Conto: O
veado e a onça – Parte 2
Ana
Maria Machado
O veado bem
que ficou com medo, afinal onça é onça... Mas ele tinha trabalhado muito para
fazer aquela casa e não ia entregar assim, para a primeira valentona que
aparecesse:
– Desculpe,
Dona Onça, mas deve haver algum engano. Essa casa é minha, fui eu que fiz. Quem
sabe a senhora não se enganou de lugar, assim, no escuro?
Primeiro, a onça ficou ainda mais
furiosa ao ouvir aquilo. Rosnou e berrou:
– Está achando que eu sou idiota, é?
Que não sei onde foi que eu mesma trabalhei tantas noites?
Mas o veado ficou firme:
– A senhora me desculpe, mas quem
trabalhou aqui fui eu, muitos dias. Limpei o terreno, finquei os esteios,
levantei as paredes, preparei o telhado, o encanamento, as portas e as
janelas...
A onça foi desconfiando de alguma coisa
e respondeu, já berrando menos:
– E eu cortei as varas e as taquaras,
completei as paredes, botei a palha no telhado, fiz o encanamento, fechei as
portas e as janelas...
Ouvindo isso, o veado entendeu alguma
coisa. Os dois se olharam ressabiados, cada um deu um sorriso sem graça...
– E o tempo todo eu achava que era o
deus da mata me ajudando... – disse o veado.
– Pois é... Eu também achava –
confessou ela.
– Então eu trabalhava de dia e a
senhora trabalhava de noite...
Os dois entenderam tudo. Mais havia um
problema: de quem era a casa, agora que estava pronta?
Todos os dois achavam que eram donos da
casa, e não queriam desistir.
– Tenho uma ideia! – exclamou a Onça –
Se nós fizemos a casa juntos, podemos morar juntos. Somos sócios.
“Morar com uma onça?”, pensou o veado.
“Não pode dar certo...”
– Acho até que vai ser muito bom – insistiu
ela – Você sai de dia para pastar, eu saio de noite para caçar. Nós não vamos
nos encontrar nunca. E vai ter sempre alguém na casa, ela vai estar sempre bem
cuidadinha...".
“Vai ser perfeito”, pensava a onça.
“Fico com uma casa ótima, que nem deu muito trabalho, e ainda guardo uma
reserva de comida dentro dela. Se algum dia não encontrar caça, créu! É só
comer o sócio!”
O veado acabou concordando, porque não
queria entregar a casa que lhe dera tanto trabalho. Mas sabia que aquela
sociedade era muito arriscada e tratou de ficar atento ao perigo.
Durante alguns dias, a combinação deles
funcionou. Mas a onça não aguentava mais de vontade de comer o veado e resolveu
começar a assustá-lo, pensando que se ele tivesse medo dela, não ia lutar
quando ela avançasse nele um dia. E para mostrar que era forte e sabia matar,
passou a trazer para casa os restos da caçada da noite.
O
veado acordava cedo, ia saindo, e lá vinha a onça com um coelho, uma paca ou um
quati que ela mesma tinha caçado.
O Veado foi ficando cada dia mais
preocupado e acabou contando para os amigos o que tinha acontecido. Todos
resolveram ajudar. Um deles disse:
– Eu vi lá na aldeia do homens uma pele
de onça esticada para secar no sol. Podíamos pedir emprestada...
– Isso mesmo! – concordou o veado – Vou
dizer que é um tapete novo para a casa.
E assim fizeram.
Quando vinham voltando com a pele de
onça, aí, sim, foi que o deus da mata ajudou. Porque encontraram no caminho o
cadáver de uma onça que tinha despencado de uma ribanceira e morrido.
Resolveram levar também.
Era pesadíssima! Precisavam juntar quatro
veados forte para conseguir levar, e toda hora ela escorregava, eles tinham que
aparar com a ajuda dos chifres, e ela foi ficando toda espetada. Finalmente,
quando já estava anoitecendo, chegaram perto da casa.
O dono da casa foi na frente, com a
pele da onça. Os quatros amigos vinham mais atrás, devagar.
Chegando no quintal, com a pele
enrolada, ele viu duas onças, e a que dividia a casa com ele foi dizendo:
– Você não se incomoda, não é? Chamei
uma amiga para vir jantar comigo hoje...
