nomes que compõem o título do poema, correspondem a figuras da mitologia grega. No início da história mitológica que relaciona as duas figuras, o Deus Eros se apaixona por Psique, uma bela jovem humana. Considerando o aspecto Deus de Eros e o aspecto humano de Psique, podemos dizer que a aproximação desses nomes, no título do poema, constitui a figura de linguagem chamada:

a)   Metáfora.

b)   Personificação.

c)   Antítese.

d)   Eufemismo.

e)   Ironia.

03 – Na primeira estrofe o eu lírico conta uma narrativa duma tradicional “lenda”. Qual?

      De uma princesa que havia sido sujeita a um encantamento e estava, por isso, em estado de dormência. Só um infante (príncipe) que chegasse de terras longínquas poderia quebrar tal sortilégio maligno. A lenda da Bela Adormecida.

04 – Qual o significado de “Eros e Psique”?

      Eros significa Deus do amor e Psique significa alma.

05 – Em que estrofe o eu lírico diz que o infante, para vencer, teria de lutar contra o bem e o mal para não se perder no caminho que o leva até a princesa?

      Na segunda estrofe.

06 – Nos versos: “Pelo processo divino / Que faz existir a estrada”. Que sentido o eu lírico emprega nesses versos?

      Que eles continuam cada um cumprindo o seu destino; que o processo divino significa a força maior que rege o mundo e que faz com que as coisas aconteçam.

07 – Que acontece no final do poema?

      Vencendo todos os obstáculos o infante chega à Princesa. E meio tonto, ergue a mão e encontra a grinalda de hera e aí ele “vê que ele mesmo era / A princesa que dormia”.

      Concluímos que quando o infante encontra hera, a grinalda, ele cai em si de quê o que estava procurando era a sua identidade, a sua verdade.

 

POEMA: A ONDA - MANUEL BANDEIRA - COM GABARITO

 Poema: A onda

             Manuel Bandeira

A onda
a onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda.

Manuel Bandeira. Estrela da tarde.

Entendendo o poema:

01 – A leitura do poema, permite ao leitor a percepção de que:

a)   O poema é um texto crítico sobre a violência.

b)   O poema é somente um texto crítico sobre a poluição.

c)   O poema faz referência à poluição tão visível em praias brasileiras.

d)   O poema não tem ritmo e nem mesmo palavras que constroem uma imagem.

02 – No poema observamos a evidência de uma figura de linguagem; qual?

      Trata-se de paronomásia, um recurso estilístico sonoro que toma por base a palavra “onda” e pode ser notado em: onda, anda, aonde, ainda.

03 – A repetição de um mesmo fonema vocálico no poema é um recurso sonoro conhecido como?

      Assonância.

04 – A combinação de um pequeno repertório vocabular e a disposição das palavras no papel, nos sugere o quê?

      Sugere o movimento da onda.

05 – Do ponto de vista gramatical está faltando preposição, se as colocasse no poema, o que aconteceria?

      A presença da preposição quebraria a fluidez sonora e a semelhança entre as palavras que compõem o poema.

 

 

CONTO: DE MUITO PROCURAR - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

 Conto: DE MUITO PROCURAR

                    Marina Colasanti

        Aquele homem caminhava sempre de cabeça baixa. Por tristeza, não. Por atenção. Era um homem à procura. À procura de tudo o que os outros deixassem cair inadvertidamente, uma moeda, uma conta de colar, um botão de madrepérola, uma chave, a fivela de um sapato, um brinco frouxo, um anel largo demais.

        Recolhia, e ia pondo nos bolsos. Tão fundos e pesados, que pareciam ancorá-lo à terra. Tão inchados, que davam contornos de gordo à sua magra silhueta.

        Silencioso e discreto, sem nunca encarar quem quer que fosse, os olhos sempre voltados para o chão, o homem passava pelas ruas despercebido, como se invisível. Cruzasse duas ou três vezes diante da padaria, não se lembraria o padeiro de tê-lo visto, nem lhe endereçaria a palavra. Sequer ladravam os cães, quando se aproximava das casas.

        Mas aquele homem que não era, via longe. Entre as pedras do calçamento, as rodas das carroças, os cascos dos cavalos e os pés das pessoas que passavam indiferentes, ele era capaz de catar dois elos de uma correntinha partida, sorrindo secreto como se tivesse colhido uma fruta.

        À noite, no cômodo que era toda sua moradia, revirava os bolsos sobre a mesa e, debruçado sobre seu tesouro espalhado, colhia com a ponta dos dedos uma ou outra mínima coisa, para que à luz da vela ganhasse brilho e vida. Com isso, fazia-se companhia. E a cabeça só se punha para trás quando, afinal, a deitava no travesseiro.

