sexta-feira, 6 de outubro de 2017

CONTO: VENTA-ROMBA - GRACILIANO RAMOS - COM GABARITO


CONTO: VENTA-ROMBA
                 Graciliano Ramos

        Ofereceram a meu pai o emprego de juiz substituto e ele o aceitou sem nenhum escrúpulo. Nada percebia de lei, possuía conhecimentos gerais muito precários. Mas estava aparentado com senhores de engenho, votava na chapa do governo, merecia a confiança do chefe político – e achou-se capaz de julgar.
        Naquele tempo, e depois, os cargos se davam a sequazes dóceis, perfeitamente cegos. Isto convinha à justiça. Necessário absolver amigos, condenar inimigos, sem o que a máquina eleitoral emperraria.
        [...]
        Venta-Romba pedia esmola, gemendo uma cantilena, indiferente às recusas:
        --- Como vai, seu Major? E a mulher de seu Major? Os filhinhos de seu Major?
       A voz corria mansa; as rugas da cara morena se aprofundavam num sorriso constante; o nevoeiro dos olhos se iluminava com estranha doçura. Nunca vi mendigo tão brando. A fome, a seca, noites frias passadas ao relento, a vagabundagem, a solidão, todas as misérias acumuladas num horrível fim de existência haviam produzido aquela paz. Não era resignação. Nem parecia ter consciência dos padecimentos: as dores escorregavam nele sem deixar mossa.
        --- Como vai, seu Major? Os filhinhos de seu Major?  
        Humildade serena, insignificância, as mãos trêmulas e engelhadas, os pés disformes arrastando as alpercatas, procurando orientar-se nas esquinas, estacionando junto dos balcões. Restos de felicidade esvaíam-se nas feições tranquilas. O aió sujo pesava-lhe no ombro; o chapéu de palha esburacado não lhe protegia a cabeça curva; o ceroulão de pano cru, a camisa aberta, de fralda exposta, eram andrajos e remendos.
        Aparecia uma vez por semana, às sextas-feiras, quando se realizava a caridade: um pires de farinha nas casas particulares, um vintém nas lojas e nas bodegas. Mas as famílias de lojistas e bodegueiros não exerciam a caridade, porque isto seria redundância.
        --- Peça na venda.
        Tínhamos ordem para afastar os peditórios.
        Uma sexta-feira Venta-Romba nos bateu à porta. Deve ter batido: Não ouvimos as pancadas. Achou o ferrolho e entrou, surgiu de supetão na sala de jantar, os dedos bambeando no cajado. As moças assustaram-se, os meninos caíram em grande latomia.
        --- Vá-se embora, meu senhor, disse a patroa.
        A distância, esse tratamento de meu senhor a uma criatura em farrapos soa mal. Era assim que minha mãe se expressava dirigindo-se qualquer desconhecido. Trouxera o hábito da fazenda, e isto às vezes não revelava polidez. Em tons vários, meu senhor traduzia respeito, desdém ou enfado. Agora, com estridência e aspereza, indicava zanga, e a frase significava, pouco mais ou menos:
        ---Vá-se embora, vagabundo.
        Venta-Romba perturbou-se, engasgou-se, apagou o sorriso; o vexame e a perplexidade escureceram-lhe o rosto; os beiços contraíram-se, exibindo as gengivas nuas.
        --- Sinha dona... murmurou.
        Com certeza buscava explicar-se. Interjeições roucas e abafadas escapavam-lhe; os olhos baços percebiam o terror das crianças e arregalavam-se aflitos.
        Minha mãe era animosa. Atirava, montava, calejara na vida agreste. Certo dia um Coronel lhe entrou subitamente na cozinha, lívido, rogando-lhe que o escondesse da polícia: trancou-o num quarto, guardou a chave, tomou as primeiras medidas necessárias à fuga. Não precisava que o marido, pessoa débil, viesse enxotar Venta-Romba. Mas expediu o moleque José com um recado e plantou-se junto à mesa, áspera, silenciosa, os cantos da boca repuxados, a mancha vermelha da testa muito larga.
        Diante dela, o pobre intentava aliviar a impressão má, e cada vez mais se confundia; deixou passar o momento de retirar-se. Coçara a cabeça, gemia desculpas asmáticas, e ninguém o escutava. Num arranco de impaciência, bateu com o pau no tijolo, agravou a balbúrdia. A severidade vincou o rosto da mulher; as moças cochicharam rezando e fixaram a atenção na entrada do corredor.
