Crônica: Reis do Consumo
Walcyr Carrasco
Tenho mania de comprar livros. É uma fixação, pois acabo levando para casa muito mais do que consigo ler. Frequentemente, faço a promessa de não adquirir mais nenhum. Não cumpro. Basta entrar em uma livraria para descobrir títulos essenciais. Como se o simples fato de ter os livros pertinho de mim aumentasse minha sapiência. (Nossa, há quanto tempo não via a palavra sapiência! Deve ser de algum livro que não li.)
Faço a festa de
vendedores de livros. Cida, a simpática gerente de uma livraria na Vila Madalena,
sorri feliz quando me vê entrar. Oferece cafezinho e começa:
—
Olha o que saiu!
Já me convenceu a levar, certa vez, um catatau
romântico de umas quinhentas páginas só porque comentei estar procurando um
livro para "me distrair". Uma história tão melosa que botaria um
diabético no hospital. Mas esse, pelo menos, li, embora não devesse confessar a
ninguém ter gasto tempo com tão baixa literatura. (O pior é que torci pelos
personagens!)
Lamentei-me com Cida. Segundo ela disse, meu
caso não é dos mais graves.
— Tive um amigo que comprava os dez volumes da
obra completa de Marx, por exemplo. Ficava sem dinheiro para pagar a pensão.
Era despejado e acabava deixando os livros. Ia para outra e, novamente,
comprava a coleção. Era despejado mais uma vez. Dava pena.
Minha loucura é especial, pois se restringe a
livros e, pasmem, sabonetes cheirosos. Não posso ver um sabonete diferente.
Compro. Como sou alérgico, jamais posso usá-lo. Jogar fora, nem pensar. Seria
desperdício demais. Dezenas de sabonetes empesteiam minhas gavetas. Um amigo é
assim com roupas. Ligou-me para avisar de uma liquidação numa loja elegante.
Expliquei que não precisava de nada.
— Mas você não pode perder as ofertas!
Recusei-me a ir. Ele me tratou como se eu
tivesse uma grave falha emocional. Na sua opinião, só uma personalidade
problemática não aproveitaria a chance de torrar uma grana em calças e camisas.
Mais tarde veio me visitar feliz da vida.
— Comprei uma calça preta!
— Outra?
Tem quatro ou cinco. Nem usa todas. E incapaz
de, resistir a uma roupa bonita. A mãe de outro amigo adorava sapatos.
Mostrou-me o armário cheio. Nem que fosse a pé daqui até as Cataratas do Iguaçu
gastaria tanta sola. Era capaz de se emocionar com um par de escarpins de couro
de cobra.
— Não são lindos? — mostrava, os olhos
marejados com tanta formosura.
Alguns nunca punha, para não estragar. Adorava
contemplá-los, como Ali Babá ao tesouro.
A mania de comprar não tem nada a ver com classe
social ou necessidade. Já vi gente com pouquíssimo dinheiro entrar em um brechó
e sair de sacola carregada de inutilidades. A última loucura de consumo é a do
sujeito que adora vinhos. Não estou falando de conhecedores, que identificam
uma safra pelo aroma. Más de gente como eu, capaz de confundir qualquer vinagre
mais encorpado com um tinto especialíssimo. Tornou-se chique conhecer vinhos,
ter adega. Fui visitar um amigo em sua nova casa no Morumbi Lá pelas tantas me
arrastou até um armário repleto. Mostrou garrafa por garrafa.
— Esta
custou tanto, esta tanto...
Observei, de olhos arregalados. Qual seria o
sabor de vinhos daqueles preços? Comentei, amigável: Deve ser uma delícia tomar
um vinho desses.
Assustou-se:
— Tomar? Nunca.
Não escondi minha surpresa. Explicou
candidamente: Tenho dó. São muito caros para ficar bebendo.
Dá para entender?
Entendendo o texto
01. Qual é a fixação do narrador que é mencionada no
texto?
a. Comprar
livros e perfumes.
b. Comprar livros e
roupas.
c. Comprar livros e
vinhos.
d. Comprar livros e
eletrônicos.
02. O que o narrador lamenta ter comprado, mesmo sendo
alérgico e incapaz de usar?
a. Livros melosos.
b.
Sabonetes cheirosos.
c. Roupas elegantes.
d. Garrafas de vinho
caro.
03. Qual era a loucura de consumo do amigo do narrador
que o levou a comprar os dez volumes da obra completa de Marx repetidamente?
a. Livros
de arte.
b. Roupas de grife.
c. Perfumes raros.
d. Garrafas de vinho
caro.
04. O que a mãe de outro amigo adorava colecionar?
a. Livros antigos.
b. Relógios de pulso.
c. Sapatos.
d. Brinquedos de
infância.
05. O que o amigo do narrador adquiriu em uma
liquidação, mesmo já tendo várias?
a. Livros.
b. Sabonetes.
c. Calças
pretas.
d. Garrafas de vinho.
06. Qual era a reação do narrador ao ver o armário
cheio de garrafas de vinho caro na casa do amigo?
a. Ficou
impressionado e com vontade de experimentar.
b. Ficou
surpreso e questionou se ele realmente os bebia.
c. Ficou desconfiado
da autenticidade das garrafas.
d. Ficou com inveja
da coleção do amigo.
07. Qual é a última loucura de consumo mencionada no
texto?
a. Comprar livros
raros.
b. Comprar roupas de
grife.
c. Comprar
garrafas de vinho caro.
d. Comprar itens
inúteis em brechós.
08. O que o amigo mencionado no texto nunca faz com as
garrafas de vinho caro que compra?
a. Vende.
b. Bebe.
c. Presenteia.
d. Exibe.
09. Qual é a conclusão final do narrador sobre a mania
de comprar?
a. Está relacionada
com classe social.
b. Está relacionada
com necessidade.
c. Está relacionada
com emoções e comportamento.
d. Está relacionada
com a influência da mídia.
10. Qual é a característica marcante dos colecionadores
e compradores mencionados no texto?
a. São todos
conhecedores profundos de seus itens de coleção.
b. São todos
incapazes de usar ou consumir seus itens.
c. São todos
influenciados pela mídia e tendências sociais.
d. São
todos impulsionados por emoções e impulsos de consumo.