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quarta-feira, 18 de outubro de 2023

POEMA: NOTA SOCIAL - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poema: NOTA SOCIAL

              Carlos Drummond de Andrade
O poeta chega na estação.
O poeta desembarca.
O poeta toma um auto.
O poeta vai para o hotel.
E enquanto ele faz isso
como qualquer homem da terra,
uma ovação o persegue
feito vaia.
Bandeirolas
abrem alas.
Bandas de música. Foguetes.
Discursos. Povo de chapéu de palha.
Máquinas fotográficas assestadas.
Automóveis imóveis.
Bravos...
O poeta está melancólico.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikKWS-R97TlO9jya1BKHUmqM42KtEi_814rsTb_YaKLFXnvbaXZmYlHs5Ma_N88UaD2wf5FAG6bIfukoIe3xRlQaIpbQKu5J0qGFwzn5lgmHlH0rehzivlQo2rWZZU0HbirgaTbqHFEZnIB33sGoKk3e38XORWTBtYVfHimqkLqOUSpwxUAjMApIhq_R4/s320/NOTA%20SOCIAL.jpg



Numa árvore do passeio público
(melhoramento da atual administração)
árvore gorda, prisioneira
de anúncios coloridos,
árvore banal, árvore que ninguém vê
canta uma cigarra.
Canta uma cigarra que ninguém ouve
um hino que ninguém aplaude.
Canta, no sol danado.

O poeta entra no elevador
o poeta sobe
o poeta fecha-se no quarto.
O poeta está melancólico.

Carlos Drummond de Andrade

Entendendo o poema:

01 – Quem é o autor do poema "Nota Social"?

      O autor do poema "Nota Social" é Carlos Drummond de Andrade.

02 – O que acontece quando o poeta chega à estação?

      Quando o poeta chega à estação, ele desembarca, pega um táxi e vai para o hotel.

03 – Como o público reage à chegada do poeta na estação?

      O público reage com uma ovação, bandeirolas, bandas de música, foguetes, discursos e aplausos. Há uma grande celebração.

04 – O que a cigarra está fazendo na árvore do passeio público?

      A cigarra está cantando na árvore do passeio público, embora ninguém a ouça, e está cantando um hino que ninguém aplaude.

05 – Como o poeta se sente depois de entrar no quarto do hotel?

      O poeta se sente melancólico após entrar no quarto do hotel.

06 – Que tipo de árvore é mencionada no poema?

      Uma árvore gorda e prisioneira de anúncios coloridos no passeio público é mencionada no poema.

07 – O que o poeta observa do quarto do hotel?

      Não há informações específicas no poema sobre o que o poeta observa do quarto do hotel, mas ele se sente melancólico, o que sugere que sua experiência na cidade o deixou triste.

 

 

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

POEMA: VERSOS À BOCA DA NOITE - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 POEMA: VERSOS À BOCA DA NOITE

                Carlos Drummond de Andrade

 

Sinto que o tempo sobre mim abate
sua mão pesada. Rugas, dentes, calva.
Uma aceitação maior de tudo,
e o medo de novas descobertas.

 
Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgeY6k-xBeoSdarQctVfx4EfNLq0QscDu3XcV-Q4KyyIAEMl9S0HGdXZIXNWBxtne7bz9FKcgXUf76oyRz97LkD7U3LuUDOIh53JpMTI8fC09d9JYHjtShed4Msg9WoYOcyEQvBQQOO-_05hxGxEf90TaavNVZD7BwlmKy67eihZtJDGvHzXOKquO72yLg/s320/boca-da-noite.jpg

Escreverei sonetos de madureza?
Darei aos outros a ilusão de calma?
Serei sempre louco? Sempre mentiroso?
Acreditarei em mitos? Zombarei do mundo?

Há muito suspeitei o velho em mim.
Ainda criança, já me atormentava.
Hoje estou só. Nenhum menino salta
de minha vida, para restaurá-la.

