domingo, 7 de abril de 2019

CONTO: ENTRE O LEÃO E O UNICÓRNIO - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

Conto: Entre o Leão e o Unicórnio           
               Marina Colasanti

        "No meio da noite de núpcias, o rei acordou tocado pela sede. Já ia se levantar, quando junto à cama, do lado da sua recém-esposa, viu deitado um leão. 
        -- Na certa – pensou o rei mais surpreso do que assustado –, estou tendo um pesadelo.
        E mudando de posição para interromper o sonho mau, deitou a real cabeça sobre o real travesseiro. Em seguida, adormeceu. 
        De fato, na manhã seguinte, o leão havia desaparecido sem deixar cheiro ou rastro. E o rei logo esqueceu de tê-lo visto.
        Esquecido ficaria, se dali a algum tempo, acordando à noite entre um suspiro e um ronco, não deparasse com ele no mesmo lugar, fulvo e vigilante. Dessa vez, custou mais a adormecer.
        Quando a rainha despertou, o rei contou-lhe do estranho visitante noturno que já por duas vezes se apresentava em seu quarto. 
        -- Oh! Senhor meu marido – disse-lhe esta constrangida –, não ousei revelar antes do casamento, mas desde sempre esse leão me acompanha. Mora na porta do meu sono, e não deixa ninguém entrar ou sair. Por isso não tenho sonhos, e minhas noites são escuras e ocas como poço.
        Penalizado, o rei perguntou o que poderia fazer para livrá-la de tão cruel carcereiro.
        -- Quando o leão aparecer – respondeu ela – pegue a espada e corte-lhe as patas.
        Naquela mesma noite, antes de deitar, o rei botou ao lado da cama sua espada mais afiada. E assim que abriu os olhos na semi-escuridão, zac! Decepou as patas da fera de um só golpe. Depois, mais sossegado, retomou o sono. 
        Durante algum tempo dormiu todas as noites até de manhã, sem sobressaltos. Mas numa madrugada quente em os edredons de pluma pareciam pesar sobre seu corpo, acordando todo suado viu que o quarto real estava invadido por dezenas de beija-flores e que um enxame de abelhas se agrupava na cabeceira. Depressa cobriu a cabeça com o lençol, e debaixo daquela espécie de mortalha atravessou as horas que ainda que ainda o separavam do nascer do dia. Só ao perceber o primeiro espreguiçar-se da rainha, emergiu de dentro da cama, contando-lhe da bicharada.
        -- É que dormindo ao seu lado, meu caro esposo, cada vez mais doces e mais floridos se fazem meus sonhos – explicou ela, sorrindo com ternura. 
        E ele, desvanecido com tanto amor, pousou-lhe um beijo na testa.
        Muitos meses se foram, tranquilos.
        Porém uma noite, tendo jantado mais do que devia à mesa do banquete, o rei acordou em meio ao silêncio. Levantou-se disposto a tomar um pouco de ar no balcão, quando, caracoleando sobre o mármore real do aposento, viu aproximar-se um unicórnio azul.
        Não ousou tocar animal tão inexistente. Não ousou voltar para cama. Perplexo, saiu para o terraço, fechou rapidamente as portas envidraçadas, e encolhido num canto esperou que a manhã lhe permitisse interpelar a rainha.
        -- É a montada da minha imaginação – escusou-se ela. – Leva meus sonho lá onde eu não tenho acesso. Galopa a noite inteira sem que eu tenha controle.
        Tão bonito pareceu aquilo ao rei, que na noite seguinte, quer por desejo, quer por acaso, no momento em que a mulher adormeceu, ele acordou. Lá estava o unicórnio com seu chifre de cristal, batendo de leve os cascos, pronto para a partida. Desta vez o rei não temeu. Levou-lhe a mão ao pescoço, alisou o suave azul do pelo, e de um salto montou.
        Unicórnios de sonho não relincham. Aquele levantou a cabeça, sacudiu a crina, e como se pisasse nos caminhos do vento, partiu a galope. 
        Galoparam a noite toda. Mas antes que o sol nascesse, quando a escuridão apenas começava a derreter-se no horizonte, os cascos mais uma vez pousaram no mármore. E a real cabeça deitou-se no travesseiro. 
        -- Sonhei que vossa majestade fugia com a montada de minha imaginação – disse a rainha ao esposo, de manhã. – Mas estou bem contente em vê-lo agora aqui ao meu lado – acrescentou numa reverência.
        O rei, porém, mal conseguia esperar pelo fim do dia. Tão rica e vasta havia sido a viagem, que só desejava montar novamente naquele dorso, e, azul no ar azul, descobrir novos rumos. Pela primeira vez as tarefas da coroa lhe pareceram pesadas, e tediosa a corte. Da rainha, só desejava que, rápido, adormecesse. 
      Desta forma, noite após noite, partiu o rei nas costas do unicórnio, para só retornar ao amanhecer.
        E a cada noite, mais diferente ficou. 
        Já não queria guerrear, nem dançar nos salões. Já não se interessava por caçadas ou tesouros. Trancado sozinho na sala do trono durante horas, pensava e pensava, galopando na lembrança, livre como o unicórnio. 
        Ressentia-se porém a rainha com aquela ausência. Doente, quase, de tanta desatenção, mandou por fim chamar a mais fiel das suas damas de companhia. E em grande segredo deu-lhes as ordens: deveria esconder-se debaixo da cama real, cuidando para não ser vista. E ali esperar pelo sono da rainha. Tão logo esta adormecesse, veria surgir um leão sem patas. Que não temesse. Pegasse as patas que jaziam decepadas à sua frente, e, com um fio de seda, as costurasse no lugar. 
        Tendo obtido da moça a promessa de que tudo faria conforme o explicado, deitou-se a rainha logo ao escurecer, pretextando grande cansaço. No que foi imediatamente acompanhada pelo rei.
        Custava porém o sono chegar. Virava-se e revirava-se o casal real sobre o colchão, enquanto embaixo a dama de companhia esperava. E de tanto esperar, o sono acabou chegando primeiro para ela que, sem perceber, adormeceu.
        Acordou noite alta, quando há muito o unicórnio vindo buscar o seu ginete. Assustada, não querendo faltar com a promessa e ouvindo o ressonar da rainha, rastejou para fora da cama. Lá estava o leão, deitado e imóvel. Lá estavam as patas à sua frente. Rapidamente pegou a agulha enfiada com longo fio de seda, e em pontos bem firmes costurou uma pata. Depois a outra. 
        Leões de sonho não rugem. Aquele levantou a cabeça, sacudiu a juba e firme sobre as patas retomou a sua tarefa de guardião. Nenhum sonho mais sairia das noites da rainha. Nenhum entraria. Nem mesmo aquele em que um unicórnio azul galopava e galopava, levando no dorso um rei para sempre errante."
               Marina Colasanti. Doze reis e a moça do labirinto do vento.
São Paulo: Global, 1999.
Entendendo o conto:
01 – No conto de Marina Colasanti, há personagens típicas de contos de fadas. Que personagens são essas?
      O rei e a rainha, a ajudante da rainha.

