domingo, 29 de outubro de 2023

CONTO: A MÚSICA DOS CHIFRES OCOS E PERFURADOS - LUÍS DA CÂMARA CASCUDO - COM GABARITO

 Conto: A MÚSICA DOS CHIFRES OCOS E PERFURADOS.

           Luís da Câmara Cascudo

        Na capoeira de Mamanguape pasta uma notável população de veados. Vivem soltos e perseguidos pelos caçadores impenitentes. Muitos vão dar na praia enlouquecidos pela perseguição. Ficam bêbedos de cansaço e desespero. Nestas circunstâncias não é difícil ser abatido pelos pescadores, que gostam muito de carne. O peixe é prato de todos os dias. Vez por outra não faz mal uma variação de alimento. E assim a espécie dos galhudos vai rareando.

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        Entretanto, a maioria dos caçadores não lhe comem a carne e até a abandona em pleno mato. Tirado o couro, gostam é de chegar com o troféu, exibindo-o só pelo prazer de ostentá-lo, e mais nada. A caça verifica-se em certos dias. Não se faz assim de repente apenas pela alegria da aventura. Veado nem sem sempre pode ser pegado pelos cachorros e pelas balas da espingarda.

        O motivo da escolha cuidadosa da ocasião de persegui-lo vem de um fato bem notório que toda gente entendida no negócio proclama como absolutamente verdadeiro. Existem nas capoeiras alguns veados chefes de bando que costumam reunir o seu povo para um remoer mais demorado na tranquilidade. A convocação é feita por intermédio de uma harmonia de música que toca a todos os corações. Ninguém poderá ouvi-la sem ficar inteiramente dominado e vencido nos seus propósitos inferiores.

        A beleza tem disso: amolece as energias empregadas no sentido do mal. E como caçar não deixa de ser uma impiedade, fica adiada a perseguição, fica para outro dia, pois o caçador foi posto à margem, é supersticioso e não ama contrariar as forças da natureza quando elas se manifestam tão maravilhosamente.

        A demonstração de uma intensa melodia (notas estranhas e deliciosas já bem conhecidas do homem que corre as matas de arma ao ombro e sacola de balas a tiracolo) vem como sinal de advertência generosa. Quem transgredir a norma histórica terá de arcar com as consequências nem sempre agradáveis. As surpresas então se tornarão constantes e prejudiciais. E não há necessidade de enfrenta-las assim de caso pensado. O melhor é aguardar outra vez. Fica para amanhã. Fica para depois. Em qualquer tempo é tempo para o prazer da perseguição. Aquela música divina não é ouvida com frequência, é mesmo coisa um tanto rara nas sextas-feiras, nos sábados e nos domingos. Nos outros dias da semana, a caça não se faz de preferência por causa do trabalho de campo e outras obrigações de ganha-pão a que o homem ordinariamente se acha sujeito. Portanto, não convém ir de encontro às determinações dos deuses ocultos que dirigem os movimentos na floresta ou nos tabuleiros.

        Rebanhos enormes se reúnem em torno dos chamados “galhudos”. Estes no meio como que dirigindo a sessão. Em torno se encontra a veadaria deitada em remansoso descanso. Os mateiros mais afeitos se arrastam cautelosamente até lá com o fim de apreciar o concerto incomparável. Impõe-se muito cuidado para evitar o menor barulho. Qualquer atrito de folha seca é razão para que os ouvidos fiquem atentos. Ficam à escuta para uma arrancada louca de precipitação. Mas quando acontece tal curiosidade é porque prevaleceu o enfeitiçamento do caçador arrastado pelos encantos de uma música que tem qualquer coisa de sortilégio. Não tem preocupações de fazer mal. Chega mesmo a abandonar as armas para melhor facilitar a aproximação sutil nos seus movimentos de caçador.

        Os veados velhos mostram vinte e três chifres ocos e perfurados como flauta. O vento sopra com uma suavidade de nordeste. E faz arrancar dos chifres os sons mais sentidos de uma orquestra completa que toca para amenizar a vida perseguida-e mesmo infeliz de uma raça que entre os animais da região faz as vezes do judeu escorraçado pela inveja dos que não possuem predicados de inteligência e habilidade. A reunião prossegue pela noite adentro. Não é difícil apurar o ouvido e sentir na madrugada fria dos tabuleiros as melodias mais belas que o vento arranca dos vinte e três chifres ocos e perfurados como flauta.

        Depois vem a dispersão. Cada qual para o seu canto. E que trate de livrar-se da sanha criminosa dos seus perseguidores. O fim da semana é para se viver debaixo de toda cautela. Muito cuidado.
Ainda assim é quando o caçador consegue livremente exercer a sua diversão extravagante e injusta. Sai para matar sem levar na alma a menor sombra de preocupação com os imprevistos maus que lhe possam acontecer.

Relato popular recontado pelos professores Ademar Vidal e Luís da Câmara Cascudo.

Entendendo o conto:

01 – Qual é o cenário principal do conto?

      O cenário principal do conto é a capoeira de Mamanguape, onde vive uma população notável de veados.

02 – Qual é o dilema enfrentado pelos veados na capoeira de Mamanguape?

      Os veados são perseguidos pelos caçadores, o que os leva a viver constantemente em risco de serem abatidos.

03 – Qual é o motivo que leva os caçadores a escolher cuidadosamente a ocasião para perseguir os veados?

      Os caçadores esperam por uma melodia especial que é tocada pelos veados chefes de bando como sinal de convocação. Esta música os impede de caçar, pois é considerada divina e hipnotizante.

04 – Como os veados se reúnem em torno dos "galhudos" quando a música é tocada?

      Os veados se reúnem em grandes grupos em torno dos veados chefes de bando, que parecem dirigir a sessão enquanto o resto da veadaria descansa.

