sábado, 29 de maio de 2021

ARTIGO DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA: SAÚDE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA ERA DIGITAL - COM GABARITO

 Artigo de divulgação científica: Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital

      Há benefícios e malefícios que têm acompanhado a tecnologia digital. São de fundamental importância o bom senso e a informação adequada que os pediatras devem enfatizar para as famílias, crianças e adolescentes sobre este assunto.

        As tecnologias da informação e comunicação estão transformando o mundo à nossa volta e os comportamentos e relacionamentos de todas as pessoas. Buscar informações e adquirir novos conhecimentos são tarefas quase instantâneas, no clicar do teclado ou no deslizar dos dedos num telefone celular. Crianças e adolescentes fazem parte da geração digital e usam os dispositivos, aplicativos, videogames e a Internet cada vez mais em idades precoces e em todos os lugares. Alguns dos pais, também nativos digitais, não percebem as mudanças ou problemas que vão surgindo, como se tudo já fosse parte da rotina familiar.

        Os benefícios e prejuízos dessas tecnologias permanecem sendo foco de atenção de todos os profissionais que lidam com as questões da saúde durante a infância e a adolescência e demandam novas legislações a respeito. No Brasil, a Constituição Federal (1988) no artigo 5º inciso X, assegura proteção à privacidade e, no artigo 227º, a proteção integral da criança e do adolescente como prioridade absoluta de acordo com a Convenção dos Direitos da Criança aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (1989). O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei 8069 de 1990, em seus artigos 240 e 241 descreve como crime a produção de fotos, imagens ou transmissão de conteúdo com cenas de sexo explícito ou pornografia e foram alterados pela Lei 10.764 de 2003 para incluir a ilicitude da conduta no âmbito da Internet e tornar as penas mais graves. O artigo 73º do ECA prevê ainda, que a inobservância às normas de prevenção aos direitos da criança importará em responsabilidade da pessoa física ou jurídica, nos termos da Lei.

        [...]

        Estudos científicos comprovam que a tecnologia influencia comportamentos através do mundo digital, modificando hábitos desde a infância, que podem causar prejuízos e danos à saúde. O uso precoce e de longa duração de jogos online, redes sociais ou diversos aplicativos com filmes e vídeos na Internet pode causar dificuldades de socialização e conexão com outras pessoas e dificuldades escolares; a dependência ou o uso problemático e interativo das mídias causa problemas mentais, aumento da ansiedade, violência, cyberbullying, transtornos de sono e alimentação, sedentarismo, problemas auditivos por uso de headphones, problemas visuais, problemas posturais e lesões de esforço repetitivo (LER); problemas que envolvem a sexualidade, como maior vulnerabilidade ao grooming e sexting, incluindo pornografia, acesso facilitado às redes de pedofilia e exploração sexual online; compra e uso de drogas, pensamentos ou gestos de autoagressão e suicídio; além das “brincadeiras” ou “desafios” online que podem ocasionar consequências graves e até o coma por anóxia cerebral ou morte. [...]

SAÚDE de crianças e adolescentes na era digital. Sociedade Brasileira de Pediatria, Manual de orientação. Departamento de Adolescência, n. 1, out. 2016. Disponível em: https://bit.ly/2x3acfk. Acesso em: 29 set. 2018.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 8º ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 181-3.

Entendendo o artigo:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Anóxia: ausência de oxigênio.

·        Sexting: envio, compartilhamento e postagem de mensagens de cunho sexual.

·        Gromming: Aliciamento sexual pela internet, por meio de táticas de sedução e manipulação. 

   Cyberbullyng: que consiste na divulgação de imagens, mensagens e comentários de tom depreciativo, como piadas, brincadeiras e ofensas na internet.

02 – Releia o primeiro parágrafo do artigo de divulgação científica e responda:

a)   Em sua opinião, quais seriam os benefícios proporcionados pela tecnologia digital? Comente.

Resposta pessoal do aluno.

b)   E quais seriam os malefícios da tecnologia digital? Comente.

Resposta pessoal do aluno.

c)   Por que a Sociedade Brasileira de Pediatria divulgou esses dados de pesquisa? Eles estão enfatizando os benefícios ou malefícios da exposição à internet? Explique.

Para transmitir às famílias, às crianças e aos adolescentes os benefícios e malefícios do uso da tecnologia digital. A Sociedade Brasileira de Pediatria enfatiza os malefícios da exposição à internet para alertar as pessoas a fim de que eles sejam evitados.

d)   Em sua visão, como os comportamentos e relacionamentos se transformaram com o desenvolvimento das tecnologias de informação?

Resposta pessoal do aluno.

03 – Releia o trecho a seguir:

        “[...] Crianças e adolescentes fazem parte da geração digital e usam os dispositivos, aplicativos, videogames e a Internet cada vez mais em idades precoces e em todos os lugares. Alguns dos pais, também nativos digitais, não percebem as mudanças ou problemas que vão surgindo, como se tudo já fosse parte da rotina familiar.”

a)   O que significa a expressão nativos digitais? Pesquise e explique esse conceito.

De maneira geral, refere-se às pessoas que nasceram e cresceram com as tecnologias digitais do século XXI, com o uso de internet, redes sociais e, mais recentemente, dos aplicativos de smartphones.

b)   Você se encaixa na definição de nativo digital? Explique.

Resposta pessoal do aluno.

c)   E seus familiares e responsáveis, são nativos digitais? Explique.

