quarta-feira, 1 de maio de 2019

TEXTO: HIP-HOP BRASIL - TATIANA I. KWIEZYNSHI - COM QUESTÕES GABARITADAS


Texto: Hip-hop Brasil
                  
           Tatiana Ivanovici Kwiezynshi

   Ele é tão urbano quanto as grandes construções de concreto e as estações de metrô, e cada dia se torna mais presente se firmando como a arte que vem das ruas

        Por aqui, é a voz cantada dos presídios, está nos grafites que embelezam ou enfeitam muros e paredes das grandes cidades e nas roupas da juventude. É um movimento que invade as metrópoles brasileiras da periferia para o centro. Para muitos jovens, o Hip-hop vem fazendo a diferença, mudando jeitos de pensar, dando oportunidades e denunciando a desigualdade social e racial. “O Hip-hop nasceu na periferia dos bairros pobres de Nova York. Pode ser considerada uma cultura juvenil urbana”, explica Viviane Melo de Mendonça Magro, psicóloga que estuda o movimento no Brasil, com ênfase na questão de gênero. “O Hip-hop é formado por três elementos: a música (rap), as artes plásticas (o grafite) e a dança (o break). No Hip-hop os jovens usam as expressões artísticas como uma forma de luta e resistência política”, diz a pesquisadora.
        Enraizado nas camadas populares urbanas, o Hip-hop firmou-se no Brasil e no mundo com um discurso político a favor dos excluídos, sobretudo dos negros. Não é por acaso que o famoso rapper Mano Brown teve uma recepção tão calorosa na Febem do Brás, em São Paulo, em um show realizado em 2003. Os jovens detentos sabiam de cor as letras das músicas que falavam da realidade dos moradores das periferias. “As histórias do rap são fictícias ou reais, mais tratam de pessoas que vivem na periferia”, conta Viviane.
        Apesar de ser um movimento originário das periferias norte-americanas, o Hip-hop não encontrou barreiras no Brasil, onde se instalou com certa naturalidade. “A apropriação de elementos que não estão necessariamente legitimados na cultura brasileira deu-se de forma mais natural e tranquila porque estamos em um mundo globalizado”, considera Micael Herschmann, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autor do livro “O funk e o hip invadem a cena”. O que, no entanto, não significa que o Hip-hop brasileiro não tenha influências locais. O movimento no Brasil é híbrido, com traços evidentes da cultura nacional: no hip-hop brasileiro tem rap com um pouco de samba, break parecido com capoeira e grafites de cores muito vivas.

        NOVA GERAÇÃO

        Com quase 20 anos de existência no Brasil, “O Hip-hop ainda é uma criança que está aprendendo a se locomover”, afirma Rappin’ Hood. Segundo Marcão, rapper do DMN, “Se a gente comparar o mercado de hoje com o de dez anos atrás, podemos notar que atualmente temos mais lançamentos e menos casas para tocar”.
        Marcão afirma que a cultura precisa de profissionais de outras áreas, como técnicos de som e assessores de imprensa. Mas uma nova geração de grupos está surgindo. Em sua maioria, apostas dos próprios artistas do movimento. Um desses representantes é o CA. GE. BE. Que tem seu álbum de estreia lançado pelo selo Equilíbrio do DJ KL Jay. Para Cesar Sotaque, MC do grupo, “hoje temos noção de como comercializar nosso produto”. Rosana Bronk’s também faz parte dessa nova fase, seu primeiro álbum é um lançamento da Cosa Nostra, selo do Racionais MC’s. Para Rosana Bronk’s um outro aspecto a ser discutido é o comportamento dos produtores de eventos. “Os contratantes deveriam firmar parcerias com grandes empresas”.