Mas se eu pudesse recomeçar o dia!
Usar de novo minha adoração,
meu grito, minha fome. Vejo tudo
impossível e nítido, no espaço.

Lá onde não chegou minha ironia,
entre ídolos de rosto carregado,
ficaste, explicação de minha vida,
como os objetos perdidos na rua.

As experiências se multiplicaram:
viagens, furtos, altas solidões,
o desespero, agora cristal frio,
a melancolia, amada e repelida,

E tanta indecisão entre dois mares,
entre duas mulheres, duas roupas.
Toda essa mão para fazer um gesto
que de tão frágil nunca se modela,

E fica inerte, zona de desejo
selada por arbustos agressivos.
(Um homem se contempla sem amor,
se despe sem qualquer curiosidade.)

Mas vêm o tempo e a ideia de passado
visitar-te na curva de um jardim.
Vem a recordação, e te penetra
dentro de um cinema, subitamente.

E as memórias escorrem do pescoço,
do paletó, da guerra, do arco-íris;
enroscam-se no sonho e te perseguem,
à busca de pupila que as reflita.

E depois das memórias vem o tempo
trazer novo sortimento de memórias,
até que, fatigado, te recuses
e não saibas se a vida é ou foi.

Esta casa, que miras de passagem,
estará no Acre? na Argentina? Em ti?
Que palavra escutaste, e onde, quando?
Seria indiferente ou solidária?

Um pedaço de ti rompe a neblina,
voa talvez para a Bahia e deixa
outros pedaços, dissolvidos no atlas,
em País-do-Riso e em tua ama preta.

Que confusão de coisas ao crepúsculo!
Que riqueza! Sem préstimo, é verdade.
Bom seria captá-las e compô-las
num todo sábio, posto que sensível:

uma ordem, uma luz, uma alegria
baixando sobre o peito despojado.
E já não era o furor dos vinte anos
nem a renúncia às coisas que elegeu,

Mas a penetração no lenho dócil,
um mergulho em piscina, sem esforço,
um achado sem dor, uma fusão,
tal uma inteligência do universo

comprada em sal, em rugas e cabelo.

ENTENDENDO O POEMA

01. Nos versos de Carlos Drummond de Andrade pode-se inferir que o eu lírico trata do (as)

a) inquietações da juventude.

b) traquinagens da infância.

c) descobertas da adolescência.

d) transição da fase adulta para a velhice.

e) passagem da infância para a juventude.

 

02. Na frase “Sinto que o tempo sobre mim abate sua mão pesada” encontra-se a figura de linguagem

a) eufemismo.

b) animismo.

c) hipérbole.

d) catacrese.

e) sinestesia.

 

03. Como o poeta descreveu sua relação com o tempo no início do poema?

     O poeta descreveu que o tempo diminui sobre ele sua mão pesada, causando rugas, dentes e calva.

04. Qual é o sentimento do poeta em relação à sua maturidade na segunda estrofe?

      O poeta expressa uma facilidade maior de tudo em relação à sua maturidade, mas também revela o medo de novas descobertas.

05. O poeta planeja escrever sonetos dessa fase da vida?

      O poeta planeja escrever sonetos de maturidade.

06. O que o poeta questiona sobre si mesmo na terceira estrofe?

      O poeta questiona se ele será sempre louco, sempre mentiroso, se acreditará em mitos e zombará do mundo.

07. Qual é a sensação do poeta em relação à passagem do tempo e ao envelhecimento em "Há muito suspeito o velho em mim"?

       O poeta sente uma suspeita de envelhecimento desde a infância, e agora, na solidão, reflete sobre essa transformação.

08. O que o poeta deseja poder fazer novamente em relação ao seu passado?

      O poeta deseja poder recomeçar o dia e usar novamente sua inspiração, grito e fome.

09. Como o poeta descreve suas experiências ao longo da vida?

     O poeta descreveu suas experiências como multiplicadas, incluindo viagens, furtos, solidões, desespero, melancolia e indecisões.

