segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

CONTO: O ESCRINIO - MANOEL DE BARROS - COM GABARITO

 Conto: O ESCRINIO

              Manoel de Barros

        Um poeta municipal já me chamou a cidade de escrínio.

        Que aquele tempo encabulava muito porque eu não sabia o seu significado direito.

        Soava como um escárnio.

        Hoje eu sei que escrínio é coisa relacionada com joia, cofre de bugigangas…

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgPJhQQz7vQbgSQAEFTN38CfDk4aqowqStWpS_WLHsR4PXo0WF3VDKKN7HzTqS5OJpAcRxfVk2N6GGtCE0fl9Ya4IDj5A0k6e-SVmeIcJ6S2oOOk0v07vGYiqN5zCJxEpynk8gVR9YdX_35M_Sv9GDzYyxSBWAv0DM0xe5oGJTuWwA-EHBNms7Iaq1959Q/s320/HOMEM.jpg


         Por aí assim.

     Porém a cidade era em cima de uma pedra branca enorme.

        E o rio passando lá embaixo com piranhas camalotes pescadores e lanchas carregados de couros vacuns fedidos.

        Primeira vinha na Rua do Porto: sobrados remontados nas ladeiras, flamboyants, armazéns de secos e molhados

        E mil turcos babaruches nas portas comendo sementes de abóbora…

        Depois, subindo a ladeira, vinha a cidade propriamente dita, com a estátua de Antônio Maria Coelho, herói da Guerra do Paraguai, cheia de besouros na orelha.

        E mais o Cinema Excelsior onde levavam um filme de Tom Mix 35 vezes por mês.

        E tudo o mais.

        Escrínio entretanto era a Negra Margarida.

        Boa que nem mulher de santo casto:

        Nhanhá mijava na rede porque brincou com fogo de dia.

        — Mijo De veia não desaparta nosso amor, né Benzinho?

        — Sim!

        Um dia Nhanhá Gertrudes faz bolo de arroz.

        Negra Margarida socava pilão.

        E eu nem sei o que faz mesmo.

        Veio um risonho negro e disse sem perder o riso:

        — Você vai comigo, negra?

        E levou Margarida enganchada no dedo pra São Saruê.

        Daí eu fiquei naquele casamento que tinha noites de medo.

        Nhanhá sonhava bobagens que eu fugi de casa pra ser chalaneiro no Porto de Corumbá!

        O mijo de Nhanhá sentiu, no pingar, um vazio inédito e faz uma lagoinha boa no mosaico…

        Desse tempo adquirir a mania de me olhar no espelho das águas…

        Um Draga

        A gente não sabia se aquela draga tinha nascido ali, não.

        Porto, como um pé de árvore ou uma duna.

        — E que seria uma casa de peixes?

        Meia dúzia de loucos e bêbados moravam dentro dela, enraizados em suas ferragens.

        Dos viventes da draga era um o meu amigo Mário-pega-sapo.

        Ele de noite se arrastava pela beira das casas como um caranguejo trópego.

        À procura de velocípedes.

        Gostava de velozes.

        Os bolsos do seu casaco andavam estufados de jias.

        Ele esfregava no rosto as suas barriguinhas frias.

        Geleia de sapos!

        Só as crianças e as putas do jardim entenderam a sua fala de furnas brenhentas.

        Quando Mário morreu, um literato oficial, em necrológio caprichado, chamou-o de Mário-Captura-Sapo!

        Ai que dor!

        Ao literato cujo fez-lhe nojo a forma coloquial.

        Queria captura em vez de pega para não macular (sic) a língua nacional lá dele…

        O literato cujo, se não engano, é hoje senador pelo Estado. Se não é, merecia.

        A vida tem suas descompensações.

        Da velha draga

        Abrigo de vagabundos e de bêbados, restaram as Expressões: estar na draga, viver na draga por estar sem dinheiro, viver na miséria

        Que ora ofereço ao filólogo Aurélio Buarque de Holanda

        Para que você se registre em seus léxicos

        Pois que o povo já está registrado.

Manoel de Barros. Obra Completa. LeYa, 2011. p. 12.

Entendendo o conto:

01 – Qual a relação entre o título do conto, "O Escrínio", e a cidade descrita?

      O título "O Escrínio" refere-se a um cofre de joias ou bugigangas, estabelecendo uma analogia com a cidade. A cidade é vista como um receptáculo de histórias, personagens e elementos diversos, que juntos compõem a sua identidade. Assim como um escrínio guarda objetos preciosos, a cidade guarda memórias e experiências que a tornam única.

02 – Qual a importância da personagem Negra Margarida para a narrativa?

      Negra Margarida representa a força e a riqueza cultural da cidade. Sua história, marcada pela partida para São Saruê, simboliza a transformação e a perda de elementos da cultura local. A sua presença no conto evoca um tempo de costumes e tradições que se perdem com o passar do tempo.

03 – Quem é Mário-pega-sapo e qual a sua relevância na história?

      Mário-pega-sapo é um personagem marginalizado que vive na draga, um espaço de exclusão social. Sua figura excêntrica e sua linguagem peculiar contrastam com a norma culta, representada pelo "literato oficial". A sua morte e a transformação de seu nome para Mário-Captura-Sapo evidenciam a apropriação e a estigmatização da cultura popular pela elite intelectual.

04 – Qual a crítica presente na passagem sobre o "literato oficial"?

      A passagem sobre o "literato oficial" critica a postura de certos intelectuais que desprezam a cultura popular e a linguagem coloquial. A transformação do nome de Mário-pega-sapo para Mário-Captura-Sapo revela um esforço de "purificação" da linguagem, que desconsidera a riqueza e a expressividade da cultura popular.