02 – Uma das características dos contos de fadas é a presença de elementos mágicos. Em “Cinderela”, há a fada madrinha, que tem poderes mágicos. Em “Oochigeaskw”, o ser misterioso é invisível. No conto “Entre leão e unicórnio”, quais os elementos mágicos mais evidentes?
      Os sonhos da rainha se materializarem no quarto real e o fato de o rei poder passear por esses sonhos. Há também o unicórnio, um animal inexistente.

03 – Observe:
        [...] Levantou-se disposto a tomar um pouco de ar no balcão, quando, caracoleando sobre o mármore real do aposento, viu aproximar-se um unicórnio azul.
        Não ousou tocar animal tão inexistente. Não ousou voltar para a cama. [...]
        Ao contrário do leão, o unicórnio é um “animal tão inexistente”.
a)   Você sabe o que é um unicórnio?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: É um animal presente na mitologia de muitos povos, trata-se de um cavalo com um único chifre no meio da cabeça.

b)   Para você, se o unicórnio é um animal inexistente, como ele podia existir nos sonhos da rainha?
Resposta pessoal do aluno.

c)   Nas histórias que você lê, ouve, ou vê (na televisão, por exemplo), há muitas criaturas e seres como o unicórnio do conto de Marina Colasanti?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sim, como nos desenhos e filmes como: super-herói, mágicos, criaturas de outros planetas, conforme a imaginação de quem as cria.

d)   Em sua opinião, por que as pessoas “inventam” histórias com seres “tão inexistentes”?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Porque a ficção está presente nas culturas em geral.

