sexta-feira, 20 de outubro de 2023

CRÔNICA: QUANDO O AMOR ACABA - JOSÉ ROBERTO TORERO - COM GABARITO

 Crônica: Quando o amor acaba

           José Roberto Torero

        Não foi fácil perceber o fim deste amor. Primeiro, dei-me conta de que tinha virado amizade. Depois, indiferença

        SIM, EU SEI, enamorado leitor e namoradeira leitora, esse não é um título para uma coluna de futebol. Mas há coisas que há que se dizer, e às vezes não há como escolher hora ou lugar. Pois a verdade, a dura e cruel verdade, é que eu já não a amo mais.
Não quero ser aquele tipo de homem covarde que diz que a culpa foi dela, mas acho que tudo começou, ou acabou, porque eu a senti mais distante. Era como se, pouco a pouco, ela fosse deixando de fazer parte da minha vida. Eu já não queria saber como era o seu dia e já não me importava com os mínimos detalhes da sua existência. Já não fazia diferença como ela se vestia, o que ela bebia, se estava feliz ou não. E, acho, ela sentia o mesmo em relação a mim. No começo, eu sacrificava mundos e fundos para vê-la, para estar com ela. Mas, depois, parei de fazer questão de estar ao seu lado em todos os momentos. Se fosse possível ficar com ela, tudo bem. Se não fosse, fazer o quê? Ela não era mais a única coisa importante no mundo. E isso é triste.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkcDYvsnw3UyuTepTL5FJAFFKRe5s4-Skl5S-ZHqQC9UqN0zksMhMFpYbeZEB27ZTyl8ETu1yeoT4V0YSgh_OZajXUbse737qzgm46aXt1N0aXV7h3R37nuuWAXgpDS32r1QT_d2ZNetEz0cf2F5QtwCPpbpugzLondJlKnK9ZqDhKLW1x5J5WZa4ojcE/s320/AMOR.jpg


        Quando um amor morre, é como se morresse um pedaço de nós. Todo aquele passado que construímos juntos parece escoar pelo ralo. Todas as viagens, as alegrias, as tristezas, tudo se torna parte de um passado inútil, que não levou a nada. E todo o futuro que sonhamos, já não importa. O futuro que não virá também se transforma em passado.

        Não foi fácil para mim perceber o fim deste amor. Primeiro, dei-me conta de que ele tinha se tornado em amizade. Depois, tornou-se em indiferença. E, quando isso acontece, você fica pensando: "Para onde terá ido tudo aquilo que eu sentia por ela? Porque meu peito não bate mais rápido quando a vejo entrar? Terei eu mudado ou mudou ela? Eu devia ter feito algum gesto desesperado para salvar o que sobrava entre nós? De quem é a culpa?" Falando em culpa, o que me deixa com mais remorso é que às vezes ela parece se importar comigo, parece lutar para que o amor não morra. Há dias em que está especialmente bela, põe uma roupa nova e diz palavras doces. Fala que me respeita, que eu tenho o direito de estar chateado, fala que tudo o que faz, faz por mim.

        Mas pouco adianta. Eu já não acredito nela. Até gostaria de acreditar, mas o amor é uma planta delicada, que tem que ser regada dia a dia. E ela já não fazia isso.

      Pronto, cá estou dizendo novamente que a culpa é dela. Mas não, não seria honesto. Também sou culpado. Eu devia ter feito alguma coisa. Devia ter brigado, exigido mudanças, talvez até dar-lhe um tapa.

        Sim, às vezes, só às vezes, poucas vezes, um tapa reaproxima, reacende a chama. Se o leitor não me crê, é porque nunca levou um tapa de amor. Mas nem este tapa eu lhe dei. Dei-lhe apenas desprezo, o seco e estéril desprezo.

        Sei que muitos dos leitores que chegaram até esta linha já sentiram o mesmo. Já deixaram de amar aquela que parecia ser o sal da vida, o motivo de suas maiores alegrias. É decepcionante, não é? Mas, enfim, o amor acabou. Tanto que, no fim de semana, por várias vezes me vi distraído, olhando para o lado, lendo alguma coisa e até mudando de canal. Não, já não amo mais a seleção como antigamente...

torero@uol.com.br

Entendendo a crônica:

01 – Qual é o título da crônica?

      O título da crônica é "Quando o amor acaba".

02 – Quem é o autor da crônica?

      O autor da crônica é José Roberto Torero.

03 – Como o autor descreve a mudança em seus sentimentos em relação à pessoa amada?

      O autor descreve que ele começou a sentir a pessoa amada mais distante e gradualmente deixou de se importar com os detalhes da sua vida.

04 – O que o autor sente quando percebe que o amor acabou?

      O autor sente que um pedaço de si morreu, que todo o passado que compartilhou com a pessoa amada se torna inútil e que o futuro que sonharam já não importa.

05 – Qual a evolução dos sentimentos do autor em relação à pessoa amada ao longo do tempo?

      Primeiro, o amor se transformou em amizade, depois em indiferença.

06 – Como o autor reage à tentativa da pessoa amada de manter o amor vivo?

      O autor afirma que mesmo quando a pessoa amada tenta se importar e reacender a chama do amor, ele já não acredita nela.

07 – Quais são os sentimentos de culpa expressos pelo autor?

      O autor sente culpa por não ter feito mais para salvar o relacionamento, por não ter brigado, exigido mudanças ou dado um tapa emocional para tentar reacender o amor.

08 – Como o autor descreve a importância de cuidar do amor?

      O autor compara o amor a uma planta delicada que precisa ser regada diariamente para sobreviver.

09 – Qual é a referência à seleção no final da crônica?

      No final da crônica, o autor menciona que já não ama a seleção como antigamente, indicando uma mudança em suas prioridades e interesses.

10 – O que a crônica aborda além do término de um relacionamento amoroso?

