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terça-feira, 28 de maio de 2019

CRÔNICA: A GRANDE GUERRA - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

Crônica: A GRANDE GUERRA
                      Paulo Mendes Campos

       As árvores sempre amaram os homens, desde o princípio dos tempos. Confessam este amor sem parar, as horas todas do dia. Mesmo quando a luz se retira e elas desaparecem de nossa vista, continuam a dizer que nos amam, fazendo perfume para a nossa noite e música para os nossos sonhos.

        Mas as árvores não são apenas os maiores artistas que existem; são também os mais sábios cientistas. Se a gente lotasse o Mineirão de cientistas, os cem mil sábios ali reunidos saberiam muito menos do que uma árvore. E a mais profunda e indispensável ciência da árvore é transformar veneno em ar puro.
        Muito poucos homens, por incrível que pareça, entendem a língua das árvores. Um em mil? Talvez nem isso. Um dia, por causa dessa ignorância, reunidos numa sala fechada, os homens declararam guerra às árvores.
     Observados hoje, depois que tudo aconteceu, os motivos alegados parecem ridículos. Há árvores demais no mundo, diziam. – Já começam a invadir as nossas terras. – Melhor enfrenta-las e transformá-las em objetos úteis: casas, móveis, navios, lenha. – Não podemos é permanecer de braços cruzados. – O progresso exige que acabemos com as árvores.
        Argumentos, de fato, ridículos; mas os argumentos a favor de todas as outras guerras são muito parecidos, depois de vistos (como se diz) à luz da história.
        Foram mobilizados facões, machados, serrotes. O mais terrível guerreiro era um que ama o combate por si mesmo, capaz de lutar indiferentemente pelo bem ou pelo mal, capaz de cozinhar para o homem, sem que esse gesto simpático signifique bondade; em outra oportunidade, esse mesmo guerreiro poderá destruir sem remorso a humanidade inteira. Seu nome é Fogo.
        E a guerra começou. As árvores, que também não entendem a língua dos homens, apesar de amá-los, continuaram em paz, a fazer o que sempre fazem: sombra, flores, frutos, desenhos, poesia. E a transformar veneno em oxigênio.
        Foi uma guerra feia e covarde. Todos os homens, quase todos (com exceção das pessoas de ouvido fino, que entendem a língua dos vegetais), entraram na luta de extermínio. Quem não pertencia a um exército regular, punha o machado no ombro e saia de manhã para brigar sozinho. Os mais humildes, que nem dispunham de machadinha, armavam-se de fósforo ou isqueiro. Até as crianças, as mais assanhadas e menos inteligentes, participavam da guerra, e da maneira mais diabólica: construíam balões que, levados pelo vento, causavam perdas incalculáveis ao doce e inocente inimigo.
        Essa guerra foi iniciada na era da civilização, há algumas centenas de anos, quando o homem aprendeu a fazer navios ligeiros, pontes sólidas, casas confortáveis e catedrais belíssimas.
        Foi iniciada e jamais teve trégua, prosseguindo até o dia de hoje, auxiliada agora pelas armas modernas, como a serra elétrica e o trator.
        Desarmadas, ou armadas apenas de boa vontade, as árvores opuseram uma única resistência: foram criando outras árvores, tantas quanto podiam no furor da batalha, na esperança de que, findas as hostilidades, outras plantas crescessem e continuassem a fazer oxigênio, sombra, flores, frutos, perfume, desenhos e poesia.
        Mas acontece o seguinte: como imensas florestas já tombaram na luta, dando lugar a amplidões estéreis, o número de árvores em nosso tempo é insignificante. O número de homens, pelo contrário, tornou-se (como dizem) uma verdadeira explosão.
        Assim, para dizer tudo em poucas palavras, a vitória dos homens contra as árvores está muito próxima. No ritmo que vamos, em pouco tempo não ficará uma floresta em pé.
        Há um único problema: estamos enfrentando agora novos inimigos, aqueles que aparecem quando as árvores morrem: os riachos e os rios estão secando-se de sede, atormentando os homens; os temporais adoidados destroem as plantações, atormentando os homens; os animais desaparecem, atormentando os homens; a terra arrebenta-se e não presta mais para nada, atormentando os homens; o sol queima as sementeiras e castiga toda a criação, atormentando os homens. Em vez de dar música nas ramagens, a ventania dá vento; em lugar de perfume, aspiramos o fumo das máquinas; em troca de poesia, vamos entrando cada vez mais por uma paisagem sem flores, sem pássaros, sem verde. E já estamos sentindo falta de ar.
        Superpovoada de homens e despovoada de árvores, a própria Terra, a única que possuímos, chega ao fim e aos poucos morre.
        Resultado final: as árvores perdem a guerra e os homens ganham o inferno.
                                     Paulo Mendes Campos. A grande guerra, publicado no livro Para gostar de ler 24. São Paulo: Editora Ática.
Entendendo a crônica:

01 – É possível afirmar que essa crônica apresenta uma crítica? Por quê?
      Sim, pois critica a maneira como o ser humano explora a natureza e como ele costuma resolver problemas por meio da guerra.

02 – Qual é o ponto de vista defendido pelo cronista nesse texto?
      O cronista defende que os homens declararam guerra às árvores injustamente e estão sofrendo as consequências desse ato.

03 – Transcreva a frase do texto que resume o ponto de vista do cronista quanto às consequências da guerra entre homens e árvores.
      “[...] as árvores perdem a guerra e os homens ganham o inferno”.

04 – Guerra, além de luta armada entre nações que disputam algum território ou discordam em relação a uma ideologia, significa também luta contra qualquer coisa a que se atribua uma valor nocivo, isto é, prejudicial à humanidade.
a)   Em que parágrafo o cronista expõe os motivos alegados pelos homens para a guerra.
No 4° parágrafo.

b)   Qual é a visão do autor sobre os argumentos dos homens para declarar a guerra?
O autor explica que os argumentos dos homens são sem fundamento, assim como todos os outros argumentos usados para fazer guerras.

05 – Na crônica, as árvores são as protagonistas da história e os homens são os antagonistas (aquele que se opõe ao protagonista). Explique qual é o efeito de o autor retratar as árvores como protagonistas.
      O autor enfatizou a crueldade dos homens ao colocar as árvores como vítimas representando a natureza.

06 – Por que o cronista afirma que as árvores são mais sábias que os cientistas?
      Porque elas transformam “veneno em ar puro”.

07 – A crônica foi escrita em 3ª pessoa.
a)   Retire trechos do texto que comprovem essa afirmação.
“E a guerra começou. As árvores, que também não entendem a língua dos homens, apesar de amá-los, continuaram em paz, a fazer o que sempre fazem: sombra, flores, frutos, desenhos, poesia”.

b)   Essa crônica poderia ser escrita em 1ª pessoa? Justifique sua resposta.
Não. O cronista desenvolve um ponto de vista sobre uma situação que é exterior a ele, que pertence aos seres humanos em geral.

08 – Nessa guerra apresentada pelo cronista existe um vencedor? Explique.
      Não, porque nessa luta todos saem perdendo, pois a destruição da natureza, a longo prazo, leva à destruição do ser humano, que depende dela para sobreviver.



sábado, 18 de maio de 2019

CONTO: CONTINHO - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

Conto: CONTINHO
            Paulo Mendes Campos

        Era uma vez um menino triste, magro e barrigudinho. Na soalheira dada de meio-dia, ele estava sentado na poeira do caminho, imaginando bobagem, quando passou um vigário a cavalo.
        --- Você, aí, menino, para onde vai essa estrada?
        --- Ela não vai não: nós é que vamos nela.
        --- Engraçadinho duma figa! Como você se chama?
        --- Eu não me chamo, não, os outros é que me chamam de Zé.


                                   
    Mendes Campos, Paulo. Para gostar de ler.
                                      Crônicas. São Paulo: Ática, 1996, v. 1 p. 76.
Entendendo o conto:

01 – Há traço de humor no trecho:
          a) “Era uma vez um menino triste, magro”.
          b) “Ele estava sentado na poeira do caminho”.
          c) “Quando passou um vigário”.
          d) “Ela não vai não: nós é que vamos nela”.

02 – Ao copiar o texto, escolha um título para o conto.
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: O menino na estrada.

03 – O texto é narrativo. Por que é possível fazer essa afirmação?
      É possível afirmar que o texto é narrativo pois há um narrador, que descreve os personagens, o cenário e expõe a situação. Além disso é utilizada a 3ª pessoa do singular na escrita.

04 – Que tipo de narrador conta a história?
      Narrador observador.