05 – O que acontece quando um caçador é enfeitiçado pela música dos veados?

      O caçador se deixa levar pelo encanto da música e, às vezes, até abandona suas armas para se aproximar furtivamente dos veados.

06 – Qual é a peculiaridade dos chifres dos veados velhos?

      Os chifres dos veados velhos têm vinte e três buracos ocos e perfurados, e quando o vento sopra, eles produzem sons que se assemelham a uma orquestra tocando melodias para acalmar a vida dos veados perseguidos.

07 – O que acontece depois da reunião dos veados em torno dos "galhudos"?

      Após a reunião, os veados se dispersam e cada um vai para o seu canto, tentando evitar a perseguição dos caçadores. O final de semana é um período de particular cautela.

 

CONTO: BEM SE PAGA COM O BEM - LUÍS DA CÂMARA CASCUDO - COM GABARITO

 Conto: BEM SE PAGA COM O BEM

           Luís da Câmara Cascudo

        A onça caiu numa armadilha preparada pelos caçadores e, por mais que tentasse escapar, ficou prisioneira. Resignara-se a morrer, quando viu passar um homem. Chamou-o e lhe pediu que a libertasse.

        -- Deus me livre! – disse o transeunte. – Se você ficar solta, vai me devorar.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhylo4YKLJwzFVnhyphenhyphen5dSDQDdDID5Re0KI3ynvV7wSfkU-e3vDBfJdpkg3NNVaESJfyBAc74ShXE3PNJBkAC9uWpkkUb4M6JPtcUbFnAMo3LcJBQrAzpEpZLeCZjfm5WvL3xYrGHdKpHG1K0iKU-Ii5lWFYp1Z4ntYp_u9Dy3jlpq4C4nakzg3Kt3TiKgIc/s1600/ON%C3%87A.jpg


        A onça jurou que seria eternamente agradecida, e o homem desatou as cordas que seguravam a tampa do alçapão e ajudou a onça a deixar a cova. Logo que esta se encontrou livre, agarrou seu salvador por um braço dizendo:

        -- Agora você é meu jantar.

        Debalde o homem pediu e rogou. A onça, finalmente, decidiu:

        -- Vamos combinar uma coisa. Ouvirei a sentença de três animais. Se a maioria for favorável ao meu desejo, eu o como.

        O homem aceitou e saíram os dois. Encontraram um cavalo, velho, doente, abandonado. A onça narrou o caso. O cavalo disse:

        -- Quando eu era moço e forte, trabalhei e ajudei o homem a enriquecer. Qual foi o meu pagamento? Largaram-se aqui para morrer, sem um auxílio. O bem só se paga com o mal.

        Adiante depararam-se com um boi. Consultado, opinou pela razão da onça. Contou sua vida de serviços ao homem e, quando julgava que ia ser recompensado, soube que fora vendido para ser morto e retalhado pelo açougueiro. O bem só se paga com o mal.

        O homem, triste, acompanhava a onça que lambia o beiço, quando viram o macaco. Chamaram o macaco e pediram seu parecer. O macaco começou a rir. E saltava, fazendo caretas e rindo. A onça ia-se zangando:

        -- Por que tanta risada, camarada macaco?

        -- Não é fazendo pouco – explicou o macaco –, é que eu não acredito que o homem caísse na armadilha que ele mesmo preparou.

        -- Ele não caiu. Quem caiu fui eu – contava a onça.

        -- Foi você? Então como é que esse homem fraquinho pôde libertar um bicho tão grande e forte como a camarada onça?

        A onça, despeitada pelo macaco julgá-la mentirosa, foi até o alçapão e saltou para o fundo do fosso, gritando lá de baixo:

        -- Está vendo? Foi assim!

        Mais que depressa o macaco empurrou o engradado de varas pesadas que fazia de tampa e a onça tornou a ficar prisioneira.

        -- Camarada onça – sentenciou o macaco – o bem só se paga com o bem. E você fez o mal, receba o mal.

        E se foi embora com o homem, deixando a onça na armadilha.

          CASCUDO, Luís da Câmara. Contos Tradicionais do Brasil. São Paulo: Global Editora, 2003. p. 12 – 16.

Entendendo o conto:

01 – Qual foi a situação inicial da onça no conto?

      A onça caiu em uma armadilha preparada por caçadores e estava prisioneira.

02 – O que a onça pediu a um homem que a encontrou presa na armadilha?

      A onça pediu ao homem que a libertasse da armadilha.

03 – Qual foi a reação do homem ao pedido da onça?

      O homem inicialmente recusou a soltar a onça, com medo de ser devorado por ela.

04 – Como a onça convenceu o homem a libertá-la?

      A onça prometeu ser eternamente agradecida e concordou em ouvir a sentença de três animais antes de decidir o destino do homem.

05 – O que os três animais consultados pela onça disseram sobre o destino do homem?

      Tanto o cavalo quanto o boi disseram que o bem só se paga com o mal, defendendo a ideia de que o homem merecia ser devorado. No entanto, o macaco duvidou da história da onça e a enganou, resultando na reclusão da onça na armadilha.

06 – Qual foi a reviravolta final no conto?

      O macaco enganou a onça, fazendo-a voltar para a armadilha, e explicou que o bem só se paga com o bem. O homem foi embora com o macaco, deixando a onça prisioneira novamente.

07 – Qual é a lição moral ou mensagem que o conto transmite?

      O conto transmite a mensagem de que o bem deve ser retribuído com o bem, e que tentar enganar os outros pode resultar em consequências negativas. É uma história que enfatiza a importância da honestidade e da reciprocidade.

 

 

 

CONTO: A DESEJADA DAS GENTES - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

 Conto: A Desejada das Gentes

            Machado de Assis

        — Ah! Conselheiro, aí começa a falar em verso.