        Estava justamente deitando-se, na noite em que bateram à porta. Acendeu a vela. Era um moço.

        Teria por acaso encontrado a sua chave? Perguntou. Morava sozinho, não podia voltar para casa sem ela.

        Eu... Esquivou-se o homem. O senhor, sim, insistiu o moço acrescentando que ele próprio já havia vasculhado as ruas inutilmente.

        Mas quem disse... resmungou o homem, segurando a porta com o pé para impedir a entrada do outro.

        Foi a velha da esquina que se faz de cega, insistiu o jovem sem empurrar, diz que o senhor enxerga por dois.

        O homem abriu a porta.

        Entraram. Chaves havia muitas sobre a mesa. Mas não era nenhuma daquelas. O homem então meteu as mãos nos bolsos, remexeu, tirou uma pedrinha vermelha, um prego, três chaves. Eram parecidas, o moço levou as três, devolveria as duas que não fossem suas.

        Passados dias bateram à porta. O homem abriu, pensando que fosse o moço. Era uma senhora.

        Um moço me disse... Começou ela. Havia perdido o botão de prata da gola e o moço lhe havia garantido que o homem saberia encontrá-lo. Devolveu as duas chaves do outro. Saiu levando seu botão na palma da mão.

        Bateram à porta várias vezes nos dias que se seguiram. Pouco a pouco espalhava-se a fama do homem.

        Pouco a pouco esvaziava-se a mesa dos seus haveres.

        Soprava um vento quente, giravam folhas no ar, naquele fim de tarde, nem bem outono, em que a mulher veio. Não bateu à porta, encontrou-a aberta. Na soleira, o homem rastreava as juntas dos paralelepípedos. Seu olhar esbarrou na ponta delicada do sapato, na barra da saia. E manteve-se baixo.

        Perdi o juízo, murmurou ela com voz abafada, por favor, me ajude.

        Assim, pela primeira vez, o homem passou a procurar alguma coisa que não sabia como fosse. E para reconhecê-la, caso desse com ela, levava consigo a mulher.

        Saíam com a primeira luz. Ele trancando a porta, ela já a esperá-lo na rua. E sem levantar a cabeça ─ não fosse passar inadvertidamente pelo juízo perdido ─ o homem começava a percorrer rua após rua.

        Mas a mulher não estava afeita a abaixar a cabeça. E andando, o homem percebia de repente que os passos dela já não batiam ao seu lado, que seu som se afastava em outra direção. Então parava, e sem erguer o olhar, deixava-se guiar pelo taque-taque dos saltos, até encontrar à sua frente a ponta delicada dos sapatos e recomeçar, junto deles, a busca.

COLASANTI. Marina. Histórias de um viajante. São Paulo: Global, 2005

Entendendo a conto:

01 – O homem, personagem principal do texto, é descrito ao longo do conto. Como ele é?

      Era magro, taciturno, calado e solitário.

02 – A que se referem os adjetivos “fundos e pesados” e “inchados”?

      Referem-se aos bolsos da calça daquele homem.

03 – No trecho: “Mas aquele homem que não era, via longe.” (4.º parágrafo), a que característica do homem o narrador se refere com a expressão em destaque:

      Ao fato de ele andar de cabeça baixa, passava pelos lugares e pelas pessoas desapercebido, por isso o termo “que não era”.

04 – Escreva, de outra forma, a frase “Com isso, fazia-se companhia”, no quinto parágrafo, substituindo o SE por aquilo a que ele se refere:

      Com isso, fazia o seu tesouro de companhia.     

05 – Repare que há um diálogo no trecho que vai do oitavo ao décimo parágrafo. Escreva-o, usando a pontuação característica de um diálogo:

      “-- Eu... Esquivou-se o homem.

       -- O senhor, sim, insistiu o moço acrescentando que ele próprio já havia vasculhado as ruas inutilmente.

        -- Mas quem disse... resmungou o homem, segurando a porta com o pé para impedir a entrada do outro.

        -- Foi a velha da esquina que se faz de cega, insistiu o jovem sem empurrar, diz que o senhor enxerga por dois.”     

06 – O que significam as reticências nesse trecho?

      Foram usadas para indicar a suspensão ou interrupção de uma ideia ou pensamento.

07 – A quem se refere a palavra destacada em: “Devolveu as duas chaves do outro”?

      O outro aqui se refere ao rapaz que havia perdido a chave de casa, e que levou três chaves para ver qual serviria, e então a mulher devolveu as outras duas.

08 – O que significa o termo “seus haveres”? (16.º parágrafo)?

      Refere-se aos seus achados e perdidos.

