quinta-feira, 3 de agosto de 2017

FÁBULA: O MACACO E O GOLFINHO - ESOPO - COM GABARITO

FÁBULA: O MACACO E O GOLFINHO
                   ESOPO

        Na antiguidade, os navios eram pequenos barcos a remo ou à vela, e as viagens, é claro, uma grande aventura. O tempo não contava: ao embarcar, era impossível prever a duração da viagem... 
   Para se entreterem nessas grandes travessias, os viajantes recorriam a tudo o que fossem capazes de imaginar: uns jogavam dados ou xadrez, outros dormiam todo o tempo, alguns conversavam entre si ou com a tripulação, e ainda havia os que levavam consigo seus bichos de estimação para fazer companhia: cachorros, macacos ou corvos amestrados. 
      Um mercador ateniense emigrado da Sicília – que, na época, chamava-se Magna Grécia – fizera fortuna em poucos anos. E decidira regressar à pátria para gozar a riqueza. Enquanto esperava que carregassem sua bagagem para o interior do navio, reparou em um marinheiro fenício que passava por ali com um macaco ao ombro.
       — Ei, moço! – chamou. – O que esse seu simpático bichinho sabe fazer?        O outro achou graça:
     — Khala? Esse é o mais esperto macaco da face da Terra! Trepa no mastro do navio e me avisa quando avista alguma embarcação. Além disso, sabe dançar quando ouve música. Quer ver? 
      Sem esperar resposta, tirou uma flauta do bolso e começou a tocar uma música típica do seu país. 
     Khala saltou, imediatamente, para o chão e começou a dançar, dando várias cambalhotas e até um salto mortal.
     — Quanto você quer por ele? – perguntou o mercador, sem muito interesse, para o preço não vir. Muito alto.
        — Uma mina ateniense não bastaria, pois, além de ele ser muito esperto, gosto demais dele ... – o outro se fez de rogado, para fazer seu produto valer mais. 
        Depois de alguma discussão, o marinheiro deu o preço:
        — Cem dracmas.
      — Cem dracmas! – exclamou o mercador, roxo e gago, de raiva. – Você deve estar maluco! 
     Depois de regatear, as cem dracmas reduziram-se a quatro e logo uma moeda de prata trocada de mãos, ao mesmo tempo em que o macaco trocava de dono.
       — Adeus, Khala! – suspirou o fenício. – Odeio me separar de você, mas é preciso...– e, passando a cordinha no pescoço do macaco, entregou-o ao mercador, acrescentando: — É um bichinho muito especial, você vai ver. Boa viagem!
        — Adeus, marinheiro, e obrigado! 
     E os dois, o macaco e o mercador, começaram a subir a prancha que servia de ponte entre o navio e o cais. 
       Khala era obediente e não reclamou.
   O fenício tinha razão: já no primeiro dia, Khala tornara-se o grande divertimento da tripulação e dos passageiros: saltava, dançava, trepava no mastro e apanhava comida das mãos das pessoas. Não parava um minuto. 
       Naquele mês de julho, o tempo estava maravilhoso. O mar apresentava-se liso e calmo, e a viagem corria agradável, sem atropelos. 
      No décimo dia, porém, quando o navio preparava-se para dobrar o último cabo, um forte vendaval levantou-se, com vento a noroeste, e o céu cobriu-se de nuvens negras. A pequena embarcação balançava terrivelmente. Todos receavam que ela não fosse aguentar ou que, a qualquer momento, batesse nos rochedos. 
       O capitão mandou que todos os passageiros fossem para o porão. 
       Ao preparar-se para obedecer, o mercador percebeu que não via Khala.
       — Onde você está, Khala? – chamou, apreensivo. – Khala! Khala!
     Em cima do mastro, Khala, animadíssimo, fazia seu melhor número. Por não ter medo da tempestade, saltava, corri, dançava, parecendo muito alegre com aquilo que lhe parecia uma festa... 
     O mercador nem teve tempo de abrir a boca, uma onda mais violenta ainda abateu-se sobre a popa do navio, que se empinou, permanecendo suspenso sobre a crista da onda, voltando a cair de popa. Ouviu-se um estrondo: o mastro partira-se, caindo de lado sobre a ponte. Quebrou os cabos que o prendiam e perdeu-se na fúria das águas. Khala caiu de cabeça para baixo e, por um longo momento, ficou parado, bebendo água, bebendo, bebendo...
       Estava quase morto, quando ouviu uma voz que dizia:
        — Suba nas minhas costas.
     Ele só entendeu por ter sido criado por marinheiros e estar habituado à linguagem do mar, pois era um golfinho que assim lhe falava, naquela estranha mistura de ruídos e assobios. 
      Embora se sentisse desfalecendo, Khala apressou-se em obedecer: 
    Como é bom respirar! Agora, sim, o macaco voltara à superfície e podia conversar com o amigo que lhe salvara a vida:
    — Obrigado! Eu não sei o que teria acontecido comigo, se não fosse você...Ou melhor, até sei! – disse Khala.
      — De nada! Você vai para Atenas? – perguntou o golfinho.
      — Vou.
      — Você é ateniense?
     — Ateniense? – surpreendeu-se o macaco. – Acho que esse idiota pensa que eu sou um homem... – e continuou, em voz alta: - Sim, sou. E ateniense de uma das melhores famílias!
     — Ah, sim? – o golfinho não parecia muito surpreso. – E a quem tenho a honra de transportar na minha garupa?
     — Filostrato, filho de Pisandro, neto de Timóteo, bisneto de Electeu e de Licurgo.
     — Estranho... – pensou o golfinho. — Nunca tinha ouvido falar... – e perguntou em voz alta: — E o que você faz na vida?
   — Vivo de rendas. Possuo casas, terrenos e navios. Ah, estava me esquecendo: também sou animador...
    — Animador? – pensou o golfinho. – Não deveria ser “armador”? Hum, deve ser algum espertinho...  Espere, que já vamos ver ... – e em voz alta perguntou:  — Se você é animador, deve conhecer bem o Pireu, não é verdade? 
     Já envolvido por suas próprias mentiras, Khala nem parou para pensar, pois, se o tivesse feito, teria se lembrado de que Pireu é o nome do porto de Atenas. Com grande entusiasmo, exclamou: 
     — Pireu! Pireu! Você também conhece aquele grande malandro? Uma pessoa fantástica, divertidíssima... Sabia que ele não anda bem ultimamente?
       — Sério? Você tem certeza? – o golfinho fingiu interesse.
       — Absoluta! – respondeu o macaco.
      — Pois eu tenho certeza é de outra coisa! – disse, com raiva, o golfinho, diante de tamanho descaramento. – Tenho certeza é de que você, se quiser voltar a ver o seu querido amigo Pireu, vai ter de ir a nado! 
   E o golfinho sacudiu as costas, derrubando Khala na água e desaparecendo num mergulho rápido, sem ouvir os desesperados pedidos de socorro do macaco.