        HUTÚZ, o Oscar

        Maior evento de hip-hop da América Latina, o Prêmio Hutúz acontece há sete anos no Rio de Janeiro e já faz parte do Calendário Turístico e Cultural da cidade. “A ideia era dar qualidade à produção do hip-hop com uma condição: o próprio hip-hop deveria produzir e executar o projeto”, revela Celso Athayde. Acabar com os estigmas, sair do gueto e ganhar o asfalto sem perder a autoridade era a principal motivação. “O Prêmio Hutúz é válido porque reflete a opinião do povo”, afirma Eduardo, integrante do grupo Facção Central. “Ainda temos o problema da grande mídia, que não valoriza o rapper verdadeiro e não divulga o hip-hop”. A tradicional homenagem do Prêmio Hutúz desta vez foi dedicado ao rapper e produtor Helião. “O mérito não é só meu, mas acredito que sou merecedor porque aprendi a lição”. Helião, formador do extinto RZO, prometeu a volta do grupo. Sobre o atual cenário do hip-hop brasileiro, ele acredita que falta coragem para inovar nas produções, “temos que buscar coisas novas”.
        Se o futuro do rap é se unir aos ritmos brasileiros, MV Bill já está fazendo sua parte. No seu mais recente trabalho, O bagulho é doido, o rapper utilizou elementos de funk carioca. O show de lançamento desse álbum no Hutúz foi aplaudido e a performance de sua irmã K-Milla surpreendeu. Para MV Bill, a maior parte dos rappers não valorizam sua própria raiz. “Quando Snoop Dogg ou Dr. Dre utilizarem samples de música brasileira é que a rapaziada vai perceber que isso acontece no nosso quintal”. Sobre o hip-hop. MV Bill diz que teve um momento em que a música norte-americana explodiu no Brasil. “Nessa época estavam na moda as festas ‘black’, que na realidade só tocavam rap internacional”, revela. “Chamar de ‘black’ era uma maneira de aliviar o fato de que a palavra rap está relacionada às pessoas de comunidade”. Para o MV da Cidade de Deus, é o racismo musical que se estende ao social.

        COMEÇANDO A ENTENDER

        O grupo Pavilhão 9, que se apresentou no Hutúz Rap Festival, lançou seu primeiro trabalho em 1992. Rossi, um de seus integrantes, defende a profissionalização, “o rap nacional deveria ganhar dinheiro como o rock ou a MPB”. Japão, MC do brasiliense Viela 17, acredita que “para o hip-hop realmente acontecer, os rappers devem investir em si mesmos e não depender de grandes gravadoras”. Uma porta pela qual o hip-hop brasileiro ainda não entrou é a internet, talvez porque a cultura de modo geral ainda seja resistente a este veículo. “Fora do Brasil, rappers fazem lançamentos exclusivos em seus sites, e o rap nacional ainda não enxergou isso”, afirma Japão. O Viela 17 disponibilizou algumas faixas de seu álbum O Alheio chora seu dono para download gratuito na internet. Hoje, o hip-hop brasileiro busca a profissionalização e começa a tomar consciência de suas necessidades.
        Para Marcelo, integrante do grupo carioca Dughettu, “a gente está começando a entender o profissionalismo”.
        Cabal, rapper paulista que faturou um Grammy em 2006, não precisamente nessa categoria, acredita que o hip-hop deveria lidar melhor com outros segmentos do mercado. Mas esse diálogo do hip-hop com as grandes empresas, de um modo geral, ainda é um desafio a ser superado. “Eu espero que a gente tenha condições de preparar terreno para os que ainda virão”. Afirma o mensageiro da verdade, MC Bill.
        Atualmente, o hip-hop é uma expressão popular muito mais evidente que o funk, e já cruzou as fronteiras de todos estados. Para a psicóloga Viviane, sejam brancos ou negros, muitos jovens brasileiros têm encontrado no movimento uma esperança. “O hip-hop tem um lado político forte, de conscientização. Eles se organizam cada vez mais para que possam criar alternativas para os jovens da periferia não caírem na criminalidade, nas drogas”, conclui.
                                                                         Revista Raça Brasil.
Entendendo o texto:

01 – Qual é o assunto da reportagem que você leu? Em seu caderno, sintetize-o em uma frase.
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: É a afirmação do hip-hop como expressão artística urbana.