      Além do término do relacionamento, a crônica também toca em temas como culpa, mudanças nos sentimentos ao longo do tempo e a necessidade de cuidar do amor para mantê-lo vivo.

 

 

POESIA: SONETO - MÁRIO DE ANDRADE - COM GABARITO

 Poesia: Soneto

              Mário de Andrade

Tanta lágrima hei já, senhora minha,
Derramado dos olhos sofredores,
Que se foram com elas meus ardores
E ânsia de amar que de teus dons me vinha.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjiUDsnAwUpsr9gQkCVPbeksVg4TA3LaqMpyC5Ao6z3AgBYYqX7N1rqCvO_UD1tv3ZCOpcnT2k4zEw7dmeuy88bpLhYG2F6yUrWqsAlwItAbnfKAnpxEDBvhfd7VBf2XiXDubtMCc8IiHGPo5ajPAAH_YY5ST2i6ZTXW6tXd-tA0wohvEDSNXKQPoFwpdI/s1600/SENHORA.jpg



Todo o pranto chorei. Todo o que eu tinha,
caiu-me ao peito cheio de esplendores,
E em vez de aí formar terras melhores,
Tornou minha alma sáfara e maninha.

E foi tal o chorar por mim vertido,
E tais as dores, tantas as tristezas
Que me arrancou do peito vossa graça,

Que de muito perder, tudo hei perdido!
Não vejo mais surpresas nas surpresas
E nem chorar sei mais, por mor desgraça!

 ANDRADE, Mário de. Poesias completas: Volume 2, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2014.

Entendendo a poesia:

01 – Qual é o tema principal deste soneto de Mário de Andrade?

      O tema principal deste soneto é a perda de emoções e sentimentos devido a um sofrimento intenso.

02 – Como o eu lírico descreve a intensidade de seu sofrimento?

      O eu lírico descreve ter derramado muitas lágrimas, que levaram embora seus ardores e ânsia de amar, deixando-o com uma alma desgastada.

03 – O que aconteceu com as emoções e os dons que o eu lírico tinha antes de chorar?

      As emoções e dons que o eu lírico tinha antes de chorar caíram em seu peito cheio de esplendores e, em vez de criar terras melhores, deixaram sua alma desolada.

04 – Como o eu lírico caracteriza o impacto do sofrimento em sua vida?

      O eu lírico descreve o impacto do sofrimento como tendo arrancado sua graça, resultando em uma perda significativa em sua vida.

05 – Qual é a atitude do eu lírico em relação ao choro no final do soneto?

      No final do soneto, o eu lírico afirma que não consegue mais chorar, indicando que a tristeza e o sofrimento foram tão intensos que ele perdeu a capacidade de expressar suas emoções dessa maneira.

 

 

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

POEMA: MEU EPITÁFIO - CORA CORALINA - COM GABARITO

 Poema: MEU EPITÁFIO

            Cora Coralina

Morta… serei árvore
Serei tronco, serei fronde
E minhas raízes
Enlaçadas às pedras de meu berço
são as cordas que brotam de uma lira.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjRbNSRXEJvUhP3aTxOVOd7vb1_61Iet6_X7rL0zFhcxrpIFdcLUZP4c9H9laHl4BTsSCRbvW9PnI5v1lZBXoOheRAgfuArxp1e9B_cq2wIlyqrJ2kx9o0s_Y0MF1hDbuyjp47PpYcMbzo1Us31P6nkPhwBMXLuhaAGJ2JDXYQNgC2x4iXAW6ZNWYRL5gI/s1600/PAINEIRA.jpg


Enfeitei de folhas verdes
A pedra de meu túmulo
num simbolismo
de vida vegetal.

Não morre aquele
que deixou na terra
a melodia de seu cântico
na música de seus versos.

Cora Coralina, meu livro de cordel.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o título do poema e quem é a autora?

      O título do poema é "MEU EPITÁFIO" e a autora é Cora Coralina.

02 – Como a autora descreve sua transformação após a morte?

      A autora descreve que após a morte, ela se transformará em uma árvore, com tronco, fronde e raízes enlaçadas às pedras de seu berço.

03 – Qual é o simbolismo por trás da autora enfeitando a pedra de seu túmulo com folhas verdes?

      O simbolismo por trás disso é a representação da vida vegetal, sugerindo que a morte não é o fim, mas uma continuação da vida de alguma forma.

04 – O que a autora quer dizer com "Não morre aquele que deixou na terra a melodia de seu cântico na música de seus versos"?

      A autora está afirmando que a imortalidade está ligada à contribuição que deixamos na Terra, especialmente através de nossas palavras e criações artísticas, que permanecem após nossa morte.

05 – Qual é a imagem poética central usada pela autora neste poema?

      A imagem poética central é a transformação da autora em uma árvore após a morte, simbolizando a continuidade da vida e da influência por meio da natureza e da arte.

 

 

POEMA: MINHA CIDADE - CORA CORALINA - COM GABARITO

 Poema: Minha cidade

             Cora Coralina

Goiás, minha cidade… 
Eu sou aquela amorosa 
de tuas ruas estreitas, 
curtas, 
indecisas, 
entrando, 
saindo 
uma das outras. 
Eu sou aquela menina feia da ponte da Lapa. 
Eu sou Aninha. 

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgXJVxaC4XAz8ZeytBx-0EbW9znUOzTWBLlt_SR8PTYnW0mjQNLyu5wb3sxkS9_h1I20pI3AVXBdbeX0bg4bZOgOwmPNPmCKF-4RxgGQP4rkon07Bt6SKixsdLdZyHc9Vk44BCN07r2zLAW3Gxidhk7TsaH1GG42BqZrvgGBsGRUtBG2G46k1Y-BSJ_M0U/s1600/GOIAS.jpg


Eu sou aquela mulher 
que ficou velha, 
esquecida, 
nos teus larguinhos e nos teus becos tristes, 
contando estórias, 
fazendo adivinhação. 
Cantando teu passado. 
Cantando teu futuro. 

