segunda-feira, 6 de novembro de 2017
MÚSICA(ATIVIDADES): LINHAS TORTAS - GABRIEL O PENSADOR - COM GABARITO
domingo, 31 de outubro de 2021
TEXTO INFORMATIVO: ENSINAR PROGRAMAÇÃO É A NOVA ALFABETIZAÇÃO - CAMILA ACHUTTI - COM GABARITO
Texto: Ensinar programação é a nova alfabetização
Camila Achutti
Eu queria começar... refletindo com vocês: Quando que a gente decidiu aprender a ler e escrever? Existiu algum momento em que os nossos pais foram chamados na escola e perguntaram pra eles se tudo bem, se eles transformassem radicalmente o cérebro dessas crianças para desenvolverem grafomotricidade? Outra boa pergunta seria... a gente lá, bem pequenininha com três anos: “Oi fofura! Então, a gente vai mudar um pouco seu cérebro, tá? A gente vai colocar uma área nova que a gente vai apelidar de caixa de correio para você poder salvar todas as letras que você vai aprendendo, tá bom? Mas só tem mais um detalhezinho: vai ser do meu jeito, no meu tempo, tudo bem? Mas pode ficar tranquilo porque a gente é bem bom nisso.
Não, pessoal, essas perguntas não
acontecem. E, quando eu falo assim, elas soam absurdas.
Imagina, ninguém mais questiona a
necessidade da gente aprender a ler e escrever. Apesar disso não ser um processo
nem um pouco natural. Aliás, ele não é nem um pouco simples. A gente tem todo
um processo. A gente tem que começar se familiarizando, como que a gente segura
no lápis? Eu, por exemplo, decidi segurar com a mão esquerda, outros com a mão
direita. Aí a gente começa a passar por cima de linhas pontilhadas. Aí a gente
reconhece letra, junta em palavra, faz sentença, começa a complicar, vira
texto, aí vira uns textos muito grandes, vira uns livros, certo? Não é fácil,
pessoal! E a gente tem que passar por todo esse processo, porque o nosso
cérebro não nasceu preparado pra isso, diferente da linguagem oral, certo?
A gente tem que passar por uma
reciclagem neural, olha que nome bonito, onde vastas áreas do nosso cérebro
passam a desempenhar funções que elas não foram criadas para isso. Só que a
gente acha isso tão, mas tão importante, que a gente desenvolveu área de
pesquisa, cartilha, método, livro, professores especialistas em alfabetizar
crianças. A gente de fato manda muito bem. Só que agora eu queria que vocês
pensassem comigo, que, apesar de a nossa taxa de analfabetização ter caído
muito desde a época dos escribas, a gente está revivendo essa época. Só que
agora eles são digitais. Alguns poucos dominam como conversar muito bem com as
máquinas, conseguem se valer disso, e têm sucesso. Enquanto outros tantos, eles
são meros usuários.
Usuários que estão sendo programados,
usuários que estão só usando o que é imposto no trabalho ou pela sociedade. A
gente precisa se dedicar para a alfabetização digital, assim como a gente se
dedicou para a alfabetização tradicional. E essa discussão não é nem um pouco
nova, aliás é uma das mais velhas, que é: “O que é que a gente tem que ensinar
na escola?”. Na Roma antiga, a gente decidiu que a gente precisava de sete
artes liberais. Que na época eram ciências, mas pra gente é tudo a mesma coisa.
A gente decidiu que tinha que ter gramática, tinha que ter retórica, tinha que
ter dialética, tinha que ter música, astronomia... É importante, afinal, pra
humanidade continuar se desenvolvendo; a gente precisava daquilo. Aí vem a
Renascença, séculos XV e XVI, a gente colocou algumas outras matérias.
A gente começou a ensinar as crianças a
soletrar, mas a gente evoluiu mesmo nessa época em como ensinar as coisas. A
gente inventou a pedagogia didática foi bem nessa época. Veio o século XVIII, a
gente começou a ensinar várias outras coisas... História, geografia, línguas
estrangeiras também começaram a fazer sentido, o mundo tinha crescido. Mas a
nossa surpresa veio nos séculos XIX e XX. Aí deslanchou, pessoal, tudo se
acelerou! A gente avançou muito, muito mesmo, em arte, ciência e tecnologia, a
gente estava manjando de tudo. Só que aí a gente teve que industrializar...
Inclusive a escola, a gente fez uma escola de massa, e colocou uns 40, 50
alunos por turma, colocou cada matéria na sua caixinha, cada professor
superespecializado naquilo, ele era um mestre, certo?