Moral: Os ignorantes têm a mania de tentar enganar quem sabe mais do que eles, mas isso quase nunca á certo.

(LIVRO FÁBULAS DE ESOPO – EDITORA PAULUS) VOCABULÁRIO:

Dracmas: nome do dinheiro usado na época.
Fenício: natural ou habitante da antiga Fenícia, região litorânea da atual Síria.
Ateniense: natural ou habitante da cidade de Atenas (Grécia).
Armador: construtor de navios.


1ª QUESTÃO: Para se distraírem em suas viagens, os marinheiros faziam várias atividades. Marque a opção que apresenta uma atividade que não foi citada no texto:
       A – ( ) Eles jogavam dados.
       B – ( ) Alguns dormiam.
      C – ( ) Outros conversavam.
      D – (X) Jogavam cartas.
      E – ( ) Levavam seus animais de estimação.

2ª QUESTÃO: “O capitão mandou que todos os passageiros fossem para o porão.”  O capitão deu essa ordem porque ...
       A – ( ) o sol estava muito forte e os passageiros passavam mal.
      B – ( ) os marinheiros estavam jogando e precisavam de espaço.
      C – (X) a embarcação corria risco de naufragar.
      D – ( ) a comida seria servida no porão.
      E – ( ) era norma do navio.  

3ª QUESTÃO: “Embora se sentisse desfalecendo, Khala apressou-se em obedecer:”  A palavra destacada poderá ser substituída, sem alterar o sentido da frase, por:
       A – ( ) agitado.
       B – (X) desmaiando.
      C – ( ) disposto.
      D – ( ) esperto.
      E – ( ) atento.