05 – O que representam as expressões "estar na draga" e "viver na draga"?

      As expressões "estar na draga" e "viver na draga" representam a condição de pobreza e marginalidade. A draga, espaço de moradia de personagens como Mário-pega-sapo, torna-se um símbolo da exclusão social e da luta pela sobrevivência.

06 – Qual a intencionalidade do autor ao dedicar as expressões ao filólogo Aurélio Buarque de Holanda?

      A dedicatória ao filólogo Aurélio Buarque de Holanda, responsável por um dos mais importantes dicionários da língua portuguesa, tem um tom irônico. Ao oferecer as expressões populares para registro em seu léxico, o autor evidencia a importância da cultura popular e da linguagem coloquial, que muitas vezes são negligenciadas pela norma culta.

07 – Que elementos do conto podem ser relacionados com a poética de Manoel de Barros?

      Diversos elementos do conto podem ser relacionados com a poética de Manoel de Barros, como a linguagem coloquial, a mistura de realidade e fantasia, a presença de personagens marginalizados, a reflexão sobre a linguagem e a cultura, e a valorização da simplicidade e da sabedoria popular. O conto apresenta um olhar sensível e poético sobre o mundo, revelando a beleza e a singularidade presentes nas coisas mais simples e nos detalhes do cotidiano.

 

 

POEMA: CANTIGAS - JORGE DE LIMA - COM GABARITO

 Poema: Cantigas

             Jorge de Lima

As cantigas lavam a roupa das lavadeiras.

As cantigas são tão bonitas, que as lavadeiras

ficam tão tristes, tão pensativas!

 

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhRkZ8GFpAKZiQuGR7sNqxycnuwymKXginRzjbEyWATRcfoyhnecffmkiwAdLi7XfVPx6rXww7BKOsQ9zDgW1TH3_UU-GcPIsj423Wv87jVHb4tG3HaT1Epztz3Lcoc_z-a-XdjVetBavOnQgR7MWTZR5OcrULOj8hc8WUJbuClzaRWQ1Ni800vQWQOLE4/s320/BOI.jpg

As cantigas tangem os bois dos boiadeiros!

Os bois são morosos, a carga é tão grande!

O caminho é tão comprido que não tem fim.

As cantigas são leves…

E as cantigas levam os bois, batem a roupa

das lavadeiras.

 

As almas negras pesam tanto, são

tão sujas como a roupa, pesadas

como os bois…

As cantigas são tão boas…

Lavam as almas dos pecadores!

Levam as almas dos pecadores!

Poesia Brasileira para a Infância, de Cassiano Nunes e Mário da Silva Brito, São Paulo, Saraiva: 1968.

Entendendo o poema:

01 – Qual é o tema central do poema?

      O poema reflete sobre a força e a beleza das cantigas populares, que permeiam o trabalho e a vida das pessoas, trazendo conforto, esperança e até mesmo redenção.

02 – Que imagens o poema utiliza para descrever as cantigas?

      O poema utiliza imagens sensoriais relacionadas ao trabalho e à natureza, como "lavar a roupa das lavadeiras", "tanger os bois dos boiadeiros", "bois morosos", "carga grande" e "caminho comprido". As cantigas são descritas como "leves" e "boas", em contraste com o peso e a dificuldade do trabalho.

03 – Qual é o significado da comparação entre as cantigas e a alma dos pecadores?

      A comparação entre as cantigas e a alma dos pecadores sugere que as cantigas têm o poder de purificar e redimir as pessoas, assim como o perdão religioso. As cantigas seriam uma forma de aliviar o peso dos pecados e trazer esperança.

04 – Como o poema explora a relação entre o trabalho e a cultura popular?

      O poema mostra como as cantigas estão presentes no cotidiano das pessoas, especialmente no trabalho, como no caso das lavadeiras e dos boiadeiros. As cantigas são parte da cultura popular e ajudam a tornar o trabalho mais leve e suportável, além de expressarem os sentimentos e as experiências do povo.

05 – Qual é o tom geral do poema?

      O tom geral do poema é de celebração e valorização da cultura popular e da força das cantigas. O poema expressa a beleza, a simplicidade e o poder transformador da música na vida das pessoas.

 

 

segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

POESIA: ANTES DO NOME - ADÉLIA PRADO - COM GABARITO

 Poesia: Antes do Nome

          Adélia Prado

Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o “de”, o “aliás”,
o “o”, o “porém” e o “que”, esta incompreensível
muleta que me apoia.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjaUyt3CjEvtBMwVEU-0CLIcZw1JRdScBpU_xsM9i1N9y9E2wu5y7xVOhiXGsl-D95BUfiBUSkA8h0A2cbznJ1rLuXqOWnjuvT3Vy-z9kHIu5KSAc9N8GlOSf-r5fbFLU8bTICuIdaz_afztdeop7fiKheJmAWyiCTtza_i6XDFnOcBOMC67J3AiGAOCTU/s320/Nuvem-de-palavras_EFAM-1024x1024.jpg


Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infrequentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.

PRADO, Adélia. Poesia reunida. São Paulo: Siciliano, 1991.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 149.

Entendendo a poesia:

01 – Qual a principal crítica de Adélia Prado à linguagem?

      A principal crítica de Adélia Prado à linguagem reside na sua natureza convencional e limitada. A poeta questiona a capacidade da palavra em expressar a totalidade da experiência humana, argumentando que ela é apenas um "disfarce" de algo mais profundo e misterioso. A linguagem, para Adélia, é uma "muleta" que nos auxilia a compreender o mundo, mas não nos revela sua essência.

02 – Qual o significado do "esplêndido caos" mencionado no poema?