Ele levou um susto, ficou com o coração
batendo apressado. Mas aguentou firme, e respondeu como se não ligasse:
– Me incomodar? Por quê? Acho ótimo! Eu
estava mesmo querendo dar uma festa hoje, para inaugurar este tapete novo que eu
trouxe para nossa casa...
E desenrolou a pele
As duas onças esperavam por tudo, menos
por aquilo. A dona da casa engoliu em seco e perguntou:
– Onde foi que o senhor conseguiu isso,
compadre?
E o veado reparou que, pela primeira
vez na vida, ela o chamava de senhor... Sinal de respeito. Respondeu, com um ar
distraído, aproveitando para chamar a onça de você:
– Cacei lá para as bandas da
figueira-brava... Como você deve saber, nós, os veados, temos um jeito secreto de
dar chifradas em onça, que é tiro e queda. Ela morre na hora. Por isso é que
casa de veado é sempre quentinha, toda forrada de pele de onça, bem macia. Você
não sabia?
As duas se entreolharam. Ele continuou:
– Mas vocês não precisam ficar com
medo. Acho que com estas duas peles já dá para forrar quase todo chão da casa...
–
O senhor disse duas? Mas é uma só...
– Uma aqui na minha mão, já pronta... A
outra onça eu larguei ali no terreiro, e os meus amigos me ajudar a esfolar...
– disse ele, apontando para o cadáver todo marcado de chifradas, no chão do
quintal, com quatro veados enormes ao lado.
As duas onças começaram tremer, e um
dos veados olhou para elas e exclamou:
– Oba! Mais dois tapetes!
O dono as casa se adiantou, com um ar
protetor, e disse:
– Não, nestas aqui ninguém toca. Uma é
minha sócia, outra é minha hóspede...
Mas as onças foram recuando, meio sem
graça, e a dona da casa disse:
– Na verdade, compadre, eu estava só
esperando o senhor chegar para me despedir. Eu estou de mudança, sabe?
– É... – confirmou a outra. – Ela
vai morar comigo. Eu tenho uma caverna muito jeitosa, fresquinha, com bastante
espaço, e ando querendo companhia...
Na mesma hora, o veado aprovou a ideia:
– Bom, se é assim, seja feliz! E não me
leve a mal, mas confesso que até acho bom, porque meus amigos podem vir morar
comigo, e num instante vamos conseguir as outras peles que faltam para forrar
as paredes e o resto do chão...
Fez uma pausa e perguntou:
– Aliás, você não quer deixar o
endereço novo, explicar bem explicado onde fica essa caverna?
A onça foi s afastando com a amiga. Já
saindo da clareira, se virou para trás e disse:
– É muito longe, compadre, muito longe.
O senhor não ia achar... Muito longe!
Deve ser. Porque elas nunca mais
voltaram. Nunca mais mesmo.
MACHADO, Ana Maria. Histórias à
brasileira. A moura torta e outras. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2002,
p. 39-42.
Fonte: Língua portuguesa – Coleção
Brasiliana – 5° ano – Ensino Fundamental – IBEP – 2ª ed. São Paulo – 2011. p. 43-9.
Entendendo o conto:
01 – De acordo com o texto,
qual o significado das palavras abaixo:
·
Bandas: lados.
·
Inaugurar: usar pela primeira vez, estrear.
·
Ressabiados:
desconfiado, assustado.
02 – Você gostou da forma
como a onça e o veado resolveram a situação? As suas expectativas foram
confirmadas ou você imaginou um desfecho trágico?
Resposta pessoal
do aluno.
03 – No começo da conversa
com a onça, o veado tinha um motivo para fugir e outro para não desistir da
casa. Explique esses dois motivos.
Motivo para fugir da onça: Medo. Porque onça é onça.
·
Motivo para não desistir da casa: Porque ele trabalhou muito na construção da casa, sem contar
que foi ele quem achou o local.
04 – De que forma os dois
animais entenderam o que havia acontecido durante a construção da casa?
a)
Um vizinho que viu tudo apareceu e explicou
para eles que cada um havia feito uma parte da casa.
b)
O deus da mata apareceu e contou como ajudou
a ambos.
c)
Eles foram conversando e puderam
esclarecer tudo.
05 – Em seus pensamentos, de
que modo a onça se refere ao veado?
a)
Reserva de comida.
b)
Deus da mata.
c)
Caça.
d)
Compadre.
e)
Sócio.
f)
Amigo.
