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sábado, 9 de julho de 2022

CONTO: TREM FANTASMA - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

Conto: Trem Fantasma

            Moacyr Scliar

 Afinal se confirmou: era leucemia mesmo a doença de Matias, e a mãe dele mandou me chamar. Chorando, disse-me que o maior desejo de Matias sempre fora passear de Trem Fantasma; ela queria satisfazê-lo agora, e contava comigo. Matias tinha nove anos. Eu, dez. Cocei a cabeça.

          Não se poderia levá-lo ao parque onde funcionava o Trem Fantasma. Teríamos de fazer uma improvisação na própria casa, um antigo palacete nos Moinhos de Vento, de móveis escuros e cortinas de veludo cor de vinho. A mãe de Matias deu-me dinheiro; fui ao parque e andei de Trem Fantasma. Várias vezes. E escrevi tudo num papel, tal como escrevo agora. Fiz também um esquema. De posse destes dados, organizamos o Trem Fantasma.

         A sessão teve lugar a 3 de julho de 1956, às 21 horas. O minuano assobiava entre as árvores, mas a casa estava silenciosa. Acordamos o Matias. Tremia de frio. A mãe o envolveu em cobertores. Com todo o cuidado colocamo-lo num carrinho de bebê. Cabia bem, tão mirrado estava. Levei-o até o vestíbulo da entrada e ali ficamos, sobre o piso de mármore, à espera.

         As luzes se apagaram. Era o sinal. Empurrando o carrinho, precipitei-me a toda velocidade pelo longo corredor. A porta do salão se abriu; entrei por ela. Ali estava a mãe de Matias, disfarçada de bruxa (grossa maquilagem vermelha). Olhos pintados, arregalados. Vestes negras. Sobre o ombro, uma coruja empalhada.(Invocava deuses malignos).

         Dei duas voltas pelo salão, perseguido pela mulher. Matias gritava de susto e de prazer. Voltei ao corredor.

        Outra porta se abriu – a do banheiro, um velho banheiro com vasos de samambaia e torneiras de bronze polido.

[...]

           Saindo dali entrei num quarto de dormir onde estava o irmão de Matias, como esqueleto (sobre o tórax magro, costelas pintadas com tintas fosforescentes; nas mãos, uma corrente enferrujada).

[...]

          Assim era o Trem Fantasma, em 1956.

          Matias estava exausto. O irmão tirou-o do carrinho e, com todo o cuidado, colocou-o na cama.

         Os pais choravam baixinho. A mãe quis me dar dinheiro. Não aceitei. Corri para casa.

        Matias morreu algumas semanas depois. Não me lembro de ter andado de Trem Fantasma desde então.

Moacyr Scliar. Contos reunidos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p. 316-317.

Entendendo o texto

01. O gênero provém de uma esfera social, ou seja, ele é produzido a partir da interação verbal (oral ou escrita) entre as pessoas que exercem uma mesma atividade com a linguagem. Então, assinale a alternativa que indica a esfera a que pertence o texto “O trem fantasma” de Moacyr Scliar.

          (x) esfera cotidiana

         (  ) esfera publicitária

        (  ) esfera literária

        (  ) esfera escolar

        (  ) esfera jurídica

02. Os textos do gênero conto, no decorrer de sua narrativa, sempre estão ligados a alguma temática do cotidiano. Identifique qual é o assunto desse conto.

O trem fantasma.

03. Contemporâneo é o tempo atual. Nesse caso, você considera esse conto como contemporâneo? Explique o porquê a partir do contexto do texto e de sua temática.

Sim. Atualmente têm nos parques de diversões. Porque fala do trem fantasma “...Assim era o Trem Fantasma, em 1956.”

    04.Qual era a relação entre o narrador e Matias?

        O narrador era amigo de Matias.

05.O que a mãe de Matias doente pediu ao narrador?

          Pediu para o narrador ajudá-la a realizar um desejo de seu filho; ir no trem fantasma.

06. Após o pedido da mãe, o que o narrador fez?

        Foi no Trem Fantasma várias vezes e escrevi tudo num papel e fiz também um esquema.

07.Além do narrador, quem são os outros personagens do Trem fantasma?

Matias, os pais dele e o irmão.

08. Qual era a intenção de todos eles ao fazerem aquilo?

Deixarem o Matias feliz, realizando um desejo.