        — Todos os homens devem ter uma lira no coração, — ou não sejam homens. Que a lira ressoe a toda a hora, nem por qualquer motivo, não o digo eu, mas de longe em longe, e por algumas reminiscências particulares... Sabe por que é que lhe pareço poeta, apesar das Ordenações do Reino e dos cabelos grisalhos? é porque vamos por esta Glória adiante, costeando aqui a Secretaria de Estrangeiros... Lá está o outeiro célebre... Adiante há uma casa.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhU5wvzVJbDV-Uf80sWlGtqZZXT8fiqnJy_Pmu4ya6_uUndB7H5cXwLX2pLJXoiZdyDoG7IREs0RNUtSmUa-U5JYCnMV6n4NUOGaufehyEsMqO40YUrveA7wbF8c4yhvKigkNjho28MrJF45YhNO1vVzbZOwQ9NCiEFEaT5CPmp5Vm-rY3IfqcC2KJXxbI/s1600/DESEJADA.jpg


        — Vamos andando.

        — Vamos... Divina Quintília! Todas essas caras que aí passam são outras, mas falam-me daquele tempo, como se fossem as mesmas de outrora; é a lira que ressoa, e a imaginação faz o resto. Divina Quintília!

        — Chamava-se Quintília? Conheci de vista, quando andava na Escola de Medicina, uma linda moça com esse nome. Diziam que era a mais bela da cidade.

        — Há de ser a mesma, porque tinha essa fama. Magra e alta?

        — Isso. Que fim levou?

        — Morreu em 1859. Vinte de abril. Nunca me há de esquecer esse dia. Vou contar-lhe um caso interessante para mim, e creio que também para o senhor. Olhe, a casa era aquela... Morava com um tio, chefe de esquadra reformado, tinha outra casa no Cosme Velho. Quando conheci Quintília... Que idade pensa que teria, quando a conheci?

        — Se foi em 1855...

        — Em 1855.

        — Devia ter vinte anos.

        — Tinha trinta.

        — Trinta?

        — Trinta anos. Não os parecia, nem era nenhuma inimiga que lhe dava essa idade. Ela própria a confessava e até com afetação. Ao contrário, uma de suas amigas afirmava que Quintília não passava dos vinte e sete; mas como ambas tinham nascido no mesmo dia, dizia isso para diminuir-se a si própria.

        — Mau, nada de ironias; olhe que a ironia não faz boa cama com a saudade.

        — Que é a saudade senão uma ironia do tempo e da fortuna? Veja lá; começo a ficar sentencioso. Trinta anos; mas em verdade, não os parecia. Lembra-se bem que era magra e alta; tinha os olhos como eu então dizia, que pareciam cortados da capa da última noite, mas apesar de noturnos, sem mistérios nem abismos. A voz era brandíssima, um tanto apaulistada, a boca larga, e os dentes, quando ela simplesmente falava, davam-lhe à boca um ar de riso. Ria também, e foram os risos dela, de parceria com os olhos, que me doeram muito durante certo tempo.

        — Mas se os olhos não tinham mistérios...

        — Tanto não os tinham que cheguei ao ponto de supor que eram as portas abertas do castelo, e o riso o clarim que chamava os cavaleiros. Já a conhecíamos, eu e o meu companheiro de escritório, o João Nóbrega, ambos principiantes na advocacia, e íntimos como ninguém mais; mas nunca nos lembrou namorá-la. Ela andava então no galarim; era bela, rica, elegante, e da primeira roda. Mas um dia, no antigo Teatro Provisório entre dois atos dos Puritanos, estando eu num corredor, ouvi um grupo de moços que falavam dela, como de uma fortaleza inexpugnável. Dois confessaram haver tentado alguma cousa, mas sem fruto; e todos pasmavam do celibato da moça que lhes parecia sem explicação. E chalaceavam: um dizia que era promessa até ver se engordava primeiro; outro que estava esperando a segunda mocidade do tio para casar com ele; outro que provavelmente encomendara algum anjo ao porteiro do céu; trivialidades que me aborreceram muito, e da parte dos que confessavam tê-la cortejado ou amado, achei que era uma grosseria sem nome. No que eles estavam todos de acordo é que ela era extraordinariamente bela; aí foram entusiastas e sinceros.

        — Oh! ainda me lembro!... era muito bonita.

        — No dia seguinte, ao chegar ao escritório, entre duas causas que não vinham, contei ao Nóbrega a conversação da véspera. Nóbrega riu-se do caso, refletiu, e depois de dar alguns passos, parou diante de mim, olhando, calado. — Aposto que a namoras? perguntei-lhe. — Não, disse ele; nem tu? Pois lembrou-me uma cousa: vamos tentar o assalto à fortaleza? Que perdemos com isso? Nada, ou ela nos põe na rua, e já podemos esperá-lo, ou aceita um de nós, e tanto melhor para o outro que verá o seu amigo feliz. — Estás falando sério? — Muito sério. — Nóbrega acrescentou que não era só a beleza dela que a fazia atraente. Note que ele tinha a presunção de ser espírito prático, mas era principalmente um sonhador que vivia lendo e construindo aparelhos sociais e políticos. Segundo ele, os tais rapazes do teatro evitavam falar dos bens da moça, que eram um dos feitiços dela, e uma das causas prováveis da desconsolação de uns e dos sarcasmos de todos. E dizia-me: — Escuta, nem divinizar o dinheiro, nem também bani-lo; não vamos crer que ele dá tudo, mas reconheçamos que dá alguma cousa e até muita cousa, — este relógio, por exemplo. Combatamos pela nossa Quintília, minha ou tua, mas provavelmente minha, porque sou mais bonito que tu.

        — Conselheiro, a confissão é grave, foi assim brincando...?