10. O que o tempo traz consigo na segunda metade do poema?

      O tempo traz consigo a gravação e memórias que perseguem o poeta, até que ele se recusa a reconhecê-las como parte de sua vida.

11. Qual é o desejo final do poeta em relação às experiências e memórias da vida?

      O desejo final do poeta é capturar todas as experiências e memórias e compô-las em um todo sábio, uma ordem, uma luz, uma alegria que desça sobre seu peito despojado.

 

 

terça-feira, 9 de agosto de 2022

CRÔNICA: PESCADORES - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 CRÔNICA: PESCADORES

                   Carlos Drummond de Andrade

Domingo pede cachimbo, todo domingo aquele esquema: praia, bar, soneca, futebol, jantar em restaurante. Acaba em chatura. Os quatro jovens executivos sonhavam com um programa diferente.

— Se a gente desse uma de pescador?

— Falou.

Muniram-se do necessário, desde o caniço até o sanduíche incrementado, e saíram rumo à praia mais deserta, mais viscosa, mais sensacional.

Lá estavam felizes da vida, à espera de peixe. Mas os peixes, talvez por ser domingo, e todos os domingos serem iguais, também tinham variado de programa — e não se deixavam fisgar.

— Tem importância não. Daqui a pouco aparecem. De qualquer modo, estamos curtindo.

— É.

Peixe não vinha. Veio pela estrada foi a Kombi, lentamente. Parou, saltaram uns barbudos:

— Pescando, hem? Beleza de lugar. Fazem muito bem aproveitando a folga num programa legal. Saúde. Esporte. Alegria.

— Estamos só arejando a cuca, né? Semana inteira no escritório, lidando com problemas.

— Ótimo. Assim é que todos deviam fazer. Trocar a poluição pela natureza, a vida ao ar livre. Somos da televisão, estamos filmando aspectos do domingo carioca. Podem colaborar?

— Que programa é esse?

- Aprenda a Viver no Rio. Programa novo, cheio de bossas. Vai ser lançado semana que vem. Gostaríamos que vocês fossem filmados como exemplo do que se pode curtir num dia de lazer, em benefício do corpo e da mente.

— Pois não. O grilo é que não pescamos nada ainda.

— Não seja por isso. Tem peixe na Kombi, que a gente comprou para uma caldeirada logo mais.

Desceram os aparelhos e os peixes, e tudo foi feito com técnica e verossimilhança, na manhã cristalina. Os quatro retiravam do mar, em ritual de pescadores experientes, os peixes já pescados. O pessoal da TV ficou radiante:

— Um barato. Vocês estavam ótimos.

— Quando é que passa o programa?

— Quinta-feira, horário nobre. Já está sendo anunciado.

Quinta-feira, os quatro e suas jovens mulheres e seus encantadores filhos reuniram-se no apartamento de um deles — o que tivera a ideia da pescaria.

— Vocês vão ver os maiores pescadores da paróquia em plena ação.

O programa, badaladíssimo, começou. Eram cenas do despertar e da manhã carioca, trens superlotados da Linha Auxiliar, filas no elevador, escritórios em atividade, balconistas, telefonistas, enfermeiras, bancários, tudo no batente ou correndo para. O apresentador fez uma pausa, mudou de tom:

“— Agora, o contraste. Em pleno dia de trabalho, com a cidade funcionando a mil por cento para produzir riqueza e desenvolvimento, os inocentes do Leblon dedicam-se à pescaria sem finalidade. Aí estão esses quatro folgados, esquecidos de que a Guanabara enfrenta problemas seríssimos e cada hora desperdiçada reduz o produto nacional bruto…”

— Canalhas!

— Pai, você é um barato!

— E eu que não sabia que você, em vez de ir para o escritório, vai pescar com a patota, Roberto!

— Se eu pego aqueles safados mato eles.

— E o peixe, pai, você não trouxe o peixe pra casa!