09.Esse conto traz ensinamentos. Em sua opinião quais?

Resposta pessoal.

     10. O narrador participa ou não da história? Retire um trecho do texto, para comprovar sua resposta.

            Sim, participa da história. É narrador-personagem.

             “...e a mãe dele mandou me chamar...”

      11- O texto apresenta uma sequência de fatos, com certa ordem cronológica dos acontecimentos. Sendo assim esse texto pertence a qual sequência tipológica?

         (  ) expositiva

         ( x ) narrativa

         (  ) descritiva

         (  ) injuntiva

         (  ) argumentativa

      Retire do texto um trecho que comprove sua resposta:

      “A mãe de Matias deu-me dinheiro; fui ao parque e andei de Trem Fantasma. Várias vezes. E escrevi tudo num papel, tal como escrevo agora. Fiz também um esquema. De posse destes dados, organizamos o Trem Fantasma.”

 

domingo, 12 de junho de 2022

ARTIGO DE OPINIÃO: INTERNET E FRAUDE - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

Artigo de opinião: Internet e fraude

        A Internet ensina-nos coisas, sim. Inclusive quando temos de pensar a respeito das armadilhas da internet e de como evita-las.

        Moacyr Scliar

        Alguém duvida que a Internet mudou a vida das pessoas? Não, ninguém pode duvidar disso. A Internet não é apenas ume meio de comunicação ou de informação; é um jeito de viver, um novo jeito de viver, e a história do mundo vai se dividir em duas frases: AI (antes da Internet) e DI (depois da Internet).

        A ai do AI! A Internet subverteu totalmente a milenar ideia de que os mais velhos detêm o conhecimento. Agora, são eles que têm de aprender com os mais jovens, e não o contrário. Um aprendizado que, aliás, funciona. Num projeto conduzido nos Estados Unidos, adolescentes, orientados por professores de informática, prontificaram-se a dar aulas sobre computador e Internet para pessoas de idade. Ficaram, os veteranos, melindrados com a situação? Nada disso. Antes do treinamento, só 5% sentiam-se à vontade com Internet. Depois do treinamento, esta percentagem subiu para 80%. O vovô pode, sim, aprender com os netos. Vale para computador, vale para celular, vale até para controle remoto.

        Mas há um lugar em que a Internet está causando problemas: a sala de aula. No passado, era muito comum os professores pedirem aos alunos que preparassem, em casa, trabalhos sobre temas diversos. As pesquisas para isso eram feitas em bibliotecas ou em enciclopédias. No mínimo, os jovens tinham de copiar os textos. Agora, não. Agora eles simplesmente podem baixá-los da Internet. E podem contar para isso com o auxílio de empresas especializadas, que elaboram até teses de mestrado e de doutorado. A frequência com que isso está acontecendo é muito grande, e os textos a respeito, que aparecem na própria Internet, dizem que, nos Estados Unidos, no mínimo 50% dos alunos admitem que já recorreram a esse tipo de fraude. Resultado: surgiu uma nova especialidade, a detecção de fraudes. Há até um programa de computador, o Turnitin, desenhado para detectar a cópia.

        Pergunta: será que isso vale a pena? [...]

        Em primeiro lugar, precisamos nos dar conta de que, como foi dito antes, copiar os alunos sempre copiaram, só que antes faziam isso à mão. Pode-se alegar que, desta forma, aprendiam alguma coisa, mas trata-se de uma afirmação questionável: copiar pode ser simplesmente uma coisa mecânica. O melhor é perguntar: qual deve, afinal, ser o característico de um trabalho de aluno? A mim a resposta parece óbvia. O trabalho do aluno, como o trabalho de qualquer pessoa – como este texto que vocês estão lendo – deve refletir o pensamento e as emoções de quem o elabora. Ou seja: o trabalho deve ser eminentemente pessoal. Deixem-me dar um exemplo tirado do ensino de medicina. Podemos pedir a um aluno que escreva sobre as relações médico-paciente, e aí, sem dúvida, ele encontrará na Internet montes de textos copiáveis. Ou podemos pedir que descreva um episódio de sua própria vida: uma doença que teve e o papel que o médico desempenhou então, com sua avaliação a respeito. Aí não tem como colar. Só a autenticidade resolve. E esta autenticidade será extremamente educativa para o aluno.