Ele tinha que ser o mestre, eu
precisava saber tudo, eu precisava saber biologia, história, geografia... Como
que eu ia suportar todo o desenvolvimento que a gente teve? A gente...
inclusive uma parte que eu adoro, que a gente inventou, que foi a avaliação. A
gente agora tinha avaliação matemática. Era ponto. Só que era totalmente
baseado na subjetividade de uma pessoa só. O mestre, certo, pessoal? Só que eu
tenho uma notícia, e ela não é fácil... nada disso faz sentido no século XXI...
E aí? Eu vou dar um exemplo bem simples, só que é do meu trauma de biologia.
Decorar: em qual filo e classe estão os animais e as plantas?
Faz sentido? Fazia, porque vai que eu
estava no meio da floresta, eu tinha que decidir se eu comia a frutinha rosa ou
se eu cor ria do bichinho peludo. Beleza, eu tinha que identificar algumas
características, pôr numa caixinha e falar: Humm, esse aí come carne vou
correr! Agora, pessoal, qualquer criança de 10 anos, com smartphone, tira uma
foto, procura no Google, voilà... Sabe até como o bicho se reproduz, bem
rápido, certo, pessoal? O que importa agora, no século XXI, no século da
internet, no século do smartphone, do software, o que importa é a gente saber
criar relação, é a gente ser criativo, é a gente ter senso crítico do que tudo
isso funciona, de como tudo isso funciona. É isso que importa. Mas a escola, a
escola ainda está ensinando pra gente: decoreba.
Saber como as coisas são feitas muda
como a gente usa. Eu garanto pra vocês, pessoal, que se vocês soubessem como a
gente salva as senhas de vocês, e todo o trabalho que a gente tem para
mantê-las seguras lá, eu garanto que vocês iam pensar umas dez vezes antes de
sair criando conta por aí. Só acho. Reflitam, certo? A gente precisa começar a
ensinar essa criançada como se valer disso. A gente precisa ensinar a linguagem
do século XXI. A gente precisa ensinar nossas crianças a programar. E, olhando
assim, vocês vão pensar: “Que fofa, ela vem aqui, critica o sistema inteiro,
acha que pode e não vai dar nem um plano?”. Calma, eu tenho um plano.
Para a gente mudar qualquer situação, a
gente precisa de três coisas: Primeiro, uma crítica de como as coisas estão.
Segundo, uma visão de como a gente acha que as coisas deveriam ser. E, por
último, e mais difícil, uma teoria de mudança... que é a par te mais
complicada.
Primeiro vou começar pela minha crítica,
que, na verdade, não é uma só, vocês já perceberam... Mas eu vou resumir ela. A
gente não pode continuar acreditando que as nossas crianças, simplesmente
porque a gente chama elas de nativos digitais, sabem tudo de tecnologia.
Pessoal, saber de tecnologia não é sentar pra almoçar ou jantar e bem rapidinho
pegar o tablet e colocar o desenho. Isso não é saber de tecnologia. Nenhuma
dessas crianças sabe explicar por que... Como que aquele aplicativo foi feito?
Elas não têm senso crítico. Eu vou dar
um exemplo pra vocês. Quando eu pergunto pra uma criança: O que é dar um share,
que é aquele compartilhar no Facebook, para quem não está ligado nas coisas,
que é apertar o botão lá. E eu não estou falando isso da boca pra fora,
pessoal. Nesses últimos anos, passaram pela minha mão pelo menos 15 mil jovens.
De todos os gêneros, idades, origens... E se a gente perguntar pra eles,
nativos digitais, que são aqueles que nasceram depois de 2000, o que é dar um
share, eles olham pra você: “Nossa, tia, você não sabe que é apertar um
botão?”. Nós, imigrantes digitais que estamos aqui – e, apesar dos meus 24 anos
e da minha profissão, eu me encaixo nesse grupo –, a gente sabe que dar um
share quer dizer muito mais do que isso. Quer dizer que eu estou dando apoio,
quer dizer que eu estou endossando aquela opinião.
Não ter essa leitura crítica, pessoal,
é muito perigoso. Bom, depois do meu resumo das minhas 9 milhões de críticas,
vamos à minha visão, que é bem simples. A gente precisa colocar programação, pensamento
computacional, vida digital no currículo comum de todas as crianças no sistema
educacional brasileiro. A gente não pode mais evitar essa discussão.
Pra acabar, a parte mais difícil, que é
a teoria de mudança, e ela já começa enrolada. Porque vamos supor que a gente
decidiu aqui que a gente vai ensinar todas as crianças a programar. Quem que
vai fazer isso? Quem que vai decidir o conteúdo? A gente não tem mão de obra
suficiente, pessoal, para suprir o mercado.
