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segunda-feira, 22 de abril de 2019

CONTO: LONGE COMO O MEU QUERER - (FRAGMENTO) - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

Conto: Longe como o meu querer - Fragmento
                                     Marina Colasanti

        Regressava ao castelo com suas damas, quando do alto do cavalo o viu, jovem de longos cabelos à beira de um campo. E embora fossem tantos os jovens que cruzavam seu caminho, a partir daquele instante foi como se não houvesse mais nenhum. Nenhum além daquele.
        À noite, no banquete, não riu dos saltimbancos, não aplaudiu os músicos, mal tocou na comida. As mãos pálidas repousavam. O olhar vagava distante.
        --- Que tens, filha, que te vejo tão pensativa? – Perguntou-lhe o pai.
        --- Oh! pai, se soubesses! – Exclamou ela, feliz de partilhar aquilo que já não lhe cabia no peito. E contou do rapaz, do seu lindo rosto, dos seus longos cabelos.
        O que o pai pensou, não disse. Mas no dia seguinte, senhor que era daquele castelo e das gentes, ordenou que se decapitasse o jovem e se atirasse seu corpo ao rio. A cabeça entregou à filha em bandeja de prata, ele que sempre havia satisfeito todas as suas vontades.
        --- Aqui tens o que tanto desejavas.
        E sem esperar resposta, sem sequer procurá-la em seus olhos retirou-se.
        Saído o pai, a castelã lavou aquele rosto, perfumou e penteou os longos cabelos, acarinhou a cabeça no seu colo. À noite pousou-a no travesseiro ao lado do seu, e deitou-se para dormir.
        Porém, no escuro, fundos suspiros barraram a chegada seu sono.
        --- Por que suspiras, doce moço? – Perguntou voltando-se para o outro travesseiro.
        --- Porque deixei a terra arada no meu campo. E as sementes preparadas no celeiro. Mas não tive tempo de semear. E no meu campo nada crescerá.
        --- Não te entristeças – respondeu a castelã.  Amanhã semearei teu campo. No dia seguinte chamou sua dama mais fiel, pretextou um passeio, e saíram ambas a cavalo.
        Apearam no campo onde ela o havia visto a primeira vez. A terra estava arada. No celeiro encontraram as sementes. A castelã calçou tamancos sobre seus sapatinhos de cetim, não fosse a lama denunciá-la ao pai. E durante todo o dia lançou sementes nos sulcos.
        À noite deitou-se exausta. Já ia adormecer, quando fundos suspiros a retiveram à beira do sono.
        --- Por que suspiras, doce moço, se já semeei teu campo?
        --- Porque deixei minhas ovelhas no monte, e sem ninguém para trazê-las ao redil serão devoradas pelos lobos.
        --- Não te entristeças. Amanhã buscarei tuas ovelhas.
        No dia seguinte, chamou aquela dama que mais do que as outras lhe era fiel e, pretextando um passeio, saíram juntas além dos muros do castelo.
        Subiram a cavalo até o alto do monte. As ovelhas pastavam. A castelã cobriu sua saia com o manto, não fossem folhas e espinhos denunciá-la ao pai. Depois, com a ajuda da dama reuniu as ovelhas e, levando o cavalo pelas rédeas, desceu com o rebanho até o redil.
        Que tão cansada estava à noite, quando o suspiro fundo pareceu chamá-la!
        --- Por que suspiras, doce moço, se já semeei teu campo e recolhi tuas ovelhas?
        --- Porque não tive tempo de guardar a última palha do verão, e apodrecerá quando as chuvas chegarem.
        --- Não te entristeças. Amanhã guardarei a tua palha.
        Quando no dia seguinte mandou chamar a mais fiel, não foi preciso explicar-lhe aonde iriam. Pretextando desejo de ar livre, afastaram-se ambas do castelo.
        Os feixes de palha, amontoados, secavam ao sol. A castelã calçou os tamancos, protegeu a saia, enrolou tiras de pano nas mãos, não fossem feridas denunciá-la a seu pai. E começou a carregar os feixes para o celeiro. Antes do anoitecer tudo estava guardado, e as duas regressaram ao castelo.
        Nem assim manteve-se o silêncio no escuro quarto da castelã.
        Por que suspiras, doce moço? – Perguntou ela mais uma vez. – Por que suspiras, se já semeei teu campo, recolhi tuas ovelhas, e guardei tua palha?
        --- Porque uma tarefa mais é necessária. E acima de todas me entristece. Amanhã deverás entregar-me ao rio. Só ele sabe onde meu corpo espera. Só ele pode nos juntar novamente antes de entregar-nos ao mar.
        --- Mas o mar é tão longe! – Exclamou a castelã num lamento.
        E naquela noite foram dois a suspirar.
        Ao amanhecer a castelã perfumou e penteou os longos cabelos do moço, acarinhou a cabeça, depois a envolveu em linhos brancos e chamou a dama.
        Os cavalos esperavam no pátio, o soldado guardava o portão. – Vamos entregar alguma comida para os pobres – disseram-lhe. E saíram levando seu fardo.
        Seguindo junto à margem, afastaram-se da cidade até encontrar um remanso. Ali apearam. Abertos os linhos, entregaram ao rio seu conteúdo. Os longos cabelos ainda flutuaram por um momento, agitando-se como medusas. Depois desapareceram na água escura.
        De pé, a castelã tomou as mãos da sua dama. Que lhe fosse fiel, pediu, e talvez um dia voltassem a se ver. Agora, cada uma tomaria um rumo. Para a dama, o castelo. Para ela, o mar.
        --- Mas é tão longe o mar! – exclamou a dama.
        Montaram as duas. A castelã olhou a grande planície, as montanhas ao fundo. Em algum lugar além daquelas montanhas estava o mar. E em alguma praia daquele mar o moço esperava por ela.
        --- A distância até o mar – Disse tão baixo que talvez a dama nem ouvisse – Se mede pelo meu querer.
        E esporeou o cavalo.
                  Marina Colasanti. Longe como o meu querer. São Paulo: Ática, 2001.
Entendendo o conto:
01 – Pelo assunto abordado, é possível dizer que esse texto nunca poderia ser publicado em uma revista como Scientific American Brasil. Por quê?
      Por que trata-se de um texto de ficção, inadequado para uma revista de teor científico.