Resposta pessoal do aluno.

04 – Releia o terceiro parágrafo e responda:

a)   No que consiste a violação do artigo 5° da Constituição em relação ao uso de celular e internet por crianças e adolescentes? Explique.

O artigo 5° tem incisos que tratam sobre o direito à privacidade. Quando a criança e o adolescente estão na internet, sem supervisão dos familiares, eles ficam vulneráveis e desprotegidos, correndo riscos de terem sua privacidade violada.

b)   No art. 227 da Constituição Federal e no ECA. É garantida prioridade absoluta a crianças e adolescentes em quaisquer circunstâncias. Em quais situações o uso de tecnologias digitais pode desproteger crianças e adolescentes?

As crianças podem ficar expostas e conteúdos impróprios e a abordagem de pessoas desconhecidas.

05 – Estudos científicos comprovam a influência da tecnologia no comportamento e hábitos desde a infância.

a)   Quais danos o uso constante e precoce podem causar à saúde das crianças e adolescentes?

O uso precoce e de longa duração de jogos online, redes sociais ou diversos aplicativos com filmes e vídeos na internet pode causar dificuldades de socialização e conexão com outras pessoas e dificuldades escolares; a dependência ou o uso problemático e interativo das mídias causa problemas mentais.

b)   Reproduza o quadro a seguir. Pesquise os termos indicados, tome nota e preencha-o:

·        Desafios on-line: São desafios feitos por influenciadores digitais, que parecem inocentes, mas podem ter consequências graves, com lesões sérias ou ocasionando a morte.

·        Transtornos de alimentação: Caracterizados por comportamentos alimentares desviantes que afetam negativamente a saúde física e mental do indivíduo. O transtorno mais conhecidos é a anorexia, distúrbio alimentar caracterizado por baixo peso corporal, decorrente de uma visão distorcida do próprio corpo.

·        Transtornos de socialização: Mais conhecido como fobia social, esse transtorno é caracterizado por ansiedade e insegurança extrema em situações de socialização com outras pessoas.

·        Transtornos de sono: Dificuldades relacionadas ao sono, com mais de 100 tipos de transtornos identificados. O sono tem quatro fases, e cada uma delas é responsável por uma atividade diferente. Dificuldades em qualquer uma das fases do sono podem trazer prejuízos a curto e longo prazo.

·        Transtornos mentais causados pela exposição à internet: Transtornos mentais distintos ligados diretamente ao uso da tecnologia digital, como: nomophobia (abstinência de celular ou qualquer outro dispositivo móvel), vertigem digital (desorientação e vertigem que algumas pessoas sentem quando interagem com determinados ambientes digitais), dependência química da internet e vício em jogos de video-game ou on-line.

06 – Releia o artigo de divulgação científica, observando os verbos (tempo, modo e pessoa):

a)   Que tempo e modo verbal é usado no texto?

O tempo presente do modo indicativo.

b)   Em que pessoa do discurso os verbos são usados?

São usados na terceira pessoa do singular e do plural.

c)   Que efeitos de sentido são produzidos pelo uso do verbo nesse tempo, modo e pessoa? Explique.

O uso do presente do modo indicativo e da terceira pessoa do discurso produz efeito de impessoalidade da linguagem, atualidade dos dados e objetividade, a fim de dar credibilidade às informações prestadas.

07 – Releia o trecho a seguir:

        Há benefícios e malefícios que têm acompanhado a tecnologia digital. São de fundamental importância o bom senso e a informação adequada que os pediatras devem enfatizar para as famílias, crianças e adolescentes sobre este assunto.”

a)   O que os pediatras devem enfatizar para as famílias, as crianças e os adolescentes sobre tecnologia digital?

O bom senso e a informação adequada.

b)   Qual é o efeito de sentido produzido pelo uso do verbo dever nesse trecho?

O verbo dever produz efeito de obrigatoriedade de conduta aos pediatras.

08 – Identifique a parte do artigo de divulgação científica que introduz outras vozes: 

a)   Transcreva o texto em que há paráfrase de pesquisas.

“Estudos científicos comprovam que a tecnologia influencia comportamentos através do mundo digital, modificando hábitos desde a infância, que podem causar prejuízos e danos à saúde.”

b)   Por que será que não é citada fonte desses dados?

Porque esses estudos não são objeto de discussão no artigo de divulgação científica, mas usados apenas para justificar a problematização apresentada.

 

NOTÍCIA: O LUGAR DA PUBLICIDADE NA LIBERDADE DE IMPRENSA - EUGÊNIO BUCO - COM GABARITO

 Notícia: O lugar da publicidade na liberdade de imprensa´

Por Eugênio Buco em 08/09/2015 na edição 867

        Há quem diga que o direito de anunciar mercadorias é o pilar de sustentação do jornalismo independente. Se isso mesmo? Qual é, afinal de contas, o ponto de apoio – econômico e também político – da atividade profissional daqueles que estão incumbidos de informar a sociedade sobre os assuntos de interesse público?

        Encaremos essas interrogações com algum método e com um pouco de calma. Quando falamos em “sustentação” ou em “ponto de apoio”, estamos falando em base institucional, em legitimidade. Ao mesmo tempo, estamos falando em fonte de recursos, em viabilidade financeira. A sustentação deve ser compreendida no plano político e também no plano econômico. [...]