        Nesse ponto chegou meu pai. Chegou alvoroçado, branco, e logo se fortaleceu, pôs-se a interrogar Venta-Romba, que desabafou, estranhou a desordem: implicância dos meninos, gritos, choro, a dona sisuda, as doninhas arrepiadas. Fuzuê brabo à toa, falta de juízo. Graças a Deus, tudo se alumiava. Descobriu-se, despediu-se, caminhou de costas:
        --- Adeus, seu Major.
        Meu pai atalhou-o. Antes de qualquer sindicância, tinha-se resolvido. Enganara-se com os exageros do moleque, enviara um bilhete ao comandante do destacamento. A fraqueza o impedia a decisões extremas. Imaginara-se em perigo. Reconhecia o erro, mas obstinava-se. Misturava o sobressalto originado pela notícia ao enjoo que lhe causava a figura mofina – e desatinava. Propendia a elevar o intruso, imputar-lhe culpa e castiga-lo. De outro modo, o caso findaria no ridículo.
       --- Está preso, gaguejou, nervoso, porque nunca se exercitara naquela espécie de violência.
        Alguém tossiu na sala, um boné vermelho apareceu no fim do corredor. Insensível, Venta-Romba tropicava como um papagaio, arrimava-se penosamente à ombreira da porta. Deteve-se, largou uma exclamação de surpresa e dúvida. E quando a frase se repetiu, balbuciou descorado:
       --- Brincadeira de seu Major.
       Espalhou a vista em roda: o barulho das crianças fora substituído por uma curiosidade perversa; as moças tremelicavam na costura; a face de minha mãe expunha indiferença imóvel; um sujeito passeava na sala de visitas, exibindo pedaços da farda vistosa. Claro que não era brincadeira, mas o velho, estonteado, não alcançava o desastre. Arredou-se da porta, encostou-se à parede, esboçou um movimento de defesa. Se não fosse banguelo, rangeria os dentes; se os músculos não tivessem lassos, endureceria as munhecas, levantaria o cajado. Impossível morder ou empinar-se; o gesto maquinal de bicho acuado esmoreceu; devagar, a significação da palavra rija furou, como pua, o espírito embotado. E emergia da trouxa de molambos uma pequena flácida:
        --- Por quê, seu Major?
        Era o que eu também desejava saber. À janela, distraindo-me com o voo das abelhas e o zunzum do cortiço pendente no beiral, vira o espalhafato nascer e engrossar em minutos. Não haviam colaborado nele – e a interrogação lamentosa me abalava. Por quê? Como se prendia um vivente incapaz de ação? Venta-Romba movia-se de leve. Não podendo fazer mal, tinha de ser bom. Difícil conduzir aquela bondade trôpega ao cárcere, onde curtiam pena os malfeitores.
        --- Por quê, seu Major?
        O cochilo renovado ficou sem resposta. Seu Major não saberia manifestar-se. Assombrara-se, recorrera à força pública e receava contradizer-se. Talvez sentisse compaixão e se reconhecesse injusto. Enraivecia, acusava-se e despejava a cólera sobre o infeliz, causa do desarranjo. Em desespero, roncou injúrias. O polícia que pigarreava na sala se avizinhou, a blusa desabotoada, faca de ponta à cintura, as reiúnas de vaqueta ringindo.
        Vinte e quatro horas de cadeia, uma noite na esteira de pipiri, remoques dos companheiros de prisão, gente desunida. Perdia-se a sexta-feira, esfumava-se a beneficência mesquinha. Como havia de ser? Como havia de ser o pagamento da carceragem?
        Venta-Romba sucumbiu, molhou de lágrimas a barba sórdida, extinguiu num murmúrio a pergunta lastimosa. O soldado ergueu lhe a camisa. Segurou o cós do ceroulão, empunhou aquela ruína que tropeçava, queria aluir, atravessou o corredor, ganhou a rua.
        Fui postar-me na calçada, sombrio, um aperto no coração. Venta-Romba descia a ladeira aos solavancos, trocando as pernas, desconchavando-se como um judas de sábado de aleluia. Se não o agarrassem, cairia. O aió balançava; na cabeça desgovernada os vestígios de chapéu iam adiante e vinham atrás; as alpercatas escorregavam na grama.
        Eu experimentava desgosto, repugnância, um vago remorso. Não arriscara uma palavra de misericórdia. Nada obteria com a intervenção, certamente prejudicial, mas devia ter afastado as consequências dela. Testemunhara uma iniquidade e achava-se cúmplice. Covardia.
        Mais tarde, quando os castigos cessaram, tornei-me em casa insolente e grosseiro – e julgo que a prisão de Venta-Romba influiu nisto. Deve ter contribuído também para a desconfiança que a autoridade me inspira.