4ª QUESTÃO: Marque a opção correta:

       A – (X) “O mar apresentava-se liso e calmo, e a viagem corria agradável...” Na frase acima, o mar foi personificado.
       B – ( ) “Em cima do mastro, Khala, animadíssimo, fazia seu melhor número.” O adjetivo animadíssimo encontra-se no grau comparativo de igualdade.
       C – ( ) “Khala saltou, imediatamente, para o chão e começou a dançar...” Imediatamente é o mesmo que nervosamente.
       D – ( ) “Tenho certeza é de que você, se quiser voltar a ver o seu...” O vocábulo é classifica-se como monossílabo átono.
       E – ( ) “— Ei, moço!...” A vírgula foi usada para separar a palavra que indica uma explicação.

5ª QUESTÃO: De acordo com o Texto , o macaco conseguiu entender o que o golfinho dizia, porque:
       A – ( ) ele falava a língua dos golfinhos.
       B – ( ) entendia qualquer idioma.
       C – (X) estava habituado à linguagem do mar.
       D – ( ) viveu algum tempo entre os golfinhos.
       E – ( ) era o rei do mar.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

CONTO: O CABOCLO, O PADRE E O ESTUDANTE - LUÍS DA CÂMARA CASCUDO - COM GABARITO

CONTO: O CABOCLO, O PADRE E O ESTUDANTE
                 Luís da Câmara Cascudo
 

        Um estudante e um padre viajavam pelo sertão, tendo como bagageiro um caboclo. Deram-lhe numa casa um pequeno queijo de cabra. Não sabendo dividi-lo, mesmo porque chegaria um pequenino pedaço para cada um, o padre resolveu que todos dormissem e o queijo seria daquele que tivesse, durante a noite, o sonho mais bonito, pensando engabelar todos com os seus recursos oratórios. Todos aceitaram e foram dormir. À noite, o caboclo acordou, foi ao queijo e comeu-o.
        Pela manhã, os três sentaram à mesa para tomar café e cada qual teve de contar o seu sonho. O frade disse ter sonhado com a escada de Jacob e descreveu-a brilhantemente. Por ela, ele subia triunfalmente para o céu. O estudante, então, narrou que sonhara já dentro do céu à espera do padre que subia. O caboclo sorriu e falou:
        --- Eu sonhei que via seu padre subindo a escada e seu doutor lá dentro do céu, rodeado de amigos. Eu ficava na terra e gritava:
        --- Seu doutor, seu padre, o queijo! Vosmincês esqueceram o queijo.
        Então, Vosmincês respondiam de longe, do céu:
        --- Come o queijo, caboclo! Come o queijo, caboclo! Nós estamos do céu, não queremos queijo.
        O sonho foi tão forte que eu pensei que era verdade, levantei-me enquanto vosmincês dormiam e comi o queijo...

          CASCUDO, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil.           Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp. 1986. p. 213.

1 – O primeiro parágrafo nos mostra todo um percurso narrativo. Divida-o nas partes estudadas.
     Apresentação: primeiro período.
     Complicação: de “Deram-lhe numa casa um pequeno queijo de cabra” até “Todos aceitaram e foram dormir”.
     Clímax: o caboclo comeu o queijo.
     O desfecho: coincide com o clímax.

2 – Os tempos verbais utilizados nesse primeiro parágrafo estabelecem um jogo temporal semelhante ao que ocorre no texto “Segura a onça que eu sou caçador de preá”? Comente.
     Essencialmente, o jogo temporal é o mesmo, baseando-se no perfeito e no imperfeito do indicativo. O aluno deve observar, no entanto, que nesse texto surge o futuro do pretérito, outro tempo típico da narração.

3 – Que tipo de narrador o texto utiliza? Retire dele uma passagem em que se perceba a profundidade com que são apresentados os personagens.
     O narrador é de terceira pessoa, onisciente. O aluno deve perceber que ele é capaz de relatar até mesmo pensamentos íntimos do padre (“... pensando engabelar todos com seus cursos oratórios...”).

4 – No segundo parágrafo surge a forma verbal sonhara. Justifique o emprego desse tempo analisando-o no período em que aparece.
     Sonhara (assim como ter sonhado) é forma do mais-que-perfeito do indicativo, apropriada para exprimir um fato passado em relação a outro dato passado. No caso o ato de sonhar foi anterior ao ato de narrar.