        Ou seja: a Internet nos ensina coisas, sim. Inclusive quando temos de pensar a respeito das armadilhas da Internet e de como evitá-las.

Moacyr Scliar. Internet e fraude. Carta maior, 8 jun. 2007. Extraído de: www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14266. Acesso em: 23 mar. 2013.

Fonte: Língua Portuguesa – Caminhar e transformar – Aos finais do ensino fundamental – 1ª edição – São Paulo – FTD, 2013. p. 240-3.

Entendendo o artigo de opinião:

01 – No texto lido, o autor:

(   ) Narra um fato de modo particular.

(X) Expõe seu ponto de vista sobre o assunto.

(X) Apresenta argumentos para defender seu ponto de vista.

02 – Pelo fato de o texto ter caráter argumentativo, o autor formula uma tese (a ideia principal que expressa seu ponto de vista) e a defende em todo o texto. Que ideia o autor defende?

      O autor defende a tese de que a Internet influenciou a história do mundo e deve ser utilizada de forma consciente e crítica.

03 – Segundo o autor, que mudança a internet provocou a respeito do conhecimento relacionado às diferentes faixas etárias?

      Nota-se uma troca maior de conhecimentos entre as diversas faixas etárias. Em relação à informática, com muita frequência os indivíduos mais idosos aprendem com os mais jovens.

04 – Dê sua opinião sobre as seguintes frases do texto.

        “[...] a história do mundo vai se dividir em duas frases: AI (antes da Internet) e DI (depois da Internet).”

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: O autor atribui grande importância ao uso da internet.

        “[...] A Internet subverteu totalmente a milenar ideia de que os mais velhos detêm o conhecimento. [...]”.

       Internet subverte a hierarquia entre velhos e jovens em relação ao uso e ao conhecimento acerca da rede mundial de computadores.

05 – Descreva o projeto desenvolvimento nos Estados Unidos para facilitar o acesso dos mais velhos à rede. O que você acha desse projeto?

      Adolescentes, orientados por professores de informática, prontificaram-se a dar aulas sobre computador e internet para pessoas de idade. É importante estimular a expressão de opiniões e argumentos dos alunos.

06 – Que mudanças de comportamento esse projeto provocou tanto nos mais velhos como nos jovens?

      No início, só 5% dos mais velhos sentiam-se à vontade com a internet. Depois do treinamento, a percentagem subiu para 80%. Por outro lado, os jovens perceberam que também têm o que ensinar aos mais velhos.

07 – É possível concluir que a aprendizagem pode aproximar os mais velhos dos mais jovens? Por quê?

      Esse projeto permite-nos dar resposta afirmativa. Os jovens têm facilidade de manipulação de computadores, celulares e controles remotos, e os idosos podem ter curiosidade por tudo o que lhes dê acesso ao saber.

08 – Moacyr Scliar apresenta apenas informações objetivas ou expressa também pontos de vista a respeito dos impactos produzidos pela internet?

      Moacyr Scliar produz um artigo de opinião para expressar pontos de vista a respeito de um determinado assunto. Todas as informações presentes no texto procuram fundamentar as opiniões do autor.

09 – O autor do texto é totalmente contrário à presença da internet no ambiente escolar? Na opinião de Moacyr Scliar, que propostas de trabalho podem conduzir a um uso adequado da internet na escola?

        O autor não é contrário ao uso da internet. No artigo de opinião, ele afirma que propostas de trabalho que conduzem a simples cópias de textos alheios devem ser substituídos por atividades que valorizem a autenticidade e a criatividade dos alunos. Desse modo, a internet pode ser usada como fonte de pesquisa e inspiração para os trabalhos escolares.

 

 


quinta-feira, 14 de abril de 2022

CRÔNICA: MINHA VIDA COMO PIVETE - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 Crônica: Minha vida como pivete

               Moacyr Scliar

        Não há segundo ato nas vidas americanas, disse Scott Fitzgerald, mas há nas vidas brasileiras: segundo, terceiro, décimo atos. Num desses atos – misteriosos são os desígnios da Providência – fui um pivete.

        Não por muito tempo, devo dizer. Na verdade, por muito pouco tempo, e em circunstâncias especiais. Aconteceu no Bom Fim, e numa época em que o bairro ainda não era barra-pesada. Nós estávamos na rua João Telles, uma noite, e jogávamos futebol no meio da rua. O futebol não é um esporte silencioso, e algazarra nós fazíamos, não muita, mas o suficiente para incomodar um dos moradores, que veio à janela e mandou-nos embora. Seguiu-se uma áspera troca de palavras, e a janela fechou-se, no que parecia uma retirada.