Que dirá o sistema educacional
brasileiro. A gente precisa de uma verdadeira revolução. A gente precisa pegar
os nossos professores que já estão lá, que são apaixonados por aquilo, e tirar
deles a pressão de ser expert. A gente tem que transformar eles em
facilitadores. A gente tem que ajudar eles com material bacana, com treinamento
show, a acompanhar a jornada desses jovens. Eles vão aprender como eles podem
ficar seguros na internet, eles vão aprender: Como que a gente faz um
aplicativo? Com esses mesmos mestres que se sentem inseguros e que acham que
programação são letrinhas verdes numa tela preta, que o menino do Vale do
Silício aprendeu com cinco anos e aí ele ficou milionário com 18, só com isso.
A gente tem que quebrar essas barreiras. E eu queria aproveitar esse momento e
os poucos minutos que me faltam pra chamar vocês pra se juntar nessa revolução.
A gente que está em alguma instância
relacionada com o sistema educacional, a gente tem três opções. A primeira, se
a gente for parte do sistema, a gente pode gerar alguma mudança, estando no
sistema. Por exemplo, se vocês chegarem na sala de aula de vocês e discutirem
com seus alunos, plantarem aquela pulguinha de: “Como que nasce um aplicativo,
como se faz um aplicativo?”. Hoje tem muita coisa na internet. Vocês já podem
fazer essa mudança, e se juntar a esse movimento. Segunda situação possível:
vocês podem pressionar o sistema, e aí eu vou dar uma dica ótima! Vai na escola
do seu bairro e pergunta se a sala de informática está joia. Provavelmente ela
não vai estar. Mas, só pra vocês saberem, isso é lei, pessoal. Todas as escolas
têm que ter sala de informática aberta ao público.
Vocês podem pressionar o sistema. Por
último, você pode simplesmente... evitar entrar no sistema e tomar atitudes
fora dele, que é o que eu tenho feito, vou confessar. E aí você pode
simplesmente sentar com seus filhos e conversar sobre tecnologia e perguntar
quais sites ele está acessando. Perguntar se ele tem ideia de como o Facebook
funciona. Busquem juntos, aprendam juntos. Bom, era isso que eu tinha pra falar
pra vocês. Espero que cada um de vocês continue me ajudando, e ajudando o mundo
nessa revolução. O que eu posso garantir pra vocês é que eu vou continuar...
tentando, nem que seja convencer uma pessoa de cada vez a fazer essa revolução.
Obrigada!
ACHUTTI, Camila.
Ensinar programação é a nova alfabetização. TEDxSão Paulo, jun. 2016.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=zBqPg80l7xA>. Acesso em:
29 abr. 2019.
Fonte: Língua Portuguesa – Programa mais MT – Ensino fundamental
anos finais – 9° ano – Moderna – Thaís Ginícolo Cabral. p. 195-204.
Entendendo o texto:
01 – Agora que você leu a
transcrição da fala da palestrante Camila Achutti, retome as discussões
iniciais que fez com seus colegas:
a) Que tipo de linguagem a palestrante empregou: mais formal ou informal? Era a que você havia suposto? Que tom a pesquisadora utiliza para convencer a plateia de que nos dias de hoje deve-se ensinar programação nas escolas?
Resposta pessoal do aluno.
b) As suas hipóteses quanto às mudanças que devem acontecer no sistema escolar estão de acordo com o que Camila Achutti apresenta no seu discurso?
Resposta pessoal do aluno.
c) Com base nas afirmações feitas pela palestrante, você acha que as sugestões de mudança são ou não praticáveis?
Resposta pessoal do aluno.
02 – O texto que você leu
foi apresentado em uma sessão de TED x São Paulo realizada no Estádio Palestra
Itália, em São Paulo. Esse formato de palestras pode ser considerado inovador?
Por quê?
Sim porque se
trata de comunicar um assunto em tempo recorde, 18 minutos, de modo criativo,
objetivo e persuasivo, com o objetivo de comunicar o essencial com embasamento
científico.
03 – Considere o formato da
TED em comparação ao do seminário e responda:
a) Por que as palestras da TED possuem 18 minutos? Faça uma breve pesquisa para descobrir o motivo.
Os idealizadores da TED acreditam que esse seja um tempo médio de
concentração possível a um ser humano. Porém, não existem estudos que comprovem
essa métrica.
b) Quais são as dificuldades que você reconhece na preparação de uma apresentação com caráter científico em 18 minutos?
Resposta pessoal do aluno.
c) Como o formato da TED pode contribuir para aprimorar uma apresentação em seminário?
Ele pode servir como modelo para despertar o interesse da plateia
para o tema, além de ser um formato útil para apresentar um tema de forma
sintética.
04 – Pergunta retórica é uma
interrogação que não tem como objetivo obter uma resposta, mas sim estimular a
reflexão do indivíduo sobre determinado assunto.
a) Camila Achutti inicia sua palestra lançando mão de perguntas retóricas. Quais?
As perguntas retóricas encontram-se no 1° parágrafo da transcrição.
b) Qual pode ser a razão dessa linha de argumentação adotada.