02 – Na abertura desta unidade, afirmamos que divulgar assuntos de interesse público é um dos propósitos da imprensa. Pensando nisso, responda:
a)   Por que o assunto da reportagem “Hip-hop Brasil” seria de interesse público?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Trata-se de mostrar o crescimento, no Brasil, de uma manifestação cultural.

b)   Quem seria o público leitor das matérias publicadas em Raça Brasil?
Pessoas que se interessam por temas e notícias ligados à comunidade negra brasileira.

c)   Relacionando as respostas que você deu aos itens a e b, explique: por que uma matéria sobre o hip-hop é matéria da revista Raça Brasil?
O hip-hop surgiu na periferia de grandes cidades norte-americanas, nas quais há prevalência da população negra. Ao chegar ao Brasil, essa manifestação cultural trouxe elementos ligados aos negros. Daí o suposto interesse dos leitores de Raça Brasil pelo tema.

03 – Defina, com suas palavras, o que é o hip-hop.
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: O texto informa que é uma manifestação cultural compósita, que combina música, arte visual e dança.

04 – Segunda a reportagem, o hip-hop é “um discurso em favor dos excluídos, sobretudo dos negros:
a)   Explique a relação entre as palavras excluídos e negros, que a reportagem estabelece.
Considera-se muitas vezes que a população negra atual é herdeira de uma situação de exclusão social pelo fato de os negros terem sofrido com a escravidão, até o final do século XIX.

b)   Além dos negros, o hip-hop atinge também outros públicos. Segundo a reportagem, que públicos são esses?
No Brasil, seria a população empobrecida que vive, sobretudo, em condições precárias nas grandes cidades, como ocorre nas favelas.

05 – Na reportagem, afirma-se que o hip-hop teve sua origem em bairros pobres da cidade de Nova York. Mesmo sendo uma manifestação de origem estrangeira, o hip-hop se adaptou bem no Brasil.
a)   O que teria permitido essa adaptação?
Segundo a reportagem, isso se dá porque o hip-hop é uma manifestação cultural de um mundo globalizado e, portanto, expressa características que se aclimatariam facilmente fora do seu local de origem.

b)   Você considera que a explicação dada na reportagem para o sucesso do hip-hop no Brasil é convincente? Justifique sua opinião.
Resposta pessoal do aluno.

06 – Além do hip-hop, outros elementos culturais de origem estrangeira são citados na reportagem. Segundo o texto, o que permite que esses elementos sejam incorporados e façam sucesso no Brasil?
      A semelhança entre as condições que há em outros países e aquelas que existem no Brasil.

07 – N reportagem, em alguns trechos, são empregados conceitos opostos. Para isso, a autora utiliza (ou deixa subentendido) pares de antônimos como excluídos/incluídos, brancos/negros, cultura estrangeira/cultura brasileira, entre outros.
a)   Copie no caderno alguns trechos em que isso ocorre.
Algumas possibilidades de resposta: “Grafites que embelezam ou enfeitam muros e paredes”; “Apesar de ser um movimento originário das periferias norte-americanas, o hip-hop não encontrou barreiras no Brasil [... O movimento no Brasil é híbrido, com traços evidentes da cultura nacional...”, etc.

b)   Na sua opinião, por que ela emprega conceitos opostos?
Resposta pessoal do aluno.

08 – A partir do que você observou sobre conceitos opostos empregados no texto, responda:
a)   O que esses antônimos podem revelar a respeito do ponto de vista de quem escreve a reportagem e, por extensão, a revista? Justifique sua opinião.
Por se tratar de uma matéria que comenta um movimento cultural surgido junto à população pobre e negra de grandes cidades, não pode deixar de refletir as questões enfrentadas por essas pessoas. A publicação, sendo voltada para um público específico deve ter característica de linguagem que se afinem com esse público.

b)   Para acentuar esses conceitos opostos e mostrar que no Brasil essas oposições não funcionam de forma tão simples como em outros lugares, que recurso a autora do texto usa? Explique.
Ela convoca a palavra dos especialistas, que mostram que oposições estritas como brancos/negros ou excluídos / incluídos não dão conta da situação brasileira. Além disso, ela consegue ressaltar a especificidade do hip-hop brasileiro.