02 – A narrativa trata de um fato possível no plano real ou só possível como ficção? Como você chegou à sua resposta?
      O fato é apenas ficção. Entre os índices mais importantes dessa ficcionalidade estão a possibilidade de a cabeça do moço manter-se viva depois de desligada do resto do corpo e a posterior reintegração do corpo, que se supõe acontecer.

03 – De todas as tarefas que o camponês solicitou à castelã, uma foi a que mais o entristeceu.
a)   Qual foi essa tarefa?
Que ela entregasse a cabeça dele ao rio para que encontrasse o resto do corpo.

b)   Por que essa tarefa teria feito o camponês ficar tão triste?
Porque ele sabia que, realizada a tarefa, ficaria para sempre longe da castelã.

04 – Cada ação oculta da castelã, se descoberta, poderia comprometê-la perante o pai. Por isso, ela elimina os indícios das tarefas que realizava para o moço.
a)   Identifique esses indícios.
Lama; folhas e espinhos; ferimentos (feridas).

b)   Por que esses indícios seriam estranhos no dia-a-dia de uma castelã?
Porque se relacionam com o trabalho braçal, realizado no campo, impensável para um nobre.

05 – Releia: “Amanhã deverás entregar-me ao rio. Só ele sabe onde meu corpo espera. Só ele pode nos juntar novamente antes de entregar-nos ao mar.”
        A que(m) se referem os pronomes destacados?
      Ao corpo e à cabeça, que, novamente juntos, comporiam a pessoa do jovem.

06 – Resuma o que acontece com a castelã e sua dama no final da história.
      A castelã vai para o mar procurar o camponês. A dama volta ao castelo.