Provavelmente o público-alvo composto de educadores preocupados em
entender o efeito retroativo das tecnologias no sistema escolar.
05 – Em sua fala, a
palestrante tece brevemente uma retrospectiva histórica da formação das
disciplinas escolares.
a) O que ela pretende ao fazer essa retrospectiva?
Ela pretende invalidar a força dessa tradição histórica,
considerando a existência da tecnologia e levar o espectador a concordar com
suas ideias.
b) Ironia é um recurso de crítica comuns em textos orais ou escritos, charges, cartuns, etc. que possibilita ao ouvinte perceber a intenção do falante. Qual pode ter sido a intenção de Camila ao empregar ironia em sua fala?
A intenção de criticar de forma humorada o sistema escolar vigente.
c) Selecione partes do texto ou expressões que comprovem isso.
“Vai ser do meu jeito”; “a gente é bem bom nisso”; “Ele tinha que
ser o mestre, eu precisava saber tudo, eu precisava saber biologia, história,
geografia... Como que eu ia suportar todo o desenvolvimento que a gente teve? A
gente... inclusive uma parte que eu adoro que a gente inventou, que foi a
avaliação. A gente agora tinha avaliação matemática. Era ponto. Só que era
totalmente baseado na subjetividade de uma pessoa só. O mestre, certo,
pessoal?”.
06 – Em explanação, a autora
utiliza um argumento como fio condutor.
a) Qual é esse argumento?
O argumento de que é necessário repensarmos as formas de ensinar e
as adaptarmos ao século XXI, principalmente no que se refere à alfabetização
digital.
b) Que palavras ou expressões do texto justificam a resposta anterior?
Possibilidades de trechos: “nada disso faz sentido no século 21...”,
“A gente precisa se dedicar para a alfabetização digital, assim como a gente se
dedicou para a alfabetização tradicional...”, “Não ter essa leitura crítica,
pessoal, é muito perigoso”, etc.
07 – Pelo discurso da
palestrante, é possível saber qual seria o público-alvo na palestra.
a) Que parte do texto nos dá essa pista?
Sim, a palestrante se dirige a educadores. “A gente que está em
alguma instância relacionada com o sistema educacional, a gente tem três
opções.”.
b) Se você estivesse presente nessa conferência como você reagiria ao que ela propõe? O que ela propõe?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sim, ela apresenta uma proposta
e quer ser aceita em suas ideias revolucionárias de formar uma geração que
saiba lidar com as informações digitais de forma crítica, ativa, responsiva e
que atribua significado a cada ação realizada virtualmente.
08 – Na transcrição da fala
da palestrante existem muitas marcas características da oralidade. Complete a
tabela com exemplos dessas marcas. Características
– Marcas de oralidade.
Repetições: “A gente precisa
colocar programação...”; “A gente
não pode mais evitar...”; “A gente
precisa de uma verdadeira revolução...”; “A gente precisa... pegar os nossos professores...”; “A gente tem que
transformar...”; “A gente tem que
ajudar eles...”; “A gente tem que
quebrar essas barreiras...”; “A gente
que está em alguma...”; “A gente tem
três opções...”; “A gente pode gerar
alguma mudança...”.
Diálogo
com o interlocutor: “Eu queria
começar... refletindo com vocês...”;
“Eu garanto pra vocês, pessoal, que se vocês soubessem como a gente salva as senhas de vocês, e todo o trabalho que a gente
tem para mantê-las seguras lá, eu garanto que vocês iam pensar umas dez vezes antes de sair criando conta por aí.
Só acho, reflitam, certo?”; “E eu
queria aproveitar esse momento e os poucos minutos que me faltam pra chamar vocês pra se juntar nessa
revolução...”.
Discurso
de referência a si mesmo: “E, olhando
assim, vocês vão pensar: ‘Que fofa, ela
vem aqui, critica o sistema inteiro, acha que pode e não vai dar nem um plano?’.
Calma, eu tenho um plano.”.
Contrações
de palavras: “... nossos pais
foram chamados na escola e perguntaram pra
eles se tudo bem”; “Eu garanto pra
vocês, pessoal”.
Colocações
pronominais ou recursos de regência fora do padrão formal: “...mas eu vou resumir
ela”, “questiona a necessidade da
gente aprender”; “A gente tem que transformar
eles em facilitadores. A gente tem que ajudar
eles com material bacana, com treinamento show, a acompanhar a jornada
desses jovens.”.