      O "esplêndido caos" representa o estado primordial da linguagem, antes de ser organizada em regras gramaticais e convenções sociais. É nesse caos que as palavras adquirem seu poder criativo e transformador. A poeta busca se conectar a essa fonte primordial da linguagem, buscando uma experiência mais profunda e autêntica de comunicação.

03 – Qual a relação entre a linguagem e Deus no poema?

      Adélia Prado estabelece uma profunda relação entre a linguagem e Deus. Para a poeta, a linguagem é uma manifestação do divino, uma tentativa de compreender o incompreensível. Aquele que compreende a verdadeira natureza da linguagem, segundo a autora, se aproxima de Deus. No entanto, a compreensão plena da linguagem é vista como uma experiência mortal, pois envolve a renúncia à própria identidade e a fusão com o absoluto.

04 – Qual o significado da imagem do "peixe vivo"?

      A imagem do "peixe vivo" representa a palavra em sua forma mais pura e autêntica. É um momento de graça e revelação, em que a linguagem se manifesta em toda a sua força e beleza. Ao capturar o "peixe vivo", o poeta experimenta um misto de susto e terror, pois se encontra diante de algo que transcende a sua compreensão.

05 – Qual a importância do poema "Antes do Nome" para a poesia brasileira?

      O poema "Antes do Nome" é uma obra fundamental da poesia brasileira contemporânea. Através de uma linguagem poética inovadora e de uma profunda reflexão sobre a natureza da linguagem, Adélia Prado contribui para ampliar os limites da poesia e a convidar o leitor a uma experiência estética e espiritual única. O poema nos convida a questionar nossas certezas e a buscar um significado mais profundo para a vida.

 

 

REPORTAGEM: A SOLIDÃO DO CAIS - MARIO SERGIO CORTELA - COM GABARITO

 Reportagem: A solidão do cais

                     Mario Sergio Cortela

          "O que há em mim é sobretudo cansaço / Não disto ou daquilo, / Nem sequer de tudo ou de nada; / Cansaço assim mesmo, ele mesmo, / Cansaço"

        O fim está próximo! A ameaça apocalíptica de muitos profetas e de variados loucos momentâneos ecoa não só nos templos ou nos desertos eremíticos. A cada final de ano vem essa impressão. Tempo de preparar-se para prometer revisões para mais tarde, era de nostalgias postergadas, época de tentar esquecer levemente as asfixias do cotidiano e, suspirando, ficar imaginando que falta pouco. Pouco para quê? Pouco para o acabar de um sorrateiro embaço e indefinível cansaço. Neste período, parece que ficamos todos orbitando em um dos modos de ser de Fernando Pessoa, aquele tão bem lembrado pelo (fictício?) Álvaro de Campos: "O que há em mim é sobretudo cansaço / Não disto ou daquilo, / Nem sequer de tudo ou de nada; / Cansaço assim mesmo, ele mesmo, / Cansaço".

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvMdSNvx8N4cAVvWzBVpLt5-TQY5FS5oysNMt2mHbeOU4Kd6PjkjzbMxEFiPhD6UZa6TUxQkJaj8WhUQe3xzUZJmrCBIaf2NNdA4meLeATfgl05iUFwEz80wuGTbh6n8bbPXrThkVkKkXwcWAuiaHPSDhibh-Hz1BXUvtjTbBDLs-TqO-znxTTMNLjGHQ/s1600/CORTELA.jpg


        A sensação é que esse cansaço nebuloso é adiado por algumas estereotipadas e forçadas comemorações coletivas que apenas invadem a inconsciência e perturbam desejos de somente aquietar-se, se não de forma mais definitiva, ao menos suspendendo temporariamente as tensões de ter de existir sem pausa e ser obrigado a participar de um espírito de júbilo traduzido em posse fugaz, matéria plástica e reconciliações transitórias.

        Há um século, em dezembro de 1903, o lisboeta Fernando Pessoa, com pouco mais de 15 anos, conseguiu ser brilhantemente admitido na Universidade do Cabo -o exame (um ensaio escrito em inglês!) rendeu a ele o prêmio Rainha Vitória, grande honraria naquela ocasião. Nascido em 1888, ficou órfão de pai em 1893; a mãe (a quem dedicara sua primeira poesia, escrita com sete anos de idade) casou-se então com um diplomata (sempre viajante) e, para tristeza do menino, poucos meses depois da redação da quadrinha "A Minha Querida Mamã", teve de acompanhá-los na mudança da família para a África do Sul, deixando a terra natal. Em Durban, estudou o idioma britânico, inicialmente em um convento, fez a high school e, em pouco tempo, foi premiado também pelo desempenho em francês. Voltou a viver por um ano em Portugal (enquanto o padrasto gozava de uma licença), retornando à África, na qual o sucesso precoce continuou até o ingresso na universidade.

        Mas nem dois anos tinham ainda se passado e, mesmo com a surpreendente performance acadêmica, o jovem Fernando decidiu regressar novamente a Lisboa, desta vez sozinho, de modo a matricular-se no Curso Superior de Letras. Entre a península Ibérica e o cabo da Boa Esperança, havia a distância e a presença constante do mar, recorrente na obra do poeta e de seu povo. O já aludido heterônimo do plurifacetado Pessoa, Álvaro de Campos, um depressivo genial, é autor da corretamente extensa e conhecida "Ode Marítima", na qual há o secular e perene verso: "Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!".

        Ele sabia, nós sabemos. A solidez do cais, a solidão do cais. Mais um ano. Estar sempre partindo ou ficando. Por isso, para nos dar alguma paz, esse mesmo Álvaro de Campos escreveu que "Na véspera de não partir nunca / Ao menos não há que arrumar malas / Nem que fazer planos em papel, / Com acompanhamento involuntário de esquecimentos, / Para o partir ainda livre do dia seguinte. / Não há que fazer nada / Na véspera de não partir nunca".