04 – Além dos sentidos evidentes da história, que interpretações você poderia dar ao fato de o rei ter ficado preso nos sonhos da rainha?
      É que os contos de fadas, em geral, abordam tramas psicológicas de ordem estrutural, vividas por todos nós, sobretudo na infância. Entre outras interpretações, pode-se dizer que a história aborda a questão da dependência, quando a pessoa se perde de si ao se identificar totalmente com o outro.

05 – Observe: "No meio da noite de núpcias, o rei acordou tocado pela sede. Já ia se levantar, quando junto à cama, do lado da sua recém-esposa, viu deitado um leão.”
a)   A palavra recém-esposa forma-se pelo acréscimo do prefixo recém à palavra esposa. Que sentido essa palavra tem?
Recém-esposa designa a pessoa que acabou de se tornar esposa.

b)   Localize no conto “Entre o Leão e o Unicórnio” e copie no caderno um indício que comprova sua resposta.
O conto refere-se à noite de núpcias, que é a primeira noite que um casal recém-casado passa junto. “No meio da noite de núpcias...”

c)   Copie esse mesmo prefixo no caderno e utilize-o para formar palavras que significam:
1 – Um trabalho que acabou de ser concluído. Recém-concluído.
2 – Um alimento que acabou de ser preparado. Recém-preparado.
3 – Um objeto que acabou de ser fabricado. Recém-fabricado.
Escolha uma das palavras assim formadas e faça no caderno uma frase com ela.
      Resposta pessoal do aluno.

06 – Releia atentamente o trecho a seguir:
        “De fato, na manhã seguinte, o leão havia desaparecido sem deixar cheiro ou rastro. E o rei logo esqueceu de tê-lo visto.
        Esquecido ficaria, se dali a algum tempo, acordando à noite entre um suspiro e um ronco, não deparasse com ele no mesmo lugar, fulvo e vigilante. Dessa vez, custou mais a adormecer.
        Quando a rainha despertou, o rei contou-lhe do estranho visitante noturno que já por duas vezes se apresentava em seu quarto.”

a)   Localize no dicionário os significados da palavra fulvo.
De cor amarelo-dourado, castanha; louro.

b)   No trecho transcrito, essa palavra é um substantivo ou adjetivo? Explique.
Adjetivo. Emprega-se para caracterizar o leão.

c)   A quem ou a que essa palavra se refere?
Refere-se ao leão.

07 – Ao longo de um texto, para referir-se a um mesmo ser (ou a um mesmo assunto), podem-se empregar palavras ou expressões variadas. Esse ser (ou assunto) que recebe designações diversas ao longo de um texto é o que chamamos de referente.
a)   Localize no trecho da questão 06 as palavras ou expressões que se referem ao leão.
-Lo; ele; estranho visitante noturno; se (na ordem em que aparecem no trecho).

     b) Releia todo o texto atentamente e localize outras palavras e expressões que se referem ao leão e palavras ou expressões que se referem ao unicórnio. Registre essas palavras ou expressões em seu caderno, separando-as em duas colunas: as palavras referente ao leão e as referente ao unicórnio.
      Leão: esse leão, tão cruel carcereiro, lhe, fera, um leão sem patas, aquele, guardião.

      Unicórnio: unicórnio azul, animal tão inexistente, a montada da minha imaginação, lhe, aquele, aquele dorso.

08 – Para formar o adjetivo visitante (no texto aparece na alinha 14), elimina-se a terminação -r de um verbo e acrescenta-se a terminação -nte.
a)   Que verbo é esse?
Visitar.

b)   Que sentido a palavra visitante tem no texto?
Aquele que visita.

c)   Outros adjetivos do texto também são formados a partir de verbos, com a terminação -nte. Indique-os.
Vigilante (de vigiara), inexistente (de inexistir), errante (de errar), seguinte (de seguir).



