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quinta-feira, 27 de dezembro de 2018

CRÔNICA: LANTERNA MÁGICA - IVAN ÂNGELO - COM GABARITO

CRÔNICA: Lanterna Mágica
                                         Ivan Ângelo


        Vi na televisão um menininho pobre de uma creche uivando de alegria ao escarafunchar um engradado com os presentes do Dia da Criança. Eram pequenas tralhas de plástico e caixas de ovos coloridas, vazias. O pouquíssimo era motivo para incontida e ruidosa alegria. A privação é a medida do desejo de cada um, na vida.
        Houve um tempo em que as oportunidades de presente resumiam-se a duas: aniversário e Natal. Hoje, na classe média, o presente é um evento mensal; em algumas famílias, semanal. Cada voltinha num shopping resulta num pequeno agrado. Não se deseja mais com aquela gana, porque sabe-se que alguma coisa virá. O desejo dos meninos, da classe média para cima, é impreciso, vago, incapaz de provocar uivos de alegria quando satisfeito.
        Já vivi minhas privações. Nunca pude ter bicicleta, por exemplo, nem bola de futebol, nem espingarda de rolha. Tivemos, eu e meus irmãos mais velhos, simulacros: revolverzinho de espoleta, bola de borracha, triciclo comunitário. Bolas de borracha, sabe-se, não formam craques. Triciclos não permitem ousadias ou temeridades. Talvez por isso, sem traquejo, eu tenha sido um perna de pau e um tímido. Quem sabe.
        Espingarda de rolha pude usar, por empréstimo, a de um primo, quando passava férias na casa de meu avô. Fiquei bom de tiro. Comecei acertando caixinhas de fósforos, acabei acertando moscas. A rolha era leve demais, desviava-se, então aprendi o truque de enfiar nela um prego curto, para dar peso e rumo. Bola de couro só mais tarde, no caminho da fazenda de seu Juca, hoje Cidade Nova, em Belo Horizonte.
        Entretanto, o que se tornou para mim algo mais perto de maravilha foi uma lanterna de pilhas. Nunca tinha visto uma, a não ser no cinema e nas histórias em quadrinhos. Não sei, talvez considerasse aquele objeto coisa de ficção científica, não da realidade. Quando vi uma, manipulada por meu primo mais velho, já homem, o Zezé, na mesma casa de meu avô, foi um deslumbramento. Brilhava, niquelada, era uma daquelas de quatro pilhas. Deixar que eu a tomasse nas mãos, e acendesse, e dirigisse a luz para onde quisesse foi mágico. A partir desse momento nada superou, nos meus sete anos, a beleza daquele fecho de luz. E o poder. Mesmo quando meu primo não estava eu me apoderava da lanterna e quixotava, cavaleiro andante.
        Deitado, à noite, com a lanterna dissipava fantasmas. Nos cantos, sombras revelam-se objetos ou cavidades. Uma súbita lagartixa era imobilizada no teto de taquaras e meditava talvez sobre qual seria a seguir a sua ação mais prudente. O pernilongo era localizado na parede, motores parados de repente.
        Uma coisa era outra coisa na luz que a si mesma se desenhava em cone.
        A neblina perdia sua amplidão impalpável, aquele nada que não se podia não ver. Aquela coisa comedora de contornos. A lanterna cortava uma talhada de neblina, via-se claramente do que ela não era feita. A luz não ia além, mas até onde ia desnudava a coisa, e via-se que era móvel.
        A chuva noturna não era só, não era mais, barulho nas telhas, nas folhas. No facho de luz da lanterna as gotas de chuva eram cintilações, estrelas cadentes, vaga-lumes.
        A coruja não se atrevia a piar: emudecia e olhava de perfil.
        Bichinhos de asa – se o canudo de luz se demorava – vinham dançar, perdiam aquela chatice deles, aquela mania de pousar na gente.
        O sapo esbarrava seu passeio noturno, como se dissesse epa, que sol é esse?
        O poço, mesmo de dia, perdia o mistério. A luz furava a água cristalina e mostrava o fundo, alguma folha, paz. Uma pedrinha resvalava e a paz lá embaixo se multipartia em tremulações luminosas, vibrações.
        Partes do corpo, no escuro, atravessadas pela luz, mostravam um vermelho de abóbora. Nos dedos era possível pressentir o esqueleto. Na bochecha, frente ao espelho, viam-se veiazinhas.
        O céu negro da noite engolia a luz, era o único a vencê-la.