Eu vivo nas tuas igrejas 
e sobrados 
e telhados 
e paredes. 

Eu sou aquele teu velho muro 
verde de avencas 
onde se debruça 
um antigo jasmineiro, 
cheiroso 
na ruinha pobre e suja. 

Eu sou estas casas 
encostadas 
cochichando umas com as outras. 
Eu sou a ramada 
dessas árvores, 
sem nome e sem valia, 
sem flores e sem frutos, 
de que gostam 
a gente cansada e os pássaros vadios. 

Eu sou o caule 
dessas trepadeiras sem classe, 
nascidas na frincha das pedras: 
Bravias. 
Renitentes. 
Indomáveis. 
Cortadas. 
Maltratadas. 
Pisadas. 
E renascendo. 

Eu sou a dureza desses morros, 
revestidos, 
enflorados, 
lascados a machado, 
lanhados, lacerados. 
Queimados pelo fogo. 
Pastados. 
Calcinados 
e renascidos. 
Minha vida, 
meus sentidos, 
minha estética, 
todas as virações 
de minha sensibilidade de mulher, 
têm, aqui, suas raízes. 

Eu sou a menina feia 
da ponte da Lapa. 
Eu sou Aninha. 

                     Cora Coralina. Poema dos becos de Goiás e histórias mais. Rio de Janeiro: Global, 1985. p. 47-48.

Entendendo o poema:

01 – Quem é a autora do poema "Minha cidade"?

      A autora do poema "Minha cidade" é Cora Coralina.

02 – Qual é o título do livro em que este poema foi publicado?

      O poema faz parte do livro "Poema dos becos de Goiás e histórias mais," publicado em 1985.

03 – Onde se passa a história narrada no poema?

      A história narrada no poema se passa na cidade de Goiás, que é a cidade natal da autora.

04 – Qual é o personagem mencionado no poema que se identifica como "a menina feia da ponte da Lapa"?

      A personagem referida como "a menina feia da ponte da Lapa" é a própria autora, Cora Coralina, quando era jovem.

05 – O que a autora faz nos "larguinhos e nos becos tristes" da cidade?

      Nos "larguinhos e nos becos tristes" da cidade, a autora conta histórias, faz adivinhações e canta o passado e o futuro da cidade.

06 – Que elementos naturais são mencionados no poema, associados à cidade de Goiás?

      Elementos naturais como igrejas, sobrados, telhados, árvores, muros com avencas e morros são mencionados no poema, todos associados à cidade de Goiás.

07 – Como a autora descreve a relação das pessoas com a natureza na cidade?

      A autora descreve a relação das pessoas com a natureza na cidade como uma ligação forte e resiliente, onde árvores, trepadeiras e morros são descritos como indomáveis e renascendo, representando a persistência da natureza e sua importância na vida das pessoas da cidade.

 

POEMA: MATÉRIA DE POESIA - MANOEL DE BARROS - COM GABARITO

 Poema: Matéria de Poesia

             Manoel de Barros

Todas as coisas cujos valores podem ser
disputados no cuspe à distância
servem para poesia

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyIDxJctdtGv7PCa2MzUIk_HDNDTE44SIkEsVK2hr9Z83CUsYgFbEKikNURxcWz_DWVUZign0M2RBYuFYAqDIESoVpMYNC5spc2i7AzJct-kE_PIjAPoQ_ahYJ-NaRCIu539HQBehVm9_K40UQK2t2n-nEILQc3r_xLVHIC-SZxlXbztbUugAYhtZSYbg/s1600/POESIASS.jpg


O homem que possui um pente
e uma árvore
serve para poesia

Terreno de 10 x 20, sujo de mato — os que
nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
servem para poesia

Um chevrolé gosmento
Coleção de besouros abstêmios
O bule de Braque sem boca
são bons para poesia.

As coisas que não levam a nada
têm grande importância

Cada coisa ordinária é um elemento de estima

Cada coisa sem préstimo
tem seu lugar
na poesia ou na geral.

O que se encontra em ninho de João-Ferreira:
caco de vidro, grampos,
retratos de formatura,
servem demais para poesia.

As coisas que não pretendem, como
por exemplo: pedras que cheiram
água, homens
que atravessam períodos de árvore,
se prestam para poesia.

Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
e que você não pode vender no mercado
como, por exemplo, o coração verde
dos pássaros,
serve para poesia.

As coisas que os líquenes comem
— sapatos, adjetivos —
têm muita importância para os pulmões
da poesia.

Tudo aquilo que a nossa
civilização rejeita, pisa e mija em cima,
serve para poesia.

Os loucos de água e estandarte
servem demais

O traste é ótimo
O pobre-diabo é colosso

Tudo que explique
o alicate cremoso
e o lodo das estrelas
serve demais da conta.

Pessoas desimportantes
dão pra poesia
qualquer pessoa ou escada.

Tudo que explique
a lagartixa da esteira
e a laminação de sabiás
é muito importante para a poesia.

O que é bom para o lixo é bom para a poesia.

Importante sobremaneira é a palavra repositório;
a palavra repositório eu conheço bem:
tem muitas repercussões
como um algibe entupido de silêncio
sabe a destroços.

As coisas jogadas fora
têm grande importância
— como um homem jogado fora.

Aliás é também objeto de poesia
saber qual o período médio
que um homem jogado fora
pode permanecer na terra sem nascerem
em sua boca as raízes da escória.

As coisas sem importância são bens de poesia
Pois é assim que um chevrolé gosmento chega
ao poema, e as andorinhas de junho.

Gramática Expositiva do Chão (Poesia quase toda) – Manoel de Barros. Editora Civilização Brasileira – edição 1990.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o tema principal do poema "Matéria de Poesia" de Manoel de Barros?