        A imprensa não deve depender de governos em termos legais ou institucionais, mas também não deve depender deles em termos econômicos. Quando os governantes pagam as contas das redações é sinal de que algo desandou. E então, quem deve pagar essas contas? Tem-se repetido que a publicidade é que assina o cheque. A publicidade seria a maior da imprensa. Pelo menos é assim que tem sido. O dinheiro arrecadado com a venda de exemplares avulsos e de assinaturas (incluindo assinaturas digitais) ainda não é suficiente. E no caso das emissoras de rádio e televisão de sinal aberto é igual a zero.

        Absolutamente toda a arrecadação vem da publicidade. Desse modo, há quem diga ser a própria garantidora da liberdade de imprensa. Outros vão ainda mais longe e estabelecem um sinal de igual entre a liberdade de imprensa e a liberdade de veicular anúncios comerciais. Imprensa e publicidade seriam, enfim, as duas pernas com que o corpo da liberdade de expressão consegue caminhar. Uma não poderia existir sem a outra.

        [...]

        Já em nossos dias vemos a publicidade buscar seus caminhos longe dos veículos jornalísticos [...]. Vai ficando óbvio que a missão primeira da publicidade nada tem que ver com sustentar a Imprensa, mas com alcançar seus clientes onde quer que eles estejam. Isso não a torna mais feia ou mais bonita. Apenas é o que é.

Rumos Diferentes

        [...] A liberdade de anunciar deve ser compreendida, assim, como uma liberdade acessória à liberdade de fazer comércio. Seus limites legais – e democráticos - são dados pelos limites da própria atividade comercial. Já a liberdade de imprensa é fundamental, primordial. [...]

        O que se deu foi o oposto: a industrialização dos jornais, ainda no século 19, é que permitiu que os anúncios pagassem carona nos veículos impressos, o que terminou por impulsionar as duas atividades.

        No mais, a imprensa precede a publicidade. Mas ainda, a liberdade de imprensa abriu horizontes para a liberdade de anunciar.

        Do ponto de vista dos jornalistas, enxergar essas distinções ajuda a evitar identificações entre os interesses gerais (não particulares) do mercado anunciante e os interesses gerais da imprensa. Eles não são idênticos, ainda que, com justiça e com legitimidade, ambos possam associar-se. Por vezes, porém, eles são antagônicos – e, se não estiverem atentos, os jornalistas podem tomar por seus os interesses que os tomam (e os descartam) como meios. Fora isso, quanto mais sociedade for chamada a pagar diretamente a conta das redações, por assinaturas e outras formas de apoio, melhor.

              Eugênio Bucci é jornalista e professor das Escola de comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

Bucci, Eugênio. O lugar da publicidade na liberdade de imprensa. Observando da Imprensa/Projor, São Paulo, 8 set. 2015, ed. 867. Disponível em: <https://bit.ly/1Nn8MTg>. Acesso em: 29 set. 2018.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 8º ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 227-8.

Entendendo a notícia:

01 – Qual é o questionamento e a tese apresentados pelo autor nesse artigo de opinião?

      Se o direito de anunciar mercadorias é a base de sustentação do jornalismo independente. E a tese é que são interesses independentes que não podem ser confundidos para que se mantenha a liberdade de imprensa.

02 – Segundo o autor, quem financia a imprensa em diferentes mídias? Por que os veículos de comunicação não conseguem sobreviver com a vendagem de exemplares ou assinaturas?

      A publicidade que sustenta as diferentes mídias, porque a vendagem de jornais e assinaturas não cobre os custos.

03 – Por que o autor afirma que “a imprensa não deve depender de governos em termos legais ou institucionais, mas também não deve depender deles em termos econômicos”? Explique.

      Porque pode vincular o jornal aos interesses políticos de quem governa.

04 – Releia o trecho:

        “Outros vão ainda mais longe e estabelecem um sinal de igual entre a liberdade de imprensa e a liberdade de veicular anúncios comerciais. [...]”.

a)   O autor concorda com esse argumento apresentado no trecho? Por quê?

O autor não concorda, porque a liberdade de imprensa deve preceder a liberdade de anunciar para vender. A liberdade de imprensa que garante o direito das empresas e dos governos de anunciar.

b)   Qual é o papel da publicidade, segundo ele?

O papel da publicidade é alcançar seus clientes onde quer que eles estejam.

c)   Qual é o papel da imprensa? No que a liberdade de imprensa ajudou na liberdade de anunciar?

A imprensa tem o papel de garantir a informação objetiva. Segundo o autor, a industrialização dos jornais, ainda no século 19, permitiu que os anúncios fossem veiculados, o que impulsionou as duas atividades.

d)   Por que os jornalistas e as empresas de comunicação precisam, segundo o autor, distinguir o papel de cada um desses campos?

Porque há o risco de privilegiar os interesses dos anunciantes.

e)   O autor do artigo se coloca contra a publicidade? Explique.

Não, ele não é contra, mas acha que os interesses da publicidade não podem sobrepor-se aos da liberdade de imprensa.

05 – Releia a notícia “Publicidade infantil deve ser feita com responsabilidade em vez de proibida, dizem especialistas” e responda:

a)   Qual interesse foi colocado em primeiro plano nessa notícia: os da imprensa ou da publicidade? Explique.

Foram colocados os interesses da publicidade, porque a imprensa deveria informar os dois lados e não apenas o que interessa um setor da sociedade.

b)   Quais escolhas as editorias devem fazer para colocar à disposição do leitor todos os lados da informação? Isso ocorreu nessa notícia?