09 – Algumas palavras e expressões utilizadas no texto remetem ao universo do hip-hop.
a)   Copie em seu caderno algumas dessas expressões e tente explica-las com suas palavras, valendo-se do contexto.
Rapper (cantor e ou compositor de rap). MC (músico que lidera uma banda de hip-hop). Black (estilo musical divulgado nos anos 1980). Break (dança de rua que acompanha as manifestações de rap), são alguns exemplos.

b)   Os nomes dos grupos e artistas de hip-hop brasileiros são compostos, muitas vezes, de jogos de palavras que procuram lhes dar certo ar estrangeiro: Dughettu, K-Milla, MC Bill, entre outros. Explique por que isso ocorre, considerando as informações que o texto fornece sobre a cultura hip-hop.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Porque essa forma de se autodesignar está ligada, possivelmente, à origem norte-americana da cultura hip-hop.

terça-feira, 30 de abril de 2019

MÚSICA(ATIVIDADES): ÚLTIMO DESEJO -(NOEL ROSA) - COM QUESTÕES GABARITADAS

Música(Atividades): Último Desejo

                               Noel Rosa

Nosso amor que eu não esqueço
E que teve o seu começo
Numa festa de São João

Morre hoje sem foguete
Sem retrato e sem bilhete
Sem luar, sem violão

Perto de você me calo
Tudo penso e nada falo
Tenho medo de chorar

Nunca mais quero o seu beijo
Mas meu último desejo
Você não pode negar

Se alguma pessoa amiga
Pedir que você lhe diga
Se você me quer ou não
Diga que você me adora
Que você lamenta e chora
A nossa separação

Às pessoas que eu detesto
Diga sempre que eu não presto
Que meu lar é o botequim
Que eu arruinei sua vida
Que eu não mereço a comida
Que você pagou pra mim

                                                  Composição: Noel Rosa
Entendendo a canção:

01 – Baseando-se na letra da música Último Desejo, assinale a alternativa correta.
a)   O último desejo do narrador é mais um beijo da mulher amada.
b)   O poeta tem receio de que a mulher passe a falar mal dele para as pessoas em geral.
c)   Se a conjunção “mas” (no oitavo verso) fosse trocada por “pois”, não haveria alteração de sentido.
d)   Os termos “foguete”, “luar” e “violão” remetem ao clima da festa de São João, quando começou o romance entre o narrador e sua amada.
e)   O narrador deseja que a mulher o deteste, pois ele não presta e admite isso.

02 – Leia os versos a seguir, da canção “Último Desejo”, de Noel Rosa, confrontando o valor semântico das conjunções integrantes destacadas. “Se alguma pessoa amiga
                     Pedir que você lhe diga
                     Se você me quer ou não
                     Diga que você me adora
                     Que você lamenta e chora
                     A nossa separação”.

Que diferença de sentido há entre elas nesse contexto?
      O emprego da conjunção se imprime à oração o valor semântico de incerteza; o emprego do que, o sentido de certeza.

ROMANCE: TRISTE FIM DE POLICARPO QUARESMA - (FRAGMENTO) - LIMA BARRETO

Romance: Triste fim de Policarpo Quaresma                
                   Fragmento 