 

— Não admito gozação!

— Que é que vão dizer amanhã no escritório!

— Desliga! Desliga logo essa porcaria!

Para aliviar a tensão, serviu-se uísque aos adultos, refrigerante aos garotos.

Fonte:

Carlos Drummond de Andrade. 70 Historinhas. 

São Paulo: Companhia das Letras, 2009.

Fonte: Maxi: ensino fundamental 2:multidisciplinar:6 º ao 9º ano/obra coletiva: Thais Ginicolo Cabral. 1.ed. São Paulo: Maxiprint,2019.7º ano Caderno 2 p.97-100.

 

Entendendo o texto

01. Indique as informações pedidas nos quadros a seguir.

Elementos da narrativa

Personagens – Quatro jovens amigos.

Tempo – Um dia de domingo e quinta-feira à noite.

Espaço – Em uma praia do Rio de Janeiro e na casa de um dos amigos.

Enredo

Início – Em um domingo alguns amigos decidem fazer uma pescaria.

Conflito – Durante a pescaria, aprecem uns barbudos, numa kombi e convidam os jovens pescadores a fazerem parte de um programa de televisão.

Clímax – Os rapazes convidam os familiares a assistir ao programa de TV.

Desfecho – Ao assistir ao programa percebem que foram enganados.

02. O que você pensa a respeito do que os barbudos fizeram? Isso é possível de acontecer? Registre sua resposta e, depois, troque ideias com o professor e com os colegas.

Resposta pessoal.

03. Releia as falas, no final do texto, e explique a reação das esposas e dos filhos dos executivos.

Os filhos parecem zombar dos pais, enquanto as esposas parecem acreditar no que estavam vendo na TV.

04. Como você sabe, as crônicas costumam fazer uso de linguagem informal, a fim de aproximar o leitor da história narrada. Nessa crônica, há grande ocorrência de gírias.

a)   Pesquise, no dicionário, a definição de gíria e registre neste espaço.

Linguagem informal com vocabulário rico em expressões metafóricas, jocosas, elípticas, usada inicialmente por um determinado grupo, mas que pode se estender a outros, passando a fazer parte do uso corrente.

b)   Releia algumas frases em que as gírias aparecem e, pelo contexto e com o auxílio do professor, anote os significados delas nesse texto.

Uma chatura!

É uma chatice, algo chato, desinteressante, monótono.

[...] aproveitando a folga num programa legal.

Um programa interessante.

Estamos só arejando a cuca, né.

Estamos só relaxando.

[...] como exemplo do que se pode curtir num dia de lazer [...]

Exemplos do que se pode desfrutar, aproveitar, em um dia de lazer.

O grilo é que não pescamos nada ainda.

O problema é que não pescamos nada.

05. Escreva as características que classificam esse texto como crônica humorística.

- Uso de linguagem informal.

- Personagens comuns, presentes no dia a dia.

- Texto de curta extensão.

- Crítica com humor.

 

 

 

domingo, 26 de junho de 2022

SONETO: OFICINA IRRITADA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Soneto: Oficina irritada

           Carlos Drummond de Andrade

Eu quero compor um soneto duro
como poeta algum ousara escrever.
Eu quero pintar um soneto escuro,
seco, abafado, difícil de ler.

Quero que meu soneto, no futuro,
não desperte em ninguém nenhum prazer.
E que, no seu maligno ar imaturo,
ao mesmo tempo saiba ser, não ser.

Esse meu verbo antipático e impuro
há de pungir, há de fazer sofrer,
tendão de Vênus sob o pedicuro.

Ninguém o lembrará: tiro no muro,
cão mijando no caos, enquanto Arcturo,
claro enigma, se deixa surpreender.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética (organizada pelo autor). Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1983. p. 178.

Fonte: Língua portuguesa 2 – Projeto ECO – Ensino médio – Editora Positivo – 1ª edição – Curitiba – 2010. p. 242.