        Não era. Enquanto continuávamos o jogo, o homem chamava a polícia. Minutos depois encostava na rua uma viatura da PM. Podíamos, ou devíamos ter fugido: na verdade, porém, não nos ocorria que o objetivo das forças da lei era o nosso precário futebol. Para nossa surpresa os policiais vieram em nossa direção. Um deles olhou-me (nunca imaginei ter aparência perigosa) e, abrindo a porta do camburão, ordenou:

        -- Entra!

        Vacilei. Olhei lá dentro. Era um compartimento escuro e apertado aquele, um lugar de aparência sombria. Mas o pior era o significado de entrar ali. Quando a porta se fechasse, com estrondo, sobre mim, eu não apenas estaria separado de meu bairro, de meus amigos, de minha família. Eu estaria penetrando numa outra realidade, tão escura, apertada e sombria quanto o compartimento dos presos no camburão. Eu estaria ingressando na marginalidade, e quem me garantia que dela sairia? Não seria aquele o meu primeiro passo numa carreira (talvez bem-sucedida; talvez trágica; quem conhece os desígnios da Providência?) de gângster?

        O policial esperava, impaciente, e eu não me decidia, mas aí o destino interveio, sob a forma de um morador. Dirigindo-se aos homens da lei, ele ponderou que não valia a pena me levar, mesmo porque me conhecia e estava seguro de que eu era um bom guri.

        -- Garanto que ele não incomoda mais – repetia.

        Os homens se olharam e resolveram que não valia a pena gastar uma ficha policial comigo. De modo que depois de algumas ameaças embarcaram na viatura e se foram.

        Era o Bom Fim, não a Candelária; era o Brasil, não a Europa Oriental. Escapei do Holocausto porque meus pais vieram para este país, onde nasci. E escapei porque havia alguém ali para dizer que, apesar das aparências, eu era um bom guri. Tive sorte. Temos, todos nós, muita sorte. Em nome desta sorte devemos pensar, cada vez que olhamos um suposto pivete, que ele pode, afinal, ser um bom guri.

Zero Hora. Porto Alegre, 27 jul. 1993. Segundo Caderno.

Fonte: Português – Linguagem & Participação, 5ª Série – MESQUITA, Roberto Melo/Martos, Cloder Rivas – Ed. Saraiva, 2ª ed. 1999, p. 83-5.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Scott Fitzgerald (1896-1940): escritor norte-americano, autor de O Grande Gatsby e de Suave é a Noite.

·        Marginalidade: condição de indivíduo marginal, aquele que vive à margem da sociedade como mendigo, vagabundo ou delinquente.

·        Ato: parte em que se divide uma peça de teatro; ação, atitude.

·        Guri: garoto (no Rio Grande do Sul).

·        Desígnios: desejos, vontades.

·        Candelária: praça do Rio de Janeiro onde policiais mataram menores de rua.

·        Providência: situação, estado de coisas em determinado momento. No texto, ajuda de Deus.

·        Holocausto: massacre de milhões de judeus pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial; assassinato de grupos de pessoas que não têm como se defender.

·        Barra-pesada: perigoso.

·        Áspera: agressiva.

·        Precário: frágil; insuficiente.

·        Suposto: hipotético, imaginário.

·        Compartimento: espaço cercado; divisão de uma casa.

·        Pivete: menino de rua.

02 – Encontre dois cognatos para as seguintes palavras retiradas do texto “Minha vida como pivete”.

·        Vida: vivo, viver.

·        Áspero: aspereza, asperamente.

·        Brasil: brasileiro, brasilidade.

·        Imaginação: imaginar, imaginário.

·        Verdade: verdadeiro, verdadeiramente.

·        Perigosa: perigo, perigosamente.

·        Tempo: temperatura, temporal.

·        Fechar: fechadura, fechado.

03 – O narrador é aquele que conta a história. O título “Minha vida como pivete” indica quem deve ser o narrador dessa história? Justifique sua resposta.

      O narrador deve ser o próprio pivete devido ao uso do pronome minha especificando de quem é a vida de pivete.

04 – Se observarmos melhor, o narrador desse texto também é uma das personagens porque conta a sua própria história. Qual é o fato mais importante do texto para o narrador?

