Romance: Fala sério, mãe! (Fragmento)
Thalita Rebouças
Estava sentada no meu computador lendo
uns e-mails quando, por conta de umas fotos de bebês que um amigo me mandou,
lembrei de como parece que foi ontem que meus filhos eram pequenas bolotas
cheias de dobrinhas. É engraçado perceber que muitas vezes Maria de Lourdes, a
menos parecia fisicamente comigo, faz gestos e olhares que eu faria, toma
atitudes que eu tomaria... é muito bacana pensar que criei meus filhos para o
mundo, mas deixei neles a minha marca.
A Maria de Lourdes anda numa fase engraçada.
Está se achando gente, mais mulher, comprando roupas menos infantis, querendo
livros com temas mais adultos. No fundo, claro, continua uma criança. Criança
enorme, já, já está mais alta do que eu. Às vezes queria voltar no tempo só par
poder carrega-la como um bebê de novo. Por alguns segundos gostaria de ter
aquela sensação gostosa de volta. Mas a verdade é que ela ainda é a minha
neném.
-- Ooooi! – disse ela, ao chegar em
casa fazendo a bagunça de sempre, deixando a mochila num canto, agenda noutro.
-- Oi, amor de mãe! Estava pensando em
você pequenininha e deu uma saudade... vem cá me dar um beijo?
Ela veio, encheu-me de beijos e,
sentada no meu colo, perguntou:
-- Lembra que eu fui ao cinema no
sábado?
-- Lembro, claro.
-- Sabe o que rolou lá?
-- O filme, ué.
-- Não, mãe! Além do filme...
-- Pipoca? Refrigerante? Jujuba?
-- Que mané jujuba, mãe? Pensa mais um
pouco.
-- Chiclete?
-- Caraca, não acredito que você não
deu uma dentro! Rolou um beijo, mãe. Beijo!
-- O quê? Suas amigas já estão
beijando? Não me diga, Maria de Lourdes. Aposto que foi essa tal de Alice,
sempre achei essa menina muito saidinha.
-- Fui eu, mãe. Eu que beijei.
Hãããããããã!? Muita calma nessa hora! Tentei
agir naturalmente.
-- Você? Olha só, filha... você
beijou... que bom... – reagi, sem um pingo de animação com o assunto, admito.
-- Só isso? Não quer saber como foi?
Com quem foi? Achei que você ia morrer de curiosidade.
-- Nossa, estou louca, LOUCA para saber
esses detalhes, minha filha, você não faz ideia – menti descaradamente. – Só
espera um minuto que mamãe vai pegar um copo d’água. Quer também?
Eu precisava mastigar a novidade.
-- não, obrigada! – respondeu ela.
Deixei Maria de Lourdes na sala e corri
para a cozinha. Eu pensando que ela ainda era um bebê e já tem marmanjo de olho
na minha pequena? Que mundo mais apressadinho! Maria de Lourdes ainda é uma criança,
seu, seu... como é o nome do rapaz?
Será que rolou um cheirinho no cangote?
Uma lambidinha na orelha? Ai, não! Jamais posso perguntar isso para ela. Mas
quero saber tantas coisas... não! Não quero saber nada! Nada! Não está muito
cedo para uma criança começar a beijar? Uma criança, meu Deus!
Precisava recompor minhas energias e
fazer cara de mãe melhor amiga, entendida também como “nossa, que novidade
bacana você está me contando, filha!”. Respirei fundo e fui para a sala. O
Armando talvez leve isso com mais naturalidade, mas eu sou meio antiquada para
esses assuntos de beijo, de sexo, de relacionamento... na minha adolescência
nós nunca conversamos sobre isso lá em casa.
-- Então, filha, agora sou todos
ouvidos. Quem é ele?
-- É o Nando, primo da Alice.
-- Não acredito que o cara é parente
dessa Alice...
-- Mãe! – bronqueou ela.
-- Desculpa, desculpa, não está mais
aqui quem falou.
-- Ele mora em Friburgo, veio passar o
feriadão aqui no Rio.
[...]
-- [...] Maria de Lourdes, você conhece
os pais desse rapaz? Ele é de boa família? De boa índole?
-- Ai, mãe, que coisa mais antiga! Que
“rapaz”? Quem é que fala “rapaz” hoje em dia? E por que é que eu tenho de
conhecer os pais de um menino só porque dei um beijo nele? Que coisa mais sem
nexo.
-- O quê? Foi você que deu o beijo
nele?
-- Ah, tipo assim... eu tomei a
iniciativa, mas ele já estava me azarando desde a lanchonete.
-- Você tomou a iniciativa? Isso é
coisa de menina fácil, Maria de Lourdes!
-- Mas meninos são lentos, às vezes
precisam de um empurrão básico. Além do mais, eu não aguentava mais ser BV, né?
-- BV? O que é BV, Maria de Lourdes?
-- Boca virgem, mãe! Que desatualizada!
-- Mas que bobagem! Sabia que no meu
tempo a gente só beijava...
-- Alou! Não estamos no seu tempo! Vai
começar esse papo chato de “no seu tempo” de novo?
-- Está bom, desculpa.
-- Não vai perguntar se foi bom?
Ela estava realmente decidida a ir
fundo no tema. E eu sem a menor vontade de saber como foi. Precisava de tempo
para digerir as informações anteriores. Mas Maria de Lourdes estava numa
ansiedade frenética, queria porque queria contar tudo. Logo. E eu, que sempre
quis bancar a mãe moderna, a mãe bem resolvida, a mãe antenada... tive de
aguentar, com pinta de superinteressada. [...]