        Dessa fonte interna vem a ânsia de descanso e a avidez por sossego. Conclui Pessoa/Campos: "Sossego, sim, sossego... / Grande tranquilidade... / Que repouso, depois de tantas viagens, físicas e psíquicas! / Que prazer olhar para as malas fitando como para nada! / Dormita, alma, dormita! / Aproveita, dormita! / Dormita! / É pouco o tempo que tens! Dormita! / É a véspera de não partir nunca!".

        Conta a lenda filosófica que, todas as vezes que ao filósofo alemão Edmundo Husserl era feita a pergunta "E o senhor, como vai?", ele respondia mediante e sem titubeio: "Bem! Sinto apenas uma certa dificuldade em ser...".

MARIO SERGIO CORTELA, filósofo, professor da PUC-SP, autor de "A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos" (ed. Cortez/IPF), entre outros. Folha de São Paulo. Caderno Equilíbrio. São Paulo, 4 dez. 2003, p. 12.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 113.

Entendendo a reportagem:

01 – Qual a principal ideia que a reportagem busca transmitir?

      A reportagem busca transmitir a ideia de que o cansaço existencial é uma experiência universal, especialmente no final do ano. Ao explorar a vida de Fernando Pessoa e a obra de Álvaro de Campos, o autor sugere que a busca por paz interior e o desejo de escapar da rotina são sentimentos comuns a muitas pessoas.

02 – Qual o papel da figura de Fernando Pessoa na reportagem?

      Fernando Pessoa serve como um exemplo da experiência humana universal de cansaço e busca por sentido. A vida do poeta, marcada por viagens, perdas e a criação de múltiplas personalidades, reflete a complexidade da condição humana.

03 – Qual o significado do "cais" na obra de Pessoa e na reportagem?

      O cais simboliza a transição, a partida e a chegada. É um lugar de encontros e despedidas, de esperança e melancolia. Na obra de Pessoa, o cais representa a saudade da terra natal, a busca por um lugar de pertencimento e a constante sensação de estar em movimento.

04 – Qual a relação entre o cansaço existencial e as comemorações de fim de ano?

      As comemorações de fim de ano, muitas vezes marcadas pelo consumismo e pela superficialidade, contrastam com a busca por um significado mais profundo para a vida. O cansaço existencial se intensifica nesse período, pois as expectativas e as pressões sociais aumentam.

05 – Qual o papel da poesia de Álvaro de Campos na reflexão sobre o cansaço existencial?

      A poesia de Álvaro de Campos, especialmente a "Ode Marítima", expressa de forma intensa o sentimento de cansaço e a busca por um refúgio interior. O poeta retrata a solidão do indivíduo em um mundo frenético e a necessidade de encontrar um momento de paz e tranquilidade.

06 – Qual a importância da frase "Na véspera de não partir nunca"?

      Essa frase expressa o desejo de um descanso eterno, de uma pausa definitiva da jornada da vida. Ela revela a angústia e a exaustão do indivíduo diante da constante correria do dia a dia.

07 – Qual a mensagem final da reportagem?

      A mensagem final da reportagem é um convite à reflexão sobre o sentido da vida e a importância de buscar a paz interior. Ao explorar a obra de Fernando Pessoa e a experiência humana universal do cansaço, o autor nos convida a desacelerar, a valorizar os momentos presentes e a encontrar um significado mais profundo para a nossa existência.

 

CRÔNICA: PEQUENAS APRENDIZAGENS - JAMIL SNEGE - COM GABARITO

 Crônica: Pequenas aprendizagens

             Jamil Snege

        Bastou relatar, na última crônica, minha experiência com a descoberta de um câncer, para que meu telefone triplicasse o volume de chamadas recebidas. Eram os amigos, os parentes e, em número menor porém muito significativo, os colegas de fado e de sina. Descobri, de repente, que o mundo ao redor não é tão são como parece. E que muitas pessoas, com as quais cruzamos na rua, no shopping ou na fila do cinema, guardam dentro de si, mais ou menos inviolado, um idêntico segredo.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgQ1XZdeSlNklTeKhWKv1CTMzGryT-CSACUO9wEnm9x-TTYMWbPnqjln2PuXJ2ju4YlUheYtJTZWJcpC-_4k-PD8jAcaHrAdw0FWjeIVb0nzVoPciG8p_c-LgsgEclw1QKgtvHP38rOEQTXJSIHV8p-noP-xTb83vFlG3wrPbQTqXcgJ0qbDBEoitfG_1Y/s1600/solid%C3%A3o.jpg


        Têm elas, como eu, um alien alojado em alguma parte de seus corpos (ou fluídico e difuso em seu todo), com o qual mantêm relações estranhas e contraditórias. Em algumas, a relação é de beligerância declarada – e estas geralmente exibem a fisionomia contrita do guerreiro. Querem vencer e tudo farão para expulsar o invasor e destruí-lo. Outras, ao contrário, procuram ouvir o que o invasor tem a lhes dizer e o tratam antes como mensageiro do que como inimigo. Não cedem a ele, mas também não o afrontam com iras desmedidas. E um ser que está ali, com sua sintaxe desordenada, querendo expressar algo. Curiosamente, essa atividade as ilumina.

        Ainda sou neófito nas artes de convivência com meu alien, mas tendo a imitar essa última postura. Procuro decodificar as mensagens que ele me envia, sempre tomando o cuidado de interpretar o conteúdo delas. Nesses poucos dias, aprendi mais sobre mim do que em muitos anos de saudável pastio pelas rotinas da vida. Descobri afetos insuspeitados, docilidades, relevâncias onde antes nada havia. E, simetricamente, a absoluta irrelevância de certas coisas que julgávamos muito importantes.