As editorias deveriam apresentar os argumentos de quem é a favor da proibição de publicidade infantil. Isso não ocorreu na notícia.

quarta-feira, 19 de maio de 2021

CONTO: BAÚ DE OSSOS (FRAGMENTO) - PEDRO NAVA - COM GABARITO

 CONTO: BAÚ DE OSSOS (FRAGMENTO)


  Pedro Nava

Não preciso recriar o sobrado de Joaquim Feijó de Melo porque este eu conheci. Basta recordar. Nele entrei pela primeira vez, em 1905, com pouco mais de dois anos, quando fui ao Ceará para me batizar.  Não tenho dessa viagem senão a vaga recordação da forma de uma escotilha - redonda e duramente luminosa, feito lâmpada cialítica - e, do lado de fora, alguma coisa oscilando como o ponteiro dum metrônomo, ponta de madeira e pano, decerto mastro de falua encostada em navio atracado. Dizia minha Mãe que era preciso não me perder de vista nem um instante, pois tudo que me caía às mãos (comida, uma pulseira, vários sapatos, mapa, um par de brincos de coral, escovas, todas as chaves das malas, duas bengalas, vários livros) era imediatamente atirado pelas escotilhas ou bordo acima - para meus amigos delfins e peixes-voadores. Nunca conheci madrinha de carregar, pois fui para o batismo com minhas próprias pernas, andando o trecho da Rua Formosa que vai até a Santa Casa de Misericórdia, em cuja capela recebi (em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo) o sal, o óleo, a saliva, a afusão e o nome de meu avô. Foram meus padrinhos a mãe e o padrasto do meu Pai. Não guardei lembrança, mas devo ter conservado no recôndito de minhas células a influência profunda das frutas da terra que, para terror de minha Mãe, minha avó me deixava comer até perder a respiração. Nu em pelo, para não manchar a roupa, eu ficava sentado na areia do terreiro, devorando pilhas de mangas e cajus. Quando não podia mais, quando já estava em ponto de arroto, regurgitação e vômito, besuntado dos pés à cabeça do caldo dourado e doce, vinha minha avó (para renovada angústia de minha Mãe, temente das câmaras  de sangue, dos catarros e do estupor) com um regador de água fria e me enxaguava torrencialmente. Em fevereiro de 1919 voltei à Rua Formosa (que já não era mais Formosa, mas Barão do Rio Branco) em viagem ao Ceará para conhecer melhor a mãe de meu Pai. Já era com Deus o velho Feijó, falecido a 21 de outubro de 1917. Na casa moravam minha avó, sua irmã Marout, suas filhas Dinorá e Alice, seu genro, marido da última, Antônio Salles. Como era simples, acolhedor e pacífico o sobrado de minha avó! Todo aberto ao sol, aos ventos, aos pregões, às visitas, aos mendigos.

NAVA, Pedro. Baú de ossos. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. p. 34-35.

Fonte: Livro: Língua Portuguesa: linguagem e interação/ Faraco, Moura, Maruxo Jr. – 3.ed. São Paulo: Ática, 2016. p.196-8.

 

 Glossário:

afusão: banho, aspersão, borrifo. Na cerimônia do batismo cristão, o padre asperge água benta sobre a cabeça de quem está sendo batizado.

câmara de sangue: (desusado) evacuação intestinal com sangue.

cialítico: luz que não projeta sombras, utilizada em cirurgia.

delfim: golfinho.

estupor: qualquer paralisia repentina.

metrônomo: instrumento que serve para regular os andamentos musicais.

pregão: voz ou pequena melodia, de ritmo livre, bastante próxima do recitativo musical, e com a qual os vendedores ambulantes anunciam suas mercadorias.

regurgitação: refluxo de substância do estômago para o esôfago.

Entendendo o texto

1.   Como é enunciador nesse conto?

O enunciador é uma pessoa real, trata-se de Pedro Nava, médico, nascido em Juiz de Fora, autor da obra de onde se retirou o fragmento. Portanto, nesse texto, enunciador e autor coincidem.

2.   Identifique no texto:

        a) uma passagem em que predomina a descrição;

            Possibilidades: "[...] uma escotilha - redonda e duramente luminosa, feito lâmpada cialítica - e, do lado de fora, alguma coisa oscilando como o ponteiro dum metrônomo, ponta de madeira e pano, decerto mastro de falua encostada em navio atracado."; "Como era simples, acolhedor e pacífico o sobrado de minha avó! Todo aberto ao sol, aos ventos, aos pregões, às visitas, aos mendigos."

     b) uma passagem em que predomina a enumeração;

         No trecho "[...] (comida, uma pulseira, vários sapatos, mapa, um par de brincos de coral, escovas, todas as chaves das malas, duas bengalas, vários livros) [...]"

c) um trecho em que o enunciador faz uma reflexão.

    "Não preciso recriar o sobrado de Joaquim Feijó de Melo [...]"
"[...] devo ter conservado no recôndito de minhas células a influência profunda das frutas da terra [...]"

3. Uma das características do gênero memorialista (tanto no ficcional quanto no não ficcional) é a organização cronológica dos acontecimentos. Por isso, as datas e os tempos verbais ajudam a situar os fatos. Responda: quais são os tempos verbais predominantes na narrativa lida? Identifique a função de cada um, exemplificando.

