domingo, 24 de março de 2019

POESIA: SONETO DE CARNAVAL - VINÍCIUS DE MORAES - COM GABARITO

Poesia: SONETO DE CARNAVAL
          Vinícius de Moraes
     
        
Distante o meu amor, se me afigura
O amor como um patético tormento
Pensar nele é morrer de desventura
Não pensar é matar meu pensamento.

Seu mais doce desejo se amargura
Todo o instante perdido é um sofrimento 

Cada beijo lembrado uma tortura
Um ciúme do próprio ciumento.

E vivemos partindo, ela de mim
E eu dela, enquanto breves vão-se os anos
Para a grande partida que há no fim

De toda a vida e todo o amor humanos:
Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo.
Que se um fica o outro parte a redimi-lo.

Oxford, carnaval de 1939. Vinícius de Moraes. Livro de sonetos.
São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
Entendendo o soneto:

01 – Caracterize o amor descrito pelo eu lírico nesse poema.
      Trata-se de um amor feito de lembranças, que causam tormento e angustia, mas que o eu lírico não pode nem quer tirar do pensamento.

02 – Explique a razão do título “Soneto de carnaval”.
      O poema é um soneto, porque tem dois quartetos e dois tercetos. Foi criado no Carnaval de 1939 quando o autor se encontrava em Oxford, segundo a informação abaixo do poema.

03 – Interprete estes versos:
        “Cada beijo lembrado uma tortura
         Um ciúme do próprio ciumento.”
      O eu lírico sente ciúme dele próprio, ou melhor, dele quando viveu momentos de intensa felicidade junto à amada.

04 – Considerando que o artigo, o pronome, o adjetivo e o numeral concordam com o substantivo ao qual se referem, que palavras estão concordando com o substantivo amor, no verso a seguir? Classifique-as morfologicamente.
        “Distante o meu amor, se me afigura”.
      Distante: adjetivo; O: artigo; Meu e me: pronomes.

05 – Com que palavra está concordando o adjetivo breves, na terceira estrofe?
      Com o substantivo anos.

06 – Considerando que o verbo concorda em número e pessoa com o seu sujeito, explique a flexão do verbo saber neste verso:
        “Mas tranquila ela sabe, e eu sei tranquilo.”
      Nos dois casos, o verbo saber concorda em número e pessoa com o seu sujeito simples (ela e eu).



TEXTO LITERÁRIO: O TEMPO E O VENTO - FRAGMENTO - ÉRICO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Romance: O tempo e o vento – Fragmento
                  ÉRICO VERÍSSIMO

        “Os Terras continuaram mudos. O índio ainda sorria quando murmurou:
        -- Louvado seja Nosso Senhor.
    Tinha uma voz que não se esperava daquele corpo tão vigoroso: macia e doce.
        Os outros não faziam o menor movimento, não pronunciavam a menor palavra. Mas o índio sorria sempre e agora repetia: amigo, amigo, amigo...
        Depois inclinou o busto para trás e recostou-se na parede de barro. De repente seu rosto se contorceu de dor e ele lançou um olhar oblíquo na direção do ombro ferido.
        Nesse instante Maneco Terra deu dois passos na direção do catre e perguntou:
        -- Como é o nome de vosmecê?
        O outro pareceu não entender. Maneco repetiu a pergunta e o índio respondeu:
        -- Meu nombre é Pedro.
        -- Pedro de quê?
        -- Me jamam Missioneiro.
        Maneco lançou-lhe um olhar desconfiado.
        -- Castelhano?
        -- No.
        -- Continentino?
        -- No.
        -- Donde é, então?
        -- De parte ninguna.
        Maneco Terra não gostou da resposta. Foi com voz irritada que insistiu:
        -- Mas onde foi que nasceu?
        -- Na mission de San Miguel.
        -- Qual é o seu ofício?
        -- Ofício?
        -- Que é que faz? Em que trabalha?
        -- Peleio.
        -- Isso não é ofício.
        Pedro sorriu. Tinha dentes fortes e alvos.
        -- Que anda fazendo por estas bandas? – insistiu.
        No seu português misturado com espanhol, Pedro contou que fugira da redução quando ainda muito menino e que depois crescera nos acampamentos militares dum lado e doutro do rio Uruguai; ultimamente acompanhara os soldados da Coroa de Portugal em suas andanças de guerra; também fizera parte das forças de Rafael Pinto Bandeira e fora dos primeiros a escalar o forte castelhano de San Martinho...”