07 – Qual dos provérbios seguintes se relaciona mais diretamente com o final da história?
a)   No amor e na guerra tudo vale.
b)   O fim da paixão é o começo do arrependimento.
c)   É o amor que faz o mundo girar.
d)   O amor não conhece distâncias.

08 – Não teria sido mais fácil simplesmente a princesa e o jovem se casarem? Por que a história precisou de tantas peripécias?
      Porque o rei certamente não autorizaria o casamento da filha com um camponês.

09 – Identifique o sentido que o verbo vagar adquire no segundo parágrafo de “Longe como o meu querer”. Em seguida, escreva uma frase utilizando o mesmo verbo com sentido diferente.
      Tem o sentido de percorrer vagando, ao acaso. Resposta pessoal do aluno.

10 – Releia este trecho com atenção: “No dia seguinte, chamou sua dama mais fiel, pretextou um passeio, e saíram ambas a cavalo.”
O verbo destacado aparece mais uma vez no conto. Pelo contexto, qual é o significado desse verbo?
       Dar como pretexto ou desculpa; dissimular o motivo real para algum feito ou ação.

11 – Compare: “... acarinhou a cabeça no seu colo. À noite pousou-a no travesseiro ao lado do seu...”. “Ao posar para a foto, segurava o queixo.”
Os verbos pousar e posar têm formas parecidas, mas significados diferentes. São parônimos.
a)   Procure no dicionário o significado adequado de pousar e posar nas frases acima.
Pousar: pôr, colocar. Posar: ficar imóvel em determinada posição, para ser fotografado.

b)   Procure no dicionário as palavras seguintes e leia seu significado. Você encontrará também os parônimos dessas palavras. Procure-os, observe seu significado e, no caderno, escreva frases com eles.
Emergir: trazer ou vir à tona. Imergir: estar imerso, mergulhar.
Pião: brinquedo geralmente de madeira. Peão: Aquele que anda a pé; homem da plebe.

12 – No castelo havia muitas damas a serviço da castelã, mas uma delas sobressaía no conjunto por uma característica. Empregando apenas um substantivo abstrato, indique essa característica.
      É a palavra fidelidade.

13 – No trecho abaixo, observe a palavra destacada, um coletivo: “Os feixes de palha, amontoados, secavam ao sol.” Nos itens a seguir, trocamos nessa frase a palavra palha por outras. Com essa mudança, que substantivo você precisa colocar no lugar de feixes para manter a coerência? Reflita e copie no caderno as frases completando-as com o coletivo adequado:
a)   As réstias/enfiadas de alho, amontoadas, secavam ao sol.

b)   Os cachos de uva, amontoados, secavam ao sol.

c)   Os buquês/ramalhetes de flores, amontoados, secavam ao sol.

14 – “Longe como o meu querer” é uma narrativa que chamamos de conto. Identifique nesse conto:
a)   As personagens.
A castelã, o moço decapitado, a dama fiel e o pai da castelã.

b)   A ação principal de cada uma dessas personagens.
A castelã: realiza os desejos do moço decapitado. A dama: acompanha a castelã e a ajuda. O moço decapitado: diz à castelã o que deseja que seja feito. O pai: manda decapitar o moço.

15 – A partir de que ação (ações) indicada(s) na resposta anterior a narrativa avança, evolui?
      A partir da ação do moço decapitado: é pelo fato de a castelã fazer o que ele diz que a narrativa caminha / evolui para o desfecho.

16 – Dentre as personagens, indique aquela cuja ação desencadeia todas as outras ações no conto.
      O pai da castelã: sua ação é o ponto de partida para as demais.

17 – Em muitas narrativas, há uma busca: as personagens agem de modo a (re)encontrar seu objeto do desejo. A respeito desse conto de Marina Colasanti, responda no caderno.
a)   O que buscam as personagens?
A castelã busca o amor, representado pelo moço decapitado.
O moço busca cumprir suas tarefas cotidianas, as quais se vê impossibilitado de realizar.
O pai da castelã busca realizar o desejo da filha.
A dama busca acompanhar sua senhora.

b)   Qual é, na sua opinião, a busca mais importante, aquela que mais contribui para que a narrativa atinja o seu desfecho?
É a da castelã, cuja busca a leva a abandonar o castelo, ação essa que contribui o desfecho da narrativa.