Gírias: “material bacana”;
“treinamento show”; “... que é
aquele compartilhar no Facebook para quem não
está ligado nas coisas”; “tira uma foto, procura no Google, voilà...”; “Beleza, eu tinha que identificar algumas...”.
quinta-feira, 25 de abril de 2024
CRÔNICA: MUAMBAS DE LUXO - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO
Crônica: Muambas de Luxo
Walcyr Carrasco
HÁ DUAS SEMANAS FIZ as malas e parti para os
Estados Unidos. Férias! Ainda sou do tipo caipira, que quando vai pegar um
avião anuncia aos quatro ventos. Nunca mais farei isso. Mal contei, começaram
as encomendas:
— Você me compra creme de barbear? — pediu um.
— Aqui existem tantas marcas...
— O que eu gosto é americano. Nas lojas, cobram
7 reais.

No
free shop, só 4! . .
Nos dias seguintes recebi uma enxurrada de
telefonemas:
— Eu uso um perfume que é caríssimo no Brasil.
— Uma vez eu ganhei um relógio com um
cachorrinho que late ao despertar. Da Disney. Arruma um para o meu sobrinho?
É um constrangimento. As pessoas se comportam
como se estivessem no interior da selva amazônica, ávidas por gotas de
civilização. Há pedidos completamente estapafúrdios. Meses atrás, um ator de
voz afinada pediu a um amigo meu que ia a Nova York: "Não poderia trazer
partituras musicais para um show?". O turista passou duas tardes correndo
a cidade e achou algumas. Ao entregá-las, ouviu um rosnado:
— Só essas? Se tivesse procurado com vontade
teria encontrado mais.
O show nunca foi montado. A amizade esfriou.
Muitas vezes tentei
recusar, explicando:
— Vou a trabalho, nem sei se terei tempo...
A pessoa sempre insiste. Age como se fosse
desfeita. Entre . o pedido e a entrega existem várias armadilhas capazes de
acabar com uma amizade. Como a questão do preço. Certa vez um rapaz insistiu
para que eu trouxesse um gravadorzinho. Comprei na primeira loja. Ainda me
lembro do sorriso do chinês do balcão. Ao chegar, entendi o porquê de tanta
alegria.
— Aqui no Brasil é muito mais barato!
— Você ainda queria que eu pechinchasse? -—
admirei-me.
Ele me olhou torto, como se eu estivesse
tirando algum por fora. Algumas situações ficam muito desagradáveis. Um
advogado, conhecido meu, esqueceu-se de procurar um xampu. Ao voltar, comprou
num shopping e o entregou à colega de escritório como se fosse trazido do
exterior. Cobrou metade do que pagou. Só para não ficar chato. Foi pior: agora
vai viajar de novo e a moça lhe deu uma lista enorme, para aproveitar o preço.
Pavoroso é o amigo que encomenda pôster. Não
adianta bater o pé, dizer que não cabe em mala nenhuma, que serei obrigado à
trazer na mão.
— E leve, qual o problema de carregar? — ouço
de volta.
Nem sei como reagir diante da observação.
Carregar tralha é horrível até em viagens curtas de ônibus, como de São Paulo a
Santos. Quanto mais em aeroportos, onde se deve chegar duas horas antes,
esperar para embarcar etc, etc. Será que ninguém pensa que em vez de fazer
compras eu quero aproveitar a viagem? Bem, minha mãe dizia que pimenta nos
olhos dos outros é refresco.
A frase mais terrível certamente é:
— Você traz que depois a gente acerta.
Por causa dela, cheguei a dar calote. Há alguns
anos uma produtora teatral me pediu para encontrar um diretor em Nova York e
pegar um texto com ele. Pagaria as despesas, explicou. Esperei no hotel, o
homem não chegava. Eu tinha um compromisso, saí correndo. Voltei, encontrei o
texto e um bilhete com a conta. Era um livro caríssimo, fora dos catálogos.
Telefono para ele, não encontro. Ele liga de volta, deixa recado. Acabei
partindo sem pagar. Foi a sorte. A produtora pegou o livro, sorriu, agradeceu,
disfarçou e nem perguntou quanto custara. Ou seja: eu também não iria receber.
Finalmente aprendi. Ao desembarcar em Cumbica,
fui ao free shop tratar das encomendas. Fiquei uma hora escolhendo licores,
chocolates, latinhas de patê, telefones sem fio. Cheguei aos perfumes. De
todos, só não havia o meu. Senti-me injustiçado. Estava lá, camelando com as
compras, e para mim nada? Podem me chamar de egoísta. Abandonei o carrinho.
Os amigos fazem de tudo para transformar o turista em ás do contrabando. Decidi: encomendas, não mais. Sei de gente que ficará de nariz torcido. Assumo: odeio peregrinar pelas lojas, carregar malas, esfalfar-me nos aeroportos. Para muambeiro de luxo, nunca tive vocação.
Entendendo o texto
01. Qual é o tema principal abordado na crônica
"Muambas de Luxo" de Walcyr Carrasco?
a. Comportamento
dos turistas em viagem.
b. A experiência de
compras em free shops.
c. Dicas de viagem
para os Estados Unidos.
d. Histórias
engraçadas de malas extraviadas.