05 – Que palavras nos permitem descobrir o foco narrativo escolhido para narrar o continho?
     "Era uma vez"; "ele", "quando passou". Denotam que há alguém, que não é personagem da história, narrando.

06 – Quais são os personagens da história?
      O menino e um vigário a cavalo.

07 – Que tempo verbal foi utilizado pelo narrador? O que isso indica?
      Pretérito Perfeito e Pretérito Imperfeito. O perfeito indica ações que são de momentos, e não são habituais, não são realizadas regularmente. O imperfeito indica uma ação no passado que ainda não foi concluída, ainda não acabou por completo.

08 – Nos diálogos foi utilizado o mesmo tempo verbal? Justifique.
      Não. No diálogo se usa o tempo presente, pois representa a conversa dos personagens naquele exato momento, no presente.

09 – Em que ambiente se passam as cenas?
      Em um tipo de estrada, no sertão de Pernambuco.

10 – No texto foi utilizado o discurso direto ou indireto? Explique.
      Direto. O diálogo se dá por meio do uso de travessões, mostrando exatamente as falas dos personagens, ditas por eles mesmos e não pelo narrador.

11 – Reescreva o conto alterando o discurso usado pelo narrador.
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Era uma vez um menino triste, magro e barrigudinho, do sertão de Pernambuco. Na soalheira danada de meio-dia, ele estava sentado na poeira do caminho, imaginando bobagem, quando passou um gordo vigário a cavalo e perguntou ao menino para onde ia aquela estrada. O menino respondeu que a estrada não ia, as pessoas é que iam nela. O vigário perguntou, então, como o menino se chamava e o chamou de engraçadinho de uma figa, e o menino respondeu que ele não se chamava, os outros é que o chamavam de Zé.


domingo, 17 de fevereiro de 2019

CRÔNICA: DIETA DE HOMEM - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

CRÔNICA: DIETA DE HOMEM
                            Paulo Mendes Campos

    Nas carteiras da escola me ensinaram, segundo o sábio Claude Bernard, que o caráter absoluto da vitalidade é a nutrição; pois, onde ela existe, há vida; onde se interrompe, há morte.
        Mas não me disseram que, entre os animais humanos, o lado que pende para a morte, por falta de nutrição, é mais numeroso que o lado erguido para a vida.
        Me ensinaram que os alimentos fornecem ao homem os elementos constituintes da própria substância humana; o homem é o alimento que ele come.
        Mas não me disseram que existem homens aos quais faltam os elementos que constituem o homem. Homens incompletos, homens mutilados em sua substância, homens deduzidos de certas propriedades humanas fundamentais; homens vivendo o processo de morte.
        Me ensinaram, no delicado modo condicional, que, sem o concurso de certos alimentos minerais e orgânicos, depressa a vida sobre a terra se extinguiria.
        Mas não me disseram que, depressa, por toda parte, a vida se extingue, no duro modo indicativo.
        Me ensinaram que o oxigênio é o primeiro elemento indispensável.
        Mas não me disseram que só o oxigênio é um bem comum de toda humanidade, salvo em minas e galerias, onde é escasso.
        Me ensinaram que o carbono, o oxigênio, o azoto, o fósforo e outros minerais são decisivos à vitalidade da célula.
        Mas não me disseram que aqueles elementos não se encontram no ar que respiramos. E ainda que se encontrarem na terra, acaso digerida por uma criança, seu poder de assimilação é nenhum.
        Me ensinaram que há alimentos orgânicos ternários e quaternários. Mas não me disseram que dois terços de nossos irmãos morrem de fome.
        Me ensinaram que os alimentos ternários, constituídos pelas gorduras e pelos hidratos de carbono são importantíssimos. Mas não me disseram que em cem, dez homens estão, a qualquer hora, às portas da inanição.
        Me ensinaram que o ovo, o leite e a carne são alimentos extraordinários. Mas não me disseram que em certas regiões do mundo, há homens que consomem ovos, leite e carne em quantidades muito acima das exigências da máquina humana.
        Me ensinaram que a sensação de fome é acompanhada de contrações gástricas, uma espécie de cãibra no estômago. Mas me disseram isso de maneira impessoal, como se fosse apenas a dedução teórica de um acidente possível.
        Me ensinaram que as vitaminas são substâncias influentes no crescimento e na saúde, quando elas faltam, comparecem o escorbuto, o beribéri e outras doenças.
        Mas não me disseram nem onde, nem quantos padecem de avitaminoses.
        Nas carteiras das escolas me ensinaram muitas coisas. Mas não me disseram coisas essenciais à condição de homem.
        O homem não fazia parte do programa.