Ivan Ângelo. O comprador de aventuras e outras crônicas. São Paulo:
Ática, 2000.v. 8. p. 36-8. (Col. Para Gostar de Ler).
Entendendo o texto:
01 – O texto Lanterna mágica pode ser considerado um relato pessoal. Justifique essa afirmação.
      O texto pode ser considerado um relato pessoal pois nele o narrador conta, de maneira bastante expressiva, suas experiências com alguns objetos ou presentes recebidos na infância e, sobretudo, com uma lanterna que tomou emprestada de seu primo.

02 – O ponto de partida de texto é uma cena à qual o narrador assistiu na TV.
a)   Que cena foi essa?
Uma criança pobre recebendo, com intensa alegria, “tralhas de plástico e caixas de ovos coloridas, vazias.”

b)   Depois de assistir a essa cena, o narrador faz algumas reflexões a respeito da relação das crianças de diferentes classes sociais com os presentes que ganham. Resuma, em poucas palavras, o conteúdo dessas reflexões.
O narrador diz que “a privação é a medida do desejo de cada um”: que as crianças “da classe média para cima”, por ganhar muitos presentes, não dão valor a eles como as crianças mais pobres.

c)   Você concorda com o narrador? Explique.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Os malefícios do consumismo.

03 – No terceiro e no quarto parágrafos, o narrador conta suas experiências com brinquedos na infância. Assinale a(s) alternativa (s) que se adéquam ao texto:
(   ) O narrador era um menino mimado, que ganhava todos os presentes que desejava.
(X) Provavelmente o narrador não menciona jogos eletrônicos porque, na época em que ele era criança, eles praticamente não existiam.
(   ) O narrador era filho único.
(   ) O narrador tornou-se um bom jogador de futebol praticando com uma bola de borracha.
(X) Na época em que o narrador era criança, revolverzinhos de espoleta ainda não eram proibidos por lei, apesar de perigosos.
(   ) Todas as lembranças do narrador se passam em sua casa.

04 – A partir do quinto parágrafo, o narrador passa a contar suas lembranças e impressões a respeito de um objeto em particular: uma lanterna.
a)   Transcreva um trecho em que o narrador revela que a lanterna foi o “brinquedo” que mais o fascinou na infância.
“[...] O que se tornou par mim algo mais perto de uma maravilha foi uma lanterna de pilhas.”
“A partir desse momento nada superou, nos meus sete anos, a beleza do meu facho de luz.”

b)   O narrador diz que, até pegar na mãos a lanterna, “talvez considerasse aquele objeto coisa de ficção cientifica, não da realidade”. O que você acha que ele quis dizer com isso? Explique nas linhas abaixo.
A lanterna devia parecer, aos olhos de um menino de 7 anos, uma “máquina” possante e misteriosa, embora fosse, na verdade, um objeto bastante simples.

05 – Em certa passagem do texto, o narrador diz que a lanterna “dissipava fantasmas”. Levando isso em conta, responda:
a)   Segundo o texto, o que acontecia com as sombras, nos cantos, à noite?
“Revelavam-se objetos ou cavidades.”

b)   E o “mistério” do poço, o que mostrava, ao ser iluminado pela lanterna?
A “água cristalina”, “o fundo, alguma folha, paz”.

c)   E quanto às partes do corpo do narrador, como elas “se transformavam” devido ao facho de luz?
Quando “atravessadas pela luz, mostravam um vermelho de abóbora”; “nos dedos era possível pressentir o esqueleto”; a bochecha revelava suas “veiazinhas”.

06 – Complete indicando como cada animal reagia ao ser iluminado pela luz da lanterna:
·        Lagartixa: ficava imóvel.
·        Pernilongo: parava os “motores”.
·        Coruja: emudecia e olhava de perfil.
·        Bichinhos de asa: dançavam; perdiam a mania de pousar nas pessoas.
·        Sapo: parava seu passeio noturno.

07 – A luz da lanterna só era vencida por um elemento da natureza. Que elemento era esse?
      O céu negro da noite, que “engolia” a luz da lanterna.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

CRÔNICA: PIOROU? MELHOROU? IVAN ÂNGELO - COM GABARITO


Crônica: Piorou? Melhorou?
                           