CRÔNICA: CHAPEUZINHO VERMELHO DE RAIVA - MÁRIO PRATA - COM GABARITO

Crônica: Chapeuzinho Vermelho de Raiva

                                           Mário Prata

        – Senta aqui mais perto, Chapeuzinho. Fica aqui mais pertinho da vovó, fica.
        – Mas vovó, que olho vermelho… E grandão… Que que houve?
        – Ah, minha netinha, estes olhos estão assim de tanto olhar para você. Aliás, está queimada, heim?
        – Guarujá, vovó. Passei o fim de semana lá. A senhora não me leva a mal, não, mas a senhora está com um nariz tão grande, mas tão grande! tão esquisito, vovó.
        – Ora, Chapéu, é a poluição. Desde que começou a industrialização do bosque que é um Deus nos acuda. Fico o dia todo respirando este ar horrível. Chegue mais perto, minha netinha, chegue.
        – Mas em compensação, antes eu levava mais de duas horas para vir de casa até aqui e agora, com a estrada asfaltada, em menos de quinze minutos chego aqui com a minha moto.
        Pois é, minha filha. E o que tem aí nesta cesta enorme?
        Puxa, já ia me esquecendo: a mamãe mandou umas coisas para a senhora. Olha aí: margarina, Helmmans, Danone de frutas e até uns pacotinhos de Knorr, mas é para a senhora comer um só por dia, viu? Lembra da indigestão do carnaval?
        – Se lembro, se lembro…
        – Vovó, sem querer ser chata.
        Ora, diga.
        – As orelhas. A orelha da senhora está tão grande. E ainda por cima, peluda. Credo, vovó!
        – Ah, mas a culpada é você. São estes discos malucos que você me deu. Onde se viu fazer música deste tipo? Um horror! Você me desculpe porque foi você que me deu, mas estas guitarras, é guitarra que diz, não é? Pois é; estas guitarras são muito barulhentas. Não há ouvido que aguente, minha filha. Música é a do meu tempo. Aquilo sim, eu e seu finado avô, dançando valsas… Ah, esta juventude está perdida mesmo.
        – Por falar em juventude o cabelo da senhora está um barato, hein? Todo desfiado, pra cima, encaracolado. Que qué isso?
        – Também tenho que entrar na moda, não é, minha filha? Ou você queria que eu fosse domingo ao programa do Chacrinha de coque e com vestido preto com bolinhas brancas?
        Chapeuzinho pula para trás:
        – E esta boca imensa???!!!
        A avó pula da cama e coloca as mãos na cintura, brava:
        – Escuta aqui, queridinha: você veio aqui hoje para me criticar é?! 

              Apud S. C. Meserani e M. Kato. Linguagem: criatividade.
São Paulo: Saraiva, 1978.
Entendendo a crônica:
01 – Você conhece a história de Chapeuzinho Vermelho? Que diferenças há entre o conto de fadas original e esse que você acaba de ler?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Que a expectativa é frustrada: a vovó que conversa com a Chapeuzinho é a vovó mesmo, e não o lobo mau disfarçado.

02 – Quando você lê esse texto em voz alta, tem a impressão de que as personagens estão conversando de verdade? Por quê?
      Resposta pessoal do aluno.

03 – No texto, algumas expressões foram destacadas. São expressões que costumamos utilizar apenas na linguagem oral (falada), nas nossas conversas. Por isso são chamadas de marcas de oralidade. Em sua opinião, por que, nesse texto escrito, há tantas marcas da oralidade?
      Porque trata-se de um texto dialogado, as falas imitam a conversação real e por isso estão carregadas de marcas da oralidade.

04 – A gíria também é marca de oralidade. Você consegue identificar alguma gíria no texto e sabe o que ela significa? A propósito, você sabe o que é gíria?
      A gíria que aparece no texto é “barato”, e pode significar “interessante”, “diferente”, “divertido”. Resposta pessoal do aluno.
05 – No texto, como essa gíria aparece escrita? Há algum sinal especial para indica-la?
      Aparecem escritas entre aspas.

06 – Que outras gírias você conhece? Quais você utiliza para conversar com seus colegas, amigos ou conhecidos?
      Resposta pessoal do aluno.

07 – Das gírias que você encontrou, quais você não usa ou não usaria? Por quê?
      Resposta pessoal do aluno.

08 – Releia o texto “Chapeuzinho Vermelho de Raiva” para observar algumas palavras.
a)   Você já sabe que se trata de um diálogo e que os interlocutores são Chapeuzinho e a vovó. Observe as falas de Chapeuzinho: que palavras ela utiliza para se dirigir à vovó? E que palavras ela utiliza para se referir a ela mesma? Copie no caderno trechos do texto que mostram essas palavras.
Para se referir à vovó: vovó, a senhora; a ela mesma: eu, me.

b)   Que palavras ou expressões a vovó utiliza para se referir a Chapeuzinho e a ela mesma?
Para se referir a Chapeuzinho: você, minha netinha, minha filha, queridinha; a ela mesma: eu, me.

c)   Você percebeu que as duas personagens utilizam as mesmas palavras quando falam sobre si mesmas? Que palavras você utiliza para se referir a você mesmo(a)?
Eu, me, mim.
 