5 – Em que partes do texto ocorre discurso direto? Releia atentamente as manifestações desse tipo de discurso e responda:
     O discurso direto surge no final do texto, no momento em que o caboclo conta seu sonho.

a)   Elas servem para a caracterização mais completa de algum personagem?
Sem dúvida, o discurso direto acentua o caráter “caipira” do caboclo.

b)   Há uma relação entre o uso dos discursos direto e indireto e o papel de cada um dos personagens do texto?
O narrador utilizou o discurso direto para apresentar a fala do personagem que centraliza as atenções. Dessa forma, o narrador conta o que o padre e o estudante disseram, mas mostra aquilo que o caboclo disse.

6 – Aponte o início do trecho em que o caboclo assume o papel de narrador do próprio sonho dando início a uma narrativa em primeira pessoa dentro da narrativa maior.
     “Eu sonhei que via...”

7 – O desfecho do texto é surpreendente em relação ao que se esperava que acontecesse entre três personagens apresentados e caracterizados? Comente.
     Sem dúvida, o desfecho é surpreendente. Deve-se comentar com o aluno que se trata de uma narrativa popular bastante comum, em que a sabedoria “caipira”, aparentemente ingênua, consegue superar as artimanhas da escolaridade.


terça-feira, 1 de agosto de 2017

TEXTO: NARRAÇÃO E NARRATIVAS - SAMIRA N. MESQUITA - COM GABARITO


TEXTO:NARRAÇÃO E NARRATIVAS

        Contar e ouvir histórias são atividades das mais antigas do homem. Pessoas de todas as condições socioculturais têm prazer de ouvir e de contar histórias. Um romancista e ensaísta inglês, E. M. Forster, chama essa atividade de atávica, isto é, transmitida desde a idade mais remota da humanidade, ligada aos rituais pré-históricos do Homem de Neanderthl, força de vida e de morte, conforme sua capacidade de manter acordados ou de adormecer os membros de um grupo, nas noites dos primeiros dias... O mesmo autor cita ainda a protagonista de As mil e uma noites, Xerazade, que se salvou da morte contando histórias que, a cada noite, eram interrompidas em momentos de calculado suspense, a fim de motivar a curiosidade do sultão. A tal ponto chegou a habilidade da narradora, que, depois de mil e uma noites, o poderoso rei não só não a mandou matar, como também apaixonou-se e com ela se casou. Lembra o autor que todos nós somos como o sultão. Interessamo-nos intensamente pelo desenrolar de uma história bem contada. (Estão aí as novelas de TV, impondo a milhares de pessoas em todo o país, e até no exterior, um tipo massificante de lazer, num horário igualmente imposto).
        Todas as atividades que o inventar/narrar, ouvir/ler histórias envolvem podem ser associadas também à natureza lúdica do homem. O jogo é uma atividade muito presente em todas as situações do homem em sociedade. Sob as mais diversas formas, o fenômeno lúdico mantém um dignificado essencial. É um recorte na vida cotidiana, tem função compensatória, substitui os objetos de conflito por objetos de prazer, obedece a regras, tem sentido simbólico, de representação. Com realização, supõe agenciamentos manipulações, mecanismo, movimentos, estratégias.
        Constituir um enredo é começar um jogo. O narrador é um jogador, e forma, com o leitor e o próprio texto, o que se pode chamar uma comunidade lúdica.
        No ritual de se pegar um livro para ler ou de se sentar à volta ou diante de um narrador, uma tela de cinema ou de TV, para ler/ouvir contar-se uma história, desenrolar-se um enredo, tal como no exercício do jogo, há a busca de prazer, há tensão, competição, há a máscara, a simulação, pode haver até a vertigem.
                                           MESQUITA, Samira Nahid de. O enredo.
                                                            São Paulo, Ática, 1986. p. 7-8.

1 – Podemos dizer que a primeira afirmação do texto é de caráter histórico?
     SIM. Pois coloca a questão abordada numa perspectiva temporal.

2 – Generalização é a “extensão de um princípio ou de um conceito a todos os casos a que se pode aplicar”. Podemos dizer que no início do texto é apresentada uma generalização? Explique.
     SIM. Pois os dois primeiros períodos do texto estendem o prazer de contar e ouvir histórias ao homem de todas as épocas e de todas as condições socioculturais.