                 Ivan Ângelo


        Quer ver uma coisa que piorou? A roubalheira. Sempre houve? Sempre houve. Mas era aquela coisa de comerciante tubarão, juiz ladrão, ratazana da política, delegado de polícia na caderneta de bicheiro, pelegos nos sindicatos, jabaculê para tocar música no rádio, essas tropicalidades. Eram identificáveis, se alguém quisesse identificá-los, privilegiados que estavam em posição propícia. Não era essa coisa geral de cento e tantos deputados, contas de milhões de dólares no exterior, anões de orçamento, toneladas de maconha, cocaína e armas circulando em tours rodoviários, liberadores de pagamentos municipais, estaduais e federais, intermediários, lobistas com maços de dinheiro nas maletas de laptops, meeiros de caixa dois, policiais e advogados quadrilheiros… Piorou.
        Mas tem coisa que melhorou. A televisão não melhorou? Melhorou, ô se melhorou. Tem muita porcaria, isso tem, vai ver até mais do que antes, porque aumentou a quantidade de programas e de canais. O que tem de pior hoje são restos do que já era ruim: novelas, humorísticos, shows bregas, incluindo aí os exorcismos. Ninguém vai negar que a tecnologia melhorou, e a dramaturgia, a interpretação, o jornalismo.
        Olha uma coisa que piorou demais: torcidas de futebol. A rivalidade era ruidosa mas pacífica. Não havia nem torcida uniformizada, ninguém se disfarçava de multidão. Dentro ou fora dos estádios, torcedores eram pessoas comuns da cidade, um pai, um filho, uma namorada, vizinhos. Não havia paus, pedras e bombas de cada lado, apenas gritos, gozações, risadas. Os estádios não eram essa arena de hoje, eram mais um teatro em que se representava a tragédia da derrota, o drama do empate, a comédia da vitória.
        Melhoraram os cinemas, que nem pulgas têm mais.
        Piorou o Carnaval, aprisionado nos sambódromos.
        Ah, melhorou muito o telefone. Pouco tempo atrás, era uma coisa falar ao telefone. Interurbano? Ligava-se para uma telefonista, que ligava para outra telefonista em outra cidade e esta ligava para a casa da pessoa, fazendo a ponte. Dependendo do tráfego, isso podia durar duas horas, três. Em cidades pequenas, onde não existiam aparelhos nas casas, as pessoas eram chamadas ao posto telefônico. Quem ligava ficava no posto da sua cidade esperando horas. Havia filas nos postos, e nem sempre dava certo: “Piracicaba está sem comunicação”. E as linhas residenciais e comerciais? Caríssimas! Entravam na declaração de bens do imposto de renda, coisa de classe média para cima. Olha: um drama. Melhorou demais.
        A escola pública: nossa! Essa piorou – e como! Hoje até dão o que não davam: uniforme, comida, dentista. Mas não dão o que davam: educação. No ensino fundamental, formam até analfabetos. Os dentes das crianças brilham; os cérebros saem embaçados. Leitura, conhecimentos básicos, educação civil, respeito às regras e aos professores – cadê?
        A medicina melhorou. Antigamente até gripe matava.
        O Natal piorou, envolvido pela avidez e pelo comércio.
        O correio melhorou, para quem tem internet.
        A poluição piorou, nos rios, na terra, nos muros, no ar.
        A indústria melhorou, o produto nacional tem prestígio.
    Pioraram muito os reformatórios para menores. Juntam todos os recolhidos num grande curral, e tome lambada. Não é assim que se “reeduca”. Reeducar como, se a maioria nunca antes foi educada? Fortes misturados com fracos, escolados com aprendizes, criminosos com vítimas – um fracasso anunciado.
        Umas coisas melhoram, outras pioram. Não sejamos pessimistas. Algumas que tinham piorado, como o cinema nacional, como a inflação, voltaram a melhorar. O povo brasileiro, numa enquete nacional, declarou-se predominantemente feliz. É isso, entre um tranco e um barranco, vamos indo.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, responda:
a) Que aspectos da vida cotidiana melhoraram na opinião do autor? 
      Melhoraram os cinemas, pois não têm mais pulgas; melhoraram também os telefones, pois não são tão caros, e comunicar-se com outras cidades é mais fácil e rápido, o que não acontecia há algum tempo.

b) Que aspectos pioraram? Explique. 
      O Carnaval, porque ficou restrito aos sambódromos, e os estádios de futebol, hoje transformados em arenas – campos de briga.