06 – Explique as expressões
destacadas:
a)
“A dona da casa engoliu em seco...”.
Porque foi um susto, as onças jamais esperariam que os veados
pudessem matar uma onça.
b)
“... temos um jeito secreto de dar chifradas
em onça, que é tiro e queda”.
Quer dizer que as chifradas seriam certeira sem chance de vida para
onças.
07 – Por que a onça disse ao
veado que convidou uma amiga para o jantar?
Porque tinham a
intensão de jantar o veado.
08 – O que fez a onça
decidir ir embora de vez com a amiga e deixar a casa para o veado?
Medo de ser atacadas pelos veados, depois
de tudo o que elas viram.
09 – Os contos populares
podem ser classificados de acordo com o tema da história ou com a mensagem que
eles transmitem. Como você classificaria o conto “O veado e a onça”? Explique
sua resposta.
Resposta pessoal do aluno.
a)
Conto de esperteza.
b)
Conto de travessura.
c)
Conto de amizade.
d)
Conto da origem das coisas.
e)
Conto de assombramento / assombração.
10 – Ao perceber que não
seria fácil decidir a quem pertencia a casa que ambos construíram, a onça teve
uma ideia.
a)
Que ideia foi essa?
Se nós fizemos a casa juntos, podemos morar juntos. Somos sócios.
b)
Quais foram os dois argumentos que ela usou
para convencer o veado a aceitar sua proposta?
Você sai de dia para pastar, eu saio à noite para caçar.
E vai ter sempre alguém na casa, ela vai estar sempre bem
cuidadinha.
c)
Qual era a verdadeira intenção da onça?
“Vai ser perfeito”, pensava a onça. “Fico com uma casa ótima, que
nem deu muito trabalho, e ainda guardo uma reserva de comida dentro dela. Se
algum dia não encontrar caça, créu! É só comer o sócio!”
11 – Durante alguns dias, o
acordo entre a onça e o veado funcionou, mas a onça começou a ter dificuldades
para cumprir o combinado. As informações abaixo resumem o que aconteceu a partir
desse momento de tensão, mas estão fora de ordem. Sua tarefa será a de indicar
a sequência correta delas. Dica: a
1ª é a letra “C”.
a)
Ela começou a trazer para casa os restos da
caçada da noite. 2.
b)
Ele acabou contando para os amigos o que
tinha acontecido. 4.
c)
A onça resolveu assustar o veado para que ele
ficasse com medo dela. 1.
d)
Os amigos do veado resolveram ajuda-lo e
elaboraram um plano para assustar a onça. 5.
e)
O veado foi ficando cada dia mais preocupado.
3.
f)
No caminho, os amigos encontraram o cadáver
de uma onça que tinha despencado de uma ribanceira. 7.
g)
Ao ser carregada pelos veados, a pele da onça
foi ficando toda espetada. 8.
h)
Eles pediram uma pele de onça emprestada aos
homens da aldeia. 6.
12 – Os trechos seguintes
são do conto lido. Copie apenas a fala do narrador de cada trecho e observe os
verbos destacados.
a)
– Quer dizer que era você... – disse a onça.
b)
– Pois é... Eu também achava – confessou ela.
c)
– Tenho uma ideia! – exclamou a onça. – Se nós fizemos a casa juntos, podemos morar
juntos. Somos sócios.
d)
– Isso mesmo! – concordou o veado. – Vou dizer que é um tapete novo para a casa.
e)
As duas começaram a temer, e um dos veados
olhou para elas e exclamou:
Resposta pessoal do aluno.
13 – Junto com os colegas e
com a ajuda do professor, analise o exercício anterior e relacione os itens
referentes aos trechos em que ocorre:
·
A fala do narrador aparece antes da fala da
personagem.
·
A fala do narrador aparece no meio da fala da
personagem.
·
A fala do narrador aparece depois da fala da
personagem.
Resposta pessoal do aluno.
14 – Copie os verbos
destacados nos trechos do exercício 12, explique para que servem esses verbos
no texto.
Os verbos que indicam a fala de
personagens são chamados verbos dicendi,
ou verbos de dizer.
Resposta pessoal
do aluno.
15 – Quanto ao tipo de
narrador, copie a afirmação correta.
a)
Nesse conto, o narrador participa da
história, é narrador personagem.
b)
Nesse conto, o narrador não
participa da história, é narrador observador.