02. Qual é o sentimento do autor em relação
às encomendas feitas por amigos e conhecidos durante sua viagem?
a. Alegria por ajudar.
b. Indiferença.
c. Frustração e irritação.
d. Entusiasmo por fazer compras.
03. Por que o autor descreve seus amigos
como transformando-o em um "ás do contrabando"?
a. Porque gostam de envolvê-lo em
atividades ilegais.
b. Porque o incentivam a trazer
produtos de forma clandestina.
c. Porque esperam que ele traga
produtos de forma vantajosa durante suas viagens.
d. Porque querem colecionar itens
exóticos trazidos por ele.
04. O que o autor menciona como um dos
pontos negativos das encomendas que recebe durante suas viagens?
a. O peso extra na bagagem.
b. A falta de interesse dos amigos.
c. O desinteresse das lojas em atender
seus pedidos.
d. A dificuldade de escolher os
produtos certos.
05. Qual foi a reação do autor ao descobrir
que o gravador comprado no exterior era mais barato no Brasil?
a. Ele ficou contente por ter conseguido
um bom negócio.
b. Ele se surpreendeu com a reação de
seu amigo.
c. Ele se sentiu mal por não ter
pechinchado o preço.
d. Ele achou engraçada a situação.
06. O que aconteceu com o show que o autor
ajudou a providenciar partituras musicais?
a. O show foi um grande sucesso.
b. O show foi cancelado.
c. O autor não menciona o resultado do
show.
d. O autor não chegou a assistir ao show.
07. Por que o autor decidiu não mais aceitar
encomendas durante suas viagens?
a. Porque seus amigos não apreciavam seus
esforços.
b. Porque ele não gosta de fazer compras.
c. Porque a experiência se tornou
desagradável e estressante.
d. Porque ele prefere viajar sem bagagem.
08.Qual foi a situação que levou o autor a
dar um "calote" involuntário durante uma viagem?
a. Ele esqueceu de pagar uma conta de
hotel.
b. Ele não conseguiu encontrar um diretor
de teatro em Nova York.
c. Ele foi enganado ao comprar um produto
caro no exterior.
d. Ele não recebeu o pagamento pelo livro
que entregou.
09. O que fez o autor abandonar suas compras
no free shop ao final da crônica?
a. Ele percebeu que estava gastando
demais.
b. Ele não encontrou o perfume que
queria.
c. Ele decidiu não mais comprar presentes
para seus amigos.
d. Ele sentiu-se injustiçado ao perceber
que seus amigos não valorizavam seus esforços.
10. Qual é a
conclusão principal que o autor tira ao final da crônica "Muambas de
Luxo"?
a. Ele decide viajar mais frequentemente
para os Estados Unidos.
b. Ele percebe que não gosta de fazer
compras para os outros durante suas viagens.
c. Ele conclui que seus amigos não são
gratos por suas ajudas.
d.
Ele decide se mudar para o exterior permanentemente.
segunda-feira, 30 de dezembro de 2024
CONTO: ROBBIE - (FRAGMENTO) - ISAAC ASIMOV - COM GABARITO
Conto: Robbie – Fragmento
Isaac Asimov
— Noventa e oito, noventa e nove, cem.
Gloria tirou o bracinho rechonchudo da
frente dos olhos e ficou de pé por um instante, franzindo o nariz e piscando
sob a luz do Sol. Então, tentando observar todas as direções ao mesmo tempo, ela
se afastou com alguns passos cautelosos da árvore na qual estava encostada.

Ela levantou a cabeça para investigar
as possibilidades de um amontoado de arbustos à direita, depois afastou‑se para obter um ângulo melhor
a fim de ver seus vãos escuros. O silêncio era profundo, exceto pelo incessante
zumbido de insetos e o ocasional gorjeio de um pássaro robusto, desafiando o
sol do meio dia.
— Aposto que ele foi para dentro de
casa – disse Glória, fazendo beicinho –, e eu disse a ele um milhão de vezes
que isso é justo.
Apertando os pequenos lábios e fazendo
uma carranca que lhe franzia a testa, ela seguiu de maneira resoluta para a
construção de dois andares que ficava logo após a entrada da garagem para os
carros.
Ela ouviu, tarde demais, o farfalhar
atrás de si, seguido pelo ploc-ploc característico e ritmado dos pés metálicos
de Robbie. Ela se virou para ver seu companheiro triunfante sair do esconderijo
e correr para a árvore a toda velocidade.
Gloria gritou, aflita.
— Espera, Robbie! Isso não foi justo, Robbie!
Prometeu que não iria correr até eu encontrar você. – Seus pezinhos não
conseguiriam fazer grandes progressos contra as passadas gigantescas de Robbie.