        Os males imaginários, por exemplo, nos infundem muito mais terror que um bando de células malucas embutido em nosso peito. Pois são apenas células malucas – e não passam disso. Tememos todas as mortes possíveis, sofremos a iminência trágica e retumbante de cada uma delas – mas somente uma única mortezinha, singular e vulgar, nos arrebatará deste mundo.

        Como quem descobre uma nova ruga ou um novo fio de cabelo branco, você descobre que o espírito também envelhece e fica mais sábio. E ficar mais sábio, neste caso, não significa mergulhar em transcendência, mas, ao contrário, buscar a imanência das coisas mais simples. Onde estão elas, você perguntará. Não há resposta verbal, nem construção conceituai, que indique onde estão e o que são as coisas simples. Podemos fazer algumas aproximações, através da sensibilidade, na direção delas. Por exemplo: desligar o televisor, ao primeiro sinal de tédio, e olhar com um interesse completamente novo, inaugural, para o rosto da pessoa que há anos vive a nosso lado.

SNEGE, Jamil. Gazeta do Povo, Curitiba, 21 jul. 2002, p. G-3.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 15-16.

Entendendo a crônica:

01 – A experiência com a doença levou o autor a uma profunda reflexão sobre a vida. Quais foram as principais mudanças de perspectiva que ele experimentou?

      Essa pergunta busca explorar as transformações internas do autor, como a valorização de relacionamentos, a mudança de prioridades e a nova visão sobre a vida e a morte.

02 – O autor menciona duas posturas diferentes diante da doença: a beligerância e a aceitação. Qual dessas posturas ele escolheu e por quê?

      A questão explora a decisão pessoal do autor e as razões que o levaram a adotar uma determinada postura frente ao diagnóstico.

03 – A crônica destaca a importância das relações interpessoais. De que forma a doença aproximou o autor das pessoas ao seu redor?

      A pergunta aprofunda a análise sobre como a experiência da doença influenciou os relacionamentos do autor e como as pessoas ao seu redor reagiram.

04 – O autor afirma que aprendeu mais sobre si mesmo nos últimos dias do que em muitos anos. Quais são as principais lições que ele aprendeu?

      A questão busca identificar as lições mais significativas que o autor extraiu da experiência, como a importância de viver o presente, a fragilidade da vida e a necessidade de buscar o simples.

05 – A crônica faz uma crítica à sociedade contemporânea. Qual é essa crítica e como ela se relaciona com a experiência do autor?

      A pergunta busca analisar a visão crítica do autor sobre a sociedade, que valoriza o materialismo e a superficialidade, contrastando com a busca por significado e simplicidade que ele experimenta.

06 – O autor menciona a importância de "decodificar as mensagens" que a doença envia. O que você entende por essa frase?

      A questão busca uma interpretação mais profunda da metáfora utilizada pelo autor, convidando o leitor a refletir sobre o significado da doença como uma forma de comunicação.

07 – A crônica termina com uma reflexão sobre a simplicidade. Qual é a importância da simplicidade na vida, segundo o autor?

      A pergunta busca compreender a valorização da simplicidade como um caminho para uma vida mais plena e significativa, contrastando com a complexidade e a superficialidade do mundo moderno.

 

POESIA: A LIÇÃO DE POESIA - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

 Poesia: A Lição de Poesia

             João Cabral de Melo Neto

1.

Toda a manhã consumida
como um sol imóvel
diante da folha em branco:
princípio do mundo, lua nova.

Já não pude desenhar
uma linha;
um nome, sequer uma flor
desabrochava no verão da mesa:

nem no meio-dia iluminado,
cada dia comprado,
do papel, que pode aceitar,
contudo, qualquer mundo.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiJ0-FBAUNHSPZPs2j9KYfnhcXiEUXNXNLpZ5ZW3vovWpUmeqWwQKkxzpEWIfzAl3qcQ4CQrivQTkbxhOBmZPDBh2VDwUaPQHczlSUzpb6j9wH4EoNnYdSKwX6RBz9eSysetrhyphenhyphenARhsqRMc_C5WntbDwQKNv5Tj2vl9bL7RaXaaAWrjEYFm7lvIp-lw8kE/s320/POESIA.jpg


2.

A noite inteira o poeta
em sua mesa, tentando
salvar da morte os monstros
germinados em seu tinteiro.

Monstros, bichos, fantasmas
de palavras, circulando,
urinando sobre o papel,
sujando-o com seu carvão.

Carvão de lápis, carvão
da ideia fixa, carvão
da emoção extinta, carvão
consumido nos sonhos.

3.

A luta branca sobre o papel
que o poeta evita,
luta branca onde corre o sangue
de suas veias de água salgada.

A física do susto percebido
entre os gestos diários;
susto das coisas jamais pousadas
porém imóveis — naturezas vivas.

E as vinte palavras recolhidas
nas águas salgadas do poeta
e de que se servirá o poeta
em sua máquina útil.

Vinte palavras sempre as mesmas
de que conhece o funcionamento,
a evaporação, a densidade
menor que a do ar.

In: MELO NETO, João Cabral de. Obra completa: Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. p.78-79.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 106-107.

Entendendo a poesia:

01 – O que representa a "folha em branco" para o poeta?

      A folha em branco simboliza o início da criação poética, um espaço vazio e puro onde o poeta pode construir um novo mundo a partir das palavras. É um momento de grande potencialidade e, ao mesmo tempo, de grande desafio, pois exige que o poeta dê forma ao caos das ideias e emoções. A luta contra a criação está justamente nesse ato de dar forma ao indefinido, de transformar o nada em algo concreto.