      O poema fala sobre como elementos comuns e frequentemente negligenciados na vida cotidiana têm um lugar importante na poesia.

02 – Quais são alguns exemplos de coisas comuns mencionadas no poema que são consideradas apropriadas para a poesia?

      O poema menciona exemplos como um pente, uma árvore, um terreno sujo, um chevrolé gosmento, uma coleção de besouros abstêmios, entre outros.

03 – Por que o poeta afirma que as coisas que não levam a lugar nenhum são importantes na poesia?

      O poeta acredita que coisas que não têm um propósito aparente ou que não conduzem a nada têm um valor significativo na poesia, pois podem ser exploradas de maneira criativa.

04 – Qual é a importância dada às coisas rejeitadas e ignoradas pela sociedade no poema?

      O poema enfatiza que as coisas rejeitadas e menosprezadas pela sociedade têm grande importância na poesia, pois podem ser fontes ricas de inspiração.

05 – Qual é o papel dos elementos naturais, como pássaros e árvores, no poema?

      O poema sugere que elementos naturais, como o coração verde dos pássaros e homens que atravessam períodos de árvore, são adequados para a poesia e têm importância.

06 – O que o poeta quer dizer com a palavra "repositório" e por que ela é mencionada no poema?

      O poeta se refere à palavra "repositório" como uma palavra importante na poesia, com muitas repercussões. Ele a usa para enfatizar a riqueza e a profundidade das palavras na poesia.

07 – Como o poeta descreve o processo de um objeto ou pessoa comum se tornar parte da poesia no poema?

      O poema sugere que objetos comuns e pessoas desimportantes se tornam parte da poesia através de uma transformação criativa, onde elementos negligenciados e rejeitados são valorizados e explorados na arte poética.

 

 

TEXTO: TRÊS GÊNIOS DE SECRETÁRIA - LIMA BARRETO - COM GABARITO

 Texto: Três Gênios de Secretária

           Lima Barreto

        O meu amigo Augusto Machado, de quem acabo de publicar uma pequena brochura aliteratada — Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá — mandou-me algumas notas herdadas por ele desse seu amigo, que, como se sabe, foi oficial da Secretaria dos Cultos. Coordenadas por mim, sem nada pôr de meu, eu as dou aqui, para a meditação dos leitores:

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhC-DB_jTUWb3TBXNUEkWdRnjfem8KimbDuowdqCujIFdMZlu86pbRQvFBK0UgMhVMRmE7YgO_A9RXDXO3JcYiRNbtqwgvuorD-d3TVud6FKI1TYJgyBBVz8w90wRaWVJ6IO0cC6-QwOPFr0-v_whEQFs3Bo7CUqVwTL1KFaAz7BThDJDN84XKum_uqsUA/s320/BRAS.jpg


        "Estas minhas memórias que há dias tento começar, são deveras difíceis de executar, pois se imaginarem que a minha secretaria é de pequeno pessoal e pouco nela se passa de notável, bem avaliarão em que apuros me encontro para dar volume às minhas recordações de velho funcionário. Entretanto, sem recorrer a dificuldade, mas ladeando-a, irei sem preocupar-me com datas nem tampouco me incomodando com a ordem das cousas e fatos, narrando o que me acudir de importante, à proporção de escrevê-las. Ponho-me à obra.

        Logo no primeiro dia em que funcionei na secretaria, senti bem que todos nós nascemos para empregado público. Foi a reflexão que fiz, ao me Julgar tão em mim, quando, após a posse e o compromisso ou juramento, sentei-me perfeitamente à vontade na mesa que me determinaram. Nada houve que fosse surpresa, nem tive o mínimo acanhamento. Eu tinha vinte e um para vinte e dois anos; e nela me abanquei como se de há muito já o fizesse. Tão depressa foi a minha adaptação que me julguei nascido para ofício de auxiliar o Estado, com a minha reduzida gramática e o meu péssimo cursivo, na sua missão de regular a marcha e a atividade da nação.

        Com familiaridade e convicção, manuseava os livros – grandes montões de papel espesso e capas de couro, que estavam destinados a durar tanto quanto as pirâmides do Egito. Eu sentia muito menos aquele registro de decretos e portarias e eles pareciam olhar-me respeitosamente e pedir-me sempre a carícia das minhas mãos e a doce violência da minha escrita.

        Puseram-me também a copiar ofícios e a minha letra tão má e o meu desleixo tão meu, muito papel fizeram-me gastar, sem que isso redundasse em grande perturbação no desenrolar das cousas governamentais.

        Mas, como dizia, todos nós nascemos para funcionário publico. Aquela placidez do ofício, sem atritos, nem desconjuntamentos violentos; aquele deslizar macio durante cinco horas por dia; aquela mediania de posição e fortuna, garantindo inabalavelmente uma vida medíocre – tudo isso vai muito bem com as nossas vistas e os nossos temperamentos. Os dias no emprego do Estado nada têm de imprevisto, não pedem qualquer espécie de esforço a mais, para viver o dia seguinte. Tudo corre calma e suavemente, sem colisões, nem sobressaltos, escrevendo-se os mesmos papéis e avisos, os mesmos decretos e portarias, da mesma maneira, durante todo o ano, exceto os dias feriados, santificados e os de ponto facultativo, invenção das melhores da nossa República.

        De resto, tudo nele é sossego e quietude. O corpo fica em cômodo jeito; o espírito aquieta-se, não tem efervescência nem angústias; as praxes estão fixas e as fórmulas já sabidas. Pensei até em casar, não só para ter uns bate-bocas com a mulher mas, também, para ficar mais burro, ter preocupações de "pistolões", para ser promovido. Não o fiz; e agora, já que não digo a ente humano, mas ao discreto papel, posso confessar porque. Casar-me no meu nível social, seria abusar-me com a mulher, pela sua falta de instrução e cultura intelectual; casar-me acima, seria fazer-me lacaio dos figurões, para darem-me cargos, propinas, gratificações, que satisfizessem às exigências da esposa. Não queria uma nem outra cousa. Houve uma ocasião em que tentei solver a dificuldade, casando-me. ou cousa que o valha, abaixo da minha situação. É a tal história da criada... Aí foram a minha dignidade pessoal e o meu cavalheirismo que me impediram.