O pretérito perfeito e o pretérito imperfeito. O perfeito remete ao passado concluído do enunciador. Já o imperfeito situa, dentro desse passado, as ações e fatos progressivos, ou seja, habituais no tempo e no espaço descritos.

 4. Identifique no texto os verbos que situam o enunciador no presente da narrativa, ou seja, no tempo em que ele recorda o passado. Escreva-os.

Espera-se que os alunos identifiquem as formas verbais preciso; basta (recordar); tenho como índices do presente narrativo do enunciador.

5. Explique as expressões destacadas nos trechos seguintes:

a) "Nunca conheci madrinha de carregar, pois fui para o batismo com minhas próprias pernas [...]"

 O enunciador fala que não foi transportado no colo da madrinha, porque já andava quando foi batizado.

b) "Já era com Deus o velho Feijó [...]"

Já estava com Deus o velho Feijó/Já tinha morrido o velho Feijó.

6. Observe as expressões destacadas nos trechos a seguir:

[...] recebi (em nome do Padre, do Filho e do Espírito Santo) o sal, o óleo, a saliva, a afusão e o nome de meu avô.

[...] (para renovada angústia de minha Mãe, temente das câmaras de sangue, dos catarros e do estupor) [...]

era com Deus o velho Feijó [...]

Quando Nava escreveu Baú de ossos, as duas primeiras expressões destacadas, assim como o emprego do verbo ser (era) no lugar de estar já estavam em desuso. Por que Nava teria incorporado esses termos às suas memórias?

Ele usou esses termos na tentativa de tornar vivo o passado.

 

 

DIÁRIO: MINHA VIDA DE MENINA - HELENA MORLEY - COM GABARITO

 DIÁRIO: MINHA VIDA DE MENINA


1893

Domingo, 26 de novembro

Será que quando eu me casar vou gostar tanto de meu marido como mamãe de meu pai? Deus o permita. Mamãe só vive para ele e não pensa noutra coisa. Quando ele está em casa, os dois passam juntinhos o dia inteiro numa conversa sem fim. Quando meu pai está na Boa Vista, que é a semana toda, mamãe leva cantando umas cantigas muito ternas que a gente vê que são saudades e só arranjando-lhe as roupas, juntando ovos e engordando os frangos para os jantares de sábado e domingo. São dias de se passar bem em casa.

Segunda-feira tio Joãozinho levou meu pai para verem um serviço no Biribiri e voltarem no fim da semana. Terça-feira cedo, quando chegamos à janela, estava na porta a besta nossa conhecida, esperando a ração.

 Admirei a energia de mamãe. Ela foi logo dizendo: "Preparem-se para seguirmos amanhã de madrugada. Aconteceu alguma coisa a Alexandre". E com os olhos cheios de lágrimas mandou Cesarina matar dois frangos para a matalotagem.

De tarde pôs na maleta um vestido para cada uma de nós, uma roupa para meus irmãos e mandou chamar José Pedro para carregar a mala. O cesto da matalotagem Renato levava. Deitamos cedo, com a roupa ao lado, para nos levantar de madrugada, vestir e sairmos. Mamãe não se deitou dizendo que não podia dormir e passaria rezando. Nós não tínhamos ainda tirado um bom sono quando mamãe nos acordou: "Levantem que o galo já cantou duas vezes. Devem ser quatro horas. É bom que o dia clareie conosco para lá da Pedra Grande". Levantamos, tomamos o café e saímos, mamãe, meus irmãos e os dois crioulinhos, Cesarina e José Pedro.

Quando chegamos à rua achei o céu muito estrelado e a noite muito escura para quatro horas. Fomos andando, e nada do dia clarear. Quando já estávamos muito longe ouvimos o relógio da igreja do Seminário bater duas horas. Aí caímos todos no riso mas mamãe, a única responsável, não achou graça. Ela dizia: "O pior não é a hora. Até é bom viajar com a noite. Mas é que estou achando o caminho diferente. A estrada do Biribiri é bem mais larga". Fomos andando até não sabermos mais onde estávamos. Aí mamãe disse: "Esse caminho está estúrdio demais. É melhor sentarmos e esperarmos o dia clarear". Ela sentou-se numa pedra, estendeu o xale no chão para meus irmãos deitarem, colocou minha cabeça e a de Luisinha no colo, tirou o rosário e pôs-se a rezar enquanto dormíamos.

Quando o dia clareou, que abismo! Tínhamos errado o caminho. Estávamos num lugar de onde parecia que não seríamos capazes de sair. Era no alto da Serra dos Cristais e de lá de cima avistamos a estrada lá embaixo. Estávamos num precipício! Nós sempre confiantes em mamãe e suas orações; mas ela estava muda e só rezando. Perguntamos o que havíamos de fazer. Ela disse: "Esperem. Estou rezando a Santa Maria Eterna e só depois é que vou saber o que tenho de fazer". Esperamos. Pouco depois ela disse: "Voltar para trás está difícil, porque não sabemos o caminho. O que temos que fazer é seguir com fé em Deus, procurando sair daqui escorregando pela serra abaixo".

Nós, que parecíamos uns cabritos, escorregamos às vezes pedaços tão grandes, que só embaixo é que vimos o absurdo do que fazíamos. Renato quis fazer uma estripulia pendurando-se numa árvore pequena. Ela quebrou e ele caiu num buraco da serra e nós o perdemos de vista. Nessa hora pusemo-nos a chorar e a gritar. Mamãe, com os olhos cheios de lágrimas olhava para o céu e rezava: "Santa Maria Eterna, Virgem das Virgens, valei-me nesta ocasião, livrai-me desta aflição". Então o negrinho pediu o guarda-chuva, amarrou uma correia e deu a Renato para segurar e subir. Essa tentativa falhou umas três vezes. Por fim mamãe lhe deu o xale para segurar e ele subiu até em cima. Continuamos a rolar até cairmos na estrada.