Paulo Mendes Campos. O anjo bêbado. Rio de Janeiro: Sabiá, 1969.
Entendendo o texto:

01 – Sem prejuízo de sentido, as palavras em destaque nas frases a seguir podem ser substituídas pelas sugeridas entre parênteses, exceto em:
a)   “... que o caráter absoluto da vitalidade é a nutrição...” (soberano).
b)   “... os alimentos fornecem ao homem os elementos constituintes...” (propiciam).
c)   “... salvo em minas e galerias, onde é escasso” (insuficiente).
d)   “... dez homens estão, a qualquer hora, às portas da inanição” (fraqueza).
e)   “...não me disseram nem onde, nem quantos padecem de avitaminoses” (resistem).

02 – De acordo com o texto, a escola ensinou ao autor que, segundo Claude Bernard:
a)   A nutrição é indispensável à vida.
b)   Há alimentos que podem matar.
c)   Não há muita gente morrendo de fome.
d)   Pode-se viver sem uma boa alimentação.
e)   Pessoas desnutridas podem ter problemas de caráter.

03 – O uso do pronome oblíquo para iniciar frases como “Me ensinaram que os alimentos fornecem ao homem...” e “Me ensinaram que o oxigênio...” indica que o texto foi escrito levando-se em conta:
a)   A linguagem culta.
b)   A linguagem erudita.
c)   A norma-padrão.
d)   A linguagem coloquial.
e)   A linguagem formal.

04 – No trecho “Me ensinaram, no delicado modo condicional...”, o autor quer dizer que, na escola, fala-se sobre o que:
a)   Está acontecendo.
b)   Pode acontecer.
c)   Nunca vai acontecer.
d)   Já aconteceu.
e)   Vai acontecer no futuro.

05 – No trecho “... a vida se extingue, no duro modo indicativo”, ao usar a expressão destacada, o autor quer dizer que:
a)   A realidade fornece indicadores do que deve ser ensinado na escola.
b)   Na realidade, ocorrem fatos que a escola apresenta como distanciados do presente.
c)   Não há possibilidade de acontecer, na realidade, o que se afirma na escola.
d)   Na escola, costumam alarmar os alunos sem razão justificável.
e)   Na escola, dão informações e conselhos que não se aplicam à realidade.

06 – Da leitura do texto depreende-se que, na escola a que se refere o autor, ensinava-se de maneira:
a)   Parcial, pois com base na realidade socioeconômica.
b)   Equivocada, somente considerando-se a realidade social e econômica.
c)   Cautelosa, para não despertar comportamentos de rebeldia social.
d)   Completa, com base em dados científicos.
e)   Incompleta, em razão de o conteúdo ser apresentado desvinculado da realidade social e econômica.

07 – Assim que você ____________ os livros em ordem e eu _________ que está tudo certo, libero você para as férias.
a)   Por – vier.
b)   Pôr – vir.
c)   Pôr – ver.
d)   Puser – vir.
e)   Puser – ver.

08 – Nós estamos _________ apressadas, pois o pessoal ___________ outro compromisso logo após a reunião __________.
a)   Meio – terá – conosco.
b)   Meio – terão – conosco.
c)   Meias – terá – com nós.
d)   Meia – terão – com nós.
e)   Meia – terá – conosco.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