        Não podia, nem devia ocultar a ninguém e de nenhuma forma, a mulher com quem eu dormia e era mãe dos meus filhos. Eu ia citar Santo Agostinho, mas deixo de fazê-lo para continuar a minha narração...

        Quando, de manhã, novo ou velho no emprego, a gente se senta na sua mesa oficial, não há novidade de espécie alguma e, já da pena, escreve devagarinho: "Tenho a honra", etc., etc.; ou, republicanamente, "Declaro-vos. Para os fins convenientes", etc.

        Se há mudança, é pequena e o começo é já bem sabido: "Tenho em vistas"... – ou "Na forma do disposto"...

        Às vezes o papel oficial fica semelhante a um estranho mosaico de fórmulas e chapas; e são os mais difíceis, nos quais o doutor Xisto Rodrigues brilhava como mestre inigualável.

        O doutor Xisto já é conhecido dos senhores, mas não é dos outros gênios da Secretaria dos Cultos. Xisto é estilo antigo. Entrou honestamente, fazendo um concurso decente e sem padrinhos. Apesar da sua pulhice bacharelesca e a sua limitação intelectual, merece respeito pela honestidade que põe em todos os atos de sua vida, mesmo como funcionário. Sai à hora regulamentar e entra à hora regulamentar. Não bajula. Nem recebe gratificações.

        Os dois outros, porém, são mais modernizados. Um é "charadista", o homem que o diretor. consulta, que dá as informações confidenciais, para o presidente e o ministro promoverem os amanuenses. Este ninguém sabe como entrou para a secretaria; mas logo ganhou a confiança de todos, de todos se fez amigo e, em pouco, subiu três passos na hierarquia e arranjou quatro gratificações mensais ou extraordinárias. Não é má pessoa, ninguém se pode aborrecer com ele: é uma criação do ofício que só amofina os outros, assim mesmo sem nada estes saberem ao certo, quando se trata de promoções.

        Há casos muito interessantes; mas deixo as proezas dessa inferência burocrática, em que o seu amor primitivo a charadas, ao logogrifo e aos enigmas pitorescos pôs lhe sempre na alma uma caligem de mistério e uma necessidade de impor aos outros adivinhação sobre ele mesmo. Deixo-a, dizia, para tratar do "auxiliar de gabinete". É este a figura mais curiosa do funcionalismo moderno. É sempre doutor em qualquer cousa; pode ser mesmo engenheiro hidráulico ou eletricista. Veio de qualquer parte do Brasil, da Bahia ou de Santa Catarina, estudou no Rio qualquer cousa; mas não veio estudar, veio arranjar um emprego seguro que o levasse maciamente para o fundo da terra. donde deveria ter saído em planta, em animal e, se fosse possível, em mineral qualquer. É inútil, vadio, mau e pedante, ou antes, pernóstico.

        Instalado no Rio, com fumaças de estudante, sonhou logo arranjar um casamento, não para conseguir uma mulher, mas, para arranjar um sogro influente, que o empregasse em qualquer cousa, solidamente. Quem como ele faz de sua vida, tão-somente caminho para o cemitério, não quer muito: um lugar em uma secretaria qualquer serve. Há os que veem mais alto e se servem do mesmo meio; mas são a quintessência da espécie.

        Na Secretaria dos Cultos, o seu típico e célebre "auxiliar de gabinete", arranjou o sogro dos seus sonhos, num antigo professor do seminário, pessoa muito relacionada com padres, frades, sacristãos, irmãs de caridade, doutores em cânones, definidores, fabriqueiros, fornecedores e mais pessoal eclesiástico.

        O sogro ideal, o antigo professor, ensinava no seminário uma física muito própria aos fins do estabelecimento, mas que havia de horripilar o mais medíocre aluno de qualquer estabelecimento leigo.

        Tinha ele uma filha a casar e o "auxiliar de gabinete", logo viu no seu casamento com ela, o mais fácil caminho para arranjar uma barrigazinha estufadinha e uma bengala com castão de ouro.

        Houve exame na Secretaria dos Cultos, e o "sogro", sem escrúpulo algum, fez-se nomear examinador do concurso para o provimento do lugar e meter nele "o noivo".

        Que se havia de fazer? O rapaz precisava.

        O rapaz foi posto em primeiro lugar, nomeado e o velho sogro (já o era de fato) arranjou-lhe o lugar de "auxiliar de gabinete" do ministro. Nunca mais saiu dele e, certa vez, quando foi, pro formula se despedir do novo ministro, chegou a levantar o reposteiro para sair; mas, nisto, o ministro bateu na testa e gritou:

        — Quem é aí o doutor Mata-Borrão?

        O homenzinho voltou-se e respondeu, com algum tremor na voz e esperança nos olhos:

        — Sou eu, excelência.

        — O senhor fica. O seu "sogro" já me disse que o senhor precisa muito.

        É ele assim, no gabinete, entre os poderosos; mas, quando fala a seus iguais, é de uma prosápia de Napoleão, de quem se não conhecesse a Josefina.

        A todos em que ele vê um concorrente, traiçoeiramente desacredita: é bêbedo, joga, abandona a mulher, não sabe escrever "comissão", etc. Adquiriu títulos literários, publicando a Relação dos Padroeiros das Principais Cidades do Brasil; e sua mulher quando fala nele, não se esquece de dizer: "Como Rui Barbosa, o Chico..." ou "Como Machado de Assis, meu marido só bebe água."