Esta descida calculo que levou umas seis horas, pois o sol estava alto quando chegamos embaixo. Quando reparamos em nossas figuras rimos horrorizados. Nossos vestidos ensopados e em farrapos. Só nesta hora é que mamãe viu que Luisinha estava com o rosto disforme com caxumba! Estávamos com fome e não havia mais nada que comer; a matalotagem tinha acabado. Fomos para trás de uma moita, enquanto mamãe vigiava a estrada e mudamos a roupa.

Nesse lugar, enquanto descansávamos, passou um beija-flor-de-rabo-branco e aproximou-se de nós. Renato deu com o chapéu no pobrezinho e atirou-o morto no chão. Mamãe lhe disse: "Que malvado! Você vai ver o que te acontece. Afianço que você não vai ganhar nem um presentinho no Biribiri!". Sempre que vamos ao Biribiri voltamos carregados de presentes. Dona Mariana dá-nos das fazendas da fábrica; meu tio, dinheiro e latas de doces.

Depois de descansar seguimos para o Biribiri. Fomos recebidos com alegria e espanto. Quando mamãe contou a história do aparecimento da besta e as aventuras da viagem, todos riram à grande. Só então meu pai soube que a besta tinha fugido do pasto e voltado para casa.

Passamos lá dois dias e voltamos ontem para a cidade com um fardo dos presentes que todos nós ganhamos. Menos Renato, que não ganhou nem um lenço. Depois há gente que não acredita em castigo de quem mata beija-flor. Eu não poderei mais duvidar.

MORLEY, Helena. Minha vida de menina. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 73-75.

Fonte: Livro: Língua Portuguesa: linguagem e interação/ Faraco, Moura, Maruxo Jr. – 3.ed. São Paulo: Ática, 2016. p. 193-6.

 Glossário:

afiançar: garantir.

à grande: demasiadamente; em excesso.

besta: animal irracional, quadrúpede, em geral doméstico.

fazenda: tecido.

matalotagem: provisão de mantimentos para ser consumida durante uma viagem.

Entendendo o texto

1. A narrativa de Helena Morley dá-se em uma fase em que a jovem transita da infância à maturidade. Identifique e escreva no caderno uma passagem em que se observa a "fala" de uma Helena mais madura.

Há três passagens explícitas: 1ª) "Quando meu pai está na Boa Vista, que é a semana toda, mamãe leva cantando umas cantigas muito ternas que a gente vê que são saudades [...]"; 2ª) "Admirei a energia de mamãe."; 3ª) "Esta descida calculo que levou umas seis horas, pois o sol estava alto quando chegamos embaixo."

2.Observe: "Esse caminho está estúrdio demais". Mesmo sem consultar o dicionário, você certamente consegue deduzir, pelo contexto, o sentido da palavra destacada. Qual é?

Estranho, esquisito.

3. Releia este trecho:

Será que quando eu me casar vou gostar tanto de meu marido como mamãe de meu pai? Ao utilizar a expressão destacada, o enunciador espera mesmo uma resposta? Explique.

Não. A expressão indica incerteza, dúvida.

4. Releia este outro trecho e responda no caderno:

[...] que a gente vê que são saudades [...]

A expressão destacada é mais comum na linguagem informal. Que palavra corresponde a essa expressão na linguagem formal?

Nós.

5.Reescreva este trecho, utilizando uma linguagem menos coloquial.

Fomos andando, e nada do dia clarear.

Sugestões de resposta: Fomos andando, mas o dia não clareava.

 

 

 

 

segunda-feira, 17 de maio de 2021

A CARTA DE RECLAMAÇÃO - COM GABARITO

 A CARTA DE RECLAMAÇÃO


O texto a seguir é uma carta de reclamação, publicada na Internet. 

Leia

As cartas argumentativas de reclamação e de solicitação

Senhores,

Comprei um apartamento, no condomínio C. I., em Salvador, BA, da construtora [...]. O imóvel foi adquirido na planta e o pagamento foi sendo feito de acordo com o avanço da construção.

Quando o empreendimento ficou pronto, com um atraso de 12 meses, restou um saldo devedor que deve ser quitado em prazo determinado pela construtora. Ciente deste prazo, procurei a construtora [...], proprietária e vendedora do imóvel, em 06/09 e 09/09/11, e apresentei uma proposta de pagamento deste saldo devedor. A proposta inclui a utilização de uma carta de crédito de  consórcio imobiliário, complementando o pagamento através de recursos próprios. Quando uma carta de crédito é usada na compra de um imóvel, a administradora do consórcio exige que este fique alienado em garantia. Em vista disso, o vendedor do imóvel é solicitado a fornecer uma relação de documentos, que devem ser apresentados para análise da administradora do consórcio.

O vendedor do imóvel também é informado que o valor da carta de crédito só será creditado em sua conta, em até 45 dias, se a documentação solicitada for entregue e estiver rigorosamente em ordem.