18 – Antagonista é a personagem (ou um outro elemento da narrativa) que retarda o desenrolar dos fatos, agindo contra a busca principal. Na sua opinião, quem ou o que seria o antagonista desse conto?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão; O antagonista mais evidente é a distância que separa a castelã do moço decapitado.
  

domingo, 7 de abril de 2019

CONTO: ENTRE O LEÃO E O UNICÓRNIO - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

Conto: Entre o Leão e o Unicórnio           
               Marina Colasanti

        "No meio da noite de núpcias, o rei acordou tocado pela sede. Já ia se levantar, quando junto à cama, do lado da sua recém-esposa, viu deitado um leão. 
        -- Na certa – pensou o rei mais surpreso do que assustado –, estou tendo um pesadelo.
        E mudando de posição para interromper o sonho mau, deitou a real cabeça sobre o real travesseiro. Em seguida, adormeceu. 
        De fato, na manhã seguinte, o leão havia desaparecido sem deixar cheiro ou rastro. E o rei logo esqueceu de tê-lo visto.
        Esquecido ficaria, se dali a algum tempo, acordando à noite entre um suspiro e um ronco, não deparasse com ele no mesmo lugar, fulvo e vigilante. Dessa vez, custou mais a adormecer.
        Quando a rainha despertou, o rei contou-lhe do estranho visitante noturno que já por duas vezes se apresentava em seu quarto. 
        -- Oh! Senhor meu marido – disse-lhe esta constrangida –, não ousei revelar antes do casamento, mas desde sempre esse leão me acompanha. Mora na porta do meu sono, e não deixa ninguém entrar ou sair. Por isso não tenho sonhos, e minhas noites são escuras e ocas como poço.
        Penalizado, o rei perguntou o que poderia fazer para livrá-la de tão cruel carcereiro.
        -- Quando o leão aparecer – respondeu ela – pegue a espada e corte-lhe as patas.
        Naquela mesma noite, antes de deitar, o rei botou ao lado da cama sua espada mais afiada. E assim que abriu os olhos na semi-escuridão, zac! Decepou as patas da fera de um só golpe. Depois, mais sossegado, retomou o sono. 
        Durante algum tempo dormiu todas as noites até de manhã, sem sobressaltos. Mas numa madrugada quente em os edredons de pluma pareciam pesar sobre seu corpo, acordando todo suado viu que o quarto real estava invadido por dezenas de beija-flores e que um enxame de abelhas se agrupava na cabeceira. Depressa cobriu a cabeça com o lençol, e debaixo daquela espécie de mortalha atravessou as horas que ainda que ainda o separavam do nascer do dia. Só ao perceber o primeiro espreguiçar-se da rainha, emergiu de dentro da cama, contando-lhe da bicharada.
        -- É que dormindo ao seu lado, meu caro esposo, cada vez mais doces e mais floridos se fazem meus sonhos – explicou ela, sorrindo com ternura. 
        E ele, desvanecido com tanto amor, pousou-lhe um beijo na testa.
        Muitos meses se foram, tranquilos.
        Porém uma noite, tendo jantado mais do que devia à mesa do banquete, o rei acordou em meio ao silêncio. Levantou-se disposto a tomar um pouco de ar no balcão, quando, caracoleando sobre o mármore real do aposento, viu aproximar-se um unicórnio azul.
        Não ousou tocar animal tão inexistente. Não ousou voltar para cama. Perplexo, saiu para o terraço, fechou rapidamente as portas envidraçadas, e encolhido num canto esperou que a manhã lhe permitisse interpelar a rainha.
        -- É a montada da minha imaginação – escusou-se ela. – Leva meus sonho lá onde eu não tenho acesso. Galopa a noite inteira sem que eu tenha controle.