02 – Qual a importância dos "monstros" que habitam o tinteiro do poeta?

      Os "monstros" representam a força bruta e caótica da inspiração, as ideias que surgem de forma desordenada e muitas vezes assustadora. Eles simbolizam a parte mais instintiva e selvagem da criação poética, que precisa ser domesticada pela técnica e pela razão. Ao tentar dar forma a esses monstros, o poeta revela a complexidade do processo criativo, que envolve tanto a emoção quanto a razão.

03 – O que significa a "luta branca" sobre o papel?

      A "luta branca" simboliza a tensão entre a inspiração e a técnica, entre a emoção e a razão. É a batalha que o poeta trava consigo mesmo para transformar a ideia vaga em um poema acabado. Essa luta é essencial para a poesia, pois é através dela que o poeta molda a linguagem e encontra sua voz própria.

04 – Qual o papel das "vinte palavras" no poema?

      As "vinte palavras" representam as ferramentas básicas do poeta, o material bruto com o qual ele constrói seus versos. Elas simbolizam a economia e a precisão da linguagem poética de Cabral, que busca a máxima expressividade com o mínimo de palavras. Ao utilizar um número limitado de palavras, o poeta intensifica o significado de cada uma delas.

05 – Como o poeta concilia a ideia de "naturezas vivas" com a imagem de coisas "jamais pousadas"?

      A aparente contradição entre a vida e a imobilidade revela a complexidade da realidade e a capacidade da poesia de capturar essa complexidade. As "naturezas vivas" representam a dinâmica da criação poética, enquanto as coisas "jamais pousadas" simbolizam a fixidez da linguagem escrita. Ao mesmo tempo, a poesia é capaz de dar vida às palavras, tornando-as imortais.

06 – Qual a relação entre a "física do susto" e a criação poética?

      O susto é um elemento fundamental da experiência poética, pois nos desperta para a realidade e nos obriga a olhar para o mundo de uma nova perspectiva. A "física do susto" revela a força da linguagem poética, capaz de provocar reações emocionais intensas no leitor.

07 – Qual a importância da imagem da "máquina útil" para entender o processo criativo do poeta?

      A "máquina útil" representa a técnica poética, a habilidade do poeta em dominar a linguagem e transformar suas emoções em versos. A poesia não é apenas uma questão de inspiração, mas também de trabalho e de técnica. A imagem da máquina enfatiza a importância do ofício do poeta.

 

SONETO: SETE ANOS DE PASTOR JACOB SERVIA - LUÍS DE CAMÕES - COM GABARITO

 Soneto: Sete anos de pastor Jacob servia

             Luís de Camões

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
e a ela só por prêmio pretendia.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiRmdlLkS66qhs3doKaSruKZMr7rUJj0N_iWvgGXYO3ZS5Sfe_0JNwhl2du1YWsSPsy53GhBDPVDQ67LRvsW4Eo4D_Tt-enoeloD-inOsjlanEb45qVQB_qeNZ412mAClslXdcLPcMxXD7jXKUC8WTBksKlYYtiJ8wm1NIONlWxk_md61xGDsPMLt7ZcHk/s320/JACOB.jpg



Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando-se com vê-la;
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assi negada a sua pastora,
como se a não tivera merecida;

Começa de servir outros sete anos,
dizendo: – Mais servira, se não fora
pera tão longo amor tão curta vida.

http://www.uol.com.br/cultvox/livros_gratis/luissonetos.pdf.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 109.

Entendendo o soneto:

01 – Qual a principal motivação de Jacob para servir Labão por sete anos?

      A principal motivação de Jacob não era servir ao pai de Raquel, mas sim à própria Raquel. Seu amor por ela era tão grande que o impulsionava a suportar longos anos de trabalho e espera. O verso "mas não servia ao pai, servia a ela" deixa claro que seu objetivo final era conquistar o amor de Raquel.

02 – Qual o papel da figura de Labão na história?

      Labão representa a figura do obstáculo, do enganador. Ele utiliza sua posição de pai para manipular Jacob e negar-lhe o amor de Raquel. Sua atitude demonstra a natureza complexa do amor, que muitas vezes é desafiada por forças externas.

03 – Qual o significado dos "sete anos" mencionados no soneto?

      Os "sete anos" simbolizam um período de provação, de espera e de sofrimento. É um tempo longo e árduo, que testa a força do amor de Jacob. Além disso, o número sete possui um significado simbólico em diversas culturas, representando a perfeição e a completude.

04 – Qual a importância do verso "pera tão longo amor tão curta a vida"?

      Esse verso expressa a intensidade do amor de Jacob e a sensação de que a vida é curta demais para esperar tanto tempo por alguém que se ama. Ele revela a angústia do pastor, que se sente preso em uma situação que parece não ter fim.

05 – Qual a mensagem principal do soneto?

      A mensagem principal do soneto é a força do amor. Mesmo diante de obstáculos e decepções, o amor de Jacob por Raquel permanece inabalável. A obra celebra a perseverança e a capacidade de amar de forma intensa e duradoura. Além disso, o soneto também levanta questões sobre a natureza do amor, a importância da esperança e a complexidade das relações humanas.

 

SONETO: ALI NÃO HAVIA ELETRICIDADE - ÁLVARO DE CAMPOS - COM GABARITO

 Soneto: Ali não havia eletricidade

             Álvaro de Campos

Ali não havia eletricidade.

Por isso foi à luz de uma vela mortiça

Que li, inserto na cama,

O que estava à mão para ler —

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg1ObmFWxh3QH_kGzTMJ0pqnJp-714CmMkubRmLy-OgcW1EKciOKh9ZJaGS7yJWsSVFzEJLTrk-1GO7Cv0Ql-adRcEQjkzN6XSA1mcrUH998jiOvgMOuzr7rQlVup2GuXVzBZtn2ij2Rqr40yog54WPzHhRnhF7PriMggs8D8gB9YF1j3Gy5X0wpzAta_8/s320/ALVARO.jpg


A Bíblia, em português (coisa curiosa!), feita para protestantes.