3– Explique o significado da palavra atávica a partir do próprio texto.
     Atávico é aquilo que permanece no homem desde as origens da espécie humana.

4– O texto se refere a E. M. Forster para comprovar suas primeiras colocações. De que forma os fatos indicados pelo escritor inglês se relacionam com os dois primeiros períodos do texto?
     O caráter atávico da atividade narrativa, apontado por Forster, liga-se à afirmação de caráter histórico que abre o texto; já a alusão a Xerazade e ao sultão relaciona-se diretamente com o segundo período do texto, que estende a atividade narrativa a todas as camadas sociais. O aluno deve observar como a citação das proposições de Forster está simetricamente relacionada com o início do texto.

5 – Xerazade é caracterizada, no texto, por duas palavras. Aponte-as e explique seus significados.
     Protagonista: personagem principal de uma narrativa.
     Narradora: aquela que, numa narrativa, conta a história. São palavras que serão muito utilizadas no capítulo.

6 – Qual é, na sua opinião, a função do trecho colocado entre parênteses no final do primeiro parágrafo?
     Há uma função óbvia, que é a exemplificação; ao lado dela, percebe-se, no entanto, uma evidente intenção crítica. Foi provavelmente essa a razão pela qual a autora optou pelo uso dos parênteses.

7 – Relacione as ideias de suspense, história bem contada e novelas de TV.
     As novelas de TV são histórias bem contadas quando consideradas do ponto de vista das interrupções e momentos de calculado suspense.

8 – Explique o significado da expressão natureza lúdica a partir do próprio texto.
     É a parte da natureza humana ligada ao jogo, à brincadeira, à diversão.

9 – Qual o significado essencial das atividades lúdicas?
     É a sua capacidade de substituir os objetos de conflito por objetos de prazer, ou seja, aquilo que, na vida cotidiana, causa conflitos, disputas, insegurança é substituído, durante o jogo, por motivos de alegria e fruição.

10 – Explique o último período do segundo parágrafo, relacionando-o com o período que o antecede.
     A realização dos jogos gera a necessidade de manipulações, de mecanismos, de estratégias de ação; essa necessidade já está anunciada no período anterior, quando se fala das regras e do valor simbólico e representativo das atividades lúdicas.

11 – Explique o que é uma comunidade lúdica.
     É um conjunto de seres humanos e de instrumentos empenhados num jogo. No caso do jogo narrativo, compreende o narrador, o leitor e o próprio texto.

12 – Releia atentamente o texto e elabore um esquema capaz de mostrar o encadeamento das ideias colocadas pela autora. Para facilitar seu trabalho, procure extrair de cada parágrafo a ideia ou as ideias principais. A seguir, comente a importância da palavra também no segundo parágrafo.
     1º parágrafo: “Contar e ouvir histórias são atividades das mais antigas do homem. Pessoas de todas as condições socioeconômicas têm prazer de ouvir e de contar histórias”.
     2º parágrafo: “Todas as atividades que o inventar/narrar... podem ser associadas também à natureza lúdica do homem”.
     3º parágrafo: “Constituir um enredo é começar um jogo”.
     4º parágrafo: Nas atitudes narrativas, há todas as manifestações típicas das atividades lúdicas.
     É a palavra também que conecta os dois momentos principais do texto: Aquele em que predomina a visão histórica e social da narração, e aquele em que a narração é vista como atividade essencialmente lúdica.

13 – Você concorda com a afirmação final do texto? Como tem sido sua experiência de jogador nas comunidades lúdicas de que participa.

     O aluno deve procurar refletir sobre sua vivência como emissor e receptor de textos narrativos na prática cotidiana. Deve-se observar que os adolescentes têm por hábito contar suas experiências uns aos outros, às vezes em grupos que atravessam noites narrando.