        Gênio doméstico e burocrático, Mata-Borrão, não chegará, apesar da sua maledicência interesseira, a entrar nem no inferno. A vida não é unicamente um caminho para o cemitério; é mais alguma cousa e quem a enche assim, nem Belzebu o aceita. Seria desmoralizar o seu império; mas a burocracia quer desses amorfos, pois ela é das criações sociais aquela que mais atrozmente tende a anular a alma, a inteligência, e os influxos naturais e físicos ao indivíduo. É um expressivo documento de seleção inversa que caracteriza toda a nossa sociedade burguesa, permitindo no seu campo especial, com a anulação dos melhores da inteligência, de saber, de caráter e criação, o triunfo inexplicável de um Mata-Borrão por aí".

        Pela cópia, conforme.

Brás Cubas, Rio, 10-4-1919.

Entendendo o texto:

01 – Quem é o autor do texto?

      O autor do texto é Lima Barreto.

02 – O que o autor descreveu sobre sua experiência ao ingressar na Secretaria dos Cultos?

      O autor descreveu que se sentiu naturalmente à vontade e adaptado ao seu papel de funcionário público ao ingressar na Secretaria dos Cultos.

03 – Qual é a opinião do autor sobre a vida de funcionário público?

      O autor tem uma visão positiva da vida de funcionário público, descrevendo-a como calma, suave e sem sobressaltos, adequada às suas inclinações pessoais.

04 – Quais são os três personagens destacados na Secretaria dos Cultos?

      Os três personagens destacados na Secretaria dos Cultos são: Doutor Xisto Rodrigues, o "charadista" e o "auxiliar de gabinete".

05 – Como o autor descreve o Doutor Xisto Rodrigues?

      O autor descreve o Doutor Xisto Rodrigues como um funcionário honesto, que não faz bajulações nem recebe gratificações.

06 – Qual é a característica principal do "auxiliar de gabinete" na Secretaria dos Cultos?

      O "auxiliar de gabinete" é descrito como alguém que veio de fora do Rio, arranjou um casamento para obter um sogro influente, e busca um emprego seguro no governo.

07 – Como o "auxiliar de gabinete" conseguiu o emprego na Secretaria dos Cultos?

      O "auxiliar de gabinete" conseguiu o emprego na Secretaria dos Cultos através do seu sogro, que era examinador do concurso e o nomeou para o cargo.

08 – Qual é a atitude do "auxiliar de gabinete" em relação aos seus concorrentes?

      O "auxiliar de gabinete" desacredita traiçoeiramente seus concorrentes, espalhando informações negativas sobre eles.

09 – Como o autor descreve a burocracia?

      O autor descreve a burocracia como uma instituição que tende a anular a inteligência, o caráter e os influxos naturais e físicos do indivíduo, criando uma seleção inversa.

10 – O que o autor critica em relação à sociedade burguesa no texto?

      O autor critica a seleção inversa que ocorre na sociedade burguesa, permitindo o triunfo de indivíduos como o "auxiliar de gabinete" em detrimento dos mais talentosos em inteligência, saber e caráter.

 

TEXTO: CÓDIGO DE MENORES X ECA - MUDANÇAS DE PARADÍGMAS - COM GABARITO

 Texto: Código de Menores x ECA

           Mudanças de Paradigmas – 02 de dezembro de 2016

        Lembrando o início da década de 90, veremos um período em que as organizações sociais, o MNMMR e vários profissionais engajados na luta pelos direitos da criança, comemorarem conquistas. A inclusão desses direitos na Constituição Federal Brasileira (1988) e a promulgação do ECA (1990). Quem pôde presenciar (mesmo que em filme, como eu) a participação de crianças e adolescentes num voto simbólico que ocorreu na Câmara Federal, dizendo sim ao ECA, sabe o quanto essa experiência foi gratificante.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjE1-Rw9Xmh8_V6DyMww4UcR9-f-EfLOLFULSEHGdN6sB1h6wFH5ECNWoRt7UdRZDw14G7UhGkCfxnLfeEfv4cd1bPz1I7eZAtYW2xJf3kye-VkXTAxX1jfswUaBzlTu_39K_Py3sv13NAS7cBqEeSW_jur-RjuycwI6dCsbbGN5YV-8kjmBMTQGPFUZ-A/s1600/ECA.jpg


        Já refletindo sobre as mudanças entre o Código de Menores e o ECA, podemos afirmar que o ECA foi elaborado com a participação dos movimentos sociais. O caráter participativo deste processo é uma primeira e importante diferença. O protagonismo da sociedade se impõe pela expressão de seus interesses. É a democracia, também recentemente conquistada, se revelando pela prática da participação popular. É a proposição de nova ordem jurídica a partir da proposta de mudança de mentalidade da sociedade em relação às suas crianças e adolescentes.

        Uma segunda mudança que merece destaque é o caráter universal dos direitos conferidos. Reside no reconhecimento legal do direito de todas as crianças e adolescentes à cidadania independentemente da classe social (Pino, 1990). Enquanto o antigo CM destinava-se somente àqueles em “situação irregular” ou inadaptados, a nova Lei diz que TODAS as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos. Eis, no meu ponto de vista, uma mudança de paradigma.

        No Código, havia um caráter discriminatório, que associava a pobreza à “delinquência”, encobrindo as reais causas das dificuldades vividas por esse público, a enorme desigualdade de renda e a falta de alternativas de vida. Essa inferiorização das classes populares continha a ideia de norma, à qual todos deveriam se enquadrar. Como se os mais pobres tivessem um comportamento desviante e uma certa “tendência natural à desordem”. Portanto, inaptos a conviver em sociedade. Natural que fossem condenados à segregação. Os meninos que pertenciam a esse segmento da população, considerados “carentes, infratores ou abandonados” eram, na verdade, vítimas da falta de proteção. Mas, a norma lhes impunha vigilância.

