terça-feira, 25 de agosto de 2020

POEMA: O ADOLESCENTE - MÁRIO QUINTANA - COM GABARITO

 Poema: O ADOLESCENTE

              Mário Quintana

A vida é tão bela que chega a dar medo,

Não o medo que paralisa e gela,
estátua súbita,
mas

esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz
o jovem felino seguir para a frente farejando o vento
ao sair, a primeira vez, da gruta.

Medo que ofusca: luz!

Cumplicemente,
as folhas contam-te um segredo
velho como o mundo:

Adolescente, olha! A vida é nova…
A vida é nova e anda nua
— vestida apenas com o teu desejo!

Mario Quintana, Apontamentos de história sobrenatural.

Entendendo o poema:

01 – Analise apenas o trecho a seguir, em que Quintana expõe resumidamente: “A vida é nova… / A vida é nova e anda nua / — vestida apenas com o teu desejo!”

      “Ele, finalmente, se sente bem, forte, seguro e não tem medo de experimentar situações novas.”

02 – No poema, qual o significado da expressão “farejando o vento”?

      O autor compara o Adolescente com “um felino” e usa esta expressão para dizer que o jovem deve sair da toca, sem medo de errar, sempre com a cabeça erguida e um sorriso no rosto para enfrentar a vida.

03 – De que se trata o poema?

      Ele retrata de forma poética as mudanças corporais e psicológicas abrangendo temas subjetivos como o medo.

 04. Releia os versos a seguir:

 “esse medo fascinante e fremente de curiosidade que faz

o jovem felino seguir para a frente farejando o vento

ao sair, a primeira vez, da gruta.”

 a)   Algumas palavras provocam a nossa imaginação e nos fazem recordar algo, alguém ou uma situação vivida. Do que a palavra “vento” faz você lembrar? E a palavra “gruta”?

 Resposta pessoal.

 b)   Em sua opinião, quais dos termos a seguir podem ser associados às palavras “vento” e “gruta” no contexto em que foram utilizadas no poema? Justifique suas escolhas.

                     aventura    futuro    medo   mundo    novidade

          Resposta pessoal. Sugestões:

          Aventura: desejo em entrar em novos mundos;

      Futuro: reflexões sobre o que pode acontecer quando forem adultos ou sobre a realização dos desejos de adolescente;

          Medo: o adolescente pode ter receio do que virá;

          Mundo: representação de vastidão, de liberdade;

          Novidade: vontade de experimentar o novo.

 c. Localize, nesses versos, palavras utilizadas de modo figurado. Essas palavras se referem a que tipo de ser?

As palavras “felino”, “farejando” e “gruta”; estão relacionadas ao mundo animal.

 d.   A partir dessa utilização, a que o adolescente é comparado, de maneira figurada?

O adolescente é comparado a um jovem animal que está descobrindo o mundo. Ao sair da gruta, ele busca conhecer o novo e se lança ao mundo cheio de curiosidade, mas ainda com vários receios.

 e.   Você concorda com a comparação proposta pelo poeta? Justifique.

Resposta pessoal.

05.  Há palavras no poema que representam ideias opostas. Veja um exemplo de oposição: velho – nova.

a)    Descubra outras ideias opostas no poema “O adolescente”.

Revelam ideias opostas: paralisa – anda; vestida – nua; estátua – fremente.

 b)    O que essas oposições revelam sobre o sentimento do adolescente

         Elas revelam conflitos e descobertas vividos pelo jovem. Os conflitos que, às vezes, imobilizam o adolescente, outras vezes, o impele para a ação. O fato de a vida ainda estar nua indica que o jovem ainda vai viver muitas coisas, ele é que tratará de “cobri-la” com suas experiências.

 06. Destaque do poema os versos em que o eu poético faz uma comparação.

Explique que sentido você atribui aos versos em que se encontra essa comparação.

“as folhas contam-te um segredo / velho como o mundo:”

Os versos revelam que a vida é nova, mas a sabedoria sobre a vida é algo antigo. As folhas representam aquele que já nasceu e se desenvolveu, aquele que já detém a experiência de ter vivido e compartilha segredos sobre isso. Muitos fatos da vida são segredos para o adolescente, pois ele ainda não viveu muito tempo.

 

 

 

CRÔNICA: A NUVEM - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

 Crônica: A nuvem          

               Rubem Braga

  – Fico admirado como é que você, morando nesta cidade, consegue escrever uma semana inteira sem reclamar, sem protestar, sem espinafrar! E meu amigo falou da água, telefone, Light em geral, carne, batata, transporte, custo de vida, buracos na rua, etc. etc. etc. Meu amigo está, como dizem as pessoas exageradas, grávido de razões. Mas que posso fazer? Até que tenho reclamado muito isto e aquilo. Mas se eu for ficar rezingando todo dia, estou roubado: quem é que vai aguentar me ler? Acho que o leitor gosta de ver suas queixas no jornal, mas em termos.

        Além disso, a verdade não está apenas nos buracos das ruas e outras mazelas. Não é verdade que as amendoeiras neste inverno deram um show luxuoso de folhas vermelhas voando no ar? E ficaria demasiado feio eu confessar que há uma jovem gostando de mim? Ah, bem sei que esses encantamentos de moça por um senhor maduro duram pouco. São caprichos de certa fase. Mas que importa? Esse carinho me faz bem; eu o recebo terna e gravemente; sem melancolia, porque sem ilusão. Ele se irá como veio, leve nuvem solta na brisa, que se tinge um instante de púrpura sobre as cinzas de meu crepúsculo.