02 – Essa crônica, embora se trate de um texto escrito publicado em uma revista semanal, apresenta usos característicos da língua falada informal. 
a) Copie trechos do texto em que esses usos da língua falada se manifestam. 
      “Ah, melhorou muito o telefone.” / “[...] era uma coisa falar ao telefone. Interurbano?” / “E as linhas residenciais e comerciais? Caríssimas!” / “Olha, um drama. Melhorou demais”. 

b) Qual você supõe ter sido a intenção do autor ao empregar a linguagem dessa maneira?
      Ao empregar a linguagem dessa maneira, o autor, possivelmente, procurou assemelhar seu texto a uma conversa, aproximando-se de seu leitor. 

03 – Releia a oração. 
"Ligava-se para uma telefonista [...]" 
a) Quem pratica a ação expressa pelo verbo ligar? 
      Não é possível determinar quem ligava. 

b) Como pode ser classificado o sujeito dessa oração? 
      Sujeito indeterminado.

c) Por que o autor optou por esse tipo de sujeito? 
     Porque ele está se referindo ás pessoas de maneira geral. Não se trata de uma pessoa específica.

d) Reescreva essa oração empregando o sujeito simples, mas mantendo o sentido original. 
      Sugestão: Naquela época as pessoas ligavam para uma telefonista [...].

04 – Releia. 
"Entravam na declaração de bens do imposto de renda, coisa de classe média para cima." 
a) A que se refere o verbo entravam? 
      Às linhas residenciais e comerciais, citadas, anteriormente no texto.

b) Como se classifica sintaticamente o sujeito dessa oração? Explique sua resposta.
      Sujeito desinencial. Apesar de o verbo estar na terceira pessoa do plural, o contexto nos informa a que a ação se refere; logo trata-se de sujeito desinencial, e não sujeito indeterminado.




sexta-feira, 30 de novembro de 2018

CRÔNICA: ESTRANHAS GENTILEZAS - IVAN ÂNGELO - COM GABARITO


Crônica: Estranhas gentilezas

   Caminhões baixam os faróis, mulheres sorriem. Muito suspeito
                                                                       Ivan Ângelo

        Estão acontecendo coisas estranhas. Sabe-se que as pessoas nas grandes cidades não têm o hábito da gentileza. Não é por ruindade, é falta de tempo. Gastam a paciência nos ônibus, no trânsito, nas filas, nos mercados, nas salas de espera, nos embates familiares, e depois economizam com a gente.
        Comigo dá-se o contrário, é o que estou notando de uns dias para cá. Tratam-me com inquietante delicadeza. Já captava aqui e ali sinais suspeitos, imprecisos, ventinho de asas de borboleta, quase nada. A impressão de que há algo estranho tomou corpo mesmo foi na semana passada. Um vizinho que já fora meu amigo telefonou-me desfazendo o engano que nos afastava, intriga de pessoa que nem conheço e que afinal resolvera esclarecer tudo. Difícil reconstruir a amizade, mas a inimizade morria ali.
        Como disse, eu vinha desconfiando tenuemente de algumas amabilidades. O episódio do vizinho fez surgir em meu espírito a hipótese de uma trama, que já mobilizava até pessoas distantes. E as próximas?
        Tenho reparado. As próximas telefonam amáveis, sem motivo. Durante o telefonema fico aguardando o assunto que estaria embrulhado nos enfeites da conversa, e ele não sai. Um número inesperado de pessoas me cumprimenta na rua, com acenos de cabeça. Mulheres, antes esquivas, sorriem transitáveis nas ruas dos Jardins. Num restaurante caro da Rua Amauri, o maître, com uma piscadela, fura a demorada fila de executivos à espera e me arruma rapidinho uma mesa para dois. Um homem de pasta que parecia impaciente à minha frente me cede o último lugar no elevador. O jornaleiro larga sua banca na Avenida Sumaré e vem ao prédio avisar-me que o jornal chegou. Os vizinhos de cima silenciam após as 10 da noite.
        Caminhões baixam a luz dos faróis quando cruzam comigo na Via Anhanguera. Motoristas, mesmo mulheres, cedem-me a preferência nas esquinas. Vendedores de bugigangas nos faróis de trânsito passam direto pelo meu carro, sem me olhar. Até crianças me cumprimentam cúmplices: oi, tio.
        Que está acontecendo? Quem e por que está querendo me convencer de que as pessoas são um doce? Penso: não são gentilezas, são homenagens aos meus cabelos brancos, por eu ter aguentado tanto, como se fosse um atleta de maratona, daqueles retardatários que são mais aplaudidos na chegada que os vencedores.
        A última manobra: botaram um pintassilgo a cantar para mim na árvore em frente à janela do meu apartamento de 2º andar.
        Que significa isso? Que querem comigo? Que complô é esse? Que vão pedir em troca de tanta gentileza?
        Aguardo, meio apreensivo, meio feliz.
        Interrompo a crônica nesse ponto, saio para ir ao banco, desço pelas escadas porque alguém segura o elevador lá em cima, o segurança do banco faz-me esvaziar os bolsos antes de entrar pela porta giratória, enfrento a fila do caixa, não aceitam cheques de outra pessoa para pagar contas, saio xingando do banco, atravesso a avenida arriscando a vida entre bólidos, um caminhão respinga-me a água suja de uma poça, entro no apartamento, sento-me ao computador e ponho-me de novo a sonhar.