      O fato de ter sido “convidado” a entrar no carro da polícia.

05 – Onde e quando aconteceram os fatos presentes no texto?

      Os fatos aconteceram no bairro do Bom Fim – quando ainda não era barra-pesada –, na rua João Telles.

06 – Identifique a causa que levou um dos moradores a chamar a polícia. Justifique a sua resposta.

      Um dos moradores da rua não queria que os meninos jogassem futebol devido ao barulho que faziam. Ele não conseguiu que os meninos parassem e chamou a polícia.

07 – A princípio, a chegada da viatura da PM não incomodou os meninos. Que atitude dos policiais fez com que os meninos mudassem de opinião?

      Os policiais caminharam na direção dos meninos.

08 – Como o narrador/personagem se livrou de ser preso?

      Um vizinho convenceu a polícia de que o menino era um bom guri.

09 – Como você entendeu o desfecho do texto: Em nome desta sorte devemos pensar, cada vez que olhamos um suposto pivete, que ele pode, afinal, ser um bom guri?

      Devemos considerar que a sorte – ou a falta dela – pode determinar o destino de um pivete

domingo, 27 de fevereiro de 2022

CRÔNICA: AI, GRAMÁTICA, AI, VIDA - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 Crônica: AI, GRAMÀTICA, AI, VIDA.

               Moacyr Scliar

        [...]
        INFÂNCIA: A PERMANENTE EXCLAMAÇÃO

        Nasceu! É um menino! Que grande! E como chora! Claro, quem não chora não mama!

        Me dá! É meu!

        [...]

        A PUBERDADE: A TRAVESSIA (OU O TRAVESSÃO)

        [...]

        — O que eu acho, Jorge — não sei se tu também achas — o que eu acho — porque a gente sempre acha muitas coisas — o que eu acho — não sei — tu és irmão dela — mas o que eu estive pensando — pode ser bobagem — mas será que não é de a gente falar — não, de eu falar com a Alice —

        — Alice tu sabes — tu me conheces — a gente se dá — a gente conversa — tudo isto Alice — tanto tempo— eu queria te dizer Alice — é difícil — a gente — eu não sei falar direito.

        JUVENTUDE — A INTERROGAÇÃO

        Mas quem é que eu sou afinal? E o que é que eu quero? E o que é que vai ser de mim?

        E Deus, existe? E Deus cuida da gente? E o anjo da guarda, existe? E o diabo? E por que é que a gente se sente tão mal?

        [...]

        Mas por que é que tem pobres e ricos? Por que é que uns têm tudo e outros não têm nada? Por que é que uns têm auto e outros andam a pé? Por que é que uns vão viajar e outros ficam trabalhando?

        [...]

        AS PAUSAS RECEOSAS (RECEOSAS, VÍRGULA, CAUTELOSAS) DO JOVEM ADULTO

        Estamos, meus colegas, todos nós, hoje, aqui, nesta festa de formatura, nesta festa, que, meus colegas, é não só nossa, colegas, mas também, colegas, de nossos pais, de nossos irmãos, de nossas noivas, enfim, de todos quantos, nas jornadas, penosas embora, mas confiantes sempre, nos acompanharam, estamos, colegas, cônscios de nosso dever, para com a família, para com a comunidade, para com esta Faculdade, tão jovem, tão batalhadora, mas ao mesmo tempo tão, colegas, tão.

        [...]

        O HOMEM MADURO. NO PONTO.

        Uma cambada de ladrões. Têm de matar.

        Matar. Pena de morte.

        O Jorge também. Cunhado também. Tem de matar. Esquadrão da morte. E ponto final. No meu filho mando eu. E filho meu estuda o que eu quero. Sai com quem eu quero.

        Lê o que eu quero. Frequenta os clubes que eu mando.

        Tu ouviste bem, Alice. Não quero discutir mais este assunto. E ponto final.

        (UM PARÊNTESE)

        (Está bem, Luana, eu pago, só não faz escândalo)

        O FINAL... RETICENTE...

        Sim, o tempo passou... E eu estou feliz... Foi uma vida bem vivida, esta... Aprendi tanta coisa... Mas das coisas que aprendi... A que mais me dá alegria... É que hoje eu sei tudo... Sobre pontuação...