Então, a pouco mais de três metros do alvo, as passadas de Robbie diminuíram de
repente a um mero passo de tartaruga; com a última arrancada em velocidade, ela
passou correndo por ele, ofegante, para tocar no tronco da árvore primeiro.
[...]
A sra. Weston esperou pacientemente por
dois minutos, depois impacientemente por mais dois, e por fim quebrou o
silêncio.
-- George!
-- Hum?
-- George, estou falando com você! Quer
fazer o favor de baixar esse jornal e olhar pra mim?
Farfalhando, o jornal caiu ao chão e
Weston virou-se para a mulher com ar aborrecido.
-- O que foi, querida?
-- Você sabe o que é, George. É Gloria
e aquela máquina terrível.
-- Que máquina horrível?
-- Não finja que não sabe do que eu estou
falando. É aquele robô que Glória chama de Robbie. Ele não a deixa nem por um segundo.
-- Bem, e por que ele deveria? Ele não
deve deixá-la. E ele com certeza não é uma máquina horrível. É o melhor robô
que dinheiro pode comprar e tenho certeza absoluta de que me custou a renda de
seis meses. Mas ele valeu a pena, é muito mais esperto que metade do pessoal do
meu escritório.
Ele fez um movimento para pegar o jornal de
volta, mas sua mulher foi mais rápida e o pegou com violência.
-- Ouça o que eu digo, George. Não vou
confiar a minha filha uma máquina, e não me importa quão esperta ela seja. Ela
não tem alma e ninguém sabe o que pode estar pensando. Crianças simplesmente não
foram feitas para serem protegidas por um coisa de metal.
Weston franziu as sobrancelhas.
-- Quando você decidiu isso? Ele está
com Glória há anos e eu não vi você se preocupar até agora.
-- Era diferente no começo. Era novidade,
diminuiu a quantidade de trabalho que eu tinha e... e estava na moda. Mas agora
não sei. Os vizinhos...
-- Bom, o que os vizinhos têm a ver com
isso? [...]
A sra. Weston encontrou o marido à
porta duas noites depois.
-- Você precisa ouvir isso, George. Há
um mau pressentimento na vizinhança.
-- Sobre o quê? – perguntou Weston. Ele
entrou no lavatório e sufocou qualquer resposta possível com o esguicho da
água.
A sra. Westoon esperou.
-- Sobre Robbie – respondeu ela.
Weston saiu do lavatório com a toalha
na mão, o rosto vermelho e bravo.
-- Do que você está falando?
-- Ah, é algo que está ganhando cada
vez mais força. Tentei fechar os olhos à questão, mas não vou mais fazer isso.
A maioria dos moradores considera Robbie perigoso. As crianças estão proibidas
de chegar perto da nossa casa à noite. [...]
Dez vezes ao longo da semana seguinte
ele gritou “Robbie fica, e esta é a minha última palavra”, e o grito era cada
vez mais fraco e acompanhado por um gemido mais alto e mais agonizante. Chegou
por fim o dia em que Weston se aproximou da filha de modo culposo e sugeriu que
fossem a um “lindo” show visivox na cidade.
Glória bateu palmas, alegre:
-- Robbie pode ir?
-- Não, querida – disse ele, e recuou
diante do som da própria voz –, não vão permitir um robô no visivox; mas você
pode contar tudo a ele quando voltar. – ele tropeçou sobre as últimas palavras
e desviou o olhar.
Glória voltou da cidade transbordando
de entusiasmo, pois o visivox tinha sido de fato um espetáculo lindo. Ela
esperou o pai colocar o carro a jato na garagem em desnível.
-- Espere só até eu contar a Robbie,
papai. Ele teria adorado o show. Principalmente quando Francis Fram, que estava
se afastando tããão quietinho, acabou encostando em um dos Homens-Leopardo e
teve que correr. Glória riu de novo. – Papai, existem de verdade
Homens-Leopardo na Lua?
-- É provável que não – disse Weston,
distraído. – É só um faz-de-conta divertido. – Ele não demoraria muito mais
tempo com o carro. Iria ter de encarar a situação.
Glória correu pelo gramado. – Robbie!
Robbie!
Então ela parou de repente ao avistar
um lindo collie que olhava para ela com sérios olhos castanhos enquanto abanava
o rabo contra uma coluna da varanda.
-- Ah, que cachorro lindo!
Glória subiu os degraus, aproximou-se
com cautela e o acariciou.
-- É para mim, papai?
A mãe tinha se juntado a eles.
-- É sim, Glória. Não é lindo, macio e
peludo? Ele é muito dócil e gosta de garotinhas.
-- É claro. Ele sabe fazer inúmeros
truques. Você gostaria de ver alguns deles?
-- Agora mesmo. Quero que Robbie veja
também. – Robbie! [...]