                                                  Veja São Paulo, 2 de junho de 1999.
Entendendo a crônica:
01 – No 1º parágrafo do texto, após expressar sua estranheza diante de acontecimentos, o narrador expressa uma certeza, parte de uma premissa, para pensar sobre os acontecimentos. Transcreva o trecho que contém essa premissa.
      Gastam a paciência nos ônibus, no trânsito, nas filas, nos mercados, nas salas de espera, nos embates familiares, e depois economizam com a gente.

02 – Que expressões são usadas no texto para construir a ideia de que a gentileza e a delicadeza não eram normais, comuns?
      Tratam-me com inquietante delicadeza.

03 – Segundo o texto, indique uma das causas da falta de gentileza das pessoas das grandes cidades.
      Falta de tempo.

04 – No 2º parágrafo, o narrador faz uso de uma metáfora, uma expressão usada por semelhança com “quase nada, algo difícil de se notar, quase imperceptível”. Transcreva essa expressão.
      “Ventinho de asas de borboleta.”

05 – Como ficou a relação do narrador com o vizinho? (2º parágrafo).
      Difícil reconstruir a amizade, mas a inimizade morria ali.

06 – O que significa dizer que um assunto estaria “embrulhado nos enfeites da conversa”? (4º parágrafo)
      A pessoa fica aguardando pelo assunto que iria ouvir, do que se trataria.

07 – Cite duas gentilezas contadas pelo narrador.
·        Um homem de pasta que parecia impaciente à minha frente me cede o último lugar no elevador.
·        Os vizinhos de cima silenciam após as 10 da noite.

08 – Por que o narrador se sentia “meio apreensivo, meio feliz”? (9º parágrafo)
      Porque ele não sabia o que estava acontecendo por trás de tanta gentileza.

09 – O que se esclarece no desfecho da crônica? (Último parágrafo).
      Que ao sair do apartamento, as coisas voltam a ser como sempre. Tudo o que pensou não passou de um sonho.



sexta-feira, 9 de novembro de 2018

CRÔNICA: A CIDADE E OS BICHOS - IVAN ÂNGELO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Crônica: A cidade e os bichos
               Esforços para tornar menos dura a vida animal na metrópole
          