                         Minha mãe não dorme enquanto eu não chegar e outras crônicas. Porto Alegre: L&PM, 1995. p. 88-91.

Fonte: Livro- PORTUGUÊS: Linguagens – Willian R. Cereja/Thereza C. Magalhães – 7ª Série – 2ª edição - Atual Editora -1998 – p. 194-6.

Entendendo a crônica:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Cauteloso: cuidadoso, o que age com prudência.

·        Cônscio: consciente.

02 – O narrador-personagem associa as fases da vida a sete sinais de pontuação e, por meio deles, narra a sua história. Na 1ª parte, a infância é associada ao sinal de exclamação. De quem são as falas e o que a exclamação expressa:

a)   No 1° parágrafo?

De um adulto: do pai ou da mãe do bebê que nasceu. Expressa a alegria pelo nascimento.

b)   No 2° parágrafo?

Quem fala nesse parágrafo é a criança. O ponto de exclamação, nesse caso, sugere a convicção com que fala “É meu!”.

03 – Na 2ª parte do texto, o narrador associa a adolescência ao travessão, fazendo um trocadilho entre travessão e travessia. A que tipo de travessia se refere o narrador?

      À travessia da infância para a fase adulta, ou seja, à adolescência.

04 – Ainda na 2ª parte do texto, o protagonista conversa com um amigo (Jorge) e sua irmã (Alice).

a)   De que assunto ele quer tratar com essas pessoas?

De assuntos sentimentais.

b)   O que o emprego constante do travessão sugere quanto ao estado emocional do protagonista?

Que ele está inseguro, não consegue se expressar com clareza e desvia o assunto central a todo instante.

05 – A 3ª parte, a da juventude, é associada ao ponto de interrogação. Qual é a relação entre esse sinal de pontuação e essa fase da vida?

      Essa é a fase dos questionamentos, do desejo de mudar o mundo e a si mesmo.

06 – Na 4ª parte, o protagonista é um jovem adulto, que está terminando a faculdade. O narrador associa essa fase à vírgula.

a)   Observe o emprego da palavra vírgula no título dessa parte. Indique uma palavra ou expressão que tenha um sentido aproximado da palavra vírgula nesse contexto.

Isto é, nada, ou/ Equivalente a dizer: “receosas nada, cautelosas”.

b)   Qual a intenção do narrador ao empregar a palavra vírgula nesse contexto?

Corrigir o que foi dito antes.

c)   No título, o narrador faz um trocadilho, chamando as vírgulas de “pausa receosas” e depois corrigindo para “pausas cautelosas” do jovem adulto. Considerando a fase que se encontra esse jovem – de fim dos estudos e de iniciação profissional –, por que considera essa fase “cautelosa”?

Porque, nessa fase, o jovem se preocupa com o futuro, com sua imagem, e, por isso, fala com cautela.

07 – Na 5ª parte, a maturidade do protagonista é associado ao ponto final.

a)   Explique a ambiguidade, isto é, o duplo sentido da frase “No ponto”, do título dessa parte.

O título sugere que todas as fases anteriores conduziam ao amadurecimento em que o protagonista agora se encontra, isto é, ele está “no ponto”.

b)   Observe a forma como a protagonista expressa suas opiniões e como se posiciona diante do que acha certo ou errado. Que relação há entre ele dizer “E ponto final” e seu modo de ser na maturidade?

Ele agora tem opiniões firmes, acabadas e não admite contestação. Ao dizer “E ponto final”, ele expressa a ideia de: “Já disse e FIM!”.

c)   Os nomes de Alice e Jorge, já mencionados na 2ª parte da vida do protagonista, reaparecem na 5ª parte. Qual é o provável parentesco existente entre o protagonista e essas outras personagens?

Alice é sua esposa, e Jorge, seu cunhado.

08 – Como você sabe, uma das funções dos parênteses é indicar uma espécie de desvio do texto central ou o acréscimo de uma informação acessória. Na 6ª parte, esse sinal de pontuação é usado em uma conversa do protagonista com Luana.

a)   Levante hipóteses: Que tipo de relação você acha que existe entre eles?

Resposta pessoal do aluno: Sugestão: Luana pode ser a sua filha e, diante de um possível escândalo dela, ele se submete à sua vontade; outra possibilidade é Luana ser um caso extraconjugal do protagonista.

b)   O que o emprego dos parênteses sugere?

Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Considerando-se a 1ª hipótese, sugere que o pai esteja falando baixo, sem querer chamar a atenção; considerando-se a 2ª hipótese, dá a ideia de um fato escondido, que é preciso ocultar e que não participa da história principal.

09 – O narrador intitula a última parte de “O final... reticência...”. Como você sabe, as reticências podem ter diferentes papéis e sentidos. Veja alguns deles:

·        Indicar que o sentido vai além do que foi expresso;

·        Indicar suspensão do pensamento, reflexões;

·        Indicar dúvida, hesitação;

·        Permitir que o leitor, usando a imaginação, dê continuidade ao texto.

Na sua opinião, qual ou quais dos itens acima traduzem melhor a intenção do narrador ao associar essa fase da vida a esse sinal de pontuação?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Todos esses itens são possíveis.

 

 

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

CRÔNICA: A DESCOBERTA - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 CRÔNICA: A DESCOBERTA

                Moacyr Scliar

   Eu era magrinho.

       Magrinho, o menor do colégio. Tinha seis anos quando lá entrei, diretamente na segunda série primária. E porque era pequeno (e talvez também porque era filho de uma professora), os mais velhos debochavam de mim.

         Uma tarde, eu brincava no pátio, sozinho. Era hora do recreio; a meu redor, todos corriam, jogavam bola, mas eu, distraído, esgaravatava a terra com um graveto.

          De repente, achei uma moeda.

         Uma moeda de duzentos réis! Que sorte. E logo em seguida achei outra moeda. E outra, e mais outra! Imaginei que tinha descoberto um oculto tesouro, decerto ali enterrado pelos piratas em épocas remotas – quando as ondas do mar vinham quebrar no pátio do colégio. Eu agora cavava furiosamente, gritando, sem poder me conter: Um tesouro! Achei um tesouro!

        Não, não era um tesouro. Colocado atrás de mim, um garoto atirava habilidosamente as moedas que eu pensava estar encontrando. E de repente me dei conta: porque estavam todos a meu redor, rindo, rindo a valer. Fiquei furioso. E quando o garoto me pediu o dinheiro, não quis entregá-lo: era meu! Me arrancaram as moedas à força e foram embora, rindo. Fiquei sozinho no pátio, chorando.

          Mas eu realmente tinha encontrado um tesouro. Não as moedas: a história. Aquela, dos piratas… Minha imaginação fervilhava: um tesouro.

Moacir Scliar. Memórias de um aprendiz de escritor. São Paulo, Editora Nacional, 1984.

Entendendo o texto

Marque a única alternativa que completa a frase:
01. O menino entrou diretamente na segunda série primária porque…
a. tinha seis anos, era magrinho e o menor da escola.
b. a mãe era professora e lhe deu bons ensinamentos em casa.
c. filhos de professores são dispensados de frequentarem a primeira série.
d. isso era um incentivo dado a quem ia ser escritor.


02. O episódio das moedas acabou sendo um tesouro para o menino porque…
a. aprendeu a dar valor ao dinheiro, não o gastando à toa.
b. passou a agir com mais cuidado nos momentos importantes.
c. surgiu dele a ideia de escrever uma história de piratas.


03. Por dois motivos o menino não percebeu que as moedas eram postas no chão para que eles as achasse. Quais foram os dois motivos?

Estava distraído; o outro garoto as atirava habilidosamente.

04. Por que o menino se negou a devolver as moedas mesmo já sabendo que não havia tesouro nenhum?

Porque as considerava frutos de seu esforço: ele cavoucou a terra e as achou.

05. Ao final, o menino descobriu que havia encontrado outro tesouro. Qual?

Descobriu que podia escrever histórias de piratas e muitas outras.

 

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

CRÔNICA: O FUTEBOL E A MATEMÁTICA - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 CRÔNICA: O FUTEBOL E A MATEMÁTICA