segunda-feira, 31 de julho de 2017

CRÔNICA:UM IDOSO NA FILA DO DETRAN - ZUENIR VENTURA - COM GABARITO

crônica:UM IDOSO NA FILA DO DETRAN


 Zuenir Ventura


"O senhor aqui é idoso", gritava a senhora para o guarda, no meio da confusão na porta do Detran da Avenida Presidente Vargas, apontando com o dedo o tal "senhor". Como ninguém protestasse, o policial abriu o caminho para que o velhinho enfim passasse à frente de todo mundo para buscar a sua carteira.
Olhei em volta e procurei com os olhos 0 velhinho, mas nada. De repente, percebi que o "idoso" que a dama solidária queria proteger do empurra-empurra não era outro senão eu.
Até hoje não me refiz do choque, eu que já tinha me acostumado a vários e traumáticos ritos de passagem para a maturidade: dos 40, quando em crise se entra pela primeira vez nos "entra"; dos 50, quando, deprimido, salte que jamais vai se fazer outros 50 (a gente acha que pode chegar aos 80, mas aos 100?); e dos 60, quando um eufemismo diz que a gente entrou na "terceira idade". Nunca passou pela minha cabeça que houvesse uma outra passagem, um outro marco, aos 65 anos. E, muito menos, nunca achei que viesse a ser chamado, tão cedo, de "idoso", ainda mais numa fila do Detran.
Na hora, tive vontade de pedir à tal senhora que falasse mais baixo. Na verdade, tive vontade mesmo foi de lhe dizer: "idoso é o senhor seu pai. O que mais irritava era a ausência total de hesitação ou dúvida. Como é que ela tinha tanta certeza? Que ousadia! Quem lhe garantia que eu tinha 65 anos, se nem pediu pra ver minha identidade? E 0 guarda paspalhão, por que não criou um caso, exigindo prova e documentos? Será que era tão evidente assim? Como além de idoso eu era um recém-operado, acabei aceitando ser colocado pela porta adentro. Mas confesso que furei a fila sonhando com a massa gritando, revoltada: "esse coroa tá furando a fila! Ele não é idoso! Manda ele lá pro fim!" Mas que nada, nem um pio.
O silêncio de aprovação aumentava o sentimento de que eu era ao mesmo tempo privilegiado e vítima — do tempo. Me lembrei da manhã em que acordei fazendo 60 anos: "Isso é uma sacanagem comigo", me disse, "eu não mereço." Há poucos dias, ao revelar minha idade, uma jovem universitária reagira assim: "Mas ninguém lhe dá isso." Respondi que, em matéria de idade, o triste é que ninguém precisa dar para você ter. De qualquer maneira, era um gentil consolo da linda jovem. Ali na porta do Detran, nem isso, nenhuma alma caridosa para me "dar" um pouco menos.
Subi e a mocinha da mesa de informações apontou para os balcões 15 e 16, onde havia um cartaz avisando: "Gestantes, deficientes físicos e pessoas idosas." Hesitei um pouco e ela, já impaciente, perguntou: "O senhor não tem mais de 65 anos? Não é idoso?"
— Não, sou gestante — tive vontade de responder, mas percebi que não carregava nenhum sinal aparente de que tinha amamentado ou estava prestes a amamentar alguém. Saí resmungando: "não tenho mais, tenho só 65 anos."
O ridículo, a partir de uma certa idade, é como você fica avaro em matéria de tempo: briga por causa de um mês, de um dia. "Você nasceu no dia 14, eu sou do dia 15", já ouvi essa discussão.
Enquanto espero ser chamado, vou tentando me lembrar quem me faz companhia nesse triste transe. Ai, se não me falha a memória — e essa é a segunda coisa que mais falha nessa idade —, me lembro que Fernando Henrique, Maluf e Chico Anysio estariam sentados ali comigo. Por associação de ideias, ou de idades, vou recordando também que só no jornalismo, entre companheiros de geração, há um respeitável time dos que não entram mais em fila do Detran, ou estão quase não entrando: Ziraldo, Dines, Gullar, Evandro Carlos, Milton Coelho, Jânio de Freitas (Lemos, Cony, Barreto, Armando e Figueiró já andam de graça em ônibus há um bom tempo). Sei que devo estar cometendo injustiça com um ou com outro — de ano, meses ou dias —, e eles vão ficar bravos. Mas não perdem por esperar: é questão de tempo.
Ah, sim, onde é que eu estava mesmo? "No Detran", diz uma voz. Ah, sim. "E o atendimento?" Ah, sim, está mais civilizado, há mais ordem e limpeza. Mas mesmo sem entrar em fila passa-se um dia para renovar a carteira. Pelo menos alguma coisa se renova nessa idade.