        — Foi assim brincando, cheirando ainda aos bancos da academia, que nos metemos em negócio de tanta ponderação, que podia acabar em nada, mas deu muito de si. Era um começo estouvado, quase um passatempo de crianças, sem a nota da sinceridade; mas o homem põe e a espécie dispõe. Conhecíamo-la, posto não tivéssemos encontros frequentes; uma vez que nos dispusemos a uma ação comum, entrou um elemento novo na nossa vida, e dentro de um mês estávamos brigados.

        — Brigados?

        — Ou quase. Não tínhamos contado com ela, que nos enfeitiçou a ambos, violentamente. Em algumas semanas já pouco falávamos de Quintília, e com indiferença; tratávamos de enganar um ao outro e dissimular o que sentíamos. Foi assim que as nossas relações se dissolveram, no fim de seis meses, sem ódio, nem luta, nem demonstração externa, porque ainda nos falávamos, onde o acaso nos reunia; mas já então tínhamos banca separada.

        — Começo a ver uma pontinha do drama...

        — Tragédia, diga tragédia; porque daí a pouco tempo, ou por desengano verbal que ela lhe desse, ou por desespero de vencer, Nóbrega deixou-me só em campo. Arranjou uma nomeação de juiz municipal lá para os sertões da Bahia, onde definhou e morreu antes de acabar o quatriênio. E juro-lhe que não foi o inculcado espírito prático de Nóbrega que o separou de mim; ele, que tanto falara das vantagens do dinheiro, morreu apaixonado como um simples Werther.

        — Menos a pistola.

        —Também o veneno mata; e o amor de Quintília podia dizer-se alguma cousa parecido com isso, foi o que o matou, e o que ainda hoje me dói... Mas, vejo pelo seu dito que o estou aborrecendo...

        — Pelo amor de Deus. Juro-lhe que não; foi uma graçola que me escapou. Vamos adiante, conselheiro; ficou só em campo.

        — Quintília não deixava ninguém estar só em campo, — não digo por ela, mas pelos outros. Muitos vinham ali tomar um cálix de esperanças, e iam cear a outra parte. Ela não favorecia a um mais que a outro, mas era lhana, graciosa e tinha essa espécie de olhos derramados que não foram feitos para homens ciumentos. Tive ciúmes amargos e, às vezes, terríveis. Todo argueiro me parecia um cavaleiro, e todo cavaleiro um diabo. Afinal acostumei-me a ver que eram passageiros de um dia. Outros me metiam mais medo, eram os que vinham dentro da luva das amigas. Creio que houve duas ou três negociações dessas, mas sem resultado. Quintília declarou que nada faria sem consultar o tio, e o tio aconselhou a recusa, — cousa que ela sabia de antemão. O bom velho não gostava nunca da visita de homens, com receio de que a sobrinha escolhesse algum e casasse. Estava tão acostumado a trazê-la ao pé de si, como uma muleta da velha alma aleijada, que temia perdê-la inteiramente.

        — Não seria essa a causa da isenção sistemática da moça?

        — Vai ver que não.

        — O que noto é que o senhor era mais teimoso que os outros...

        — ... Iludido, a princípio, porque no meio de tantas candidaturas malogradas, Quintília preferia-me a todos os outros homens, e conversava comigo mais largamente e mais intimamente, a tal ponto que chegou a correr que nos casávamos.

        — Mas conversavam de quê?

        — De tudo o que ela não conversava com os outros; e era de fazer pasmar que uma pessoa tão amiga de bailes e passeios, de valsar e rir, fosse comigo tão severa e grave, tão diferente do que costumava ou parecia ser.

        — A razão é clara: achava a sua conversação menos insossa que a dos outros homens.

        — Obrigado; era mais profunda a causa da diferença, e a diferença ia-se acentuando com os tempos. Quando a vida cá embaixo a aborrecia muito, ia para o Cosme Velho, e ali as nossas conversações eram mais frequentes e compridas. Não lhe posso dizer, nem o senhor compreenderia nada, o que foram as horas que ali passei, incorporando na minha vida toda a vida que jorrava dela. Muitas vezes quis dizer-lhe o que sentia, mas as palavras tinham medo e ficavam no coração. Escrevi cartas sobre cartas; todas me pareciam frias, difusas, ou inchadas de estilo. Demais, ela não dava ensejo a nada, tinha um ar de velha amiga. No princípio de 1857 adoeceu meu pai em Itaboraí; corri a vê-lo, achei-o moribundo. Este fato reteve-me fora da Corte uns quatro meses. Voltei pelos fins de maio. Quintília recebeu-me triste da minha tristeza, e vi claramente que o meu luto passara aos olhos dela...

        — Mas que era isso senão amor?

        — Assim o cri, e dispus a minha vida para desposá-la. Nisto, adoeceu o tio gravemente. Quintília não ficava só, se ele morresse, porque, além dos muitos parentes espalhados que tinha, morava com ela agora, na casa da Rua do Catete, uma prima, D. Ana, viúva; mas, é certo que a afeição principal ia-se embora e nessa transição da vida presente à vida ulterior podia eu alcançar o que desejava. A moléstia do tio foi breve; ajudada da velhice, levou-o em duas semanas. Digo-lhe aqui que a morte dele lembrou-me a de meu pai, e a dor que então senti foi quase a mesma. Quintília viu-me padecer, compreendeu o duplo motivo, e, segundo me disse depois, estimou a coincidência do golpe, uma vez que tínhamos de o receber sem falta e tão breve. A palavra pareceu-me um convite matrimonial; dois meses depois cuidei de pedi-la em casamento. D. Ana ficara morando com ela e estavam no Cosme Velho. Fui ali, achei-as juntas no terraço, que ficava perto da montanha. Eram quatro horas da tarde de um domingo. D. Ana, que nos presumia namorados, deixou-nos o campo livre.