E reli a “Primeira Epístola aos Coríntios”.

Em torno de mim o sossego excessivo de noite de província

Fazia um grande barulho ao contrário,

Dava-me uma tendência do choro para a desolação.

A “Primeira Epístola aos Coríntios”...

Relia-se à luz de uma vela subitamente antiquíssima,

E um grande mar de emoção ouvia-se dentro de mim...

Sou nada...

Sou uma ficção...

Que ando eu a querer de mim ou de tudo neste mundo?

“Se eu não tivesse a caridade”.

E a soberana luz manda, e do alto dos séculos,

A grande mensagem com que a alma é livre...

“Se eu não tivesse a caridade”...

Meu Deus, e eu que não tenho a caridade!...

Fernando Pessoa. Obra poética. (Poemas de Álvaro de Campos). Rio de Janeiro: José Aguilar, 1969, p. 395.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 112.

Entendendo o soneto:

01 – Qual a importância da ausência de eletricidade para a atmosfera do poema?

      A ausência de eletricidade cria um ambiente de recolhimento e introspecção, afastando as distrações do mundo moderno. A luz da vela, além de iluminar o texto, simboliza a busca interior e a conexão com algo mais profundo. Essa atmosfera propicia a reflexão sobre questões existenciais.

02 – Qual o papel da Bíblia na experiência do eu lírico?

      A Bíblia, especialmente a "Primeira Epístola aos Coríntios", funciona como um guia espiritual para o eu lírico. A leitura das escrituras sagradas, em um momento de solidão e introspecção, provoca uma profunda reflexão sobre a fé, a moral e o sentido da vida. A Bíblia se torna um ponto de referência para a busca de respostas e para a compreensão da própria existência.

03 – Qual o significado do "grande mar de emoção" que se ouve dentro do eu lírico?

      O "grande mar de emoção" representa a profundidade e a complexidade dos sentimentos do eu lírico. A leitura da Bíblia, aliada à solidão e à introspecção, desperta uma série de emoções, como a angústia, a dúvida e a esperança. Esse mar de emoções reflete a busca por um sentido para a vida e a consciência da própria finitude.

04 – Qual a relação entre o eu lírico e a frase "Se eu não tivesse a caridade"?

      A frase "Se eu não tivesse a caridade" extraída da "Primeira Epístola aos Coríntios" funciona como um questionamento existencial para o eu lírico. Ela o leva a refletir sobre a importância da caridade como valor fundamental para a vida humana. Ao se questionar sobre a própria caridade, o eu lírico revela uma busca por autenticidade e significado.

05 – Qual a mensagem principal do soneto?

      A mensagem principal do soneto é a busca por sentido em um mundo marcado pela solidão e pela dúvida. O eu lírico, através da leitura da Bíblia e da introspecção, busca respostas para as grandes questões da existência. A caridade, como valor fundamental, emerge como um caminho possível para encontrar significado e conexão com os outros. O soneto nos convida a refletir sobre a importância da fé, da espiritualidade e da compaixão na vida humana.

 

CRÔNICA: UMA ESPÉCIE EM EXTINÇÃO - RAQUEL DE QUEIROZ - COM GABARITO

 Crônica: Uma espécie em extinção

             Raquel de Queiroz

        A moça, estudante de letras, me perguntou o que eu achava da avassaladora invasão de neologismos no nosso idioma. Bem, acho que da nova linguagem que acompanhou e acompanha a era dos computadores, é muito difícil escapar. Ninguém vai ficar inventando traduções para coisas que não fomos nós que inventamos e a maioridade nós mal sabemos do que se trata. Deletar, por exemplo, não tem um sentido muito mais amplo do que simplesmente apagar? 

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwK2LNm2c9932Us9NkdGIrU4LXp_v_tpLv-3wP2nJ83EVyQuk6fonX68ShE1r_2MbZqmu0Pe7xTV01lEV_OkvK8qGi30ssQaJ29zL-2Ns7X75FCc9ZPQC-MkWabOWBzdKCXbnkgup_H3d29-DatCcG9POJcqRNeplTzFpxE3njEV5ZcAg2swzKKGb9izU/s320/rachel-de-queiroz.jpg


Mas não quero me arvorar nessa discussão de filólogos, mormente que não me entendo com computador. Aliás, fora esses, que vêm no bojo das novas tecnologias, neologismos, principalmente os de gíria, têm quase sempre nascimento humilde. As pessoas mais cultas, ou escutam as palavras difíceis na sua própria casa ou as consultam nos dicionários. O ignorante comum tem seu próprio dicionário na cabeça, restrito, é verdade, muito faltoso na conjugação dos verbos, mas dono de um toque pessoal iniludível.

        Foi um assunto que sempre me impressionou, como é que nasce uma linguagem. Quando eu era ainda menina e começaram a me ensinar francês, o grande mistério para mim era: como foi que eles deram para falar desse jeito? Inventaram primeiro as palavras todas e desandaram falando, ou foram inventando as palavras de uma em uma?