                                       Graciliano Ramos. Infância. Rio de Janeiro:
                                                                       Record, 1976. p. 222-9.
Interpretação do texto:
1 – O texto é narrado em primeira pessoa. Comente a importância disso.
      O texto é autobiográfico; o narrador resgata fatos de sua infância para relatar fatos que vem, no momento da narrativa, carregados de emoção e revolta. Com o narrador em primeira pessoa, esses sentimentos fluem com mais intensidade.

2 – Que palavra, na primeira linha do texto, antecipa para o leitor uma informação negativa a respeito da atividade do pai do narrador?
      Emprego de juiz.

3 – Observe esta passagem do segundo parágrafo:
       “Naquele tempo, e depois, os cargos se davam a sequazes dóceis, perfeitamente cegos. Isto convinha à justiça. Necessário absolver amigos, condenar inimigos, sem o que a máquina eleitoral emperraria”.
a)    Supondo que naquele tempo signifique o tempo em que o narrador era criança, a que tempo estaria se referindo com e depois?
Provavelmente se refere ao tempo em que já é adulto e que não está muito longe do nosso tempo (Graciliano Ramos faleceu em 1953).

b)   O adjetivo cegos é usado para caracterizar as pessoas que exerciam cargos importantes? (Observe, ainda, o adverbio: perfeitamente.)
Ele faz uma referência à imagem da justiça, que é cega, imparcial; já o pai do narrador deveria ser cego apenas quando fosse conveniente.

c)   Em “Isto covinha à justiça”, a qual justiça o narrador se refere?
À justiça (ou injustiça) praticada pelos poderosos: pelos donos das terras e senhores de engenho.

d)   O que seria a máquina eleitoral? O que poderia fazê-la emperrar?
A máquina eleitoral seria a garantia de continuidade de determinadas pessoas no poder. Juízes imparciais poderiam atrapalhar esses planos; daí a necessidade de manter nos cargos importantes apenas os amigos.

4 – Releia a descrição de Venta-Romba.
a)   Se não era resignação, o que o fazia comportar-se daquela maneira?
Uma espécie de paz, adquirida após tantos anos de sofrimento.

b)   Que motivos tinha para manter o sorriso constante?
Nenhum. Porém, já não se dava conta de nada; vivia como que num outro mundo, indiferente a tudo.

c)   Por que chamava a todos de Major?
Era uma forma de mostrar subserviência. Major, sendo alto posto do exército, revela um certo respeito a essa instituição e lisonjeia quem é assim chamado, algo parecido com o título de “coronel” atribuído aos chefões políticos do nordeste brasileiro.

d)   Por que é comparado a Judas de sábado de aleluia?
Assim como Judas (aquele boneco que se costuma queimar no sábado de aleluia), Venta-Romba foi alvo de um ataque. Ele recebeu sobre si a culpa e a condenação de algo que não fez, o castigo por uma decisão tomada equivocadamente por um juiz pusilânime. Em última análise, ele foi sacrificado por ser um mendigo.