TEXTO: NINGUÉM SE BANHA DUAS VEZES NO MESMO RIO - JOSÉ SARAMAGO - COM GABARITO

Texto: Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio
                  
                    José Saramago

 “Estou deitado na margem. Dois barcos, presos a um tronco de salgueiro cortado em remotos tempos, oscilam ao jeito do vento, não da corrente, que é macia, vagarosa, quase invisível. A paisagem em frente, conheço-a. Por uma aberta entre as árvores, vejo as terras lisas da lezíria, ao fundo uma franja de vegetação verde-escura, e depois, inevitavelmente, o céu onde boiam nuvens que só não são brancas porque a tarde chega ao fim e há o tom de pérola que é o dia que se extingue. Entretanto, o rio corre. (…)
        Três metros acima da minha cabeça estão presos nos ramos rolos de palha, canalhas de milho, aglomerados de lodo seco. São os vestígios da cheia. À esquerda, na outra margem, alinham-se os freixos que, a esta distância, por obra do vento que Ihes estremece as folhas numa vibração interminável, me fazem lembrar o interior de uma colmeia. (…)
        Entretanto, enquanto vou pensando, o rio continua a passar, em silêncio. Vem agora no vento, da aldeia que não está longe, um lamentoso toque de sinos: alguém morreu, sei quem foi, mas de que serve dizê-Io? Muito alto, duas garças brancas (ou talvez não sejam garças, não importa) desenham um bailado sem princípio nem fim: vieram inscrever-se no meu tempo, irão depois continuar o seu, sem mim.
        Olho agora o rio que conheço tão bem. A cor das águas, a maneira como escorregam ao longo das margens, as espadanas3 verdes, as plataformas de limos onde encontram chão as rãs, onde as libélulas (também chamadas tira-olhos) pousam a extremidade das pequenas garras – este rio é qualquer coisa que me corre no sangue, a que estou preso desde sempre e para sempre. Naveguei nele, aprendi nele a nadar, conheço-lhe os fundões e as locas onde os barbos pairam imóveis. É mais do que um rio, é talvez um segredo.
        E, contudo, estas águas já não são as minhas águas. O tempo flui nelas, arrasta-as e vai arrastando na corrente líquida, devagar, à velocidade (aqui, na terra) de sessenta segundos por minuto. Quantos minutos passaram já desde que me deitei na margem, sobre o feno seco e doirado? Quantos metros andou aquele tronco apodrecido que flutua? O sino ainda toca, a tarde teve agora um arrepio, as garças onde estão? Devagar, levanto-me, sacudo as palhas agarradas à roupa, calço-me. Apanho uma pedra, um seixo redondo e denso, lanço-o pelo ar, num gesto do passado. Cai no meio do rio, mergulha (não vejo, mas sei), atravessa as águas opacas, assenta no lodo do fundo, enterra-se um pouco. (…)
        Desço até à água, mergulho nela as mãos, e não as reconheço. Vêm-me da memória outras mãos mergulhadas noutro rio. As minhas mãos de há trinta anos, o rio antigo de águas que já se perderam no mar. Vejo passar o tempo. Tem a cor da água e vai carregado de detritos, de pétalas arrancadas de flores, de um toque vagaroso de sinos. Então uma ave cor de fogo passa como um relâmpago. O sino cala-se. E eu sacudo as mãos molhadas de tempo, levando-as até aos olhos – as minhas mãos de hoje, com que prendo a vida e a verdade desta hora.”

SARAMAGO, José. Deste mundo e do outro. Lisboa: Editorial Caminho, 1985.
Entendendo o texto:

01 – O texto que você leu é predominantemente descritivo. O observador apresenta suas impressões a respeito do tempo comparando-o a um rio e afirma: “Estou deitado na margem”. Explique o significado dessa frase.
      Por meio dessa frase, percebe-se que o narrador observa o rio e o tempo como se estivesse do lado de fora, como se não estivesse imerso no tempo.

02 – No 2° parágrafo, o observador compara a vibração das folhas ao interior de uma colmeia. Por que é possível afirmar que essa é uma comparação subjetiva?
      Porque é criada pela imaginação do observador.