        Devemos confessar que, a esta altura do mundo, ainda sabemos muito pouco da invenção da linguagem. Claro que os especialistas explicam tudo a respeito, mas quem é que acredita em especialista? Por exemplo: na nossa língua se diz menino-menina. De repente veio alguém, que inventou "criança", uma palavra só para dizer no lugar das duas. E afinal todas essas minhas hipóteses são justas, pois ninguém sabe mesmo como é que nasce um idioma. Descartando-se a origem bíblica do par inicial, Adão e Eva, que já nasceu grandinho e falando tudo, como é que começa uma língua? Tudo virá mesmo de um casal inicial? Porque, em resumo, a indagação principal é esta: a gente provém de um par humano único ou da lenta transformação de macacos em homens? E, mesmo dentro desta hipótese, como começou o primeiro casal de macacos? Os livros de História Natural não nos ensinam nada disso. Será que a princípio foi uma bolha e dentro da bolha havia um ponto de vida, e esse ponto virou um animálculo, e o animálculo foi-se dividindo em duas partes, e depois suas metades se dividiram em duas, de divisão em divisão, chegaram ao homem? No colégio da Imaculada, quando estudávamos para normalistas, o nosso professor, um médico, ateu, citou as diversas hipóteses para a criação da vida e seu desenvolvimento, e nos disse sorrindo:

        "Escolham a melhor que lhes parecer dessas hipóteses, mas não contem às Irmãs que eu desdenhei de Adão e Eva."

        Vocês já pensaram o que seria essa frase do professor, ou antes, essa dúvida para um auditório de meninas, composto de adolescentes como eu, que era a mais nova, mulheres já feitas, muitas delas se preparando para o noviciado religioso?

        Bem, para as postulantes, as quase freiras, não havia problemas, já estavam encartadas no papel, tinham ouvidos moucos para tudo que fugisse à doutrina. Mas o meu time fervia, cada uma inventava a sua teoria da criação e da reprodução, mas éramos tão excessivamente ignorantes que nada sabíamos, mas nada mesmo, da anatomia humana. Um menino de 5 anos, nu, de certa forma era defeso ao nosso olhar. Menina, desde pequenina, não se misturava com meninos. Maria Vicência, uma das nossas auxiliares de disciplina, nos obrigava a tomar banho de chuveiro, vestidas em camisolões, e uma das auxiliares da disciplina ensinava às pequenas a se enxugar e mudar de roupa. Nós que nos virássemos, protegidas pela toalha que se destinava originalmente não só a nos enxugar, como a nos cobrir. Curioso é que jamais discutíamos em casa a obsessão de modéstia imposta no internato. Em casa víamos nossas tias jovens e as primas passeando pelo quarto em trajes menores, sem qualquer curiosidade de nossa parte. Talvez pensássemos obscuramente que as mulheres de casa compunham um núcleo especial.

        Engraçado é que, da adolescência à velhice, a gente evolui muito menos do que pensa. Mesmo depois de tanta idade, ainda temos uma vasta cópia de curiosidades reprimidas.

        Talvez as moças de hoje já procedam diversamente. Mas nós, coitadas, vamos morrer mesmo como espécies de uma raça extinta.

QUEIROZ, Raquel de. Correio Braziliense. Disponível em: http://www2.correioweb.com.br/EDICAO 20020805/pri opi 050802 16htm. Acesso em: 5 ago. 2002.

Fonte: livro Português: Língua e Cultura – Carlos Alberto Faraco – vol. único – Ensino Médio – 1ª edição – Base Editora – Curitiba, 2003. p. 134-135.

Entendendo a crônica:

01 – Qual a principal ideia que a crônica busca transmitir?

      A crônica busca transmitir a ideia de que a linguagem é um fenômeno complexo e cheio de mistérios. A autora questiona a origem das palavras, a evolução da linguagem e a forma como construímos nosso conhecimento sobre o mundo. Além disso, a crônica reflete sobre a construção da identidade feminina e a repressão sexual na época em que a autora viveu.

02 – Qual o papel da anedota sobre o professor ateu na crônica?

      A anedota sobre o professor ateu serve para ilustrar a complexidade das questões relacionadas à origem da vida e à criação. Ao apresentar diferentes hipóteses, o professor provoca a curiosidade das alunas e as convida a questionar as verdades estabelecidas.

03 – Qual a importância da referência à vida no internato para a crônica?

      A referência à vida no internato permite que a autora explore a construção da identidade feminina em um ambiente marcado pela repressão sexual e pela imposição de valores religiosos. A experiência da autora no internato revela a curiosidade natural dos adolescentes em relação ao corpo e à sexualidade, contrastando com a rigidez das normas sociais da época.

04 – Qual a relação entre a linguagem e a identidade?

      A linguagem é uma ferramenta fundamental para a construção da identidade. As palavras que utilizamos, a forma como nos expressamos e o nosso vocabulário revelam muito sobre quem somos e como vemos o mundo. A autora sugere que a linguagem não é apenas um meio de comunicação, mas também um reflexo da nossa história e da nossa cultura.

05 – Qual a importância da pergunta sobre a origem da vida para a crônica?

      A pergunta sobre a origem da vida serve como ponto de partida para uma reflexão mais ampla sobre a existência humana. Ao questionar como a vida surgiu e como a linguagem se desenvolveu, a autora nos convida a pensar sobre nosso lugar no universo e sobre o significado da vida.

06 – Qual o tom predominante na crônica?

      O tom predominante na crônica é irônico e leve. A autora utiliza a linguagem coloquial e a primeira pessoa do singular para criar uma proximidade com o leitor e tornar a leitura mais agradável. Ao mesmo tempo, a crônica aborda temas profundos e complexos de forma inteligente e perspicaz.

07 – Qual a relevância da crônica para a sociedade contemporânea?

      A crônica de Raquel de Queiroz continua relevante para a sociedade contemporânea, pois aborda questões que ainda são objeto de debate, como a origem da vida, a construção da identidade e a relação entre linguagem e pensamento. Além disso, a crônica nos convida a refletir sobre o papel da educação na formação do indivíduo e a importância de questionar as verdades estabelecidas.