        — Enfim!

        — No terraço, lugar solitário, e posso dizer agreste, proferi a primeira palavra. O meu plano era justamente precipitar tudo, com medo de que, cinco minutos de conversa me tirassem as forças. Ainda assim, não sabe o que me custou; custaria menos uma batalha, e juro-lhe que não nasci para guerras. Mas aquela mulher magrinha e delicada impunha-se-me, como nenhuma outra, antes e depois...

        — E então?

        — Quintília adivinhara, pelo transtorno do meu rosto, o que lhe ia pedir, e deixou-me falar para preparar a resposta. A resposta foi interrogativa e negativa. Casar para quê? Era melhor que ficássemos amigos como dantes. Respondi-lhe que a amizade era, em mim, desde muito, a simples sentinela do amor; não podendo mais contê-lo, deixou que ele saísse. Quintília sorriu da metáfora, o que me doeu, e sem razão; ela, vendo o efeito, fez-se outra vez séria e tratou de persuadir-me de que era melhor não casar. — Estou velha, disse ela; vou em trinta e três anos. — Mas se eu a amo assim mesmo, repliquei, e disse-lhe uma porção de cousas, que não poderia repetir agora. Quintília refletiu um instante; depois insistiu nas relações de amizade; disse que, posto que mais moço que ela, tinha a gravidade de um homem mais velho e inspirava-lhe confiança como nenhum outro. Desesperançado, dei algumas passadas, depois sentei-me outra vez e narrei-lhe tudo. Ao saber da minha briga com o amigo e companheiro da academia, e a separação em que ficamos, sentiu-se, não sei se diga, magoada ou irritada. Censurou-nos a ambos, não valia a pena que chegássemos a tal ponto. — A senhora diz isso porque não sente a mesma cousa. — Mas então é um delírio? — Creio que sim; o que lhe afianço é que ainda agora, se fosse necessário, separar-me-ia dele uma e cem vezes; e creio poder afirmar-lhe que ele faria a mesma cousa. Aqui olhou ela espantada para mim, como se olha para uma pessoa cujas faculdades parecem transtornadas; depois abanou a cabeça, e repetiu que fora um erro; não valia a pena. — Fiquemos amigos, disse-me, estendendo a mão. — É impossível; pede-me cousa superior às minhas forças, nunca poderei ver na senhora uma simples amiga; não desejo impor-lhe nada; dir-lhe-ei até que nem mais insisto, porque não aceitaria outra resposta agora. Trocamos ainda algumas palavras, e retirei-me... Veja a minha mão.

        — Treme-lhe ainda...

        — E não lhe contei tudo. Não lhe digo aqui os aborrecimentos que tive, nem a dor e o despeito que me ficaram. Estava arrependido, zangado, devia ter provocado aquele desengano desde as primeiras semanas, mas a culpa foi da esperança, que é uma planta daninha, que me comeu o lugar de outras plantas melhores. No fim de cinco dias saí para Itaboraí, onde me chamaram alguns interesses do inventário de meu pai. Quando voltei, três semanas depois, achei em casa uma carta de Quintília.

        — Oh!

        — Abri-a alvoroçadamente: datava de quatro dias. Era longa; aludia aos últimos sucessos, e dizia cousas meigas e graves. Quintília afirmava ter esperado por mim todos os dias, não cuidando que eu levasse o egoísmo até não voltar lá mais, por isso escrevia-me, pedindo que fizesse dos meus sentimentos pessoais e sem eco uma página de história acabada; que ficasse só o amigo, e lá fosse ver a sua amiga. E concluía com estas singulares palavras: "Quer uma garantia? Juro-lhe que não casarei nunca." Compreendi que um vínculo de simpatia moral nos ligava um ao outro; com a diferença que o que era em mim paixão específica, era nela uma simples eleição de caráter. Éramos dois sócios, que entravam no comércio da vida com diferente capital: eu, tudo o que possuía; ela, quase um óbolo. Respondi à carta dela nesse sentido; e declarei que era tal a minha obediência e o meu amor, que cedia, mas de má vontade, porque, depois do que se passara entre nós, ia sentir-me humilhado. Risquei a palavra ridículo, já escrita, para poder ir vê-la sem este vexame; bastava o outro.

        — Aposto que seguiu atrás da carta? É o que eu faria, porque essa moça, ou eu me engano ou estava morta por casar com o senhor.

        — Deixe a sua fisiologia usual; este caso é particularíssimo.

        — Deixe-me adivinhar o resto; o juramento era um anzol místico; depois, o senhor, que o recebera, podia desobrigá-la dele, uma vez que aproveitasse com a absolvição. Mas, enfim, correr à casa dele.

        — Não corri; fui dois dias depois. No intervalo, respondeu ela à minha carta com um bilhete carinhoso, que rematava com esta ideia: "não fale de humilhação, onde não houve público." Fui, voltei uma e mais vezes e restabeleceram-se as nossas relações. Não se falou em nada; ao princípio, custou-me muito parecer o que era dantes; depois, o demônio da esperança veio pousar outra vez no meu coração; e, sem nada exprimir, cuidei que um dia, um dia tarde, ela viesse a casar comigo. E foi essa esperança que me retificou aos meus próprios olhos, na situação em que me achava. Os boatos de nosso casamento correram mundo. Chegaram aos nossos ouvidos; eu negava formalmente e sério; ela dava de ombros e ria. Foi essa fase da nossa vida a mais serena para mim, salvo um incidente curto, um diplomata austríaco ou não sei que, rapagão, elegante, ruivo, olhos grandes e atrativos, e fidalgo ainda por cima. Quintília mostrou-se-lhe tão graciosa, que ele cuidou estar aceito, e tratou de ir adiante. Creio que algum gesto meu, inconsciente, ou então um pouco da percepção fina que o céu lhe dera, levou depressa o desengano à legação austríaca. Pouco depois ela adoeceu; e foi então que a nossa intimidade cresceu de vulto. Ela, enquanto se tratava, resolveu não sair, e isso mesmo lhe disseram os médicos. Lá passava eu muitas horas diariamente. Ou elas tocavam, ou jogávamos os três, ou então lia-se alguma cousa; a maior parte das vezes conversávamos somente. Foi então que a estudei muito; escutando as suas leituras vi que os livros puramente amorosos achava-os incompreensíveis, e, se as paixões aí eram violentas, largava-os com tédio. Não falava assim por ignorante; tinha notícia vaga das paixões, e assistira a algumas alheias.