5 – Ao reler as afirmações: “Nunca vi mendigo tão brando.”, “misérias acumuladas num horrível fim de existência”, observe que elas têm um peso enorme na narrativa.
a)   Por quê?
O ato de ele ser um mendigo inofensivo torna ainda mais indigna a injustiça sofrida por ele.

b)   Se Venta-Romba era conhecido nas redondezas, qual a razão do susto e da latomia da família?
Na verdade, não havia razão. As pessoas podem ter-se sentido incomodadas pelo fato de não terem ouvido o mendigo bater e, de repente, viram-se frente a frente com a desagradável figura. Ele não se retirou quando deveria e essa atitude agravou ainda mais a “invasão”.

6 – “... Vá-se embora, meu senhor, disse a patroa”.
a)   Não teria sido mais natural usar “mina mãe” em lugar de “patroa”, uma vez que o texto é narrado em primeira pessoa?
Ele quis reforçar o gesto da patroa, da dona da casa, que foi ríspido, não condizente com a postura de uma mãe.

b)   Por que alguém usaria a expressão “meu senhor” no lugar de “vagabundo”?
Alguém que quisesse ser irônica, que tivesse a intenção de transmitir exatamente o contrário do que diriam suas palavras.

7 – Apesar de ter condições de resolver o problema sozinha, por que a mãe mandou chamar o marido? Qual a importância, na narrativa, do trecho relacionado ao “Coronel”?
      Talvez para sentir-se mais seguro ou para mostrar ao mendigo que ele se arrependeria por não ter obedecido à ordem de retirar-se imediatamente. O trecho que faz referência ao Coronel enfatiza que a mãe fora precipitada com Venta-Romba: a mesma pessoa que agora hostilizava o mendigo e pedia ajuda ao marido fora capaz de dar cobertura a fuga de um outro homem, sem consultar ninguém.

8 – Revendo a personagem Venta-Romba, responda:
a)   Venta-Romba não consegue explicar-se, desfazer o equívoco. Por quê? Ter permanecido na casa foi uma decisão acertada?
Ele se sente constrangido, indignado. Mas sua dificuldade em expressar-se o impede de desculpar-se e sair. Ele tomara a decisão errada ao resolver ficar.

b)   Quando julgava poder esclarecer tudo, o mendigo vê sua situação piorar ainda mais. Por quê?
Achou que já se explicara ao dono da casa; não contava com o fato de este ter chamado a polícia.

9 – Que atitude do pai do narrador foi pior do que ter chamado a polícia antes de saber o que acontecia?
      Não ter voltado atrás em sua decisão. Ao ver que se tratava de Venta-Romba, podia ter dispensado a polícia, mas achou que isso o desmoralizaria.

10 – Que aspectos são realçados na descrição do policial?
      Aspecto que buscam mostrar o abuso de autoridade: botas fazendo barulho, faca à mostra, farda em desalinho, o pigarrear de quem quer se fazer notar.

11 – Segundo o narrador, o que há por trás da arbitrariedade das pessoas?
      Fraqueza, insegurança, o fato de sentirem-se ameaçadas.

12 – Procure no texto todos os adjetivos usados para caracterizar o pai do narrador. O que você nota?
      Ele é exatamente assim: fraco e inseguro.

13 – Quando, finalmente, o narrador se coloca favorável a Venta-Romba? Por que pareceu ao narrador absurda a ideia de colocar o mendigo numa cadeia?
      Quando o mendigo questiona por que está sendo preso. Nesse momento, o narrador também quer saber o motivo. Venta-Romba era a bondade em pessoa e, no cárcere, só havia malfeitores.