Para minha surpresa, a construtora [...] não atendeu a solicitação da administradora do consórcio em relação ao fornecimento da documentação necessária para que eu pudesse usar a carta de crédito quitando o saldo devedor do meu imóvel, tampouco emitiu qualquer comunicado informando os motivos dessa recusa ou a impossibilidade de atendimento. No entanto, manteve o cronograma relativo ao prazo para pagamento do saldo devedor, instalação do condomínio e condiciona a entrega das chaves do imóvel à quitação do saldo devedor. Dessa forma, como a construtora [...] não forneceu a documentação, necessária para viabilizar a utilização da carta de crédito, fico impossibilitado de efetuar a quitação do saldo devedor e receber as chaves do meu imóvel. Além disso, com a instalação do condomínio (1ª assembleia), iniciou-se a obrigação de pagar a taxa condominial, devida por todos os proprietários, estejam ou não com o saldo devedor quitado. E mais uma vez me considero prejudicado, pois irei pagar a taxa condominial sem estar morando no local. Considero a atitude da construtora [...] uma aberração, uma falta de respeito e uma prepotência sem limites, na medida em que seus prepostos parecem agir sem qualquer respeito à ética e à dignidade humana.

Meu objetivo com essa reclamação, especialmente nesse site, é alertar as pessoas que pretendem comprar imóveis na planta para que fiquem atentas às mirabolantes promessas de corretores e construtoras e que mais tarde se mostram falsas. Na ânsia de efetuar a venda, as construtoras e os corretores “paparicam” o comprador atendendo-o nos mínimos detalhes. Quando chega o momento de entregarem o prometido, aí tudo fica complicado, difícil e os personagens, sempre presentes e solícitos durante a venda, desaparecem, inclusive levando o tapete vermelho!

Obrigado,

E. S.

(Disponível em: www.reclamao.com/reclamacao/30600/construtora-oas-nao-entrega-documentacao-necessaria-para-utilizacao-de-cartade-credito-e-impede-que-o-comprador-quite-o-do-saldo-devedor-do-imovel/. Acesso em: 6/7/2012.).

Fonte: Livro- Português: Linguagem, 3/ William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 11.ed – São Paulo: Saraiva, 2016.p.148 a 150.

Entendendo o texto

1. A carta argumentativa de reclamação apresenta, como o nome sugere, uma reclamação a respeito de algum problema enfrentado pelo remetente. Essas cartas são normalmente endereçadas a órgãos públicos, como ministérios, secretarias, Procon, ou sites especializados em divulgar reclamações.

Considerando que a carta lida foi publicada em um desses sites, responda:

a)   Qual é a função social de veículos como esse, que permitem aos cidadãos reclamar de um problema que estejam enfrentando?

Tornar públicos problemas que os cidadãos comuns enfrentam em seu dia a dia e que nem sempre são alvo dos grandes veículos de comunicação. Com isso, é possível conseguir uma maior mobilização das empresas responsáveis, que têm seus problemas expostos a todo o público consumidor.

 

b)   Você já utilizou ou conhece alguém que tenha utilizado algum desses meios para fazer uma reclamação? Houve alguma resposta?

Resposta pessoal.

2. Quanto à carta de reclamação lida:

a) Quem faz a reclamação?

        Um cidadão comum.

b)Do que ele reclama?

   De um problema na liberação de documentos por parte da construtora da qual comprou seu apartamento.

c)Por que o remetente se serviu de um espaço aberto — o site — para fazer sua reclamação?

Para que outras pessoas estejam informadas dos problemas que podem enfrentar ao comprar um apartamento na planta e possam se precaver em relação a eventuais transtornos, semelhantes aos relatados por ele.

 

3. Uma reclamação pode ser feita diretamente a um órgão público (como o Procon ou secretarias do município ou do Estado) ou à empresa que é alvo da reclamação. Entretanto, muitas pessoas preferem reclamar em espaços abertos, como sites.

Levante hipóteses: Qual é a intenção do produtor desse tipo de carta ao se servir desses meios para publicar sua reclamação?

Trazer seu problema a um grande público e, assim, expor a empresa a um julgamento popular. Espera-se, nesses casos, que a resposta e uma possível resolução sejam mais rápidas por parte da empresa, que tem interesse em se retratar publicamente para não ser alvo de críticas que podem prejudicar sua imagem e, consequentemente, suas futuras vendas.

4. As cartas, em geral, costumam ser datadas. Levante hipóteses: Por que não há data na carta lida?

Nas páginas da Internet costuma haver a indicação da data da postagem; provavelmente esse é o motivo de não constar data na carta lida.

5. Observe a linguagem utilizada pelo autor da carta. Que tipo de variedade linguística foi empregada?

Uma variedade de acordo com a norma-padrão.

domingo, 16 de maio de 2021

FÁBULA: O DINHEIRO NÃO TRAZ FELICIDADE - MILLÔR FERNANDES - COM GABARITO

 FÁBULA: O DINHEIRO NÃO TRAZ FELICIDADE

                Millôr Fernandes

Só e triste vivia o pobre marceneiro José dos Andrajos. Sem parentes, ele morava na sua loja humilde, trabalhando dia e noite para ganhar o que mal e mal lhe bastava para sustentar-se (era como qualquer um).

Mesmo assim, porém, conseguia economizar cinquenta cruzeiros cada mês. No fim do ano, com seiscentos cruzeiros juntos, lá ia ele para o "Fasanelo... e nada mais", e comprava um bilhete inteiro.

Os que sabiam de sua mania riam dele, mas ele acreditava que era através da loteria e não do trabalho que iria fazer-se independente. E assim foi.