                                                                  Ivan Ângelo 


        Na última crônica, falei da trágica dedicação de um cão a seu dono, e posso ter deixado a impressão de que a humanidade é ingrata, maltrata os animais, ou não paga amor com amor.
        Não é isso. O que acontece é que o ambiente urbano foi afastando aos poucos o homem dos alados, quadrúpedes e bípedes, emplumados ou peludos, com os quais convivia. Sumiram não apenas do convívio, mas de vista. Meninos nunca viram um frango vivo, só o conhecem como um item das compras de supermercado; cabritos, cavalos, bois e burricos são seres da televisão, como os ETs. Para muitas crianças, bichos como coelho, gato e pica-pau são personagens falantes de desenho animado, geralmente histéricos, cujo comportamento e caráter nada têm a ver com os apresentados pelos animais de verdade. 
        Capivaras e garças recusam-se a ser expulsas da cidade. Quando vim para São Paulo, descobriu-se uma enorme preguiça no Parque Trianon. Jacarés apareceram no Tietê. Aves peregrinas, como o falcão da Groenlândia, visitam a cidade. Bandos de jandaias fazem algazarra nas árvores de frutas dos Jardins. Há tempos falei de um pássaro que não conhecia, "cinza-esverdeado, pés e bico como os de um periquito, pequeno penacho espetado na cabeça, como o de um pavão", que se instalou algumas vezes na viga do 11º andar do prédio onde moro, para apreciar o pôr-do-sol junto comigo. Sumiu, mas recentemente desfiz o mistério ao ver um igual numa loja de rações da Vila Madalena: informaram-me que era uma calopsita, grande periquito nativo da Austrália. Por que ela estaria voando solta pelo bairro de Perdizes? 
        Iguanas, cobras, furões, tartarugas vão-se tornando bichos de estimação na cidade de carentes. O cão é o preferido, e muitos são criados como pessoas da família, mas quem não pode ter um, por alguma razão, recorre a animais silenciosos. Gatos domésticos vão rareando, não se sabe por quê, e seus irmãos vadios encontram quem lhes dê iscas nos parques da cidade.
         Na metrópole atribulada existem muitos exemplos de afeição desinteressada. Todos conhecem um. Tenho um amigo que cria galinhas, poleiro cheio, e nunca teve coragem de comer nenhuma. Logo galinha, bicho que não troca nada com ninguém, não tem cabeça para isso. Uma professora de balé leva o cágado a passear na calçada, para tomar sol. 
          Um veterinário criava no jardim de casa uns moluscos gigantescos, caracóis de quase 100 gramas. Foi ele quem recebeu de bom grado os três micos que um conhecido jornalista costumava levar emaranhados na própria cabeleira de estilo hippie, e dos quais desistiu quando trocou de namorada. Esse doutor recebe em casa bichos acidentados, e deles cuida pelo resto da vida. Quem vai querer um cachorro manco, um pássaro de asa quebrada, um gato cego? Só ele. 
        E tem o caso da jovem gaúcha que, em cena sensacional, parou o trânsito na saída do túnel da Nove de Julho para salvar um cavalo que corria solto e apavorado de um lado para o outro, em meio a buzinas e freadas. Ela estacionou o carro na calçada e correu atrás do animal, para agarrá-lo; o cavalo mudava de rumo, quase infartando. A moça não tinha com que segurá-lo, e os dois resvalavam nos carros na correria; motoristas gritavam olé, outros aplaudiam. Um caminhoneiro estendeu-lhe um pedaço de corda, com o qual ela improvisou um laço. Depois de quatro tentativas, laçou o bicho. Palmas e buzinaço. Irritada, ela abanou as mãos, pedindo silêncio. Conseguiu chegar perto do cavalo, falando com ele, murmurando, acalmando-o, logo acariciando-o, depois tirou a blusa, jogou-a sobre os olhos do animal e, só de sutiã, belíssima, conduziu-o docemente para a calçada.
                                                                                       Ivan Ângelo.
 Entendendo a crônica:

01 – O cronista inicia explicando para o leitor os motivos que o levam a retomar o assunto da última crônica. 
a)   Qual é o assunto retomado pelo cronista?
Que o dia-a-dia nas cidades grandes o homem vai perdendo o contato com a natureza.

b)    Qual o motivo de sua preocupação? 
Sua preocupação é que o ambiente urbano vá afastando aos poucos o homem dos animais.

02 – No segundo parágrafo, o cronista expõe o seu ponto de vista sobre o assunto. 
a)   O que ele defende? 
Ele defende a afeição desinteressada dos homens para com os animais, tanto os animais sadios ou não e o contato do homem com a natureza sem maltratá-la.

b)   Que exemplos da realidade urbana são empregados para confirmar o ponto de vista do cronista?
O seu amigo que cria galinhas sem comê-las, a professora de balé que levava um cágado para passear, a gaúcha que salvou um cavalo na Avenida Nove de Julho e o médico que recebe animais acidentados para cuidar o resto da vida.