        Tão bonito pareceu aquilo ao rei, que na noite seguinte, quer por desejo, quer por acaso, no momento em que a mulher adormeceu, ele acordou. Lá estava o unicórnio com seu chifre de cristal, batendo de leve os cascos, pronto para a partida. Desta vez o rei não temeu. Levou-lhe a mão ao pescoço, alisou o suave azul do pelo, e de um salto montou.
        Unicórnios de sonho não relincham. Aquele levantou a cabeça, sacudiu a crina, e como se pisasse nos caminhos do vento, partiu a galope. 
        Galoparam a noite toda. Mas antes que o sol nascesse, quando a escuridão apenas começava a derreter-se no horizonte, os cascos mais uma vez pousaram no mármore. E a real cabeça deitou-se no travesseiro. 
        -- Sonhei que vossa majestade fugia com a montada de minha imaginação – disse a rainha ao esposo, de manhã. – Mas estou bem contente em vê-lo agora aqui ao meu lado – acrescentou numa reverência.
        O rei, porém, mal conseguia esperar pelo fim do dia. Tão rica e vasta havia sido a viagem, que só desejava montar novamente naquele dorso, e, azul no ar azul, descobrir novos rumos. Pela primeira vez as tarefas da coroa lhe pareceram pesadas, e tediosa a corte. Da rainha, só desejava que, rápido, adormecesse. 
      Desta forma, noite após noite, partiu o rei nas costas do unicórnio, para só retornar ao amanhecer.
        E a cada noite, mais diferente ficou. 
        Já não queria guerrear, nem dançar nos salões. Já não se interessava por caçadas ou tesouros. Trancado sozinho na sala do trono durante horas, pensava e pensava, galopando na lembrança, livre como o unicórnio. 
        Ressentia-se porém a rainha com aquela ausência. Doente, quase, de tanta desatenção, mandou por fim chamar a mais fiel das suas damas de companhia. E em grande segredo deu-lhes as ordens: deveria esconder-se debaixo da cama real, cuidando para não ser vista. E ali esperar pelo sono da rainha. Tão logo esta adormecesse, veria surgir um leão sem patas. Que não temesse. Pegasse as patas que jaziam decepadas à sua frente, e, com um fio de seda, as costurasse no lugar. 
        Tendo obtido da moça a promessa de que tudo faria conforme o explicado, deitou-se a rainha logo ao escurecer, pretextando grande cansaço. No que foi imediatamente acompanhada pelo rei.
        Custava porém o sono chegar. Virava-se e revirava-se o casal real sobre o colchão, enquanto embaixo a dama de companhia esperava. E de tanto esperar, o sono acabou chegando primeiro para ela que, sem perceber, adormeceu.
        Acordou noite alta, quando há muito o unicórnio vindo buscar o seu ginete. Assustada, não querendo faltar com a promessa e ouvindo o ressonar da rainha, rastejou para fora da cama. Lá estava o leão, deitado e imóvel. Lá estavam as patas à sua frente. Rapidamente pegou a agulha enfiada com longo fio de seda, e em pontos bem firmes costurou uma pata. Depois a outra. 
        Leões de sonho não rugem. Aquele levantou a cabeça, sacudiu a juba e firme sobre as patas retomou a sua tarefa de guardião. Nenhum sonho mais sairia das noites da rainha. Nenhum entraria. Nem mesmo aquele em que um unicórnio azul galopava e galopava, levando no dorso um rei para sempre errante."
               Marina Colasanti. Doze reis e a moça do labirinto do vento.
São Paulo: Global, 1999.
Entendendo o conto:
01 – No conto de Marina Colasanti, há personagens típicas de contos de fadas. Que personagens são essas?
      O rei e a rainha, a ajudante da rainha.

02 – Uma das características dos contos de fadas é a presença de elementos mágicos. Em “Cinderela”, há a fada madrinha, que tem poderes mágicos. Em “Oochigeaskw”, o ser misterioso é invisível. No conto “Entre leão e unicórnio”, quais os elementos mágicos mais evidentes?
      Os sonhos da rainha se materializarem no quarto real e o fato de o rei poder passear por esses sonhos. Há também o unicórnio, um animal inexistente.