        — De que moléstia padecia?

        — Da espinha. Os médicos diziam que a moléstia não era talvez recente, e ia tocando o ponto melindroso. Chegamos assim a 1859. Desde março desse ano a moléstia agravou-se muito; teve uma pequena parada, mas para os fins do mês chegou ao estado desesperador. Nunca vi depois criatura mais enérgica diante da iminente catástrofe; estava então de uma magreza transparente, quase fluida; ria, ou antes, sorria apenas, e vendo que eu escondia as minhas lágrimas, apertava-me as mãos agradecida. Um dia, estando só com o médico, perguntou-lhe a verdade; ele ia mentir, ela disse-lhe que era inútil, que estava perdida. — Perdida, não, murmurou o médico. — Jura que não estou perdida? — Ele hesitou, ela agradeceu-lhe. Uma vez certa que morria, ordenou o que prometera a si mesma.

        — Casou com o senhor, aposto?

        — Não me relembre essa triste cerimônia; ou antes, deixe-me relembrá-la, porque me traz algum alento do passado. Não aceitou recusas nem pedidos meus; casou comigo à beira da morte. Foi no dia 18 de abril de 1859. Passei os últimos dois dias, até 20 de abril ao pé da minha noiva moribunda, e abracei-a pela primeira vez feita cadáver.

        — Tudo isso é bem esquisito.

        — Não sei o que dirá a sua fisiologia. A minha, que é de profano, crê que aquela moça tinha ao casamento uma aversão puramente física. Casou meio defunta, às portas do nada. Chame-lhe monstro, se quer, mas acrescente divino.

Fonte: Contos Consagrados – Machado de Assis – Coleção Prestígio – Ediouro – s/d.

Entendendo o conto:

01 – Qual é o cenário em que a conversa entre os personagens ocorre no início do conto?

      A conversa entre os personagens começa enquanto eles estão caminhando pela Glória, próximo à Secretaria de Estrangeiros.

02 – Qual é a primeira impressão do narrador sobre Quintília?

      O narrador descreve Quintília como magra e alta, com olhos que ele compara a "cortados da capa da última noite", mas sem mistérios nem abismos.

03 – Qual foi a reação dos outros rapazes em relação a Quintília no Teatro Provisório?

      Os outros rapazes expressaram surpresa com o fato de Quintília não se casar e fizeram piadas sobre possíveis razões, como ela estar esperando engordar ou esperando a segunda mocidade de seu tio.

04 – Por que o narrador e seu amigo Nóbrega decidiram tentar conquistar Quintília?

      O narrador e Nóbrega decidiram tentar conquistar Quintília após ouvirem os rapazes no Teatro Provisório falando sobre como ela era uma "fortaleza inexpugnável" e como eles haviam falhado em conquistá-la.

05 – O que levou à separação do narrador e de Nóbrega na busca de conquistar Quintília?

      A separação entre o narrador e Nóbrega ocorreu porque ambos se apaixonaram por Quintília, o que causou uma briga e uma separação em suas relações.

06 – Como o narrador descreve as conversas que tinha com Quintília?

      O narrador descreve as conversas com Quintília como sendo diferentes das conversas que ela tinha com os outros homens. Elas eram mais íntimas, graves e frequentes, especialmente quando se encontravam no Cosme Velho.

07 – Qual foi a resposta de Quintília quando o narrador a pediu em casamento?

      Quando o narrador pediu Quintília em casamento, ela respondeu negativamente e sugeriu que eles continuassem como amigos. Ela alegou que estava envelhecendo e que era melhor que eles permanecessem amigos.

08 – Por que o narrador aceitou a proposta de Quintília de manter uma amizade e não insistiu no casamento?

      O narrador aceitou a proposta de Quintília de manter uma amizade e não insistiu no casamento devido à esperança de que, com o tempo, ela mudasse de ideia e concordasse em casar com ele.

09 – Qual evento finalmente levou Quintília a aceitar o casamento com o narrador?

      A grave doença de Quintília e a perspectiva de sua morte iminente a levaram a aceitar o casamento com o narrador. Eles se casaram pouco antes de sua morte, em 20 de abril de 1859.

 

CONTO: AS TRÊS VELHAS - LUÍS DA CÂMARA CASCUDO - COM GABARITO

Conto: AS TRÊS VELHAS

           Luís da Câmara Cascudo

        Uma viúva tinha uma filha muito bonita e religiosa que agradava a toda a gente. A viúva queria casar a filha com homem rico e para isso fazia o possível. Na esquina da rua onde moravam as duas havia uma casa de comércio afreguesada, cujo dono era solteiro e de posses. A viúva fazia as compras nessa casa e vivia estudando um meio de conseguir fazer com que o homem conhecesse e simpatizasse com sua filha.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjn_gAv47jaXO5ZSZv0MmMXZZwCv2__cmJ7xxzdDC6RLPvN2ID25WX1X8AhPCRyLCSASLR5rld-jtmwAls-LHNCW1qCvXfIvYzGTvwChxQWaiPwsteL2BixsYMc6e4VTapqj1rNtbhrADkthyphenhyphenn6pN26Y6R1pdsAT6KOQqO2fEyYB6Loh6oRU5X_Gqdw1b0/s320/VELHAS.jpg 


        Um dia ouviu-o dizer que só se casaria com uma moça trabalhadeira e que fiasse muito mais do que todas na cidade. A viúva comprou logo uma porção de linho, dizendo que era para a filha fiar, e que esta era a melhor fiandeira do mundo.