03 – O cronista afirma que determinados animais recusam-se a ser expulsos da cidade, mesmo quando o ambiente lhes é desfavorável. 
a)   Na sua opinião, o que causa a expulsão dos animais dos grandes centros urbanos? 
Em minha opinião o que causa a expulsão dos animais dos grandes centros urbanos é que muitas pessoas não tem paciência para cuidar de animais, principalmente aqueles que fazem barulhos.

b)   Quem pode ser o responsável pela ação de expulsar os animais da cidade?
Nós mesmos.

c)    Segundo o cronista, quais as consequências desse afastamento para as pessoas que vivem nas grandes cidades?
As consequências é que as pessoas perdem o contato com os animais, não sabendo como são.

d)    Na sua opinião, estabeleça uma condição para que seja possível uma boa integração entre os animais e os centros urbanos. 
Resposta pessoal do aluno.

04 – O que torna o desfecho do texto surpreendente e original?
      O que torna o desfecho do texto assim, é que uma mulher quis salvar o coitado do cavalo que estava no meio de carros, correndo risco de vida.

05 – O que a apresentação desse fato permite concluir sobre a relação de algumas pessoas com os animais? 
      Algumas cuidam muito bem e amam os animais, já outras pessoas maltratam e ignoram os animais.

06 – Na sua opinião, qual a importância de o cronista afirmar que no ambiente urbano há meninos que nunca viram um frango vivo e só conhecem alguns animais como personagens de desenho animado.
      Mostra que as pessoas não tão nem aí para os animais nem se quer viram um de verdade.

07 – A crônica foi publicada no suplemento de uma revista que circula em um grande cetro urbano – a cidade de São Paulo.
Considerando os leitores a quem o texto é dirigido, você acha adequado o assunto tratado pelo cronista? 
      Sim, porque trata de uma realidade.

08 – O cronista expõe os argumentos de forma subjetiva (pessoal) ou de forma objetiva (impessoal)? 
      De forma subjetiva (pessoal).

09 – Que sentido você atribui ao subtítulo da crônica (“Esforços para tornar menos dura a vida animal na metrópole”)?
      Que a vida dos animais é muito difícil.


quarta-feira, 8 de agosto de 2018

CRÔNICA: HERÓI DA LÍNGUA - IVAN ÂNGELO - COM GABARITO

Crônica: Herói da Língua
            Ivan Ângelo

       Vocês se lembram do meu amigo Toninho Vernáculo. Já falei dele uma vez, contei histórias da mania que tem de corrigir erros de português. Daí o apelido. Cansei de falar: deixa, Toninho, esta língua é complicada mesmo, até autor consagrado escreve com dicionários e gramáticas à mão.