03 – Observe:
        [...] Levantou-se disposto a tomar um pouco de ar no balcão, quando, caracoleando sobre o mármore real do aposento, viu aproximar-se um unicórnio azul.
        Não ousou tocar animal tão inexistente. Não ousou voltar para a cama. [...]
        Ao contrário do leão, o unicórnio é um “animal tão inexistente”.
a)   Você sabe o que é um unicórnio?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: É um animal presente na mitologia de muitos povos, trata-se de um cavalo com um único chifre no meio da cabeça.

b)   Para você, se o unicórnio é um animal inexistente, como ele podia existir nos sonhos da rainha?
Resposta pessoal do aluno.

c)   Nas histórias que você lê, ouve, ou vê (na televisão, por exemplo), há muitas criaturas e seres como o unicórnio do conto de Marina Colasanti?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sim, como nos desenhos e filmes como: super-herói, mágicos, criaturas de outros planetas, conforme a imaginação de quem as cria.

d)   Em sua opinião, por que as pessoas “inventam” histórias com seres “tão inexistentes”?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Porque a ficção está presente nas culturas em geral.

04 – Além dos sentidos evidentes da história, que interpretações você poderia dar ao fato de o rei ter ficado preso nos sonhos da rainha?
      É que os contos de fadas, em geral, abordam tramas psicológicas de ordem estrutural, vividas por todos nós, sobretudo na infância. Entre outras interpretações, pode-se dizer que a história aborda a questão da dependência, quando a pessoa se perde de si ao se identificar totalmente com o outro.

05 – Observe: "No meio da noite de núpcias, o rei acordou tocado pela sede. Já ia se levantar, quando junto à cama, do lado da sua recém-esposa, viu deitado um leão.”
a)   A palavra recém-esposa forma-se pelo acréscimo do prefixo recém à palavra esposa. Que sentido essa palavra tem?
Recém-esposa designa a pessoa que acabou de se tornar esposa.

b)   Localize no conto “Entre o Leão e o Unicórnio” e copie no caderno um indício que comprova sua resposta.
O conto refere-se à noite de núpcias, que é a primeira noite que um casal recém-casado passa junto. “No meio da noite de núpcias...”

c)   Copie esse mesmo prefixo no caderno e utilize-o para formar palavras que significam:
1 – Um trabalho que acabou de ser concluído. Recém-concluído.
2 – Um alimento que acabou de ser preparado. Recém-preparado.
3 – Um objeto que acabou de ser fabricado. Recém-fabricado.
Escolha uma das palavras assim formadas e faça no caderno uma frase com ela.
      Resposta pessoal do aluno.

06 – Releia atentamente o trecho a seguir:
        “De fato, na manhã seguinte, o leão havia desaparecido sem deixar cheiro ou rastro. E o rei logo esqueceu de tê-lo visto.
        Esquecido ficaria, se dali a algum tempo, acordando à noite entre um suspiro e um ronco, não deparasse com ele no mesmo lugar, fulvo e vigilante. Dessa vez, custou mais a adormecer.
        Quando a rainha despertou, o rei contou-lhe do estranho visitante noturno que já por duas vezes se apresentava em seu quarto.”

a)   Localize no dicionário os significados da palavra fulvo.
De cor amarelo-dourado, castanha; louro.

b)   No trecho transcrito, essa palavra é um substantivo ou adjetivo? Explique.
Adjetivo. Emprega-se para caracterizar o leão.

c)   A quem ou a que essa palavra se refere?
Refere-se ao leão.

07 – Ao longo de um texto, para referir-se a um mesmo ser (ou a um mesmo assunto), podem-se empregar palavras ou expressões variadas. Esse ser (ou assunto) que recebe designações diversas ao longo de um texto é o que chamamos de referente.
a)   Localize no trecho da questão 06 as palavras ou expressões que se referem ao leão.
-Lo; ele; estranho visitante noturno; se (na ordem em que aparecem no trecho).

     b) Releia todo o texto atentamente e localize outras palavras e expressões que se referem ao leão e palavras ou expressões que se referem ao unicórnio. Registre essas palavras ou expressões em seu caderno, separando-as em duas colunas: as palavras referente ao leão e as referente ao unicórnio.
      Leão: esse leão, tão cruel carcereiro, lhe, fera, um leão sem patas, aquele, guardião.