Entendendo o soneto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Pungir: ferir, afligir, torturar, atormentar.

·        Vênus: deusa latina da beleza e do amor.

·        Pedicuro: profissional que se dedica a cuidar dos pés.

·        Arcturo: uma das estelas mais brilhantes da constelação da Ursa Maior.

02 – Releia a primeira estrofe do texto. Quais as características do soneto que o sujeito poético afirma que quer escrever?

     Ele quer escrever um soneto “duro”, “escuro”, “seco”, “abafado” e “difícil de ler”.

03 – Tendo em vista as ideias presentes no texto, responda: a que o “ar imaturo” do soneto pretendido pelo sujeito poético do texto pode ser contraposto?

      Pode ser contraposto às ideias de equilíbrio e perfeição formal defendidas pelos parnasianos. Nesse sentido, a imaturidade do soneto descrito no texto de Drummond se afastaria do ideal parnasiano de “obra acabada”.

04 – Na última estrofe do texto, duas imagens inusitadas são usadas para metaforizar o soneto pretendido pelo sujeito poético: “Tiro no muro” e “cão mijando no caos”. Que sentidos podem ser atribuídos a elas?

      São imagens que condenam o desencanto e a irritação demonstrados pelo sujeito poético ao longo do texto. Essas imagens insólitas sugerem a transitoriedade e a precariedade da poesia.

05 – Como pode ser entendida a referência a “Arcturo”, um “claro enigma” que se deixaria surpreender na leitura do soneto?

      Como uma surpresa luminosa, uma revelação positiva, ainda que enigmática, capaz de conferir algum sentido à experiência poética. Assim, embora a literatura seja “antipática” e “impura”, possui algo de surpreendente para oferecer ao leitor.

06 – Considerando que o texto foi escrito por Drummond, poeta adepto das inovações modernistas, interprete o seu título. Por que os termos “oficina” e “irritada” foram escolhidos para nomear o soneto?

      O termo “oficina” foi escolhido provavelmente numa referência ao trabalho artesanal do poeta parnasiano, que trabalhava a palavra como se fosse um joalheiro. E o termo “irritada” diz respeito ao estado de espírito do poeta modernista, que rejeita os princípios parnasianos.

07 – É possível afirmar que o soneto apresenta proposta diversa sobre o fazer poético. Que proposta seria essa?

      O texto apresenta uma proposta moderna – e irônica – de composição poética que desvincula poesia e fruição, defende o desarranjo e o desalinho da forma e aposta na exposição das contradições que caracterizam a vida do homem moderno.

 

 

quarta-feira, 8 de junho de 2022

CRÔNICA: O RECALCITRANTE - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 CRÔNICA: O recalcitrante

                    Carlos Drummond de Andrade

        O trocador olhou, viu, não aprovou. Daquele passageiro escanchado placidamente no banco lateral, escorria um fio de água que ia compondo, no piso do ônibus, a micro figura de uma piscina.

        – Ei, moço quer fazer o favor de levantar?

        O moço (pois ostentava barba e cabeleira amazônica, sinais indiscutíveis de mocidade), nem-te-ligo.

        O trocador esfregou as mãos no rosto, em gesto de enfado e desânimo, diante de situação tantas vezes enfrentada, e murmurou:

        – Estes caras são de morte.

        Devia estar pensando: Todo ano a mesma coisa. Chegando o verão, chegam problemas. Bem disse o Dario, Quando fazia gol no Atlético Mineiro: Problemática demais. Estava cansado de advertir passageiros que não aprendem como viajar em coletivos. Não aprendem e não querem aprender. Tendo comprado passagem por 65 centavos, acham que compraram o ônibus e podem fazer dele casa-da-peste. Mas insistiu:

        – Moço! Ô moço!

        Nada. Dormia? Olhos abertos, pernas cabeludas ocupando cada vez mais espaço, ouvia e não respondia. Era preciso tomar providência:

        – O senhor aí, cavalheiro, quer cutucar o braço do distinto, pra ele me prestar atenção?