03 – Ao ler o 4° parágrafo, percebe-se que existe uma ligação maior entre o observador e o rio. De que forma se pode comprovar essa ideia no texto?
      O observador relata seu profundo conhecimento sobre o rio, suas características e a paisagem que o cerca. Sente como se as águas do rio fossem seu próprio sangue ou sua vida, pois ali cresceu com suas lembranças.

04 – Explique por que o observador diz, no 5° parágrafo, que “Estas águas já não são as minhas águas”.
      Como o tempo passa rapidamente, as águas também fluem e mudam. Portanto, já não são as mesmas águas de quando ele ali adormeceu; elas se renovaram.

05 – Ainda no 5° parágrafo, o observador indica alguns possíveis destinos para a pedra. Compare esses destinos às possíveis atitudes das pessoas em relação ao tempo.
      As pessoas, assim como as pedras, podem ficar “paradas” no tempo, negando-se a seguir com ele (“enterra-se um pouco”); podem mudar de lugar, ir para longe ou mesmo mudar de lugar e retornar às suas origens.

06 – No último parágrafo, o observador sente-se um estranho, ao mergulhar suas mãos nas águas do rio
a)   O que o faz imaginar-se tão diferente naquele momento?
Ele compara suas mãos de trinta anos atrás com as de hoje, mais gastas pelo tempo. E, assim como as águas do passado que fluíram para o mar e não são mais as mesmas, o observador percebe que o tempo se foi e que ele se modificou.

b)   Interprete esta imagem: “E eu sacudo as mãos molhadas de tempo”.
Sacudindo as mãos, ele está sacudindo a água e o tempo guardados ou contidos até aquele momento.

07 – Por que o observador tenta reter com suas mãos, no presente, “A vida e a verdade” daquela hora?
      Ele sabe que tudo vai passar brevemente, pois o tempo transforma a vida num momento efêmero.

08 – Explique o título do texto: “Ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”.
      O observador compara o correr do rio ao passar do tempo. Assim como a água passa e não volta, sempre fluindo na mesma direção, o tempo passa e não volta. O rio muda a cada segundo. O tempo muda a cada segundo.



POEMA: MEUS AMIGOS - PAULO LEMINSKI - COM GABARITO

Poema: MEUS AMIGOS

Meus amigos
quando me dão a mão
sempre deixam
outra coisa

presença
olhar
lembrança-calor

meus amigos
quando me dão
deixam na minha
a sua mão
                                   Paulo Leminski

Entendendo o poema:
01 – Quantas estrofes e quantos versos tem o poema?
      Possui 03 estrofes e 11 versos.

02 – O poema tem rimas finais? Tem rimas internas?
      Rima final, só na última estrofe: dão/mão. Rimas internas: dão/mão (1ª estrofe); presença/lembrança(calor) (2ª estrofe).

03 – A “presença” dos amigos que fica nas mãos do poeta marca – se por duas sensações: uma física e uma psicológica. Identifique – as.
      Física: calor; psicológica: lembrança.

04 – É possível afirmar que os traços dessa presença são tão fortes que o poeta não consegue separá-los. Que recurso ele teve de empregar para expressar esse fato?
     Um substantivo composto: lembrança-calor.

05 – Na última estrofe, o poeta omite intencionalmente uma palavra que já ocorreu no texto. Qual palavra?
      Mão no segundo verso.

06 – A palavra mão tem muitos significados em português. Atribua a ela um significado adequado em cada frase:
a) Tinha ótima mão para cerâmica.
      Habilidade, destreza.

b) O poder passou às mãos da oposição.
      Controle.

c) Cuidado! Esta rua não dá mão à esquerda!
     Sentido em que um veículo deve transitar. 
     
d) Acho que esta sua redação tem mão de seu pai…
      Influência, intervenção.



POESIA: CARTAS CHILENAS - TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA - COM GABARITO

Poesia: Cartas Chilenas
          Tomás Antônio Gonzaga


    Fragmento: Carta 3ª - Em que se contam as injustiças, e violências, que Fanfarrão executou, por causa de uma Cadeia, a que deu princípio.

“Estes tristes mal chegam são julgados
Pelo benigno Chefe a cem açoites.
Tu sabes, Doroteu, que as leis do Reino
Só mandam que se açoitem com a sola
Aqueles agressores, que estiverem
Nos crimes quase iguais aos réus de morte.