REBOUÇAS, Thalita. Fala
sério, mãe! Rio de Janeiro: Rocco, 2004.
Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 8º
ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 32-6.
Entendendo o romance:
01 – Qual é o assunto central do texto?
O primeiro beijo da personagem adolescente em um garoto.
02 – Releia o trecho a seguir:
“A
Maria de Lourdes anda numa fase engraçada. Está se achando gente, mais mulher,
comprando roupas menos infantis, querendo livros com temas mais adultos. No
fundo, claro, continua uma criança. Criança enorme, já, já está mais alta do
que eu.” Responda:
a)
Nesse trecho, a mãe reconhece que a filha
está passando para a fase da adolescência ao descrever as mudanças que percebe
no comportamento da menina. No entanto, ela não inclui na descrição um
comportamento típico dessa fase da vida e que tem relação com o assunto central
do texto. Que comportamento é esse?
O interesse pelo namoro e por relacionamento afetivos.
b)
Nesse trecho, há uma frase indicativa de que
a mãe não admite como verdade o fato de a filha estar passando para uma nova
fase da vida. Identifique e copie essa frase.
No fundo, claro, continua uma criança.
c)
Em sua opinião, essa negativa da mãe é comum
à maioria dos pais que têm filhos nessa faixa de idade? Explique.
Resposta pessoal do aluno.
03 – É possível inferir do
texto três reações da mãe no momento em que a menina faz a revelação sobre o
beijo. Relacione as reações aos trechos transcritos abaixo.
a)
Negação; b) Espanto; c) Dissimulação de
sentimento.
I – “-- Nossa, estou louca,
LOUCA para saber esses detalhes, minha filha, você não faz ideia – menti
descaradamente. – Só espera um minuto que mamãe vai pegar um copo d’água.”
Dissimulação de
sentimento.
II – “-- O quê? Suas amigas
já estão beijando? Não me diga, Maria de Lourdes. Aposto que foi essa tal de
Alice, sempre achei essa menina muito saidinha.”
Negação.
III – “Hãããããããã!? Muita
calma nessa hora! Tentei agir naturalmente.
-- Você? Olha só, filha... você
beijou... que bom... – reagi, sem um pingo de animação com o assunto, admito.”
Espanto.
04 – No momento em que faz a
revelação sobre o beijo, a personagem Maria de Lourdes age naturalmente ou se
mostra constrangida diante do assunto o qual conversava com a mãe? Justifique.
Ela age
naturalmente. O modo como ela conversa com a mãe, os termos que usa no diálogo,
as explicações que dá aos questionamentos da mãe, o modo como descreve o beijo,
entre outros, demonstram a naturalidade da menina.
05 – Trazendo o fato narrado
para uma situação real, os adolescentes normalmente expõem assuntos dessa
natureza aos pais com a mesma naturalidade da personagem? Dê sua opinião.
Resposta pessoal
do aluno.
06 – O texto apresenta
opiniões diferentes entre mãe e filha sobre quem deve tomar a iniciativa em um
relacionamento. Indique as alternativas que trazem exemplos dessas
divergências.
a)
“— Você tomou a iniciativa? Isso é
coisa de menina fácil, Maria de Lourdes!”
b)
“— [...] Maria de Lourdes, você conhece os
pais desse rapaz?
c)
“— Mas meninos são lentos, às vezes
precisam de um empurrão básico. Além do mais, eu não aguentava mais ser BV,
né?”
d)
“— Alou! Não estamos no seu tempo! Vai
começar esse papo chato de “no seu tempo” de novo?”.
07 – Leia o trecho a seguir.
“Respirei
fundo e fui para a sala. O Armando talvez leve isso com mais naturalidade, mas
eu sou meio antiquada para esses assuntos de beijo, de sexo, de
relacionamento... na minha adolescência nós nunca conversamos sobre isso lá em
casa.” Você concorda com a mãe quando ela afirma que talvez o pai (Armando)
encare o assunto com mais naturalidade? Os pais são mais maleáveis que as mães
no diálogo com os filhos no que diz respeito a assuntos como primeiro beijo,
namoro, “ficar”, enfim, relacionamentos amorosos?
Resposta pessoal
do aluno.
08 – No texto, Maria de
Lourdes afirma à mãe que já não aguenta ser “BV”. Em que situação de
comunicação o uso dessa sigla ou a expressão “boca virgem” é mais comum?
Na conversa entre
adolescentes.
09 – Se você estivesse
vivenciando a mesma situação reproduzida no texto, ou seja, um diálogo com seus
pais sobre o primeiro beijo, você usaria a sigla BV (ou a expressão
correspondente) para comunicar essa ideia?
Resposta pessoal
do aluno.
10 – O trecho a seguir foi
extraído do artigo de opinião “O poder das palavras”. Releia-o.
“Experimentem,
sempre que comunicam, escolher palavras com carga afetiva positiva! Por
exemplo, se substituírem a palavra “problema” por “situação”, o problema parece
tornar-se mais pequeno, não parece?”. Considerando o que se coloca nesse
trecho e a forma como discorre o diálogo entre a mãe e a filha adolescente,
responda:
a)
As palavras escolhidas pela adolescente para
revelar à mãe que tinha beijado um garoto foram adequadas?
Resposta pessoal do aluno.
b)
Haveria uma forma de ela contar o fato à mãe
de modo menos impactante? Explique.
Resposta pessoal do aluno.
11 – As hipóteses que você
levantou antes da leitura sobre o título “Fala sério, mãe!” se confirmaram ou
não depois da leitura do texto?
Resposta pessoal
do aluno.