        O cavalheiro, vê lá se ia se meter numa dessas. Ignorou, olímpico, a marcha do caso terrestre.

        Embora sem surpresa, o cobrador coçou a cabeça. Sabia de experiência própria que passageiro nenhum quer entrar numa “fria”. Ficam de camarote, espiando o circo pegar fogo. Teve pois que sair do seu trono, pobre trono de trocador, fazendo a difícil ginástica de sempre. Bateu no ombro do rapaz:

        – Vamos levantar?

        O outro mal olhou para ele, do longe de sua distância espiritual. Insistiu:

        – Como é, não levanta?

        – Estou bem aqui.

        – Eu sei, mas é preciso levantar.

        – Levantar pra quê?

        – Pra que, não. Por quê. Seu calção está molhado de água do mar.

        – Tem certeza que é água do mar?

        – Tá na cara.

        – Como tá na cara? Analisou?

        Forrou-se de paciência para responder:

        – Olha, o senhor está de calção de banho, o senhor veio da praia, que água pode ser essa que está pingando se não for água do mar? Só se…

        – Se o quê?

        – Nada.

        – Vamos, diz o que pensou.

        – Não pensei nada. Digo que o senhor tem de levantar porque seu calção está ensopado e vai fazendo uma lagoa aí embaixo.

        – E daí?

        – Daí, que é proibido.

        – Proibido suar?

        – Claro que não.

        – Pois eu estou suando, sabe? Não posso suar sentado, com esse calorão de janeiro? Tenho que suar de pé?

        – Nunca vi suar tanto na minha vida. Desculpe, mas a portaria não permite.

        – Que portaria?

        – Aquela pregada ali, não está vendo? “O passageiro, ainda que com roupa sobre as vestes de banho molhadas, somente poderá viajar de pé.

        – Portaria nenhuma diz que o passageiro suado tem que viajar de pé. Papo findo, tá bom?

        – O senhor está desrespeitando a portaria e eu tenho que convidar o senhor a descer do ônibus.

        – Eu, descer porque estou suado? Sem essa.

        – O ônibus vai para e eu chamo a polícia.

        – A polícia vai me prender porque estou suando?

        – Vou botar o senhor pra fora porque é um… recalcitrante.

        O passageiro pulou, transfigurado:

        – O quê? Repita se for capaz.

        – Re… calcitrante.

        – Te quebro a cara, ouviu? Não admito que ninguém me insulte!

        – Eu? Não insultei.

        – Insultou, sim. Me chamou de réu. Réu não sei o que, calcitrante, sei lá o que é isso. Retira a expressão, ou lá vai bolacha.

        – Mas é a portaria! A portaria é que diz que o recalcitrante…

        – Não tenho nada com a portaria. Tenho é com você, seu cretino. Retira já a expressão, ou…

        Retira não retira, o ônibus chegou ao meu destino, eu paro infalivelmente no meu destino. Fiquei sem saber que consequências físicas e outras teve o emprego da palavra “recalcitrante”.

Carlos Drummond de Andrade. “Recalcitrante”. In: De notícias e não-notícias faz-se a crônica. 6. ed. Rio de Janeiro: Record, 1987.

Fonte: Língua portuguesa – Palavras – Hermínio Geraldo Sargentim – 5ª série – IBEP – 1ª edição, São Paulo, 2002. p. 50-3.

Entendendo o texto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Escanchar: sentado com as pernas abertas.

·        Ostentar: exibia.

·        Enfado: aborrecimento.

·        Olímpico: majestoso.

·        Transfigurado: transtornado.

·        Recalcitrante: indiscutível, irredutível, teimoso.

