Crônica: Tudo É Possível
Walcyr Carrasco
QUANDO EU ERA
PEQUENO, queria ganhar um cavalo de corrida. Natal após Natal eu mandava
cartinhas para Papai Noel. Não tinha muita ideia de onde botar o
cavalo. Morava em uma pequena casa no interior de São Paulo, dividindo o quarto
com meu irmão mais velho. Talvez pudesse acomodá-lo na cozinha, se mamãe
deixasse. Mas isso não parecia ser problema. Em todo Natal mamãe vinha com uma
desculpa:
— O cavalo ficou
doente, e Papai Noel não pôde trazer.
— Ou então:
— Estava, muito pesado para Papai Noel carregar.
Finalmente, exausta,
revelou a verdade sobre Papai Noel.
Sofri. Não queria
acreditar. Puxa, desde que eu me conhecia por gente fazia esforço para ser
bonzinho por conta do cavalo de corrida. Via o velhinho de barbas brancas na
porta da loja. Acordava de manhã e encontrava sempre um presente — ou vários —
junto à meia. Agora queriam que eu enfrentasse a realidade dos fatos?
O tempo passou, e a
vida se encarregou de trazer outras fórmulas tão mágicas quanto Papai Noel.
Principalmente em relação ao Ano-Novo. Ultrapassar a noite de réveillon
tornou-se um foco de tensão. Qualquer errinho, por menor que seja, é capaz de
redundar em um ano inteiro de pavores!
A coleção de
exigências para um Ano-Novo decente bota a crença em Papai Noel no chinelo. Por
exemplo:
— Usar roupa branca,
de preferência nova. Minha amiga Lalá andou matando cachorro a grito em uma
fase da vida.
Acabou desistindo e
entrou no ano novo de preto, na esperança de reverter a situação. Bem... acho
que este ano ela vem de vermelho.
— Comer muito na
ceia, para ter abundância o ano inteiro. E desculpa de
guloso. Sinto imensa
simpatia por essa ideia!
O único problema é o
cardápio: não se pode comer ave, porque cisca para
trás, e isso atrasa
a vida. Melhor comer porco, que chafurda para a frente. O risco é passar o ano
chafurdando. Depois, lentilha, que é sinônimo de sorte. Para completar, romãs,
para atrair felicidade. Com tanta romã, certamente as lavanderias devem morrer
de felicidade, tal o número de manchas nos trajes brancos!
— Dar três pulinhos
com a taça de champanhe na mão.
Depois, jogar o
champanhe para trás. É uma garantia de sorte. E talvez de briga, porque sempre
alguém acaba levando a bebida nas fuças. Pior ainda se eu estiver em uma praia
e tiver de pular as sete ondinhas. Nada mais difícil que contar as ondas no
meio do barulho, dos fogos (imprescindíveis), agarrando a taça em uma mão, os
chinelos na outra e recebendo abraços de feliz Ano-Novo! E inevitável: acabo
roubando na conta.
Vem uma ondinha, não
consigo pular e digo: "Essa não vale!".
Ou seja, era mais
fácil quando eu acreditava em Papai Noel! Agora, além de comprar os presentes,
tenho de labutar na noite de ano! Na esperança de que, sim, aconteça alguma
coisa mágica — não sei bem o quê — capaz de trazer algo de maravilhoso para
minha vida.
Este ano resolvi me
dar um presente. Aprendi a não acreditar em Papai Noel. Também não quero
mergulhar em tantas fórmulas mágicas. Eu posso ter um Natal e um ano
maravilhosos se acreditar em mim! Não entra na minha cabeça que uma noite
iluminada pelos fogos vá determinar a minha vida, o meu ano, a minha
felicidade. E sim o meu íntimo, iluminado pela minha vontade. Natal e Ano-Novo
são simbólicos. Duas datas que despertam a vontade de ir à frente, de ser
melhor, de encontrar novos caminhos. Mas a magia, a capacidade de tornar a vida
maravilhosa, está, realmente, dentro de mim.
Agora, com essa certeza no meu coração, eu sei. Tudo é. possível!
Entendendo o texto
01. Qual era o desejo da criança narrada na crônica
"Tudo É Possível", de Walcyr Carrasco?
a) Ganhar um
cachorro de corrida.
b) Ganhar
um cavalo de corrida.
c) Ganhar um carro
de corrida.
d) Ganhar um cavalo
de estimação.
02. Onde o protagonista imaginava acomodar
o cavalo de corrida, caso o ganhasse?
a) Na sala de estar.
b) Na garagem.
c) No quarto.
d) Na
cozinha.
03. Por que a mãe do narrador inventava
desculpas sobre o cavalo de corrida?
a) Porque não gostava de animais.
b) Porque não tinha dinheiro para
comprar o cavalo.
c) Porque não queria decepcionar o
filho.
d) Porque queria manter viva a
fantasia do Papai Noel.
04. Qual era o foco de tensão para o
narrador durante o Ano-Novo?
a) A comida da ceia.
b) A cor da roupa.
c) Ultrapassar a noite de réveillon.
d) Os presentes de Papai Noel.
05. Segundo a tradição citada na crônica,
por que não se deve comer ave na ceia de Ano-Novo?
a) Porque
atrasa a vida.
b) Porque traz azar.
c) Porque causa brigas.
d) Porque é considerado um alimento
sagrado.
06. Qual é o significado atribuído à
lentilha na ceia de Ano-Novo?
a) Abundância.
b) Sorte.
c) Felicidade.
d) Amor.
07. Qual é a ação simbólica realizada com a
taça de champanhe durante a virada do ano?
a) Brindar com todos os presentes.
b) Jogar o champanhe para trás.
c) Fazer um pedido de felicidade.
d) Quebrar a taça para atrair boa
sorte.
08. O narrador afirma que este ano resolveu
se dar um presente. Qual é esse presente?
a) Não acreditar mais em Papai Noel.
b) Comprar muitos presentes para si
mesmo.
c) Participar de todas as tradições de
Ano-Novo.
d) Fazer uma viagem durante as festas
de fim de ano.
09. Qual
é a mensagem central transmitida pelo narrador no final da crônica?
a) A importância de seguir todas as
tradições.
b) A crença na magia das festas de
fim de ano.
c) A
necessidade de acreditar em si mesmo.
d) O valor dos presentes materiais.
10. De acordo com o narrador, onde está a
verdadeira capacidade de tornar a vida maravilhosa?
a) Nas tradições de Natal e Ano-Novo.
b) Na sorte proporcionada pelos
rituais.
c) Dentro de si mesmo.
d) Na intervenção mágica de Papai
Noel.
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