No quinto ano de sua insistência junto à loteria ("insista, não desista."), esta lhe deu cem mil contos. Surgiram fotógrafos e repórteres dos jornais, surgiram os amigos para participar do jantar que ele deu para comemorar sua sorte.

José fechou imediatamente a loja e, daí em diante, sua vida foi uma festa contínua. Saía em passeios de lancha pela manhã, à tarde ia para os bares, à noite para as boates e cabarés, sempre cercado por amigos entusiasmados e senhoras entusiasmadíssimas.

Mas, está visto, no meio de tanta efusão, o dinheiro não durou um ano. E, certo dia, vestido de novo com suas roupas humildes, o nosso marceneiro voltou a abrir sua humilde loja para cair outra vez em seu trabalho estafante e monótono. Tornou a economizar seus cinquenta cruzeiros por mês, aparentemente mais por hábito do que pelo desejo de voltar a tirar a sorte grande, o que, aliás, parecia impossível.

Os conhecidos continuavam zombando dele, agora afirmando-lhe que a oportunidade não bate duas vezes (a oportunidade só bate uma vez. Quem bate inúmeras vezes são as visitas chatas.).

No caso de nosso marceneiro, porém, ela abriu uma exceção. Pois no terceiro ano em que comprava o bilhete, novamente foi assaltado pelos amigos e repórteres que, numa algazarra incrível, festejavam sua estupenda sorte.

Mas, desta vez, o marceneiro não ficou contente como quando foi sorteado pela primeira vez. Olhou para os amigos e jornalistas com ar triste e murmurou: "- Deus do céu; vou ter que passar por tudo aquilo outra vez!?"

MORAL: PARA MUITA GENTE DÁ UM CERTO CANSAÇO TER QUE COMPARECER À FESTA DA VIDA.

(Fábulas fabulosas. Disponível em: www2.uol.com.br/millor/fabulas/039.htm. Acesso em: 17/6/2012.)

Fonte: Livro- Português: Linguagem, 3/ William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 11.ed – São Paulo: Saraiva, 2016.p.124-5.

ENTENDENDO O TEXTO 

1. Observe o 1º parágrafo do texto.

a) Nele é apresentada a personagem principal da narrativa.

    Como ela é retratada?

    Como um marceneiro que vivia só e triste.

b) Há, nesse parágrafo, uma palavra que faz referência ao marceneiro. Qual é essa palavra?

O pronome pessoal ele.

c) Na frase “Sem parentes, ele morava na sua loja humilde”, o pronome sua indica posse.

No contexto, sua se refere à posse de quem?

À posse do marceneiro; indica que a loja era dele.

2. O 2º parágrafo tem com o 1º uma relação de oposição.

a) Que palavra do 2º parágrafo é responsável por marcar essa oposição?

A palavra porém.

b) Em que outros parágrafos se observa o mesmo tipo de relação? Que palavras marcam essa oposição entre parágrafos?

No 6º, no 8º e no 9º parágrafos. As palavras são mas, porém e mas, respectivamente.

3. Releia estes três fragmentos do texto:

“trabalhando dia e noite para ganhar o que mal e mal lhe bastava para sustentar-se”

“No quinto ano de sua insistência junto à loteria (“insista, não desista.”), esta lhe deu cem mil contos.”

“agora afirmando-lhe que a oportunidade não bate duas vezes”

a)   A que ou a quem se refere o pronome lhe em cada um dos fragmentos?

          Refere-se ao marceneiro.

 b)   A que se refere o pronome esta, no segundo fragmento?

         Refere-se à loteria.

4. O texto apresenta os fatos em sequência e de acordo com uma relação de causa e efeito. Além disso, situa-os em relação ao tempo e ao espaço.

a) O tempo verbal é um importante recurso na organização do texto. Que tempo verbal predomina? Justifique sua resposta.

Predomina o passado, como pode ser constatado no emprego das formas: vivia, morava, conseguia, fechou, tornou, olhou, etc.

b) Identifique no texto alguns indicadores temporais, isto é, palavras e expressões que marcam a passagem do tempo.

Entre outros: “no fim do ano”, “no quinto ano”, ”daí em diante”, “pela manhã”, “à tarde”, “à noite”, “certo dia”, “no terceiro ano”, “desta vez”, “quando foi sorteado pela primeira vez”.

5. Como foi observado, há no texto palavras que retomam outras, expressas anteriormente. Esse procedimento de retomada tem o objetivo de tornar o texto mais dinâmico, evitando repetições.

a) Que expressão foi usada no último parágrafo para retomar a ideia de exploração e frustração apresentada na história?

A expressão tudo aquilo, no trecho “passar por tudo aquilo outra vez”.

 b)Na moral dessa fábula, a que se refere a expressão “festa da vida”?

Ao assédio que a personagem sofreu por “amigos” e “senhoras” interesseiros.

c)A expressão “festa da vida” foi ou não usada de modo irônico?

Sim, foi usada de modo irônico, pois o assédio sofrido pela personagem por causa de seu dinheiro não era propriamente uma festa, já que o marceneiro, de certa forma, foi manipulado ou se deixou manipular pelos outros.

6. Na sua opinião, a moral da história é coerente com a abordagem realizada pelo autor? Por quê?

Sim. O autor é irônico e, de certa forma, faz uma crítica às pessoas que não aproveitam as oportunidades para mudar de atitude na vida.