                               Érico Veríssimo. O tempo e o vento.
                    Porto Alegre: Globo, 1985, v. 1, p. 41.
Entendendo o romance:

01 – No primeiro diálogo entre Maneco Terra, pai de Na Terra, e o índio percebem-se características do temperamento de ambos? Comente isso.
      Maneco Terra era um homem desconfiado, hostil, não gostava de estranhos; por isso irritou-se com a chegada de Pedro, que se mostrou gentil, de jeito manso e amigo. Pedro tinha espírito aventureiro, era um andarilho.

02 – Retire do texto as frases com pronomes interrogativos e passe-as para interrogativa indireta.
      -- Pedro de quê? – Quero saber que Pedro.
      -- Qual é o seu ofício? – Gostaria de saber qual é o seu ofício.
      -- Que é que faz? Em que trabalha? – Quero saber que é que faz, em que trabalha. 
      -- Que anda fazendo por estas bandas? – Desejo saber que anda fazendo por estas bandas.   
 
03 – Copie as frases do texto em que há advérbios interrogativos e classifique-os.
      -- Como é o nome de vosmecê? (Advérbio de modo).
      -- Donde é, então? (Advérbio de lugar).
      -- Mas onde foi que nasceu? (Advérbio de lugar).

04 – Transforme as duas orações numa única oração, empregando os pronomes relativos adequados (que, quem, qual, quanto ou onde).
a)   O juiz decretou recesso no tribunal. A audiência foi marcada para amanhã.
O juiz que decretou recesso no tribunal marcou a audiência para amanhã.

b)   No metrô havia tipos estranhos. Nós o utilizávamos várias vezes ao dia.
Várias vezes ao dia nós utilizávamos o metrô, onde havia tipos estranhos.

c)   Os participantes do show de rock chegaram ao Rio de Janeiro. Os fãs já comemoravam o grande evento.
Os participantes do show de rock chegaram ao Rio de Janeiro, onde os fás já comemoravam o grande evento.

d)   A imobiliária ampliou seus negócios. Meus pais adquiriram o apartamento através dela.
A imobiliária, através da qual meus pais adquiriram o apartamento, ampliou seus negócios.

e)   Os moradores chamaram os bombeiros. Eles atenderam rapidamente.
Os bombeiros a quem os moradores chamaram atenderam rapidamente.

f)    O antiquário avaliou várias peças. Nem tudo entrou no leilão.
Nem tudo quanto foi avaliado pelo antiquário entrou no leilão.



POEMA: O RON-RON DO GATINHO - FERREIRA GULLAR - COM QUESTÕES GABARITADAS

Poema: O RON-RON DO GATINHO
          
                Ferreira Gullar

O gato é uma maquininha
que a natureza inventou;
tem pelo, bigode, unhas
e dentro tem um motor.

Mas um motor diferente
desses que tem nos bonecos
porque o motor do gato
não é um motor elétrico.

É um motor afetivo
que bate em seu coração
por isso ele faz ron-ron
para mostrar gratidão.

No passado se dizia
que esse ron-ron tão doce
era causa de alergia
pra quem sofria de tosse.

Tudo bobagem, despeito,
calúnias contra o bichinho:
esse ron-ron em seu peito
não é doença - é carinho

Entendendo o poema:

01 – Releia os versos “Mas um motor diferente [...] é um motor afetivo”, e responda: por que o poeta associa o ron-ron do gato a um motor afetivo?
      Porque ele faz barulho, que serve para demonstrar carinho.

02 – De acordo com a 3.ª estrofe, em que órgão se localiza o “motor afetivo” do gato?
      De acordo com o texto, fica no coração.

03 – Pensando em outros animais de estimação, de que forma eles demonstram afeição e carinho?
      Resposta pessoal do aluno.

04 – O poeta compara o gato a uma máquina, mas uma máquina diferente. Marque com um X aquilo que tanto o gato quanto uma maquininha têm:
(   ) Pelo.       (   ) Bigode.       (   ) Unhas.       (X) Motor.

05 – Por que, na sua opinião, o poeta associou o ron-ron do gato a um motor?
      Resposta pessoal do aluno.

06 – O motor do gato é diferente do motor dos brinquedos.
a)   Como é o motor dos brinquedos?
É um motor elétrico.

b)   E o motor afetivo do gato?
É o seu coração.