        A moça ia todas as madrugadas à missa das almas e encontrava lá três velhas muito devotas que a cumprimentavam.

        A viúva chegando a casa entregou o linho à moça, dizendo que teria de fiá-lo completamente até a manhã seguinte. A moça se valeu dos olhos, chorando, e foi sentar-se no batente da cozinha, rezando, desconsolada da vida. Estava nesse ponto quando ouviu uma voz perguntar.

        — Chorando por quê, minha filha?

        Levantou os olhos e viu uma das três velhinhas da missa das almas. Uma velha feia e corcunda.

        — E não hei de chorar? Minha mãe quer que eu fie todo esse linho e o entregue todo pronto amanhã de manhã... Mas não sei fiar!

        — Não se agonie, minha filha. Se você me convidar para seu casamento e prometer que três vezes me chamará tia, em voz alta, darei uma ajuda.

        A moça prometeu. A velha despediu-se e foi embora, deixando o monte de linho fiado e pronto. Como mágica. A viúva, quando achou a tarefa pronta, só faltou morrer de satisfeita. Correu até a loja do negociante, mostrando as habilidades da filha e pediu uma porção ainda maior de linho. O negociante espantado pelo trabalho da moça não quis receber dinheiro pela compra.

        Vendo que as cousas se encaminhavam como ela desejava, a viúva voltou a dar o linho pra a filha fiar até a manhã seguinte. Novamente a moça se agoniou muito e foi chorar na cozinha. Novamente apareceu uma velha, a segunda das três, que lhe propôs ajudá-la se ela a convidasse para o seu casamento e a chamasse tia por três vezes. A moça aceitou e o linho ficou pronto num minuto.

        A viúva voltou correndo à loja do homem rico, mostrando o linho fiado e gabando a filha. O negociante estava simpatizando muito com a moça que fiava tão depressa e tamanhas qualidades. A viúva voltou com uma carga de linho enorme, entregando aquela penitência à sua filha.

        Aconteceu como nas outras vezes. A terceira velha, mediante convite para o casamento e chamá-la tia três vezes, fiou o linho num rápido. Mas essa era a mais feia das três. Tinha os dedos finos e compridos como patas de aranhas.

        Quando o negociante viu o linho fiado, pediu para conhecer a moça, conversou com ela: e acabou falando a casamento. Como era muito bonito e educado, a moça aceitou e marcou-se o casamento. O homem mandou preparar sua casa com todos os arranjos decentes e encheu uma mesa de fusos, rocas, linhos, tudo para que a mulher se ocupasse durante o santo dia em fiar.

        Depois do casamento, na hora da festa, estavam todos reunidos e muito alegres, quando bateram palmas e entrou uma das três velhas. A noiva correu logo dizendo:

        — Que alegria, minha tia! Entre, minha tia, sente-se aqui perto de mim, minha tia.

        Assim que a velha sentou na cadeira, chegou a outra, recebida com a mesma satisfação:

        — Entre minha tia! Sente-se aqui, minha tia! Vai jantar comigo, minha tia!

        A terceira velha chegou também e a noiva abraçou-a logo:

        — Dê cá um abraço, minha tia! Vamos sentar, minha tia! Quero apresentá-la ao meu marido, minha tia!

        Foram para o jantar e o marido e convidados não tiravam os olhos de cima das três velhas que eram feias como o pecado mortal.

        Depois do jantar, o marido não se conteve e perguntou por que a primeira era tão corcovada, a segunda com a boca torta e a terceira com os dedos finos e compridos como patas de aranhas. As velhinhas responderam:

        — Eu fiquei corcunda de tanto fiar linho, curvada para rodar o fuso!

        — Eu fiquei com a boca torta de tanto riçar os fios de linho quando fiava!

        — Eu fiquei com os dedos assim de tanto puxar e remexer o linho quando fiava!

        Ouvindo isso o marido mandou buscar os fusos, rocas, meadas, linhos, e tudo que servisse para fiar, e fez com que queimassem tudo, jurando a Deus que jamais sua mulher havia de ficar feia como as três tias fiandeiras por causa do encargo de fiar.

        Depois, as três velhas desapareceram para sempre. O casal viveu muito feliz.

Cascudo, Luís da Câmara. Contos tradicionais do Brasil. Belo Horizonte; São Paulo, Itatiaia, Editora da Universidade de São Paulo, 1986. Reconquista do Brasil, 2ª série, 96, p.158-159.

Entendendo o conto:

01 – Qual é o objetivo da viúva em relação à sua filha no início do conto?

      O objetivo da viúva é casar sua filha com um homem rico.

02 – Como a viúva tenta impressionar o homem rico que possui uma loja na esquina?

      A viúva tenta impressionar o homem rico mostrando as habilidades de sua filha em fiar linho.

03 – O que a primeira das três velhinhas oferece para ajudar a filha da viúva a fiar o linho?

      A primeira velhinha oferece sua ajuda para fiar o linho em troca de um convite para o casamento e que a chamem de "tia" três vezes.

04 – O que acontece quando a segunda velhinha se oferece para ajudar?

      A segunda velhinha também fiou o linho rapidamente em troca de um convite para o casamento e ser chamada de "tia" três vezes.

05 – Como a terceira velhinha ajuda a filha da viúva?