02 – Empregue convenientemente nas frases as palavras: recalcitrante, placidamente, transfigurado, indiscutível, infalivelmente, completando a frase.

a)   Depois das palavras do pai, o menino ficou transfigurado.

b)   O professor chega infalivelmente no horário.

c)   Olhou placidamente para as pessoas e saiu.

d)   Você será considerado recalcitrante se não acatar a ordem do diretor.

e)   Saber comunicar-se é uma necessidade indiscutível.

03.Apesar dos  elementos  narrativos,  o  texto  em  estudo  é  uma  crônica. Marque  um X na(s)  alternativa(s)  que  apresente(m)  características desse gênero textual.

      a)(  ) A crônica trata de temas inteiramente da fantasia, inventando acontecimentos e personagens que não poderiam existir em nosso cotidiano.

       b)( X ) Muitas crônicas usam o humor e a ironia para fazer uma crítica aos nossos costumes e modos de pensar a vida.

       c)( ) O cronista procura sempre passar informações em linguagem objetiva, sem sua interpretação pessoal, da mesma forma que as notícias e reportagens.

       d)( X  ) Diferente das notícias, a crônica apresenta um tom literário, com termos em sentido conotativo.

       e)( X  ) O cronista inspira - se a partir do contato com noticiários e/ou partindo de fatos do seu cotidiano.

 04. Que problema movimenta o enredo de O Recalcitrante?

      O enredo é um homem, com a roupa molhada, querer viajar sentado, em um ônibus, sendo que é proibido (ele só poderia viajar de pé).

 05. Qual é o clímax da crônica?

       O clímax da crônica acontece quando o homem infrator é chamado de um termo que desconhece (recalcitrante) e pensa estar sendo ofendido.

 06.Em: “Daquele passageiro, escanchado placidamente no banco lateral, escorria um fio de água”, o sujeito do verbo grifado é:

    ( a ) “Daquele passageiro”  

    ( b ) “Um fio de água”    

    ( c ) “Água” 

    ( d ) “No banco lateral”

 

07. Qual figura de construção foi aplicada ao trecho em análise na questão 06?

          ( a ) Hipérbato

         ( b ) Elipse

         ( c ) Zeugma

         ( d ) Polissíndeto

 

domingo, 29 de maio de 2022

POEMA: NUM PLANETA ENFERMO - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poema: Num planeta enfermo

         Carlos Drummond de Andrade

             A culpa é tua, Pai Tietê? A culpa é tua se tuas águas estão podres de fel e majestade falsa? Mário de Andrade (Meditação sobre o Tietê)

Cai neve em Parnaíba, noiva branca.

Vem dos lados de Pirapora do Bom Jesus.

Presente de Deus, com certeza,

a seus filhos que jamais viram Europa.

Ou talvez cortesia do Prefeito?

 

Moleques, brinquem na neve pura e rara.

Garotas, não tenham cerimônia.

Cai neve em Parnaíba, é promoção.

O senhor que é tabelião, o dr. promotor

por que não vão fazer bonecos dessa neve

especial, que reacende

o espírito infantil?

 

Correm todos a ver a neve santa,

a alvorejar em sua alvura.

Olha a rua vestida de sonho,

olha o jardim envolto em toalha de nuvens,

olha nossas tristezas lavadas, enxaguadas!

O professor chega perto e não se encanta.

Esse cheiro… diz ele. Realmente,

quem pode com esse cheiro nauseante?

A neve foi malfeita, não se faz

neve como em filmes e gravuras.

E me dói a cabeça, diz alguém.

E a minha também, e o mal-estar

me invade o corpo. Desculpem se vomito

à vista de pessoas tão distintas.

 

Envenenada morre a flor-de-outubro

no canteiro onde o branco

deixa uma escura marca de gordura.

Marcadas ficarão

as casas coloniais da Praça da Matriz

tombadas pelo IPHAN?

A pele dos rostos mais limpinhos

— ai Rita, ai Mariazinha —

cheira a óleo queimado.