07 – O poeta discorda de uma crendice popular sobre o ron-ron do gato.
a)   O que muita gente pensa sobe o ron-ron do gato?
Que era uma causadora de doença alérgicas, para quem sofria de tosse alérgica.

b)   Para o poeta, o que significa o ron-ron que o gato faz?
Para o poeta o ron-ron do gato é uma maneira de expressar o carinho.     




TEXTO LITERÁRIO: SEDUÇÃO(PRIMO BASÍLIO) - EÇA DE QUEIRÓS - COM GABARITO

Texto Literário: Sedução
                           Eça de Queirós

        “Luísa voltava entre os dedos o seu medalhão de ouro, preso ao pescoço por uma fita de veludo preto.
        -- E estiveste então um ano em Paris?
        -- Um ano divino. Tinha um apartamento lindíssimo, que pertencera a Lord Falmouth, Rue Saint Florentin; tinha três cavalos....
        E recostando-se muito, com as mãos nos bolsos:
        -- Enfim, a fazer este vale de lágrimas o mais confortável possível! ... Dizes cá, tens algum retrato nesse medalhão?
        -- O retrato do meu marido.
        -- Ah! Deixa ver!
        Luísa abriu o medalhão. Ele debruçou-se; tinha o rosto quase sobre o peito dela.  Luísa sentia o aroma fino que vinha de seus cabelos.
        -- Muito bem, muito bem! – fez Basílio. Ficaram calados.
        -- Que calor que está! – disse Luísa. – Abafa-se, hem!
        Levantou-se, foi abrir um pouco uma vidraça. O sol deixara a varanda. Uma aragem suave encheu as pregas grossas das bambinelas.
        -- É o calor do Brasil – disse ele. – Sabes que estás mais crescida?
        Luísa estava de pé. O olhar de Basílio Corria-lhes as linhas do corpo, e com a voz muito íntima, os cotovelos sobre os joelhos o rosto erguido para ela:
        -- Mas, francamente, dize cá, pensaste que eu te viria ver?
        -- Ora essa! Realmente, se não viesses zangava-me. És o meu único parente.... O que tenho pena é que meu marido não esteja...
        -- Eu – acudiu Basílio – foi justamente por ele não estar...
        Luísa fez-se escarlate. Basílio emendou logo, um ouço corado também:
        -- Quero dizer... Talvez ele saiba que houve entre nós...
        Ela interrompeu;
        -- Tolices! Éramos duas crianças. Onde isso vai!
        -- Eu tinha vinte e sete anos – observou ele, curvando-se.
        Ficaram calados, um pouco embaraçados. Basílio cofiava o bigode, olhando vagamente em redor.
        -- Estás muito bem instalada aqui – disse.
        Não estava mal ... A casa era pequena, mas muito cômoda. Pertencia-lhes.
        -- Ah! Estás perfeitamente! Quem é esta senhora, com uma luneta de ouro?
        E indicava o retrato por cima do sofá.
        -- A mãe de meu marido.
        -- Ah! Vive ainda?
        -- Morreu.
        -- É o que uma sobra pode fazer de mais amável...
        Bocejou ligeiramente, fitou um momento os seus sapatos muito aguçados, e com um movimento brusco, ergueu-se, tomou o chapéu.
        -- Já? Onde estás?
        -- No Hotel Central.
        -- E até quando?
        -- Até quando quiseres.
        -- Não disseste que vinhas amanhã com o rosário?
        Ele tomou-lhe a mão, curvou-se:
        -- Já se não pode dar um beijo na mão de uma velha prima?
        -- Por que não?
        Pousou-lhe um beijo na mão, muito longo, com uma pressão doce.
        -- Adeus! – disse.
        E à porta, com o reposteiro meio erguido, voltando-se:
        -- Sabes que eu, ao subir as escadas, vinha a perguntar a mim mesmo como se vai isto passar?
        -- Isto o quê? Vermo-nos outra vez? Mas, perfeitamente. Que imaginaste tu?
        Ele hesitou, sorriu:
        -- Imaginei que não eras tão boa rapariga. Adeus. Amanhã, hem?
        No fundo da escada acedeu o charuto, devagar.
        -- Que bonita que ela está! – pensou.
        E arremessando o fósforo, com força:
        -- E eu, pedaço de asno, que estava quase decidido a não a vir ver! Está de apetite! Está muito melhor! E sozinha em casa: aborrecidinha talvez! ...
        Luíza, quando o sentiu embaixo fechar a porta da rua, entrou no quarto, atirou o chapéu para a causeuse, e foi-se logo ver ao espelho. Que felicidade estar vestida! Se ele a tivesse apanhado em roupão, ou mal penteada! ... [...]
        -- Havia sete anos que não via o primo Basílio! Estava muito trigueiro, mais queimado; mas ia-lhe bem!
        E depois de jantar ficou junto à janela, estendida na voltaire, com um livro esquecido no regaço. (...)
        Que vida interessante a do primo Basílio! – pensava. – O que ele tinha visto! Se ela pudesse também fazer a s suas malas, partir, admirar aspectos novos e desconhecidos... [...] Era o que ela tinha. Era bem feliz! Então veio-lhe uma saudade de Jorge, desejaria abraçá-lo, tê-lo ali, ou quando descesse ir encontrá-lo fumando o seu cachimbo no escritório, com o seu jaquetão de veludo. Tinha tudo, ele, para fazer uma mulher feliz e orgulhosa: era belo, com uns olhos magníficos, terno, fiel. [...]  
        Do céu estrelado caía uma luz difusa: janelas alumiadas sobressaíam ao longe, abertas à noite abafada: voos de morcegos passavam diante da vidraça.
        -- A senhora não quer luz? – perguntou à porta a voz fatigada de Juliana.
        -- Ponha-a no quarto.
        Desceu. Bocejava muito, sentia-se quebrada.
        -- É trovoada – pensou.
        Foi a sala, sentou-se ao piano, tocou ao acaso bocados da Lúcia, da Sonâmbula, o Fado, e parando, os dedos pousados de leve sobre o teclado, pôs-se a pensar que Basílio devia vir no dia seguinte: vestiria o roupão novo de foulard cor de castanho! Recomeçou o Fado, mas os olhos cerravam-se-lhe.
        E, foi para o quarto.
        Juliana trouxe o rol e a lamparina. Vinha arrastando as chinelas, com um casabeque pelos ombros, encolhida e lúgubre. Aquela figura com um ar de enfermaria irritou Luísa.
        -- Credo, mulher! Você parece a imagem da Morte!
        Juliana não respondeu. Pousou a lamparina; apanhou, placa a placa, sobre a cômoda, o dinheiro das compras; e com os olhos baixos:
        -- A senhora não precisa mais nada, não?
        -- Vá-se mulher, vá!
        Juliana foi buscar o candeeiro de petróleo, subiu ao quarto. Dormia em cima, no sótão ao pé da cozinheira.
        -- Pareço-te a imagem da Morte! – resmungou, furiosa.
        O quarto era baixo, muito estreito, com o teto de madeira inclinado, o sol, aquecendo todo o dia as telhas por cima, fazia-o abafado com um forno; havia sempre à noite um cheiro requentado de tijolo escandecido. [...]
        -- A senhora já se deitou, Srª. Juliana? – perguntou a cozinheira do quarto pegado, de onde saía uma barra de luz viva cortado a escuridão do corredor.
        -- Já se deitou, Srª. Joana, já. Está hoje com os azeites. Falta-lhe o homem!”
                         