-- Mamãe, Robbie não está no quarto.
Onde ele está?
Não houve resposta; George Weston
tossiu e demonstrou, de repente, um interesse excessivo em uma nuvem que vagava
a esmo.
-- Onde está Robbie, mamãe? – perguntou
Glória com voz trêmula, a ponto de chorar.
A sra. Weston se sentou e puxou a filha
delicadamente para perto de si.
-- Não fique triste, Glória. Acho que
Robbie foi embora.
-- Foi embora? Para onde? Para onde ele
foi embora, mamãe?
-- Ninguém sabe, querida. Ele
simplesmente foi embora. Procuramos, e procuramos, e procuramos por ele, mas
não conseguimos encontra-lo.
-- Quer dizer que ele nunca mais vai voltar?
– Seus olhos estavam arregalados de terror.
-- Pode ser que o encontremos logo.
Continuaremos procurando por ele. E enquanto isso pode brincar com o seu novo
cachorrinho lindo. Olhe para ele! O nome dele é Relâmpago e ele pode...
Mas os olhos de Glória estavam
marejados.
-- Eu não quero esse cachorro nojento;
quero Robbie. Quero que encontre Robbie pra mim.
Seus sentimentos tornaram-se profundos
demais para serem expressos por palavras e, balbuciando, ela soltou um gemido
agudo. [...]
-- Por que você está chorando, Glória?
Robbie era só uma máquina, só uma máquina velha e asquerosa. Ele sequer estava
vivo!
-- Ele nem não era uma máquina! –
gritou Glória de maneira furiosa e antigramatical. – Era uma pessoa como eu e
você e era meu amigo.
[...].
ASIMOV, Isaac
(1920-1992). Eu, robô. Tradução: Aline Storto Pereira. São Paulo: Aleph, 2014.
p. 20-33.
Fonte: Maxi: Séries
Finais. Caderno 1. Língua Portuguesa – 7º ano. 1.ed. São Paulo: Somos Sistemas
de Ensino, 2021. Ensino Fundamental 2. p. 72-75.
Entendendo o conto:
01 – Qual a relação entre
Glória e Robbie?
A relação entre
Glória e Robbie é profunda e baseada em amizade. Robbie, um robô, é o melhor
amigo de Glória, sendo uma figura presente e companheira em sua vida.
02 – Qual a reação dos pais de
Glória em relação a Robbie?
Inicialmente, os
pais de Glória aprovam a presença de Robbie, mas com o tempo começam a se
preocupar com a influência do robô na filha e com a opinião dos vizinhos.
03 – Por que os vizinhos se
opõem à presença de Robbie?
Os vizinhos se
opõem à presença de Robbie por medo e preconceito. Eles veem o robô como uma
ameaça e temem que ele possa causar algum mal.
04 – Qual o papel do medo na
história?
O medo é um
elemento central na história, pois é ele que leva os pais de Glória a se
separarem de Robbie. O medo do desconhecido, do diferente e da tecnologia gera
uma reação de rejeição e exclusão.
05 – Qual a lição que a
história nos ensina sobre a amizade?
A história nos
ensina que a amizade pode transcender as diferenças e que a lealdade e o
companheirismo são valores importantes em qualquer relacionamento. A amizade
entre Glória e Robbie mostra que a amizade pode existir entre humanos e
máquinas.
06 – Como a história aborda o
tema da tecnologia?
A história aborda
o tema da tecnologia de forma ambígua. Por um lado, Robbie é apresentado como
um companheiro leal e inteligente, capaz de proporcionar alegria e conforto
para Glória. Por outro lado, a história mostra como a tecnologia pode gerar
medo e preconceito, e como ela pode ser utilizada para manipular as pessoas.
07 – Qual o papel da família
na história?
A família
desempenha um papel fundamental na história, pois é através das relações
familiares que os conflitos e as emoções são expressos. A decisão dos pais de
Glória de se separar de Robbie gera um grande sofrimento para a menina e
questiona os valores familiares.
08 – Como a história retrata a
infância?
A história retrata
a infância de forma realista, mostrando as alegrias, os medos e as angústias de
uma criança. A amizade entre Glória e Robbie é um reflexo da imaginação e da
pureza da infância.
09 – Qual a importância da
figura do robô na narrativa?
O robô Robbie é
uma figura central na narrativa, pois é através dele que são explorados temas
como amizade, lealdade, medo e preconceito. Robbie representa a inocência e a
pureza, em contraste com a complexidade e as contradições do mundo adulto.
10 – Qual a mensagem principal
da história?
A mensagem
principal da história é que a amizade é um valor universal que transcende as
diferenças e que o medo e o preconceito podem levar à perda de coisas
importantes. A história também nos convida a refletir sobre a nossa relação com
a tecnologia e a importância de valorizar os laços humanos.