                                  Lima Barreto
        [...]
        Como lhe parecia ilógico com ele mesmo estar ali metido naquele estreito calabouço. Pois ele, o Quaresma plácido, o Quaresma de tão profundos pensamentos patrióticos, merecia aquele triste fim?
        De que maneira sorrateira o Destino o arrastara até ali, sem que ele pudesse pressentir o seu extravagante propósito, tão aparentemente sem relação com o resto da sua vida? Teria sido ele com os seus atos passados, com as suas ações encadeadas no tempo, que fizera com que aquele velho deus docilmente o trouxesse até à execução de tal desígnio? Ou teriam sido os fatos externos, que venceram a ele, Quaresma, e fizeram-no escravo da sentença da onipotente divindade? Ele não sabia, e, quando teimava em pensar, as duas coisas se baralhavam, se emaranhavam e a conclusão certa e exata lhe fugia.
        Não estava ali há muitas horas. Fora preso pela manhã, logo ao erguer-se da cama; e, pelo cálculo aproximado do tempo, pois estava sem relógio e mesmo se o tivesse não poderia consultá-lo à fraca luz da masmorra, imaginava podiam ser onze horas.
        Por que estava preso? Ao certo não sabia; o oficial que o conduzira, nada lhe quisera dizer; e, desde que saíra da ilha das Enxadas para a das Cobras, não trocara palavra com ninguém, não vira nenhum conhecido no caminho, nem o próprio Ricardo que lhe podia, com um olhar, com um gesto, trazer sossego às suas dúvidas. Entretanto, ele atribuía a prisão à carta que escrevera ao presidente, protestando contra a cena que presenciara na véspera.
        Não se pudera conter. Aquela leva de desgraçados a sair assim, a desoras, escolhidos a esmo, para uma carniçaria distante, falara fundo a todos os seus sentimentos; pusera diante dos seus olhos todos os seus princípios morais; desafiara a sua coragem moral e a sua solidariedade humana; e ele escrevera a carta com veemência, com paixão, indignado. Nada omitiu do seu pensamento; falou claro, franca e nitidamente.
        Devia ser por isso que ele estava ali naquela masmorra, engaiolado, trancafiado, isolado dos seus semelhantes como uma fera, como um criminoso, sepultado na treva, sofrendo umidade, misturado com os seus detritos, quase sem comer... Como acabarei? Como acabarei? E a pergunta lhe vinha, no meio da revoada de pensamentos que aquela angústia provocava pensar. Não havia base para qualquer hipótese. Era de conduta tão irregular e incerta o Governo que tudo ele podia esperar: a liberdade ou a morte, mais esta que aquela.
        O tempo estava de morte, de carnificina; todos tinham sede de matar, para afirmar mais a vitória e senti-la bem na consciência coisa sua, própria, e altamente honrosa.
        Iria morrer, quem sabe se naquela noite mesmo? E que tinha ele feito de sua vida? Nada. Levara toda ela atrás da miragem de estudar a pátria, por amá-la e querê-la muito, no intuito de contribuir para a sua felicidade e prosperidade. Gastara a sua mocidade nisso, a sua virilidade também; e, agora que estava na velhice, como ela o recompensava, como ela o premiava, como ela o condecorava? Matando-o. E o que não deixará de ver, de gozar, de fruir, na sua vida? Tudo. Não brincara, não pandegara, não amara - todo esse lado da existência que parece fugir um pouco à sua tristeza necessária, ele não vira, ele não provara, ele não experimentara.
        Desde dezoito anos que o tal patriotismo lhe absorvia e por ele fizera a tolice de estudar inutilidades. Que lhe importavam os rios? Eram grandes? Pois que fossem... Em que lhe contribuiria para a felicidade saber o nome dos heróis do Brasil? Em nada... O importante é que ele tivesse sido feliz. Foi? Não. Lembrou-se das suas coisas de tupi, do folk-lore, das suas tentativas agrícolas... Restava disso tudo em sua alma uma satisfação? Nenhuma! Nenhuma!
        O tupi encontrou a incredulidade geral, o riso, a mofa, o escárnio; e levou-o à loucura. Uma decepção. E a agricultura? Nada. As terras não eram ferazes e ela não era fácil como diziam os livros. Outra decepção. E, quando o seu patriotismo se fizera combatente, o que achara? Decepções. Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras? Pois não a via matar prisioneiros, inúmeros? Outra decepção. A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções.

                                             São Paulo: Saraiva, 2007. p. 199-201.
Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo;
·        Desora: tarde da noite, altas horas.
·        Feraz: muito produtivo, fecundo, fértil.
·        Fruir: desfrutar, aproveitar, gozar.
·        Mofa: zombaria, troça.
·        Pandegar: viver em festa.