 

Estranha neve:

espuma, espuma apenas

que o vento espalha, bolha em baile no ar,

vinda do Tietê alvoroçado

ao abrir de comportas,

espuma de dodecilbenzeno irredutível,

emergindo das águas profanadas

do rio-bandeirante, hoje rio-despejo

de mil imundícies do progresso.

 

Pesadelo? Sinal dos tempos?

Jeito novo de punir cidades, pois a Bíblia

esgotou os castigos de água e fogo?

Entre flocos de espuma detergente

vão se findar os dias lentamente

de pecadores e não pecadores,

se pecado é viver entre rios sem peixe

e chaminés sem filtro e monstrimultinacionais,

onde quer que a valia

valha mais do que a vida?

 

Minha Santana pobre de Parnaíba,

meu dorido Bom Jesus de Pirapora,

meu infecto Anhambi de glória morta,

fostes os chamados

não para anunciar uma outra luz do dia,

mas o branco sinistro, o negro branco,

o branco sepultura do que é cor, perfume

e graça de viver, enquanto vida

ou memória de vida se consente

neste planeta enfermo.

Carlos Drummond de Andrade. Discurso de primavera e algumas sombras. São Paulo: Companhia das Letras. www.carlosdrummond.com.br.

Fonte: Língua Portuguesa – Caminhar e transformar – Aos finais do ensino fundamental – 1ª edição – São Paulo – FTD, 2013. p. 105-8.

Entendendo o poema:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Alvorejar: tornar alvo, branco.

·        Anhambi e Anhembi: antigo nome do rio Tietê.

·        Dodecilbenzeno: composto químico utilizado na fabricação de detergentes.

·        Dorido: cheio de dor, dolorido.

·        Enfermo: doente.

·        IPHAN: sigla de Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, responsável pelo tombamento de prédios históricos.

·        Pirapora do Bom Jesus: cidade do interior de São Paulo, às margens do Tietê.

·        Valia: lucro, nesse contexto.

·        Santana de Parnaíba: cidade do interior de São Paulo, às margens do Tietê.

02 – Quantas estrofes o poema apresenta?

      07 (sete) estrofes.

03 – O poema apresenta rimas?

(   ) Sim.                                     (X) Não.

04 – Releia estes versos d primeira estrofe.

        “Cai neve em Parnaíba,

         Noiva branca.”

        As palavras neve e noiva foram utilizadas num sentido diferente do usual e do que aparece nos dicionários. A que se referem as palavras neve e noiva nesses versos?

      Elas se referem à espuma de detergente.

05 – Releia a terceira estrofe do poema. Copie um verso com palavra utilizada em sentido conotativo.

      Olha a rua vestida de sonho / olha o jardim envolto em toalha de nuvens.

06 – Na terceira estrofe, o eu lírico apresenta o comportamento da população em relação à neve.

a)   A princípio, como a neve é vista pela população?

Como uma coisa bela, agradável de olhar.

b)   O que acontece ao final da terceira estrofe?

O cheiro da espuma é desagradável e provoca náuseas e vômitos.

07 – Na quarta estrofe, o eu lírico mostra as consequências da neve. Quais são?

      As casas colônias tombadas ficarão com marcas de gordura e os rostos, com cheiro de óleo queimado.

08 – Na quinta estrofe, o eu lírico explicita o que seria a neve.

a)   De onde vem a neve que invade a cidade?

Do rio Tietê.

b)   Por que isso acontece? Justifique com um verso dessa estrofe.

Porque o rio recebe a espuma de detergente e “mil imundícies do progresso”. Os quatro últimos versos ressaltam isso.

09 – Que crítica o eu lírico apresenta nas duas últimas estrofes?

      O eu lírico faz uma crítica ao capitalismo selvagem, que, na ganância por mais lucro, coloca o planeta em perigo (enfermo).

10 – Na sexta estrofe, há a palavra monstrimultinacionais criada pelo eu lírico. Qual é o sentido dessa palavra?

      As multinacionais são monstros que destroem o rio com seus esgotos em nome dos lucros.