        Além disso, o antigo Código funcionava como instrumento de controle, transferindo para o Estado a tutela dos “menores inadaptados” e assim, justificava a ação dos aparelhos repressivos. Ao contrário, o ECA serve como instrumento de exigibilidade de direitos àqueles que estão vulnerabilizados pela sua violação.

        O reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, e não mais como simples portadores de carências (Costa,1990), despersonaliza o fenômeno, e principalmente, responsabiliza toda sociedade pela criação das condições necessárias ao cumprimento do novo direito.

        Isso não significa negar a relação de dependência das crianças aos adultos e nem a responsabilidade que os últimos têm quanto ao desenvolvimento dos primeiros. Contudo, significa impedir a ocorrência daquilo que, nesta relação, traz a marca do autoritarismo, da violência e do sofrimento (Teixeira, 1991). Ao assumir que a criança e o adolescente são “pessoas em desenvolvimento”, a nova Lei deixa de responsabilizar algumas crianças pela irresponsabilidade dos adultos. Agora, são TODOS os adultos que devem assumir a responsabilidade pelos seus atos em relação às TODAS as crianças e aos adolescentes.

        A mudança na referência nominal também contém uma diferença de paradigma. A expressão “menor” é substituída por “criança ou adolescente” para negar o conceito de incapacidade na infância. O conceito de infância ligado à expressão “menoridade” contém em si a ideia de não ter. Ser “menor” significa não ter dezoito anos e, portanto, não ter capacidades, não ter atingido um estágio de plenitude e não ter, inclusive, direitos (Volpi, 2000). O paradigma evolucionista aqui revelado, fundamentava a teoria de desenvolvimento infantil desenvolvida a partir das competências específicas dos adultos.

        Com a formulação do ECA, inicia-se um debate para compreender as competências e capacidades da população infanto-juvenil. O paradigma muda, os menores passam a ser denominados crianças e adolescentes em situação peculiar de desenvolvimento. As crianças e adolescentes passam a ser vistos pelo seu presente, pelas possibilidades que têm nessa idade e não pelo futuro, pela esperança do que virão a ser. Isto significa trazer à tona a positividade do conceito de infância, que é marcada pela PROVISORIEDADE E SINGULARIDADE. Uma constante metamorfose. Um ser que é processual.

        Insisto na ideia da SINGULARIDADE vivida pelas crianças e adolescentes. São seres sócio-históricos que não apenas reagem às determinações sociais, mas são também SUJEITOS de ações. Participam de um momento histórico em que criam e transformam sua existência, a partir de suas experiências cotidianas, que são vividas de forma singular.

        Neste sentido, o que define a adolescência não é uma crise inerente à uma idade. Nem uma essência biológica universal. É um conjunto de características, que inscreve uma qualidade de pensamento que é diferente na infância e na idade considerada adulta. Uma qualidade de pensamento que possibilita a reflexão sobre os significados e sentidos de seus interesses.

        Ressalto com isso, que a adolescência não pode ser considerada como uma fase propícia à transgressão. A atuação do adolescente depende das relações que ele vive e das que ele conhece no meio social. Ele atribui SENTIDOS a estas vivências e estes vão servir como parâmetros para suas futuras relações. Sabemos que quanto mais amplo e diversificado for o universo cultural do indivíduo, maior a possibilidade de seu desenvolvimento, conhecimento do mundo, de seus próprios interesses e de sua capacidade de criação.

        Não podemos encarar as crises vividas na adolescência como patológicas e nem criar um modelo único de adolescência. Algumas concepções de adolescência negam os aspectos culturais e políticos. Descontextualizam a adolescência, criando estereótipos que impedem a compreensão mais ampla deste fenômeno. Aí veremos as crises como desarranjos, já que a harmonia é “pressuposto natural” (Vygotsky, 1998). O desenvolvimento de um indivíduo não é movido pela harmonia, mas pelas contradições, pelos confrontos. Essas contradições são próprias do desenvolvimento humano em qualquer momento da vida, não se limitam à adolescência. Esta forma de compreensão deve afastar a ideia de transgressão ligada à adolescência. Se pensarmos a adolescência como fenômeno psicossocial, não devemos considerá-los como potenciais agressores. A forma como a adolescência será vivida por cada indivíduo vai depender das condições dadas para seu desenvolvimento. Vai depender do respeito ao seu direito de sobreviver, da garantia de sua integridade física, psicológica e moral.

        Neste ponto, o ECA propõe um reordenamento institucional. Rompe com práticas fundadas na filantropia ou caridade (Pino, 1990) e institui uma nova ordem onde os direitos das crianças geram responsabilidades para a família, para o Estado e para a sociedade. Responsabilidades pela criação e implementação das políticas sociais relativas a esses direitos.

        Neste campo, o Estatuto introduz um elemento novo que é a constituição de Conselhos de direitos e dos tutelares. Elementos fundamentais para as novas políticas de atendimento, os conselhos também são espaços de participação da sociedade organizada. Governo e sociedade, juntos, assumem responsabilidade pela formulação e controle das ações relativas aos direitos da Criança e do Adolescente.

        Apesar das importantes mudanças de paradigma, sabemos que, olhando para a prática, o saldo destes 12 anos não é muito positivo. Sejamos mais claros/as: o ECA não foi implementado. É fato que algumas políticas públicas passaram por reformulações, mas, infelizmente, nem todos atendem às concepções expressas na legislação vigente.

        Destacamos aqui, o atendimento aos adolescentes autores de ato infracional. O próprio Ministério da Justiça fez, em 1997, um levantamento nacional do atendimento às medidas sócio educativas que mostrava a não implementação do ECA (Apud, Teixeira, 2002).