02 – Policarpo Quaresma participava como voluntário na Revolta da Armada, ao lado de Floriano Peixoto, quando foi preso. De acordo com as pistas do texto, levante hipóteses:
a)   Por que Quaresma foi preso?
Por ter feito uma crítica ao modo como os presos eram tratados na prisão.

b)   O que provavelmente ele viu na prisão, e o teria levado a escrever a carta-denúncia?
Ele vira presos serem levados para serem fuzilados às escondidas.

c)   Como Quaresma supõe que Floriano Peixoto interpretou essa iniciativa dele?
Como traição.

03 – Na prisão, Quaresma faz uma retrospectiva e uma avaliação de sua vida, de sua conduta e de seus valores. A que conclusão chega?
      Ele chega à conclusão de que tudo fora inútil, pois não houve reconhecimento de seus esforços pelo bem do Brasil.

04 – Observe estes fragmentos do texto:
          “E, agora estava na velhice, como ela (a pátria) o recompensava, como ela o premiava, como ela o condecorava? Matando-o.”
          “Onde estava a doçura de nossa gente? Pois ele não a viu combater como feras?”

a)   Nesses fragmentos, a quem Quaresma atribui a responsabilidade, respectivamente, por sua prisão e pela violência da guerra?
À pátria e ao povo.

b)   Quem, na verdade, tinha responsabilidade por tais ocorrências?
O governo do Marechal Floriano.

c)   Apesar de Quaresma fazer uma autocrítica, que característica da personagem ainda se mantém nesses fragmentos?
A ingenuidade.

05 – No texto, é empregada a técnica do discurso indireto livre. Identifique um trecho em que tal recurso foi utilizado e explique o efeito de sentido que ele provoca no texto.
      Entre outros: “Como acabarei? Como acabarei?”. O emprego do discurso indireto livre permite retratar de modo mais aprofundado o estado psicológico de Quaresma na prisão.

06 – No final do texto se lê: “A sua vida era uma decepção, uma série, melhor, um encadeamento de decepções”. Explique a diferença de sentido entre “série de decepções” e “encadeamento de decepções”.
      “Série de decepções” dá uma noção de sequência, apenas. Já “Encadeamento de decepções” dá uma ideia de causa e efeito, isto é, uma decepção leva a outra, e assim sucessivamente.

07 – Policarpo Quaresma, muitas vezes associado a D. Quixote, personagem de Miguel de Cervantes, é um típico herói problemático. Explique por quê?
      Porque era um idealista, um visionário, que se frustra ao ver que seus projetos não são compatíveis com a realidade do país.

08 – Pode-se dizer que o romance Triste fim de Policarpo Quaresma faz uma crítica à sociedade da época. Qual é o alvo dessa crítica?
      Entre outras possibilidades: por um lado, o nacionalismo ingênuo e desprovido de críticas cultivado por algumas pessoas e grupos sociais; por outro lado, o autoritarismo e a falta de valores éticos e morais dos governantes.



ROMANCE: URUPÊS - (FRAGMENTO) - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