QUEIRÓS, Eça de. O primo Basílio. São Paulo: Moderna.

Entendendo o texto:
01 – Muitas vezes observando os gestos de uma personagem podemos perceber o que se passa com ela. Releia o início do texto e explique o significado que pode ter o gesto de abrir a vidraça, feito por Luísa.  Será que ela realmente estava apenas sentindo calor? Que outro significado pode ter esse gesto no contexto?
      Podemos dizer que o “calor” sentido por Luísa é um índice de sua inquietação, da perturbação que lhe causava a presença do primo, com quem tinha tido um relacionamento amoroso antes do casamento.

02 – Sobre que assunto os primos evitam falar de modo claro, embora ele seja insinuado o tempo todo?
      Sobre o caso amoroso que houve entre eles antes do casamento de Luísa.

03 – A visita de Basílio faz Luísa compará-lo a Jorge. Cada um deles representa um tipo de vida. Quem sai ganhando nessa comparação? Por quê?
      Luísa acha o Basílio muito interessante. Ela imagina que ele passe a vida em aventuras e viagens e sonha em compartilhar com ele uma existência que imagina poética e romântica. Bem diferente da vida burguesa que leva ao lado de Jorge.

04 – Com base nas informações dadas pelo texto, faça uma descrição psicológica de Luísa.
      Podemos dizer que ela é uma mulher emocionalmente frágil. Exteriormente, parece ajustada ao ambiente em que vive, mas interiormente vive frustrada, sonhando com uma vida mais romântica e emocionante. Alimenta sua imaginação com as histórias dos romances que lê, que falam de lugares fascinantes.

05 – Que mudança ocorre no texto com a entrada, em cena, da empregada Juliana?
      Há uma quebra desse clima de sonho e Luísa cai bruscamente na realidade.

06 – Que impressão dá ao leitor a descrição do quarto de Juliana?
      O quarto de Juliana lembra uma cela de prisão, é um lugar abafado e apertado, onde se vive mal. Contrasta com o ambiente luxuoso e agradável em que se movimenta Luísa.

07 – Como sabemos o epílogo do romance, que significado simbólico podemos atribuir à fala de Luísa, dirigindo-se a Juliana: “Você parece a imagem da Morte!”?
      Juliana será indiretamente a causadora da morte de Luísa; por isso, essa fala tem um sentido premonitório, antecipando o epílogo do romance.


sábado, 23 de março de 2019

POESIA: VIOLA CHINESA - CAMILO PESSANHA - COM QUESTÕES GABARITADAS

Poesia: VIOLA CHINESA
              Camilo Pessanha


Ao longo da viola morosa
Vai adormecendo a parlenda,
Sem que, amadornado, eu atenda
A lengalenga fastidiosa.

Sem que o meu coração se prenda,
Enquanto, nasal, minuciosa,
Ao longo da viola morosa,
Vai adormecendo a parlenda.

Mas que cicatriz melindrosa
Há nele, que essa viola ofenda
E faz que as asitas distenda
Numa agitação dolorosa?

Ao longo da viola, morosa...
              Camilo Pessanha: poesia. Rio de Janeiro: Agir.
Entendendo a poesia:

01 – Considerando as duas primeiras estrofes, percebemos que o poeta explora bastante certos fonemas, produzindo uma musicalidade que se espalha por todos esses versos. Explique esse trabalho de linguagem, apontando a ocorrência desse efeito sonoro.
     Exploração dos fonemas nasais, como nestes versos: “Vai adormecendo a parlenda, / Sem que, amadornado, eu atenda / A lengalenga fastidiosa.” Um leitura em voz alta revela claramente a musicalidade do texto.

02 – Em que estado se encontra o eu lírico enquanto ouve a “viola morosa”?
      Nenhum estado de sonolência.

03 – O poeta simbolista está sempre aberto aos estímulos sensoriais, que lhe despertam sugestões, emoções indefinidas e vagas. Repare que, à medida que a conversa morre, fica no ar apenas o som da viola. Em que versos da terceira estrofe revela o eu lírico a inquietação que o som da viola produz em seu interior?
      Observar que, no último quarteto, o poeta diz: “Mas que cicatriz melindrosa / Há nele, que essa viola ofenda.”, isto é, o som da viola mexe com algo que estava adormecido (a cicatriz), provocando a inquietação no coração do poeta.

04 – O eu lírico define essa inquietação ou apenas a registra? Justifique.
      Ele apenas a registra, não a define nem a explica.

05 – Em resumo: que características tipicamente simbolistas você reconhece nesse texto?
      A musicalidade dos versos, a intenção de sugerir (e não de descrever), o intenso subjetivismo.