09 – A chegada da mulher provocou inicialmente duas mudanças na vida do homem. Quais?

      Ele passou a procurar alguma coisa que não sabia como fosse e o homem também acabou perdendo o juízo.

10 – O que significa a expressão “afeita a abaixar a cabeça”, no último parágrafo?

      Significa que não estava disposta a abaixar a cabeça; andava altiva.

CRÔNICA: PATCHWORK - MARTHA MEDEIROS - COM GABARITO

 Crônica: PATCHWORK                       

    Martha Medeiros

   Eu acho a maior graça nesses anúncios ou reportagens que segmentam as pessoas por estilo, para facilitar a escolha de presentes. Para o pai esportista, para a mãe que vive correndo, para o namorado poliglota, para a namorada hare krishna...

        E você, qual é seu estilo?

        O meu estilo é o clássico – esportivo – praiano – urbano – roqueiro – casual – elétrico – aventureiro – viajandão – racional – romântico – sensato – internacional – cultural – marombeiro –divertido – indiano – inglês – caseiro – diurno – ansioso – e – pacato. Seja qual for o presente que você me der, vai acertar na mosca.

        Qualquer estilo que a gente cultive é farsa. Impor um rótulo a si mesmo é o que de pior podemos fazer. A gente se acostuma a privilegiar um lado acentuado que temos – workaholic, por exemplo – e nos apresentarmos ao mundo como tal. Vale para outras “etiquetas”: surfista, rato de biblioteca, perua, seminarista. É atrás de uma dessas máscaras que você se esconde?

        Surfistas que ficam gatésimos de terno e gravata e guardam embaixo da cama pilhas de livros sobre filosofia. Ratas de biblioteca que passam a noite dançando funk com um grupo da pesada. Peruas que praticam natação quatro vezes por semana. Seminaristas que levam no braço uma tatuagem igual à da Angelina Jolie: que estilos são esses?

        É o estilo que eu mais adoro: faço-eu-mesmo. É o cara que não criou um estilo, ele é o estilo. Não há influência de revistas, modismos e tendências. Ele é o estilo-contradição, estilo-surpresa, estilo-sem-estilo. Acho que foi Aristóteles (olha eu fazendo o estilo intelectual) que disse que estilo não existe, que o estilo é uma emancipação do seu próprio ser.

        Ou você tem um estilo próprio, que forçosamente será múltiplo, como é a nossa alma verdadeira, ou você adota um estilo, e ele será monótono e nauseante. Estilo bom é estilo exclusivo, inclassificável. Ou você deixa ele nascer naturalmente em você ou passará ganhando os mesmos presentes a vida inteira.

MEDEIROS, Martha. Montanha-russa: crônicas. Porto Alegre: L&PM, 2011.

Entendendo a crônica:

01 – No primeiro parágrafo, a cronista se dirige ao seu interlocutor. Em que trecho do texto isso aparece explicitamente?

      “E você, qual é seu estilo?”

02 – No segundo parágrafo, a cronista brinca com as palavras, criando uma superpalavra com o uso do hífen. Qual o significado dessa palavra?

      Ele criou um neologismo (palavra criada de termos novos, adaptação de termo para traduzir algum invento).

03 – Por que a cronista afirma que “Seja qual for o presente que você me der, vai acertar na mosca.”? (Segundo parágrafo).

      Ela se classificou com todos os estilos, então qualquer presente combina com ela.

04 – Que palavra está relacionada a Máscaras, no terceiro parágrafo?

      Está relacionado a farsa, ou seja, impor rótulos a si mesmo é muito ruim, mostra a falta de personalidade.     

05 – Qual a função das aspas na palavra “etiquetas”, no terceiro parágrafo?

      A função das aspas é destacar a palavra “etiquetas” no texto, informando que além dos estilos citados existe outras “etiquetas”, que não foram mencionadas.

06 – Que neologismo aparece no quarto parágrafo?

      Gatésimos. A palavra gato + uma forma de superlativo com desinência em “ésimo”. Por não existir, foi criada, daí o neologismo.

07 – O último parágrafo do texto está construído com orações coordenadas alternativas. Que conectivo introduz a ideia contida nessas orações?

      O conectivo é ou no sentido de alternância

CRÔNICA: A MENSAGEM NA GARRAFA - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 Crônica: A MENSAGEM NA GARRAFA

                  Moacyr Scliar.