ROMANCE: Urupês – fragmento
              Monteiro Lobato
        [...]
        Jéca Tatu é um piraquara do Paraíba, maravilhoso epítome de carne onde se resumem todas as características da espécie.
        Hei-lo que vem falar ao patrão. Entrou, saudou. Seu primeiro movimento após prender entre os lábios a palha de milho, sacar o rolete de fumo e disparar a cusparada d'esguicho, é sentar-se jeitosamente sobre os calcanhares. Só então destrava a língua e a inteligência.
        "Não vê que...
        De pé ou sentado as ideias se lhe entramam, a língua emperra e não há de dizer coisa com coisa.
        De noite, na choça de palha, acocora-se em frente ao fogo para "aquentá-lo", imitado da mulher e da prole.
        Para comer, negociar uma barganha, ingerir um café, tostas um cabo de foice, fazê-lo noutra posição será desastre infalível. Há de ser de cócoras.
        Nos mercados, para onde leva a quitanda domingueira, é de cócoras, como um faquir do Bramaputra, que vigia os cachinhos de brejaúva ou o feixe de três palmitos.
        Pobre Jéca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!
        Jéca mercador, Jéca lavrador, Jéca fisólofo...
        Quando comparece às feiras, todo mundo logo advinha o que ele traz: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher – cocos de tucum ou jissara, guabirobas, bacuparis, maracujás, jataís, pinhões, orquídeas ou artefatos de taquara-poca – peneiras, cestinhas, samburás, tipitis, pios de caçador ou utensílios de madeira mole – gamelas, pilõesinhos, colheres de pau.
        Nada Mais.
        Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor esforço – e nisto vai longo.
        Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquimano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o chão batido.
        Às vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas - para hospedes. Três pernas permitem equilíbrio inútil, portanto, meter a Quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o chão. Para que assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares sobre os quais se sentam?
        Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo – colher, garfo e faca a um tempo?
        No mais, umas cuias, gamelinhas, um pote esbeiçado, a pichorra e a panela de feijão.
        Nada de armários ou baús. A roupa, guarda-a no corpo. Só tem dois parelhos, um que traz no uso e outro na lavagem.
        Os mantimentos apaióla nos cantos da casa.
        Inventou um cipó preso à cumieira, de gancho na ponta e um disco de lata no alto, ali pendura o toucinho, a salvo dos gatos e ratos.
        Da parede pende a espingarda pica-pau, o polvarinho de chifre, o S. Benedito defumado, o rabo de tatu e as palmas bentas de queimar durante as fortes trovoadas. Servem de gaveta os buracos da parede.
        Seus remotos avós não gozaram maiores comodidades. Seus netos não meterão Quarta perna ao banco. Para que? Vive-se bem sem isso.
        Se pelotas de barro caem, abrindo seteiras na parede, Jéca não se move a repô-las. Ficam pelo resto da vida os buracos abertos, a entremostrarem nesgas de céu.
        Quando a palha do teto, apodrecida, greta em fendas por onde pinga a chuva, Jéca, em vez de remendar a tortura, limita-se, cada vez que chove, a aparar numa gamelinha a água gotejante...
        Remendo... Para que? Se uma casa dura dez anos e faltam "apenas " nove para que ele abandone aquela? Esta filosofia economiza reparos.
        Na mansão de Jéca a parede dos fundos bojou para fora um ventre empanzinado, ameaçando ruir; os barrotes, cortados pela umidade, oscilam na podriqueira do baldrame. Afim de neutralizar o desaprumo e prevenir suas consequências, ele grudou na parede uma Nossa Senhora enquadrada em moldurinha amarela – santo de mascate.
        -- Por que não remenda essa parede, homem de Deus?
        -- Ela não tem coragem de cair. Não vê a escora?
        Não obstante, "por via das dúvidas", quando ronca a trovoada Jéca abandona a toca e vai agachar-se no ôco dum velho embirussu do quintal – para se saborear de longe com a eficácia da escora santa.
        Um pedaço de pau dispensaria o milagre! mas entre pendurar o santo e tomar da foice, subir ao morro, cortar a madeira, atorá-la, baldeá-la e especar a parede, o sacerdote da Grande lei do Menor Esforço não vacila. É coerente.
        Um terreirinho descalvado rodeia a casa. O mato o beira. Nem árvores frutíferas, nem horta, nem flores – nada revelador de permanência.
        Há mil razões para isso; porque não é sua a terral porque se o "tocarem" não ficará nada que a outrem aproveite; porque para frutas há o mato; porque a "criação" come; porque...
        -- "Mas, criatura, com um vedozinho por ali... A madeira está à mão, o cipó é tanto..."
        Jéca, interpelado, olha para o morro coberto de moirões, olha para o terreiro nu, coça a cabeça e cuspilha.
        -- "Não paga a pena".
        Todo o inconsciente filosofar do caboclo grulha nessa palavra atravessada de fatalismo e modorra. Nada paga a pena. Nem culturas, nem comodidades. De qualquer jeito se vive.
        [...].

                         22. ed. São Paulo: Brasiliense, 1978. p. 147-50.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Biboca: casa pequena, com cobertura de palha.
·        Bosquímano: relativo aos bosquímanos, povo sul-africano.
·        Espipado: repuxado.
·        Gamela: vasilha de madeira ou de barro.
·        Grulhar: tagarelar.
·        Modorra: prostração, preguiça.