14 – “... Por quê, seu Major?” A atitude do mendigo nesse momento lhe pareceu resignada, digna ou acintosa?
      Digna.

15 – Seu Major era parte da cantilena de Venta-Romba, e a todos ele se dirigia assim. Como se explica, entretanto, que a expressão seja incorporada ao texto, como, por exemplo, em: “Seu Major não saberia manifestar-se”?
      Ele toma o partido do mendigo e trata o pai como se fosse um estranho, cuja atitude, na verdade, desaprova totalmente.

16 – O narrador está desgostoso, mas, covardemente, nada faz em defesa do injustiçado. Por quê?
      Ele sabe que, se agisse em defesa de Venta-Romba, seria duramente castigado. Além disso, de nada adiantaria sua intervenção. As crianças, nessa época, não eram ouvidas.

17 – Em que esse incidente influenciou a formação da personalidade do narrador? Em que influenciou você?
      O incidente fez o narrador crescer desconfiando de toda autoridade. De uma certa forma, ele se “vingou” do pai, revelando publicamente o fato. Todos que o leem passam a reavaliar ou a reconsiderar sua opinião sobre as “autoridades”.



TEXTO: SAUDADE DO TELEVIZINHO - COM GABARITO

SAUDADE DO TELEVIZINHO

        Não é que a TV tenha ocupado todos os cantos da vida.
        É mais: ela tomou o lugar da vida.
        [...]

        A era do televizinho coincidiu com os anos de inocência da televisão. Basicamente, tal inocência consistia na crença de que televisão era uma coisa, e vida era outra. O televizinho, assim como a amável família que o acolhia, olhava para aquela caixinha luminosa com deslumbramento, sim, mas também com suave distanciamento. Apreciavam seus truques como se apreciam os truques do mágico no circo, mas depois iam cuidar de suas existências. Reinava a ilusória impressão de que a TV ocupava um lugar determinado no mundo, um pedaço pequeno e restrito, de onde não tinha como extrapolar. Admitir o contrário seria convir com a hipótese absurda de o caleidoscópio proporcionar algo mais, na existência de uma pessoa, do que um divertimento ligeiro para os olhos. Ou de o gramofone ir além d produzir alguns breves instantes agradáveis – ou desagradáveis – para o ouvido.
        Aquela inocente caixa de luz revelou-se muito mais que uma caixa de luz, porém. Revelou-se uma caixa de surpresas, caixa de Pandora, caixa-preta – escolha o leitor a caixa de sua preferência. Cedo transbordou para muito além de seu suposto lugar certo e determinado. Hoje se conhece todo o seu alcance. Não é que a televisão tenha ocupado todos os cantos da vida. Essa também não deixa de ser uma visão ingênua. É outra coisa: a televisão tomou o lugar da vida. Substituiu-a. Engoliu-a e vomitou-se a si mesma no lugar.
        No doce tempo do televizinho, ocorriam fenômenos que hoje parecem nada menos que prodigiosos. Enquanto a televisão tinha sua sede na sala do vizinho, o Carnaval era na rua e o futebol era no campo. Sim, meninos: o Carnaval era na rua e o futebol no campo! Aos poucos, tudo foi entrando TV adentro, como se aquela caixa tivesse um imã, ou como se fosse um buraco negro a atrair a matéria cósmica à sua volta. Hoje, tanto o Carnaval como o futebol são na TV. Tire-se deles a TV, e será como cortar lhes o ar. Não sobreviverão. E a eleição? No tempo do televizinho, a televisão ficava lá na sala, quieta, enquanto o comício era na praça. Eleição agora também foi sugada pelo campo gravitacional da televisão. Neste ano haverá Copa do Mundo e eleição. Se por alguma espécie de desgraça a televisão sumir do mundo, não haverá nem uma nem outra. Ou melhor, pode até haver, mas serão coisas de naturezas tão diversas das que nos habituamos que não merecerão os mesmos nomes.
        Dito o que, chegamos aos programas de TV como o chamado de Big Brother. O Big Brother original, do romance 1984, de George Orwell, espionava os cidadãos de modo tão sufocante que a vida ficava irrespirável. O Big Brother de hoje é o contrário. Sem a   presença dele, sem seu olho benfazejo, aí sim é que a vida some. Estou na TV, logo existo. A vida é representar para a câmara, e representar para a câmara é a vida. Estar na TV, mesmo que seja a troco de nada, sem ter nada a dizer, nem habilidade a demonstrar, eis o programa supremo da existência. O televizinho ficaria intrigado. Hesitaria em voltar à sala onde reinava aquela caixa.