CRÔNICA: CORAÇÃO MATERNO - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

Crônica: Coração Materno
            Paulo Mendes Campos
                           
        Duas horas da tarde. Ali no início do Morro da Viúva fizeram sinal: duas senhoras, ambas de cabelos brancos, preparavam-se para entrar no lotação, quando o motorista gritou: “Um lugar só”. A velhinha mais velha, já com o pé colocado no carro com imensa dificuldade, conseguiu retirar a perna comprometida, com dificuldade ainda maior, sob os protestos persuasivos da velha mais moça, que dizia:
        -- Vai, mamãe, vai a senhora, eu vou em outro.
        A mãe se desmanchando em timidez, medo e bondade, sorria:
        -- Não, minha filha, eu não posso te deixar aqui sozinha.
        -- Vai, mamãe.
        -- Não, minha filha.
        -- Pelo amor de Deus, mãe; o homem está esperando.
        -- Mas... minha filha?!
        Os passageiros aguardavam com a tolerante paciência de quem tem ou já teve mãe. O motorista fez força (e o conseguiu, parabéns) para refrear a sua fúria de Averno.
        -- Vai, mãezinha; aqui neste ponto é difícil arranjar dois lugares.
        -- Não posso te deixar sozinha, minha filha. Nunca!
        Diante do impasse, levantou-se, resoluto, um senhor sentado no banco da frente, oferecendo-se para ir em pé, as duas senhoras iriam sentadas. Ah, mas isso não, aparteou o motorista, era contra o regulamento, dava multa. O amável passageiro descompôs o regulamento do tráfego e os demais regulamentos: eram desumanos. Ao pé da calçada, o torneio sentimental de mãe e filha continuava:
        -- Vai, vai, mãe.
        -- Não posso ir sem você, minha filha.
        Quem viu a necessidade eventual de perder docemente a paciência foi a filha. Usando de energia adequada ao momento, segurou o braço da velhinha (mas velhinha mesmo, frágil, frágil), empurrou-a com o mínimo de força necessária, proferiu uma ordem imperiosa:
        -- Vai, mãe.
        E a velha mais moça se afastou em passadas compridas, impedindo a contramarcha da velha mais velha, que estava no limite extremo de sua timidez, e não teve outro jeito senão agarrar-se ao braço do motorista, entrar penosamente, sorrir pedindo perdão para todos os passageiros. Ajeitou-se no banco, esperou o barulho do motor e comentou para a vizinha (que a olhava, compreendendo tudo, as velhas, as mães, o cosmos):
        -- Coitadinha! Eu fico morrendo de pena de deixar ela aí, só, tão longe!
        Longe de onde? Das entranhas que criaram uma menina. Longe. Só.
        A viagem para o centro foi recomeçada, sem novidades, todos voltaram para dentro de si mesmos, esquecidos do episódio. A mãe, no entanto, furtiva (certa de que já causar bastantes transtornos naquele dia) inspecionava todos os lotações que ultrapassavam o nosso, aflita em sua quietude, buscando lobrigar a filha. Mas foi só quando o lotação entrou na Avenida, e parou diante de um sinal, que, enfim, a velha mais moça, a filha, apareceu em um lotação ao nosso lado. As duas se sorriram como depois de uma longa e apreensiva travessia. A velhinha chegou a fazer graça:
        -- Graças a Deus, minha filha! Você ainda chegou antes de mim.
        -- Eu não disse, mãe, que não tinha perigo?
        A filha desceu na esquina, chegou até perto da janela do nosso lotação, segurou a mão de sua mãe:
        -- Agora vai direitinha, viu?
        -- Você pode ir descansada, minha filha.
        O lotação arrancou de novo, gestos de adeus, a harmonia voltou ao rosto da nossa velhinha, que tranquilizou também a vizinha de banco:
        -- Ela vai trabalhar no Ministério; eu vou para casa, moro no Rio Comprido.
           CAMPOS, Paulo Mendes. In: Para gostar de ler. 8. ed. São Paulo,
Ática, 1987. v. 2, p. 50-2.
 Entendendo a crônica:

01 – O autor diz: “A mãe se desmanchando em timidez, medo e bondade, sorria”. Que atitude revela o sentimento da mãe em relação à filha? Observe bem os diálogos para responder.
      O fato de a velha mãe não querer separar-se da filha em nenhum momento.

02 – O medo da velha mãe tem razão de ser? Por que ela giu daquela maneira?
      Não, ele (o medo) não tem razão de ser. A atitude da velha mais velha se explica por um exagerado sentimento materno.

03 – O humor é um recurso do texto para tornar a situação menos “dramática” (sob o ponto de vista, claro, da velha mãe). Quem se utiliza do humor no texto? Exemplifique com uma frase.
      O autor-narrador do texto. Possível exemplo: “Os passageiros aguardavam com a tolerante paciência de quem tem ou já teve mãe”.

04 – O que demonstra a filha ao empurrar a mãe para dentro do lotação?
      Demonstra desejo de pôr um fim à situação constrangedora; demonstra, ainda, independência em relação à vontade da mãe.