                 Moacyr  Scliar


Modelo matemático prevê gols no futebol Mundo, 23.mar.99

O técnico reuniu o time dois dias antes da partida com o tradicional adversário. Tinha uma importante comunicação a fazer.
- Meus amigos, hoje começa uma nova fase na vida do nosso clube. Até agora, cada um jogava o futebol que sabia. Eu ensinava alguma coisa, é verdade, mas a gente se guiava mesmo era pelo instinto. Isso acabou. Graças a um dos nossos diretores, que é um cara avançado e sabe das coisas, nós vamos jogar de maneira completamente diferente. Nós vamos jogar de maneira científica.
Abriu uma pasta e de lá tirou uma série de tabelas e gráficos feitos em computador.
- Sabem o que é isso? É o modelo matemático para o nosso jogo. Foi feito com base em todas as partidas que jogamos contra o nosso adversário, desde 1923. Está tudo aqui, cientificamente analisado. E está aqui também a previsão para a nossa partida. Eles provaram estatisticamente que o adversário vai marcar um gol aos 12 minutos do primeiro tempo. Nós vamos empatar aos 24 minutos do segundo tempo e vamos marcar o gol da vitória aos 43 minutos. Portanto, não percam a calma. Esperem pelo segundo tempo. É ai que vamos ganhar.
Os jogadores se olharam, perplexos. Mas ciência é ciência; tudo o que eles tinham a fazer era jogar de acordo com o modelo matemático.
Veio o grande dia. Estádio lotado, começou a partida, e, tal como previsto, o adversário fez um gol aos 12 minutos. E aí sucedeu o inesperado.
Um jogador chamado Fuinha, um rapaz magrinho, novo no time, pegou a bola, invadiu a área, chutou forte e empatou. Cinco minutos depois, fez mais um gol. E outro. E outro. O jogo terminou com o marcador de 7 a 1, um escore nunca registrado na história dos dois times.
Todos se cumprimentavam, felizes. Só o técnico não estava muito satisfeito:
- Gostei muito de sua atuação, Fuinha, mas você não me obedeceu. Por que não seguiu o modelo matemático?
O rapaz fez uma cara triste:
- Ah, seu Osvaldo, eu nunca fui muito bom nessa tal de matemática. Aliás, foi por isso que o meu pai me tirou do colégio e me mandou jogar futebol. Se eu soubesse fazer contas, não estaria aqui, jogando para o senhor.
O técnico suspirou. Acabara de concluir: uma coisa é o modelo matemático. Outra coisa é a vida propriamente dita, nela incluída o futebol.

Entendendo o texto

 

01. Releia:

"Graças a um dos nossos diretores, que é um cara avançado e sabe das coisas, nós vamos jogar de maneira científica."

a)   Quem disse essas frases?

O técnico do time.

b)   Quem está representado pela palavra nós no trecho destacado?

O time e o técnico.

c)   Qual a classe gramatical de nós?

Pronome pessoal do caso reto.

d)   Localize no texto uma palavra ou expressão que tenha significado contrário ao da expressão "maneira científica".

     Pelo instinto.

02 " — Sabem o que é isso?

      É o modelo matemático para o nosso jogo."

·        O que o modelo utilizava da matemática?

Foi feito com base em todas as partidas jogadas pelo time desde 1923.

03 - Marque a palavra que representa o significado da palavra destacada em cada frase.

a) Eles provaram estatisticamente que o adversário vai marca um gol.

(A) praticamente.

(B) concretamente.

(C) cientificamente.

b) Os jogadores se olharam, perplexos

(A) sorridentes.

(B) espantados.

(C) tristes.

c) O jogo terminou com o marcador de 7 a 1, um escore

nunca visto.

(A) problema.

(B) fenômeno.

(C) resultado.

04 - Qual a justificativa dada pelo jogador para não seguir o modelo matemático " do técnico?

"— Ah seu Osvaldo, eu nunca fui muito bom nessa tal de matemática."

05 - Depois do jogo, qual foi a conclusão a que o técnico chegou sobre o "modelo matemático"?

- "... uma  coisa  é  o  modelo  matemático.  Outra  coisa  é  a  vida  propriamente  dita,  nela  incluída  o futebol."

06 - A crônica “O futebol e a matemática” é uma narrativa, isto é,  um  texto  escrito  com  a  intenção  de contar uma história inventada.

 ·Marque as afirmações corretas sobre a crônica lida.

(A) A história é contada por um narrador - personagem.

(B) A história é contada por um narrador-observador.

(C) Não há registro das falas das personagens.

(D) Há registro das falas das personagens.

07- "Graças a um dos nossos diretores, que é um cara avançado..."

"O rapaz fez uma cara triste."

·        Qual é o sentido da palavra cara em cada uma das frases?

          Na primeira é uma gíria, que significa a pessoa.

          Na segunda refere-se a expressão triste.