                                 Roberto Pompeu de Toledo. Veja, ano 35. n. 8,
                                                                            27 fev. 2002. p. 122.

1 – O título desse texto é “Saudade do televizinho”. Na verdade, do que é que o autor tem saudade?
      Na verdade, o autor tem saudades do tempo inocente da televisão, em que se distinguia a vida real da vida virtual.

2 – O autor parece conversar com o leitor. Como ele cria essa ilusão? Qual a importância disso para o tipo de texto em questão?
      Ele usa a primeira pessoa do plural, como se incluísse o leitor em suas reflexões; relembra fatos que provavelmente o leitor viveu, recriando uma experiência coletiva; em alguns momentos, dirige-se diretamente ao leitor (“Escolha o leitor a caixa de sua preferência”; “Sim, meninos: o Carnaval era na rua e o futebol no campo!”). Conquistar a cumplicidade do leitor é importante para convencê-lo da ideia que ele está desenvolvendo em seu ensaio.

3 – Escolha, para cada um dos quatro parágrafos que você leu, uma frase, uma expressão ou uma palavra que sejam as mais significativas, ou seja, aquelas em torno das quais o parágrafo se organizou.
      Parágrafo 1: Na era do televizinho, tevê era uma coisa e vida era outra.
      Parágrafo 2: A tevê tomou o lugar da vida.
      Parágrafo 3: Carnaval, futebol e eleição deixaram a rua, o campo e a praça; foram sugados pela tevê.
      Parágrafo 4: Estou na tevê; logo, existo (não importa para quê).

4 – Observe as metáforas utilizadas para designar a televisão: caixa de surpresa, caixa de Pandora, caixa-preta. Explique cada uma dessas expressões.
      - Caixa de surpresas: é imprevisível; dela pode sair qualquer coisa.
      - Caixa de Pandora: guarda em seu interior todos os males do mundo.
      - Caixa-preta: guarda segredos; seu usuário não pode conhecer seu conteúdo nem interferir em seu funcionamento.
     
5 – Releia este trecho:
        “Não é que a televisão tenha ocupado todos os cantos da vida. Essa também não deixa de ser uma visão ingênua. É outra coisa: a televisão tomou o lugar da vida. Substituiu-a. Engoliu-a e vomitou-se a si mesma no lugar”.
Como você explicaria com suas palavras esse trecho do texto?
      Resposta pessoal do aluno. Considerar a força da linguagem para explicar que a tevê tornou-se um arremedo da vida.

6 – Segundo a autor, os fatos deixaram de ser reais para se tornar virtuais, e as pessoas acostumaram-se a isso de tal forma que não mais se habituariam aos acontecimentos. Na sua opinião, por que isso ocorre?
      Resposta pessoal do aluno.

7 – “Estou na TV, logo existo”. Para ter o pleno entendimento dessa frase, você precisa conhecer a original, que está sendo parodiada pelo autor. Você a conhece? Sabe quem é seu autor? Que significado adquire essa “nova versão” da frase?
      A frase parodiada é de René Descartes (1596-1650: principal obra: Discurso do método). Um dos fundadores do moderno movimento racionalista, Descartes introduziu a dúvida como método para chegar às verdades deduzidas pelo raciocínio. “Se duvido, penso; se penso, existo”. Em resumo: “Penso, logo existo”. Quando, em sua paródia, Roberto Pompeu de Toledo diz: “Estou na TV, logo existo”, ele substitui o ato de pensar pelo ato de exibir-se. É sintomática a retirada do ato de pensar da frase, como se a simples “existência na tevê” não implicasse a necessidade de pensar, tanto com relação a quem lá aparece como com relação a quem fica refém da programação imbecilizada. O “programa supremo da existência” é lá estar, mesmo que “sem ter nada a dizer”.