        No caso da privação de liberdade aqui em São Paulo, o problema está na persistência de uma prática repressiva e no descumprimento das garantias e prerrogativas legais. Estamos há doze anos transcorridos da promulgação do ECA e ainda não foram realizadas, na Febem Paulista, as necessárias adequações à nova legislação. Num rápido panorama deste quadro, vemos a omissão das autoridades responsáveis e a “preferência” pela aplicação de medidas de privação de liberdade nos casos em que caberiam medidas sócio educativas em meio aberto . Também é fato que os adolescentes autores de ato infracional que estão privados de liberdade, vivem esta situação sob a lógica da “Tranca e couro”, quer dizer, estão sendo TORTURADOS cotidianamente.

        As inúmeras rebeliões são um duro emblema da negligência aos direitos conquistados com a nova legislação, dita aliás, pelos próprios adolescentes que encontram-se encarcerados. No último sábado (13/07/02), assistimos a mais uma: Franco da Rocha com a entrada da Tropa de Choque para contê-la.

        A desumanidade e crueldade vão desnudando variadas formas e métodos de humilhação e agressão. A imagem vinda do relato de adolescentes que apanham com ferros/tacos que trazem inscritas as palavras Direitos Humanos e ECA, entre outras, é o próprio retrato/desenho esculpido do reverso da lei.

        Vemos ainda, projetos retrógrados de propostas de redução da idade de imputabilidade penal, além do discurso de pessoas que acreditam ainda que o ECA serve apenas para encobrir atos delituosos de adolescentes, protegê-los, retirando-lhes a responsabilidade. Aqui temos também um outro problema, o da mudança de mentalidade, tarefa esta que depende também de um processo histórico e da vontade política de educadores e profissionais na discussão do ECA.

        Mas como nos mostra Chauí (1994):

        “Se nascemos numa sociedade que nos ensina certos valores morais -justiça, igualdade, veracidade, generosidade, coragem, amizade, direito à felicidade – e, no entanto, impede a concretização deles porque está organizada e estruturada de modo a impedi-los, o reconhecimento da contradição entre o ideal e a realidade é o primeiro momento da liberdade e da vida ética como recusa da violência. O segundo momento é a busca de brechas pelas quais possa passar o possível, isto é, uma outra sociedade, que concretize no real aquilo que a nossa propõe no ideal…O terceiro momento é o da nossa decisão de agir e da escolha dos meios para a ação. O último momento da liberdade é a realização da ação para transformar um possível num real, uma possibilidade numa realidade” (Chauí, p.365).

        E essas últimas tarefas, se fazem, para nós, muito urgentes… não temos mais tempo a perder.

       É preciso comemorar os doze anos do ECA, com a certeza, de que, se ainda não conseguimos implementá-lo, buscamos caminhos. É preciso ousar sonhar e ousar transformar. É necessário uma maior e melhor organização de todos os setores da sociedade com a força e felicidade humanas, compartilhando a ideia de que a diferença e o outro são importantes para o desenvolvimento de cada um de nós…A lei já nos fortalece…

Referências bibliográficas

COSTA, A. C.  G. da, O novo direito da infância e da juventude do Brasil: 10 anos do EFA – Avaliando conquistas e projetando metas. Cad.1- Unicef, 1990.

PINO, A. Direitos e realidade social da criança no Brasil. A propósito do “Estatuto da Criança e do Adolescente”. Revista Educação & Sociedade, ano XI, n.36, p.61-79, ago., 1990.

TEIXIEIRA, M.L.T. O estudo da criança e do adolescente   e a questão do delito.  Cadernos Populares/n.3, Sitraemfa, 1991.

TEIXIEIRA, M.L.T. Adolescência – violência: uma ferida de nosso tempo. São Paulo, 2002. . Tese (Doutorado). Serviço Social, PUC/SP.

VOLPI, M. (UNICEF) I Encontro Estadual de Educação Social na rua. São Paulo, jul,2000 (Palestra).

VYGOTSKY, L. S. Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 5ªed., 1998.

Ana Silvia Ariza de Souza é psicóloga e mestre em Psicologia Social pela PUC-SP

Publicado em 20/04/2004

Entendendo o texto:

01 – Quando ocorreu a promulgação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)?

      O ECA foi promulgado em 1990.

02 – Qual é a primeira diferença mencionada no texto entre o Código de Menores e o ECA?

      A primeira diferença destacada é o caráter participativo do processo de elaboração do ECA, com a participação dos movimentos sociais.

03 – O que o antigo Código de Menores associava à pobreza?

      O antigo Código de Menores associava a pobreza à "delinquência".

04 – Qual é a mudança de paradigma mencionada no texto em relação à infância?

      A mudança de paradigma envolve o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, não mais como simples portadores de carências.

05 – Como o ECA se relaciona com a responsabilidade em relação às crianças e adolescentes?

      O ECA torna todos os adultos responsáveis por seus atos em relação a todas as crianças e adolescentes.

06 – Qual é a mudança na referência nominal destacada no texto?

      A expressão "menor" foi substituída por "criança ou adolescente" para negar o conceito de incapacidade na infância.

07 – Como o ECA vê a adolescência em comparação com o Código de Menores?

      O ECA vê a adolescência como uma fase de singularidade e possibilidades no presente, não como uma fase propícia à transgressão.

08 – Que elementos institucionais o ECA introduz para promover os direitos das crianças?

      O ECA introduz a constituição de Conselhos de direitos e dos tutelares como elementos fundamentais para as novas políticas de atendimento.

09 – Como o texto descreve a implementação do ECA na prática?

      O texto afirma que, na prática, o ECA não foi totalmente implementado, especialmente no que diz respeito ao atendimento aos adolescentes autores de ato infracional.

10 – Quais são os desafios mencionados no texto em relação ao ECA?

      Os desafios incluem a necessidade de mudar a mentalidade, garantir o respeito aos direitos das crianças e adolescentes, e superar a persistência de práticas repressivas e desumanas, especialmente na privação de liberdade.