      Unicórnio: unicórnio azul, animal tão inexistente, a montada da minha imaginação, lhe, aquele, aquele dorso.

08 – Para formar o adjetivo visitante (no texto aparece na alinha 14), elimina-se a terminação -r de um verbo e acrescenta-se a terminação -nte.
a)   Que verbo é esse?
Visitar.

b)   Que sentido a palavra visitante tem no texto?
Aquele que visita.

c)   Outros adjetivos do texto também são formados a partir de verbos, com a terminação -nte. Indique-os.
Vigilante (de vigiara), inexistente (de inexistir), errante (de errar), seguinte (de seguir).



quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

CONTO: UM DESEJO E DOIS IRMÃOS - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

Conto: Um desejo e dois irmãos
             Marina Colasanti

                         
        Dois Príncipes, um louro, e um moreno. Irmãos, mas os olhos de um azuis, e os do outro verdes. E tão diferente nos gostos e nos sorrisos, que ninguém os diria filhos do mesmo pai, rei que igualmente os amava.
        Uma coisa porém tinham em comum: cada um deles queria ser outro. Nos jogos, nas poses, diante do espelho, tudo o que um queria era aquilo que o outro tinha. E de alma sempre cravada nesse desejo insatisfeito, esqueciam-se de olhar para si, de serem felizes.
        Sofria o pai com o sofrimento dos filhos. Querendo ajudá-los, pensou um dia que melhor seria dividir o reino, para que não viessem a lutar depois da sua morte. De tudo o que tinha, deu o céu para seu filho louro, que governasse junto ao sol brilhante como seus cabelos. E entregou-lhe pelas rédeas um cavalo alado. Ao moreno coube o verde mar, reflexo de seus olhos. E um cavalo-marinho.
        O primeiro filho montou na garupa lisa, entre as asas brancas. O segundo filho firmou-se nas costas ásperas do hipocampo. A cada um, seu reino.
        Mas as pernas que roçavam em plumas esporearam o cavalo para baixo, em direção às cristas das ondas. E os joelhos que apertavam os flancos molhados ordenaram que subisse, junto à tona.
        Do ar, o príncipe das nuvens olhou através do seu reflexo, procurando a figura do irmão nas profundezas.
        Da água, o jovem senhor das vagas quebrou com seu olhar a lâmina da superfície procurando a silhueta do irmão.
        O de cima sentiu calor, e desejou ter o mar para si, certo de que nada o faria mais feliz do que mergulhar no seu frescor.
        O de baixo sentiu frio, e quis possuir o céu, certo de que nada o faria mais feliz do que voar na sua mornança.
        Então emergiu o focinho do cavalo marinho e molharam-se as patas do cavalo alado.
        Soprando entre as mãos em concha os dois irmãos lançaram seu desafio. Alinhariam os cavalos na beira da areia e partiriam para a linha do horizonte. Quem chegasse primeiro ficaria com o reino do outro.
        – A corrida será longa, – pensou o primeiro. E fez uma carruagem de nuvens que atrelou ao seu cavalo.
        – Demoraremos a chegar, – pensou o segundo. E prendeu com algas uma carruagem de espumas nas costas do hipocampo.
        Partiram juntos. Silêncio na água. No ar, relinchos e voltear de plumas. Longe, a linha de chegada dividindo os dois reinos.
        Os raios de sol passavam pela carruagem de nuvens e desciam até a carruagem de espumas. Durante todo o dia acompanharam a corrida. Depois brilhou a lua, a leve sombra de um cobriu o outro de norte mais profunda.
        E quando o sol outra vez trouxe sua luz, surpreendeu-se de ver o cavalo alado exatamente acima do cavalo marinho. Tão acima como se, desde a partida, não tivessem saído do lugar.
        Galopava o tempo, veloz como os irmãos.
        Mas a linha do horizonte continuava igualmente distante. O sol chegava até ela. A lua chegava até ela. Até os albatrozes pareciam alcançá-la no seu voo. Só os dois irmãos não conseguiam se aproximar.
        De tanto correr já se esgarçavam as nuvens da carruagem alada, e a espuma da carruagem marinha desfazia-se em ondas. Mas os dois irmãos não desistiam, porque nessa segunda coisa também eram iguais, no desejo de vencer.
        Até que a linha do horizonte teve pena. E devagar, sem deixar perceber, foi chegando perto.
        A linha chegou perto. E chegou perto.
        Baixou seu voo o cavalo alado, quase tocando o reflexo. Aflorou o cavalo marinho entre marolas. As plumas, espumas se tocaram. Céu e mar cada vez mais próximos confundiram seus azuis, igualaram suas transparências. E as asas brancas do cavalo alado, pesadas de sal, entregaram-se à água, a crina branca roçando já o pescoço do hipocampo. Desfez-se a carruagem de nuvens na crista da última onda. Onda que inchou, rolou, envolvendo os irmãos num mesmo abraço, jogando um corpo contra o outro, juntando para sempre aquilo que era tão separado.
        Desliza a onda sobre a areia, depositando o vencedor. Na branca praia do horizonte, onde tudo se encontra, avança agora um único príncipe, dono do céu e do mar. De olhos e cabelos castanhos, feliz enfim.