8- O televizinho, pretexto para as reflexões do autor, reaparece ao final do texto. Como é feita a retomada desse elemento?
      O autor retoma a figura do televizinho para afirmar que, hoje, ele provavelmente não voltaria à sala do vizinho para assistir à tevê.

9 -  Você concorda com esta definição do autor: “A vida é representar para a câmara”? Por que ele faz essa afirmação?
      O autor afirma que “a vida é representar para a câmara” influenciado pelos programas que transmitem, ao vivo, a vida de pessoas (famosos ou não) em locais fechados, com regras previamente combinadas.


quinta-feira, 5 de outubro de 2017

MÚSICA(ATIVIDADES): PAIS E FILHOS - RENATO RUSSO - COM GABARITO

Música(Atividades): Pais E Filhos
                                                    Renato Russo
Estátuas e cofres e paredes pintadas
Ninguém sabe o que aconteceu
Ela se jogou da janela do quinto andar
Nada é fácil de entender
Dorme agora
É só o vento lá fora

Quero colo! Vou fugir de casa
Posso dormir aqui com vocês?
Estou com medo, tive um pesadelo
Só vou voltar depois das três

Meu filho vai ter nome de santo
Quero o nome mais bonito
É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Porque se você parar pra pensar
Na verdade não há

Me diz, por que que o céu é azul?
Explica a grande fúria do mundo
São meus filhos
Que tomam conta de mim
Eu moro com a minha mãe
Mas meu pai vem me visitar
Eu moro na rua, não tenho ninguém
Eu moro em qualquer lugar

Já morei em tanta casa
Que nem me lembro mais
Eu moro com os meus pais
É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Porque se você parar pra pensar
Na verdade não há

Sou uma gota d'água
Sou um grão de areia
Você me diz que seus pais não te entendem
Mas você não entende seus pais
Você culpa seus pais por tudo, isso é absurdo
São crianças como você
O que você vai ser
Quando você crescer.

Exercícios:

1. A que gênero textual pertence esse texto?
      a) poema
      b) música
      c) cordel
      d) prosa.


2. Como você descreve o eu-lírico (aquele que se expressa) no texto?
      O eu lírico da música Pais e filhos parece ser uma jovem que demonstra rebeldia na sua relação com seus pais.

3. Que sentimentos o eu-lírico expressa nesse texto?
      O eu lírico expressão os anseios comuns entre os jovens de buscar explicações para as coisas complicadas do mundo (Porque o céu é azul).

4. Qual a linguagem empregada pelo eu-lírico nos versos?
a) formal
b) informal
c) técnica
d) regional.

5. Identifique no texto um exemplo de palavra ou frase empregada no sentido figurado? Explique sua resposta.
      “Sou uma gota d’água”. Nesse verso há sentido figurado na expressão “gota d’água” no sentido de a pequenez da pessoa, quando ela percebe que não é nada diante da imensidão de alguma coisa (o universo, Deus, etc.).

6. O que te chamou a atenção nos versos desse texto? Comente sua resposta.
      Resposta pessoal do aluno.




POEMA: E AGORA, JOSÉ? CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

POEMA: E AGORA, JOSÉ?