      A terceira velhinha fiou o linho em um instante, também em troca de um convite para o casamento e que a chamem de "tia" três vezes.

06 – O que acontece quando as três velhinhas aparecem na festa de casamento?

      Elas são recebidas com grande alegria e a noiva as chama de "tia".

07 – Como as velhinhas justificam suas aparências físicas incomuns no jantar de casamento?

      A primeira velhinha diz que ficou corcunda de tanto fiar linho, a segunda diz que ficou com a boca torta de tanto riçar os fios de linho quando fiava, e a terceira diz que ficou com os dedos compridos de tanto puxar e remexer o linho quando fiava.

08 – Qual é a reação do marido ao ouvir as explicações das velhinhas?

      O marido manda buscar todos os instrumentos de fiar, como fusos, rocas, meadas e linho, e os queima para evitar que sua esposa sofra a mesma transformação física.

09 – O que acontece com as três velhinhas após o jantar de casamento?

      As três velhinhas desaparecem para sempre.

10 – Como termina a história do casal?

      O casal viveu muito feliz após o casamento e o marido garante que sua esposa não ficará feia como as três tias fiandeiras, evitando que ela continue fiando linho.

  

POESIA: VIAGEM - RENATA PALLOTTINI - COM GABARITO

 Poesia: VIAGEM

            Renata Pallottini

Faço uma viagem

quase sem sentido.
Preparo a bagagem.
Mas por que motivo?

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh0GXnaV-ED6YftK1ZiwxFCe5VJv1eGOganh3xSWU8XibUOX7ewp4GNG2FQZA-dwwGlcGlIuHAdzBNF_yxOb8NSQgzxpUXnk7c41jYWY71KwLegwobl9YLnc2j82AQrNE7ubfh6AAJIWKxsIhF6GPdlW6EXic7AKZ9uQUHf9NFnlMe9NhjexiU5xPI__6U/s320/VIAGEM.jpg



Nada me motiva
salvo um emotivo
grave coração
que me olha nos olhos
e diz: tens razão.

Vai e sem motivo.
Antes sim que não.

Renata Pallottini.

Entendendo a poesia:

01 – Qual é o tema central da poesia "VIAGEM" de Renata Pallottini?

      O tema central da poesia "VIAGEM" é a ideia de fazer uma viagem sem motivo aparente, guiada pelo coração e pelas emoções.

02 – Por que a pessoa na poesia prepara a bagagem mesmo sem um motivo aparente?

      A pessoa prepara a bagagem sem motivo aparente porque está sendo motivada pelo seu coração e emoções, em vez de razões lógicas ou práticas.

03 – Qual é a motivação principal da pessoa na poesia para fazer a viagem?

      A motivação principal da pessoa na poesia é o "grave coração" que olha nos olhos dela e diz que ela tem razão em fazer a viagem, mesmo que não haja um motivo claro.

04 – Qual é a atitude sugerida pelo poema em relação a fazer a viagem?

      O poema sugere uma atitude de seguir o coração e as emoções, mesmo que a viagem não tenha um propósito aparente. É uma celebração da espontaneidade e da busca do que faz sentido emocionalmente.

05 – Como a autora, Renata Pallottini, expressa a ideia de viajar "antes sim que não" na poesia?

      A autora expressa a ideia de viajar "antes sim que não" enfatizando a importância de agir e aproveitar a oportunidade de fazer a viagem, mesmo que não haja um motivo lógico, pois a emoção e a intuição podem ser guias valiosos.

 

 

 

POESIA: INVERNO - RENATA PALLOTTINI - COM GABARITO

 Poesia: INVERNO

            Renata Pallottini

Parece de metal a noite destas ruas.

Os homens estão quietos nos portais.

 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhFl-rK9ojR_RcE9JK7TpjAdy7V5CuVyetIHIXa6sArZJWFGNUm8cMGZ3jiTD3qiwstaepbR_B5M2wF8PAb0lgi2ZWXo6fTF6tFNHHcUDBxyk08asBweFPKbhm1rSMRYA7iRrsBUdrMLtbrthBmuFPQIJ4nam55LtdKuDHnHRTAHM0QFQyTmcC58rxRLRQ/s320/INVERNO.jpg

A luz corta. A esperança não desperta.

Esqueceram acesa a lâmpada da porta.

 

Donos cobrem de lanças os espaços,

de espadas os desvãos e de lama

os jornais.

Amanhã com certeza os bancos se abrirão.

Por que não? Será um dia como os outros

cheio de transversais e comerciais.

 

Apagou-se a fogueira dos choferes.

A madrugada roxa parte o coração

dos pombos

dos meninos

das mulheres.

 

Onde é que toda essa gente se banha?

Que será deles todos?

Para qual

deles alguma vida se fará?

Para quem se abrirá alguma fresta?

 

Folhas de vidro as árvores.

E eu

estou voltando de uma grande festa.

Merda! Só isso.

Estou voltando

de uma grande festa.

Renata Pallottini.

Entendendo a poesia:

01 – Como a noite é descrita no início da poesia?

      A noite é descrita como "de metal" nas ruas.

02 – O que os homens estão fazendo nos portais durante a noite descrita na poesia?

      Os homens estão quietos nos portais.

03 – O que aconteceu com a lâmpada da porta mencionada na poesia?

      A lâmpada da porta foi esquecida acesa, não foi apagada.

04 – Como os donos cobrem os espaços e desvãos?

      Os donos cobrem os espaços com lanças e os desvãos com espadas.

05 – O que a autora sugere sobre o futuro no poema?

      A autora sugere que os bancos se abrirão no dia seguinte, como em qualquer outro dia, cheio de atividades comerciais.

06 – O que a madrugada roxa faz no poema?

      A madrugada roxa parte o coração dos pombos, dos meninos e das mulheres.