        – Pelo menos eles têm a humildade de consultar os mestres antes de dar a público o que escrevem – respondia o Toninho na sua linguagem em roupa de domingo.
        Lembram-se dele? Quando encontra erros de português no seu caminho, telefona para os responsáveis, exige correções em nome da língua pátria e da educação pública. Coisas assim:
        – A placa do seu estabelecimento é um atentado contra a língua, induz as pessoas a achar que o errado é o certo, espalha a confusão.
        Ultimamente andava se controlando, me telefonava muito menos do que antes, relatando atentados mais graves contra a boa linguagem, praticados por quitandeiros, padeiros, donos de restaurantes, prestadores de serviços em geral – e pasmem: até pela prefeitura (em nomes de ruas), por publicitários, jornais.
        Dom Quixote da gramática, Toninho não se dava descanso. Lia coisas assim nos anúncios classificados dos jornais e ficava indignado: baile "beneficente"; faça "seu" óculos na ótica tal; "aluga-se" dois galpões. Ex-jornalista, aposentado, telefonava para os encarregados dos pequenos anúncios:
        – No meu tempo não era assim! Os responsáveis eram responsáveis, cuidavam da correção dos anúncios. O povo não sabe escrever, mas os jornais têm o dever – o dever! – de zelar pela língua!
        No convívio diário, arrumava desafetos, humilhados e ofendidos, mas também alguns – os mais humildes – agradecidos pelo ensinamento. Quixoteava lições, fosse qual fosse o interlocutor:
        – Não é "fluído" que se diz, é fluido, com a tônica no u. "Fluído" é verbo, é particípio verbal, não pode ser uma coisa. "Gratuíto" não existe, é gratuito que se diz, som mais forte no u. Homem não diz "obrigada", isso é coisa de menino criado entre mulheres; menino fala "obrigado". "Emprestar dele" é promiscuidade brasileira aqui do Sul; o certo da língua é emprestar a alguém, ou tomar emprestado. Não é "o" alface, é a alface, feminino. Não existe isso, "inhoque", que coisa mais feia; o certo é nhoque, do italiano gnocchi. Grama, medida de peso, é masculino: "um" grama, "duzentos" gramas. Quilo se escreve com q, u, i, não existe quilo com k e muito menos com k, y: é comida a quilo e não "a kylo", como se lê na sua placa. Está na hora "do" parabéns é errado; parabéns é plural, como em meus parabéns.
        – Peraí, Toninho, agora você exagerou. Hora do parabéns significa: hora de cantar o Parabéns pra Você. Resumido.
        Aceitou, mas resmungando. Bom, um dia desses, telefonaram-me de madrugada: Toninho havia sido preso como pichador de rua. Quê, um homem de 70 anos? Havia algum engano, com certeza. Fomos para a delegacia, uma trinca de amigos.
        Engano havia e não havia. Nosso amigo fora realmente flagrado pela polícia com spray e latinha de tinta com pincel, atuando na fachada de uma casa comercial do bairro onde mora. Explicou-se: estava corrigindo os erros de português dos pichadores! Começamos os esforços para livrá-lo da multa e da denúncia, explicamos ao delegado que o ocorrido era fruto de uma mania dele, loucura leve. Por que penalizá-lo por coisa tão pouca? Não ia acontecer de novo. Aí o delegado explicou qual era a bronca.
       O Toninho havia pedido para ler seu depoimento, datilografado pelo escrivão, e começou a apontar erros de português no texto do funcionário. A autoridade tinha a pretensão de ser também autoridade em gramática. Aí melou, "teje" preso por desacato. Com dificuldade convencemos o escrivão da loucura mansa do nosso amigo, e ele liberou o herói da língua pátria.

Ivan Ângelo Veja São Paulo, ano 40, n 2. 17 de janeiro de 2007. p.130

Entendendo o texto:
01 – Qual é a mensagem que este texto nos traz?
      A perfeição na leitura e na escrita da língua pátria.

02 – Quem é o autor da crônica? Onde e quando foi publicado?
      Ivan Ângelo Veja São Paulo, ano 40, n 2. 17 de janeiro de 2007. p.130.

03 – A narração é em 1ª ou 3ª pessoa? Justifique com um trecho do texto.
      Está na 1ª pessoa – “Já falei dele uma vez, contei histórias da mania que tem de corrigir erros de português.

04 – Quem é a personagem principal?
      É o Toninho Vernáculo.

05 – Qual era a mania de Toninho Vernáculo?
       Corrigir as palavras escritas erradas nas placas, paredes, etc.

06 – A expressão: na sua linguagem em roupa de domingo, significa que Toninho usava:
(   ) a linguagem de qualquer jeito.             
(   ) as palavras mais simples.
(   ) uma linguagem pouco culta.                
(X) a melhor linguagem possível.

07 – “Quê, um homem de 70 anos?"
        Na frase acima, o uso do ponto de interrogação produz um efeito de:
(X) espanto.      
(   ) dúvida.             
(   ) pergunta.           
(   ) constatação.

08 – Na frase "Por que penalizá-lo por coisa tão pouca?" O pronome “lo” se refere a
(X) Toninho Vernáculo                       
(   )  escrivão.
(   ) amigo.                                          
(   ) autoridade.

09 – No trecho: Explicou-se: estava corrigindo os erros de português dos pichadores! há uma certa dose de:
(X) humor.             
(   ) crítica.                  
(   ) tristeza.               
(   ) inteligência.

10 – Por qual motivo o delegado queria prender Toninho Vernáculo?
      Por desacato a autoridade.

11 – O que provoca o humor no último parágrafo?
      A pessoa que tinha obrigação de escrever certo, tinha cometido alguns erros de português.

12 – Procure no dicionário o significado da palavra vernáculo. O apelido dado a Toninho realmente era merecido? Justifique sua resposta.
      Vernáculo: genuíno, correto.    
      Sim. Porque ele vivia para corrigir as escritas erradas.