Tu também não ignoras, que os açoites
Só se dão por desprezo nas espáduas;
Que açoitar, Doroteu, em outra parte
Só pertencem aos Senhores, quando punem
Os caseiros delitos dos escravos.
Pois todo este direito se pretere.
No pelourinho a escada já se assenta,
Já se ligam dos réus os pés, e os braços,
Já se descem calções, e se levantam,
Das imundas camisas rotas fraldas.
Já pegam dois verdugos nos zorragues,
Já descarregam golpes desumanos,
Já soam os gemidos, e respingam
Miúdas gotas de pisado sangue.
Uns gritam, que são livres, outros clamam
Que as sábias leis do Reino os julgam brancos;
Este diz, que não tem algum delito,
Que tal rigor mereça; aquele pede
Do injusto Acusador ao Céu vingança.
Não afrouxam os braços dos verdugos,
Mas antes com tais queixas se duplica
A raiva dos tiranos, qual o fogo
Que ao sopro do vento ergue as chamas.
Às vezes, Doroteu, se perde a conta
Dos cem açoites, que no meio estavam
Mas outra nova conta se começa.
Os pobres miseráveis já não gritam,
Cansados de gritar; apenas soltam
Alguns fracos suspiros, que enternecem.”

      GONZAGA, Tomás Antônio. In: A poesia no Brasil,
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, v.1.
Entendendo a poesia:
01 – “Estes tristes, mal chegam, são julgados / Pelo benigno Chefe a cem açoites.” Que figura de linguagem ocorre nessa passagem?
a)   Metáfora.
b)   Hipérbole.
c)   Ironia.
d)   Gradação.

02 – O eu lírico acusa o governador de duas faltas graves:
a)   Aplicar o castigo do açoite, que só era permitido aos senhores de escravos, e açoitar os réus nas espáduas.
b)   Aplicar indevidamente o castigo do açoite nos escravos e puni-los por delitos caseiros.
c)   Aplicar o castigo do açoite nos senhores de escravos e trata-los como se fossem réus de morte.
d)   Aplicar indevidamente o castigo do açoite e açoitar os réus como se fossem escravos.

03 – Que efeito produz na poesia a repetição do advérbio ?
      Ela acentua a rapidez das cenas.

04 – Que comentário do eu lírico, ao descrever a aplicação do castigo do açoite, acentua a crueldade dos carrascos?
      Ele diz que, quando os carrascos perdem a conta, recomeçam a contar, aumentando assim cruelmente o castigo.


quinta-feira, 4 de abril de 2019

MÚSICA(ATIVIDADES): MARINHEIRO SÓ - CAETANO VELOSO - COM GABARITO

Música(Atividades): Marinheiro Só

                                  Caetano Veloso
                                           Compositor: Domínio Público
EU não sou daqui
Marinheiro só
Eu não tenho amor
Marinheiro só
Eu sou da bahia
Marinheiro só
De são salvador
Marinheiro só

Ô, marinheiro marinheiro
Marinheiro só
Ô, quem te ensinou a nadar
Marinheiro só
Ou foi o tombo do navio
Marinheiro só
Ou foi o balanço do mar
Marinheiro só

Lá vem, lá vem
Marinheiro só
Como ele vem faceiro
Marinheiro só
Vem todo de branco
Marinheiro só
Com o seu bonezinho
Marinheiro só.

Entendendo a canção:
01 – Quantos versos possuem a canção?
      Possui vinte e quatro versos.

02 – Liste as palavras encontradas no texto, que podem rimar:
      Palavras que rimam: “Amor/Salvador”; “Nadar/mar”.

03 – Quais palavras são relacionadas ao universo marítimo?
      Marinheiro – Navio – Mar.

04 – Quais palavras caracterizam o Marinheiro? Monte o perfil.
      Ele sabe nadar; veste branco e usa bonezinho.

05 – Qual estado brasileiro é citado na canção? Exponha sua visão acerca da cultura existente neste estado.
      O Estado é a Bahia. Porto de Salvador é localizado na cidade de Salvador. Já o embarque e desembarque de cargas é operado desde 2000.
      Ele é conectado ao centro da cidade de Salvador pelo centro histórico. O porto está localizado na região da cidade baixa. 

06 – Por que esta música é cantada em diversas manifestações culturais? Cite pelo menos um exemplo destas manifestações.
      Porque a canção sempre teve uma ligação muito forte no porto como os estivadores; retratam o dia-a-dia dos pescadores, marinheiros e camponeses. Esta canção era cantada em muitas festas como a marujada.