    Como outros escritores veteranos recebo muitas obras de estreantes. Livros de contos, de poesia, crônicas, um ou outro romance; edições modestas, precárias até, várias delas obviamente pagas pelos próprios autores ─ é difícil arranjar editora quando se está começando. Sempre que posso mando algumas linhas para o remetente, ao menos para dizer que o livro chegou e que, se possível, vou lê-lo. Faço isso porque lembro o jovem escritor que fui, a ansiedade com que procurava fazer chegar meus textos às mãos de pessoas que conhecia e admirava. Esses dias recebi de um contista do Nordeste uma carta em que ele me agradece o fato de lhe ter respondido. E diz: “O difícil não é a gente escrever; difícil, mesmo, é encontrar alguém que leia o que a gente escreve. Pior do que não ter a quem contar o que a gente sente é contar o que a gente sente a quem não sente o que a gente conta.” ***

        Nestas frases está todo o drama da incomunicabilidade humana. Todos nós temos os nossos sofrimentos, as nossas angústias; todos nós queremos expressar essas coisas sob a forma de palavras, faladas ou, como acontece em alguns casos, escritas. Se há talento nisso, se o desabafo se transforma em literatura, é outra questão. O ponto crucial é que temos mensagens a transmitir, precisamos transmiti-las e não sabemos se alguém vai recebê-las. Aí se aplica a clássica metáfora do náufrago na ilha deserta que escreve um bilhete, e coloca-o numa garrafa e joga-a ao mar. Essa garrafa chegará a alguém? E esse alguém fará alguma coisa pelo náufrago? Ou estará o potencial salvador tão envolvido com seus próprios problemas que jogará fora garrafa e bilhete?

        Nós temos, sim, a capacidade de entender o outro, de corresponder a seu anseio. Chama-se empatia isso. Mas a capacidade de ser empático varia de pessoa a pessoa, e numa mesma pessoa varia com sua disposição momentânea. Há momentos em que estamos dispostos a recolher a garrafa da areia da praia e ler a mensagem que ali está. E, em outros momentos, passamos pela mesma garrafa e a vemos como prova de que as pessoas jogam lixo em qualquer lugar. ***

        Os escritores não estão imunes a essas dúvidas e ansiedades. Ninguém escreve para a gaveta; todo mundo escreve para ser lido. Não necessariamente por multidões; cem leitores já me bastariam, dizia o grande Flaubert, que hoje é lido por milhões. Franz Kafka, um dos escritores mais revolucionários do século XX, tinha um público muito reduzido; conta-se que, quando foi publicada uma de suas obras, ele perguntou numa livraria próxima à sua casa quantos exemplares haviam sido vendidos. Onze, foi a resposta do livreiro. “Dez fui eu que comprei”, replicou Kafka, acrescentando: “Eu só queria saber quem foi o décimo primeiro.” Ao morrer (ainda jovem, de tuberculose), Kafka pediu ao amigo Max Brod que destruísse os originais ainda inéditos: era coisa que não valia a pena. Brod não atendeu a esse pedido e a humanidade lhe agradece: graças a ele, temos acesso a uma obra extraordinária.

        [...] Só vivemos realmente se contraímos laços com outras pessoas, e para estabelecer esses laços usamos a palavra falada ou escrita. É a nossa mensagem na garrafa. Só resta esperar que as mensagens cheguem a seu destino.

SCLIAR, Moacyr. Contos e crônicas para ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2011.

Entendendo a crônica:

01 – Transcreva do primeiro parágrafo uma frase em que há:

a)   Uma comparação.

“Como outros escritores veteranos recebo muitas obras de estreantes”.

b)   Uma opinião.

“— É difícil arranjar editora quando se está começando.”

c)   Uma condição.

“Sempre que posso mando algumas linhas para o remetente...”.

02 – Segundo o cronista, o que todos nós desejamos? (Segundo parágrafo)

      Todos nós queremos expressar essas coisas sob a forma de palavras, faladas ou, como acontece em alguns casos, escritas.

03 – Qual a definição de empatia presente no texto?

      É a capacidade de entender o outro, de corresponder a seus anseio.

04 – A que se refere o termo destacado em “E, em outros momentos, passamos pela mesma garrafa e a vemos como prova de que as pessoas jogam lixo em qualquer lugar”?

      Refere-se a garrafa, que a vemos como uma garrafa qualquer, não damos importância. Que isto depende de nosso estado de espírito.

05 – No trecho que se segue, marque a causa: “Kafka pediu ao amigo Max Brod que destruísse os originais ainda inéditos: era coisa que não valia a pena”.

      A causa foi ter ido numa livraria próxima à sua casa e perguntado quantos exemplares de seu livro havia sido vendido; o livreiro disse onze, sendo que dez foi o próprio Kafka que comprou.

06 – Retire do texto um trecho que explicita o diálogo com o leitor.

      “Só vivemos realmente se contraímos laços com outras pessoas, e para estabelecer esses laços usamos a palavra falada ou escrita.”