05 – Como se mostra a velha mãe ao entrar no lotação? Por quê?
      Extremamente tímida. Porque, apesar da aflição em que se encontrava por ter de se separar da filha, conseguia perceber o transtorno que estava causando a motorista e passageiros.

06 – O que significa para você, o último diálogo das duas?
        “— Agora vai direitinha, viu?”
        “— Você pode ir descansada, minha filha.”
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Quem se preocupa, agora, é a filha, que passa por “mãe” da mãe. E essa troca de “preocupações” significa acordo, harmonia, estabilidade no afeto de mãe e filha.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

CRÔNICA: "CHATEAR" E "ENCHER" - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

Crônica: Chatear” e “encher”
             Paulo Mendes Campos

        Um amigo meu me ensina a diferença entre “chatear” e “encher”. Chatear é assim: você telefona para um escritório de  qualquer na cidade.
        — Alô, quer me chamar por favor o Valdemar?
        — Aqui não tem nenhum Valdemar.
        Daí a alguns minutos você liga de novo.
        — O Valdemar, por obséquio. 
        — Cavalheiro, aqui não trabalha nenhum Valdemar.
        — Mas não é do número tal?
        — É, mas aqui nunca teve nenhum Valdemar.
        Mais cinco minutos, você liga o mesmo número:
        — Por favor, o Valdemar já chegou?
        — Vê se te manca palhaço. Já não lhe disse que o diabo desse Valdemar nunca trabalhou aqui?
        — Mas ele mesmo me disse que trabalhava aí.
        — Não chateia.
        Daí a dez minutos, ligue de novo.
        — Escute uma coisa: o Valdemar não deixou pelo menos um recado?
        O outro dessa vez esquece a presença da datilógrafa e diz coisas impublicáveis.
        Até aqui é chatear. Para encher, espere passar mais dez minutos, faça nova ligação:
        — Alô! Quem fala? Quem fala aqui é o Valdemar! Alguém telefonou para mim?

                   Paulo Mendes Campos, in Para gostar de ler – Crônicas

Entendendo a crônica:

01 – Na crônica são construídas relações envolvendo narrador e personagens. Sobre o assunto, assinale a afirmativa correta:

a)   A fala – É, mas aqui nunca teve nenhum Valdemar, sinaliza o início da perda de paciência da pessoa que atende ao telefone.
b)   Desde o início do texto, a pessoa que telefona mostra-se irritada com quem fala.
c)   O uso do artigo o antes de Valdemar revela o distanciamento entre Valdemar e a pessoa que o procura.
d)   O autor cria uma relação lúdica entre Valdemar e os funcionários do escritório.
e)   A presença da datilógrafa é motivo para que o funcionário que atende ao telefone mantenha, durante a conversa, comportamento polido.
02 – Quais são as dicas dadas no texto para chatear quem atende o telefone?
      Ligar várias vezes, dizendo a mesma coisa.

03 – Quando a situação descrita deixa de chatear e passa a encher quem atende, segundo o narrador?
      Quando o atendente percebe que está sendo passado por idiota, bobo.

04 – A situação descreve um trote por telefone. Explique com suas palavras o que é um trote.
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: É uma tentativa de ridicularizar, zombaria.

05 – Releia este trecho.
        “O outro desta vez esquece a presença da datilógrafa e diz coisas impublicáveis.”
a)   Por que as coisas ditas por quem recebe o trote são impublicáveis?
Porque são palavrões, besteiras.
b)   Onde não poderiam ser publicadas?
Na crônica.
c)   O que a pessoa que recebia o trote estava sentindo naquele momento.
Estava com muita raiva, por estar atrapalhando o seu serviço.

06 – No início da conversa pelo telefone as repostas de quem atende são educadas. No decorrer das ligações essa relação se mantém ou se modifica? Por quê?
      Se modifica. Porque a pessoa começou a chatear com aquela brincadeira.

07 – Você já recebeu um trote ou conhece alguém que recebeu? Você acha essa história possível de acontecer no dia a dia?
      Resposta pessoal do aluno.

08 – Assinale as alternativas que melhor explicam as características de uma crônica.

(X) O cenário onde os acontecimentos se desenvolvem são espaços familiares aos personagens.

(  ) O humor é uma característica marcante.


(  ) Os acontecimentos não se referem a fatos comuns ao dia a dia das pessoas.

(X) Os personagens são seres humanos normais como qualquer um de nós.

(X) As crônicas narram fatos comuns ao dia a dia.