02 – O texto descreve Jéca Tatu em três papéis: o de mercador, o de lavrador e o de filósofo. Como se sai Jéca nesses papéis?
      Sai-se mal, pois não planta (o lavrador), só vende o que a natureza oferece (o mercador) e pensa (o filósofo) que “nada paga a pena”, pois a terra não é sua.

03 – Que comportamentos de Jéca comprovam a afirmação do narrador de que “Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor esforço?
      O fato de consumir e vender apenas o que a natureza oferece e de não promover melhorias em sua casa.

04 – O Romantismo brasileiro, em sua vertente regionalista, enalteceu o homem rural, tanto o do Sul quanto o do Norte, idealizando-o como herói. A personagem Jéca Tatu, de Lobato, confirma ou nega o tratamento romântico dado ao homem rural?
      Nega, pois Jéca é o oposto do herói romântico. Lobato prega um nacionalismo crítico.

05 – Em suas obras, Lobato busca compreender as causas do comportamento desinteressado do caboclo paulista e acaba atribuindo à preguiça a responsabilidade principal. Contudo, o narrador, ou o próprio Lobato, afirma no texto lido: “Nada revelador de permanência”. Conforme esse dado com o texto que segue, do crítico Silviano Santiago:

        “Para se chegar ao diagnóstico sobre o atraso do Jéca Tatu, o médico [Lobato] neutralizou os efeitos nocivos causados por ele e seus pares na constituição do miserável objeto de estudo e, por isso, Lobato posava de libertador do povo e, no entanto, era injusto e impiedoso para com esse povo. Lobato se esqueceu de que ele e demais latifundiários amigos eram os verdadeiros parasitas dos antepassados dos atuais agregados, como o tinham sido dos velhos escravos. É na condição de também parasita que competia a ele diagnosticar os males do caboclo-parasita. Os defeitos do explorador do trabalho alheio (do latifundiário) se escondem para que mais salientem a indolência do explorado (do caboclo).”
                                   Um dínamo em movimento. Folha de São Paulo, 28/6/1998.

a)   Relacionando o comentário de Lobato ao do crítico Silviano Santiago, responda: Que outra causa social é responsável pela falta de apego do caboclo à terra?
A falta de uma reforma agrária que garantisse a posse da terra ao pequeno trabalhador rural.

b)   Explique este trecho de Silviano Santiago: “Lobato posava de libertador do povo e, no entanto, era injusto e impiedoso para com esse povo.”
Lobato gostaria de modificar o comportamento do caboclo e libertá-lo de sua inércia, porém, deixa de lembrar que há outras causas, sociais, responsáveis por esse comportamento, entre as quais a má distribuição de terras.

POEMA: CANTIGA DE AMIGO - MARTIM CODAX - QUESTÕES GABARITADAS

Poema: Cantiga de amigo
  
            Martim Codax

Ondas do mar de Vigo,
Se vistes meu amigo!
E ai, Deus, se verrá cedo!

Ondas do mar levado,
Se vistes meu amado!
E ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amigo,
O por que eu sospiro!
E ai Deus, se verrá cedo!

Se vistes meu amado,
Por que hei gram cuidado!
E ai Deus, se verrá cedo!

                                    In: Elsa Gonçalves. Op. cit. pág. 261.

Entendendo o poema:

01 – Qual a semelhança mais evidente entre esse poema e o poema de Cacaso?
      A semelhança mais evidente entre os dois, é a repetição de versos e o uso de refrão.

02 – A voz que fala na cantiga é uma voz masculina ou feminina?
      A voz que fala no poema é de uma mulher.

03 – A quem essa voz se dirige?
      Ela dirige-se às ondas do mar, na baía de Vigo.

04 – Qual a sua insistente pergunta?
      Ela pergunta se as ondas viram seu namorado.

05 – Qual o desejo expresso no refrão?
      No refrão a moça exprime o desejo de que o namorado retorne brevemente.