        “E agora José?                                    Com a chave na mão
        A festa acabou,                                  Quer abrir a porta,
        A luz acabou,                                     Não existe porta;
        O povo sumiu,                                   Quer morrer no mar,
        A noite esfriou,                                  Mas o mar secou;
        E agora, José?                                    Quer ir para Minas,
        E agora, você?                                   Minas não há mais.
        Você que é sem nome,                    José, e agora?
        Que zomba dos outros,                   Se você gritasse,
        Você que faz versos,                        Se você gemesse,
        Que ama, protesta?                         Se você tocasse
        E agora, José?                                   A valsa vienense,
        Está sem mulher,                             Se você dominasse,
        Está sem discurso,                           Se você cansasse,
        Está sem carinho,                             Se você morresse...
        Já não pode beber,                          Mas você não morre,
        Já não pode fumar,                          Você é duro, José!
        Cuspir já não pode,                          Sozinho no escuro
        A noite esfriou,                                 Qual bicho-do-mato,
        O dia não veio,                                  Sem teogonia,
        O bonde não veio,                            Sem parede nua
        O riso não veio,                                 Para se encostar,
        Não veio a utopia                             Sem cavalo preto
        E tudo acabou                                   Que fuja a galope,
        E tudo fugiu                                       Você marcha, José!
        E tudo mofou,                                   José para onde?”
        E agora, José?
        E agora, José?                               Carlos Drummond de Andrade.
        Sua doce palavra,
        Seu instante de febre,
        Sua gula e jejum,
        Sua biblioteca,
        Sua lavra de ouro,
        Seu terno de vidro,
        Sua incoerência,
        Seu ódio – e agora?

QUESTÃO 01
    José teria, segundo o poeta, possibilidades de alterar seu destino. Essas possibilidades estão sugeridas:
a)     Na 5ª e 6ª estrofes.
b)    Na 1ª, 2ª e 3ª estrofes.
c)     Na 3ª, 4ª e 6ª estrofes.
d)    Na 4ª e 5ª estrofes.
e)     N.D.A.

QUESTÃO 02
      Das possibilidades sugeridas pelo poeta para José mudasse seu destino, a mais extremada está contida no verso:
a)     “Se você tocasse a valsa vienense”.
b)    “Se você morresse”.
c)     “José, para onde?”
d)    “Quer ir para Minas”.
e)     N.D.A.

QUESTÃO  03
      Para o poeta, José só não é:
a)     Alguém realizado e atuante.
b)    Um solitário.
c)     Um João-ninguém frustrado.
d)    Alguém sem objetivo e desesperançado.
e)     N.D.A.

QUESTÃO 04
 José é um abandonado. Essa ideia está bem traduzida:
a)     Na 4ª estrofe.
b)    Na 5ª estrofe.
c)     No 12ª, 13ª, e 14ª versos da 2ª estrofe e nos sete primeiros da 6ª estrofe.
d)    No 8° e 9° verso da 1ª estrofe.
e)     N.D.A.

QUESTÃO 05
“A noite esfriou” é um verso repetido. Com isso, o poeta deseja:
a)     Deixar bem claro que José foi abandonado porque fazia frio.
b)    Traduzir a ideia de que José sentiu frio porque anoiteceu.
c)     Exprimir que, após o término da festa, a temperatura caíra.
d)    Intensificar o sentimento de abandono, tornando-o um sofrimento quase físico.
e)     N.D.A.

QUESTÃO 06
 O verso que exprime concisamente que José é “ninguém” é:
a)     “Você que faz versos”.
b)    “A festa acabou”.
c)     “Você que é sem nome”.
d)    “Que zomba dos outros”.
e)     N.D.A.

QUESTÃO 07
 O verso que expressa essencialmente a ideia de um José sem nome é:
a)     “José, para onde?”.
b)    “Sozinho no escuro”.
c)     “Mas você não morre”.
d)    “E tudo fugiu”.
e)     N.D.A.

QUESTÃO 08
 Assinale a afirmativa falsa a respeito do texto:
a)     José é alguém bem individualizado e a ele o poeta se dirige com afetividade.
b)    O ritmo dos sete primeiros versos da 5ª estrofe é dançante.
c)     “Sem teogonia” significa “sem deuses”, “sem credo”, “sem religião”.
d)    Os versos são em redondilha menor porque tal ritmo se ajusta perfeitamente à intimidade, singeleza e espontaneidade das ideias.
e)     N.D.A.