                                    Colasanti, Marina. Um desejo e dois irmãos.
Entendendo o conto:
01 – A história começa mostrando diferenças entre os dois príncipes. Mas os dois irmãos também tinham coisas comuns, isto é, semelhanças. Em que eram parecidos?
      Um queria ser o outro e um queria o que o outro tinha.

02 – Por que o rei resolveu dividir seu reino?
      Porque via que os filhos eram infelizes e queria ajudá-los.

03 – Levando em conta a parte do reino que cada príncipe recebeu, pode-se dizer que esse rei era muito mais poderoso que outros reis de histórias que conhecemos? Por quê?
      Sim. Porque seu reino era o céu e o mar.

04 – O rei tinha preferência por um dos filhos? Comprove sua resposta com elementos do texto.
      Não. No texto: “Rei que igualmente os amava.”

05 – Essa história tem rei e príncipes, mas não podemos dizer que é uma história verdadeira, que se passa no mundo real. Por quê?
      Porque possui muitos elementos fantasiosos do texto: o rei repartir o céu e o mar entre os filhos; um príncipe ter um cavalo alado; outro ter um cavalo-marinho para montar...

06 – Os príncipes não ficaram felizes com o que receberam do pai. Por quê?
      Porque um sentiu calor e outro sentiu frio, mas o que cada um queria era o reino do outro.

07 – Qual foi o desafio lançado pelos dois irmãos?
      Aquele que chegasse primeiro à linha do horizonte ficaria com o reino do irmão.

08 – Qual deles foi o vencedor? Por quê?
      Não houve vencedor, porque o tempo passava e nenhum dos dois conseguia ultrapassar o outro, como se não tivessem saído do lugar.

09 – As oposições entre os irmãos continuam. Veja:
·        Uma carruagem de nuvem X uma carruagem de espuma.
·        Relinchos e voltear de plumas no ar X silêncio na água.
Mas, há uma coincidência entre os desejos dos dois príncipes. Qual?
      Os dois desejam vencer.

10 – Explique o significado desta frase: “Na branca praia do horizonte, onde tudo se encontra...”
      No horizonte, tudo parece se juntar. É como se água e céu fossem uma coisa só.

11 – Quem foi o vencedor da disputa entre os dois irmão?
      Foi um terceiro que surgiu da mistura dos dois.

12 – O título que acabamos de ler é Um desejo e dois irmãos. Depois de conhecer a história, você daria outro título a ela? Por quê?
      Resposta pessoal do aluno.