JOSÉ
Carlos Drummond de Andrade
E agora, José?
A festa acabou,
A luz apagou,
O povo sumiu,
A noite esfriou,
E agora, José?
E agora, você?
Você que é sem nome,
Que zomba dos outros,
Você que faz versos,
Que ama, protesta?
E agora José?
Está sem mulher,
Está sem discurso,
Está sem carinho,
Já não pode beber,
Já não pode fumar,
Cuspir já não pode,
A noite esfriou,
O dia não veio,
O bonde não veio,
O riso não veio,
Não veio a utopia
E tudo acabou
E tudo fugiu
E tudo mofou,
E agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
Seu instante de febre,
Sua gula e jejum,
Sua biblioteca,
Sua lavra
de ouro,
Seu terno de vidro,
Sua incoerência,
Seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
Quer abrir a porta,
Não existe porta;
Quer morrer no mar,
Mas o mar secou;
Quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
Se você gemesse,
Se você tocasse
A valsa vienense,
Se você dormisse,
Se você cansasse,
Se você morresse...
Mas você não morre,
Você é duro, José!
Sozinho no escuro
Qual bicho do mato,
Sem teogonia,
Sem
parede nua
Para
se encostar,
Sem
cavalo preto
Que
fuja a galope,
Você
marcha, José!
José,
para onde?
Carlos Drummond de
Andrade. Idem, ibid. p. 130.
ByGraña.
Drummond/www.carlosdrummond.com.br.
Lavra: terreno de
mineração de onde se extrai ouro ou diamante.
Teogonia:
conjunto de divindades cujo culto forma o sistema religioso de um povo
politeísta.
Utopia: projeto
irrealizável; quimera; fantasia.
Interpretação
do texto:
1 –
Em sua opinião, por que o enunciador escolheu o nome José para o seu
interlocutor no poema?
Resposta pessoal do
aluno. Por se tratar do nome próprio mais comum no Brasil. Por isso, pode
simbolizar o homem comum.
2 –
Segundo o eu lírico, José teria possibilidades de mudar sua situação.
a)Em que estrofe estão nitidamente
sugeridas essas possibilidades? Explique.
Na quinta estrofe o eu lírico faz uma relação de hipóteses que
permitiriam a José recuperar-se de um destino que nada reservou a ele.
b)Qual
a hipótese mais extremada, entre as sugeridas?
“Se você
morresse...”
3 –
Pode-se entender que José é uma criatura abandonada. Nessa perspectiva, que
significado adquire, em sua opinião, o verso “a noite esfriou”, repetido no
poema?
Resposta pessoal do
aluno. A repetição desse verso sugere que, para José, o abandono pode
representar até sofrimento físico.
4 –
O interlocutor se chama José. No entanto, no oitavo verso da primeira estrofe o
eu lírico afirma: “você que é sem nome”. Existe uma contradição nesse verso?
Justifique sua resposta.
Não existe contradição.
O nome é um dos traços mais marcantes da identidade social de uma pessoa; o
nome José, pelo que já se viu na primeira questão, não chega a individualizar o
homem. Ele se dissolve numa multidão de outros seres na mesma situação.
5 –
O texto lido foi escrito na época da Segunda Grande Guerra (1939 – 1945).
Partindo dessa informação, como você interpreta o tom geral do poema?
O poema revela o
desencanto e a falta de perspectiva do homem comum.