1.  O texto promove uma discussão sobre:
    a) a velhice, de forma dissertativa e crítica
    b)      a velhice, com humor e desprendimento
    c)    a qualidade do serviço público no país
    d)     os limites de idade para conceder benefícios a idosos
    e)    os serviços prestados pelo DETRAN

2.            “O silêncio de aprovação aumentava o sentimento de que eu era ao mesmo tempo privilegiado e vítima — do tempo.” O fragmento em destaque demonstra uma atitude de:
    a)  melancolia
    b)   resignação
    c)  raiva
    d)  revolta
    e)   pena

3.           Ao longo do texto, o autor encontra um motivo para aceitar de forma mais calma sua condição. Esse é:
     a)   o fato de ser atendido mais rapidamente
     b)  o bom nível do atendimento na repartição pública
     c)   o longo tempo de vida
     d)  a possibilidade de viver ainda mais
     e)  outras pessoas que estariam na mesma situação que ele

4.           A classificação mais adequado para o gênero do texto é:
     a)  conto
     b)     romance
    c)    artigo
    d)   crônica
    e)  reportagem

5.           No terceiro parágrafo do texto, o autor se refere a um eufemismo, que pode ser assim interpretado:
    a)   a terceira idade é somente uma forma suave de dizer que você está velho
     b)   passar dos sessenta não é entrar na terceira idade, pois esta só ocorre depois dos oitenta anos.
     c)   a terceira idade é o momento da maturidade e também da liberdade, já que não há mais a obrigação do trabalho nem do sustento dos filhos. É, portanto, o melhor momento da vida.
     d)   não existe terceira idade. O que há é a infância e a velhice, nada mais
      e) na terceira idade, você ganha o direito de ser chamado de idoso, e não mais de velho, consistindo aí o eufemismo apontado pelo autor.


quarta-feira, 26 de julho de 2017

CONTO: TELEVISÃO PARA DOIS - FERNANDO SABINO - COM GABARITO

CONTO: TELEVISÃO PARA DOIS
                 Fernando Sabino

         Ao chegar, ele via uma luz que se coava por baixo da porta para o corredor às escuras. Era enfiar a chave na fechadura e a luz se apagava. Na sala, punha a mão na televisão, só para se certificar: quente, como desconfiava. Às vezes, ainda pressentia movimento na cozinha:
— Etelvina, é você? A empregada aparecia, esfregando os olhos: — Ouvi o senhor chegar… Quer um cafezinho? Um dia, ele abriu o jogo:
— Se você quiser ver televisão quando eu não estou em casa, pode ver à vontade.
— Não precisa não, doutor. Não gosto de televisão.
— E eu muito menos. Solteirão, morando sozinho, pouco parava em casa. A pobre da cozinheira metida lá no seu quarto o dia inteiro, sozinha também, sem ter muito o que fazer… Mas a verdade é que ele curtia o seu futebolzinho aos domingos, o noticiário todas as noites e mesmo um ou outro capítulo da novela, “só para fazer sono”, como costumava dizer:
— Tenho horror de televisão. Um dia, Etelvina acabou concordando:
— Já que o senhor não se incomoda… Não sabia que ia se arrepender tão cedo: ao chegar da rua, a luz azulada sob a porta já não se apagava quando introduzia a chave na fechadura. A princípio, ela ainda se erguia da ponta do sofá onde ousava se sentar muito erecta:
— Quer que eu desligue, doutor? Com o tempo, ela foi deixando de se incomodar quando o patrão entrava, mal percebia a sua chegada. E ele ia se refugiar no quarto, a que se reduzira seu espaço útil dentro de casa. Se precisava vir até a sala para apanhar um livro, mal ousava acender a luz:

— Com licença… . Nem ao menos tinha mais liberdade de circular pelo apartamento em trajes menores, que era o que lhe restava de comodidade, na solidão em que vivia: a cozinheira lá na sala a noite toda, olhos pregados na televisão. Pouco a pouco, ela se punha cada vez mais à vontade, já derreada no sofá, e se dando mesmo ao direito de só servir o jantar depois da novela das oito. Às vezes, ele vinha para casa mais cedo, especialmente para ver determinado programa que lhe haviam recomendado, ficava sem jeito de estar ali olhando ao lado dela, sentados os dois como amiguinhos. Muito menos ousaria perturbá-la, mudando o canal, se o que lhe interessava estivesse sendo mostrado em outra estação. A solução do problema lhe surgiu um dia, quando alguém, muito espantado que ele não tivesse televisão em cores, sugeriu-lhe que comprasse uma:
— Etelvina, pode levar essa televisão lá para o seu quarto, que hoje vai chegar outra para mim.
— Não precisava, doutor! — disse ela, mostrando os dentes, toda feliz. Ele passou a ver tranquilamente o que quisesse na sua sala, em cores, e o que era melhor, de cuecas.
— quando não inteiramente nu, se bem o desejasse. Até que, uma noite, teve a surpresa de ver a luz por debaixo da porta, ao chegar. Nem bem entrara e já não havia ninguém na sala, como antes
— a televisão ainda quente. Foi à cozinha a pretexto de beber um copo d’água, esticou um olho para o quarto na área: a luz azulada, a empregada entretida com a televisão certamente recém-ligada.
— Não pensa que me engana, minha velha — resmungou ele. Aquilo se repetiu algumas vezes, antes que ele resolvesse acabar com o abuso: afinal, ela já tinha a dela, que diabo. Entrou uma noite de supetão e flagrou a cozinheira às gargalhadas com um programa humorístico.
— Qual é, Etelvina? A sua quebrou? Ela não teve jeito senão confessar, com um sorriso encabulado:

— Colorido é tão mais bonito…
Desde então, a dúvida se instalou no seu espírito: não sabe se despede a empregada, se lhe confia o novo aparelho e traz de volta para a sala o antigo, se deixa que ela assista a seu lado aos programas em cores. O que significa praticamente casar-se com ela, pois, segundo a mais nova concepção de casamento, a verdadeira felicidade conjugal consiste em ver televisão a dois.

Fernando Sabino. Melhores contos de Fernando Sabino.
                                                           Rio de Janeiro: Recorde, 1980.

1ª QUESTÃO: Marque a informação equivocada sobre o Texto:
       A - ( ) No decorrer do texto, o comportamento da empregada tirou a liberdade do patrão.
       B - (X) A aquisição da televisão a cores, resolveu, definitivamente, o problema de falta de privacidade do patrão.
       C - ( ) Etelvina não se satisfez plenamente com a tevê em preto e branco que ganhara do patrão.
       D - ( ) O patrão, no desfecho do texto, mostra-se indeciso quanto ao fato de manter ou demitir a empregada.
       E - ( ) No decorrer do texto, tanto a empregada quanto seu patrão demonstraram que, de fato, gostavam de assistir à televisão.

Após a leitura atenta do Texto, realize as questões propostas. 
2ª QUESTÃO: “— Qual é, Etelvina? A sua quebrou?”  A fala do dono da casa, neste trecho, só não demonstra:
       A – ( ) irritação.
       B – ( ) impaciência.
       C – (X) tolerância.
       D – ( ) desagrado.
       E – ( ) repreensão.

3ª QUESTÃO: “Um dia, ele abriu o jogo…”  A expressão grifada foi empregada no sentido conotativo. Tendo em vista o contexto em que foi usada, ela só não se explica denotativamente com a seguinte afirmativa:
        A – ( ) Deixou claro que estava ciente de que a empregada o enganava.
       B – ( ) Fez a empregada saber que não era incômodo para ele o fato de ela usar a tevê.
       C – ( ) Mostrou à empregada que sabia que ela assistia à tevê escondido dele.
       D – ( ) Revelou à empregada que ela poderia assistir à televisão enquanto ele não estivesse em casa.
       E – (X) Demonstrou seu desapontamento à empregada pelo fato de ela estar usufruindo de um bem material dele.

4ª QUESTÃO: Marque a passagem cujo verbo em destaque não transmite ideia de ação:
       A – ( ) “ — Ouvi o senhor chegar… Quer um cafezinho?”
       B – ( ) “— Quer que desligue, doutor?”
       C – ( ) “... tinha mais liberdade de circular pelo apartamento…”
       D – ( ) “ … especialmente para ver determinado programa…”
       E – (X) “— Colorido é tão mais bonito…”

5ª QUESTÃO: Tanto a doméstica quanto o patrão fizeram uma declaração não muito verdadeira a respeito da televisão. Observe: 

“Não gosto de televisão.”
“— Tenho horror de televisão.”

Podemos estabelecer, entre as declarações feitas, uma relação de:
       A – ( ) adversidade.
       B – (X) analogia.
       C – ( ) superioridade.
       D – ( ) inferioridade.
       E – ( ) antagonismo.