CRÔNICA: HISTÓRIA PARA O FLÁVIO - RACHEL DE QUEIROZ - COM QUESTÕES GABARITADAS

Crônica: História para o Flávio
                     Rachel de Queiroz

        "Morava na serra do Estevão um velho por nome Luiz Gonçalves, caçador e famoso matador de onças. Fazendo as contas, dizia que só de onça tigre já matara onze, das pixunas vinte e seis, das pintadas quarenta; maçaroca, suçuarana, onça-vermelha nem contava — para ele já nem era onça, era gato. (...)
        Mestre Luiz queria bem as duas coisas no mundo: à sua espingarda Lazarina, que nunca lhe fizera uma vergonha, e ao seu filho Luizinho, agora com quinze anos, e que o pai andava ensinando nas artes de caçador. (...)
        Ora, um dia mestre Luís recebeu recado do coronel Zé Marinho do Barro vermelho para que fosse matar uma pintada que lhe andava comendo os carneiros e até mesmo se atrevera a sangrar um bezerro no pátio da fazenda. (...) assim que a noite fechou ele amarrou um cabrito mesmo no pé do serrote onde maldava mais que a onça pintada morasse, e ficou na espera junto com o Luizinho e o cachorro onceiro.
        (...) até que, com uma hora de escalar serrote, deu de repente com a entrada da furna.
        O cachorro pôs-se a gemer, ansioso, e de lá de dentro o esturro da bicha acuada foi respondendo. Mestre Luís preparou a forquilha, o chuço, a faca. Mas quando se voltou para chamar o Luizinho viu que o menino apavorado se encolhia num desvão de pedra, amarelo de medo.
        Aí deu no velho, uma raiva danada e ele resolveu ensinar o filho de uma vez por todas.
        Chamou de manso:
        -- Vem cá Luís, não tem medo, quem vai matar a onça sou eu.
        Depois de muito rogo o menino chegou, tremendo. O velho de supetão jogou as armas na boca da furna, e com um pescoção empurrou para dentro o Luizinho. Pegou um pedaço de laje, tapou a entrada das lapa, e gritou para o rapaz:
        -- Filho meu não tem medo de onça, seu mal-ensinado! Vou voltar para minha rede de espera, e não me apareça de volta sem levar o couro da pintada!
        Realmente ao raiar do dia Luizinho apareceu. No ombro trazia as armas, no chão arrastava o couro da onça. Tinha a cara tão lanhada das unhas da fera que quase não se lhe via a feição. A roupa virara molambo, e o chapéu se perdera. Quando ele viu o pai, foi levantando a mão para tomar-lhe a benção. Mas no meio se arrependeu.
        -- A benção não senhor, que nunca mais lhe tomo a benção. Benção se toma ao pai, e quem tranca o filho numa furna com uma onça não é pai, é carrasco! Tai o couro da pintada, e o senhor arranje outro, porque nunca mais me verá.
        Dito isso rebolou o couro nos pés do velho, deu meia-volta e saiu correndo, sem nem ao menos olhar para trás. (...)”

QUEIROZ, Rachel de. O brasileiro perplexo: histórias e crônicas.
Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1963.
Entendendo a crônica:

01 – Os primeiros parágrafos são usados para descrever mestre Luiz e seu filho. É o estabelecimento da situação inicial. Identifique-a.
      Um caçador famoso e seu filho de quinze anos vivem na serra do Estevão.

02 – Identifique a quebra da situação inicial, o momento em que algo diferente acontece.
      O dia que mestre Luiz recebeu recado do Coronel Zé Marinho do Barro Vermelho para matar uma onça que estava comendo carneiros em sua fazenda.

03 – O desenvolvimento da história ocorre entre a situação inicial e o estabelecimento do conflito, ou seja, o estabelecimento de uma situação-limite. Identifique o desenvolvimento e o conflito.
      O desenvolvimento começa quando mestre Luiz e seu filho saem em busca da onça e vai até o momento em que mestre Luiz percebe que o filho está com medo.
      O conflito: A descoberta, por mestre Luiz, de que Luizinho estava com medo da onça.

04 – Identifique o final do conflito estabelecido na história.
      Luizinho vence a onça e desaparece no mundo.

05 – O que é possível saber a respeito do espaço e do tempo em que ocorre a história?
      Sabe-se que era uma serra em que havia uma caverna e aproximadamente uma noite, porque o mestre sobe a serra no início da noite e Luizinho aparece ao raiar o dia.

06 – Imagine a história contada por outro narrador. Identifique diferenças que poderia haver se ela fosse contada:
a)   Por Luís Gonçalves.
Se o Luiz Gonçalves fosse o narrador, talvez fosse possível perceber sua zanga, seu arrependimento, ou sua conformação. O texto poderia indicar uma tentativa de justificar seus atos, ou mesmo de destaque para sua culpa.

b)   Por Luizinho.
Se o Luizinho fosse o narrador, talvez fosse possível identificar mágoa em relação ao pai, indiferença, perdão, saudades.

c)   Pela onça.
Se o narrador fosse a onça personificada, ou o seu “fantasma”, aa história seria contada de uma perspectiva totalmente diferente. O destino do Luizinho, por exemplo, talvez sequer fosse mencionado.