        E olhem só que tipo de frase estou escrevendo! Tome tenência, velho Braga. Deixe a nuvem, olhe para o chão – e seus tradicionais buracos.

(Rubem Braga, Ai de ti, Copacabana)

Entendendo a crônica:

01 – É correto afirmar que, a partir da crítica que o amigo lhe dirige, o narrador cronista:

a)    Sente-se obrigado a escrever sobre assuntos exigidos pelo público.

b)    Reflete sobre a oposição entre literatura e realidade.

c)    Reflete sobre diversos aspectos da realidade e sua representação na literatura.

d)    Defende a posição de que a literatura não deve ocupar-se com problemas sociais.

e)    Sente que deve mudar seus temas, pois sua escrita não está acompanhando os novos tempos.

02 – Em: “E olhem só que tipo de frase estou escrevendo! (...)”, o sinal de pontuação utilizado serviu para indicar:

a)    Uma admiração.

b)    Uma pausa.

c)    Uma indagação.

d)    Uma continuação.

03 – De acordo com o texto, qual a explicação que o cronista deu por ter deixado de reclamar?

a)    Por ele estar doente.

b)    Por estar estudando outras coisas.

c)    Porque se continuasse reclamando ninguém aguentaria ler mais suas crônicas.

d)    Porque suas crônicas não estavam sendo publicadas.

04 – No trecho: “... eu o recebo terna e gravemente; sem melancolia, porque sem ilusão”, o termo sublinhado se refere:

a)   Ao transporte.

b)   Ao telefone.

c)   Ao custo de vida.

d)   Ao carinho.

05 – Segundo o texto, o que o autor quis dizer quando mencionou o termo “grávido de razões”:

a)   Não tinha razão.

b)   Estava cheio de razões.

c)   Suas razões não eram boas.

d)   A razão não era suficiente.

06 – Com relação ao gênero do texto, é correto afirmar que a crônica:

a)    Parte do assunto cotidiano e acaba por criar reflexões mais amplas.

b)   Tem como função informar o leitor sobre os problemas cotidianos.

c)    Apresenta uma linguagem distante da coloquial, afastando o público leitor.

d)   Tem um modelo fixo, com um diálogo inicial seguido de argumentação objetiva.

e)   Consiste na apresentação de situações pouco realistas, em linguagem metafórica.

07 – Em: “E olhem só que tipo de frase estou escrevendo! Tome tenência, velho Braga”, o narrador:

a)   Chama a atenção dos leitores para a beleza do estilo que empregou.

b)   Revela ter consciência de que cometeu excessos com a linguagem metafórica.

c)   Exalta o estilo por ele conquistado e convida-se a reverenciá-lo.

d)   Percebe que, por estar velho, seu estilo também envelheceu.

e)   Dá-se conta de que sua linguagem não será entendida pelo leitor comum.

08 – Atente para as seguintes afirmações:

I – A fala do amigo, na abertura do texto, revela que ele atribui a um cronista profissional a função de se pronunciar o mais criticamente possível diante dos dramas existenciais maiores que afligem a humanidade.

II – O cronista supõe que seus leitores não esperam que ele se dedique a protestar o tempo todo, deduzindo-se daí que ele considera a possibilidade de uma crônica adotar uma tonalidade mais leve.

III – O escritor se vale dessa crônica, para sustentar a convicção de que a maior parte de seus textos corresponde perfeitamente à expectativa de seu amigo.

Em relação ao texto, está correto APENAS o que se afirma em:

a)   I e II.

b)   I e III.

c)   II e III.

d)   I.

e)   II.

 

CRÔNICA: DIMINUTIVOS - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Crônica: Diminutivos       

                  Luís Fernando Veríssimo

     Sempre pensei que ninguém batia o brasileiro no uso do diminutivo, essa nossa mania de reduzir tudo à mínima dimensão, seja um cafezinho, um cineminha ou uma vidinha. Só o que varia é a inflexão da voz. Se alguém diz, por exemplo, "Ô vidinha", você sabe que ele está se referindo a uma vida com todas as mordomias. Nem é uma vida, é um comercial de cigarro com longa metragem. Um vidão. Mas se disser "Ah vidinha..." o coitado está se queixando dela, e com toda a razão. Há anos que o seu único divertimento é tirar sapatos e fazer xixi. Mas nos dois casos o diminutivo é usado com o mesmo carinho.

        O francês tem o seu "tout petit peu", que não é um diminutivo, é um exagero. Um "pouco todo pequeno" é muita explicação para tão pouco. Os mexicanos usam o "poco", o "poquito" e -- menos ainda que o "poquito" -- o "poquetín". Mas ninguém bate o brasileiro.
 Era o que eu pensava até o dia, na Itália, em que ouvi alguém dizer que alguma coisa duraria um "mezzoretto". Não sei se a grafia é essa mesma, mas um povo que consegue, numa palavra, reduzir uma meia hora de tamanho -- e você não tem nenhuma dúvida de que um "mezzoretto" dura os mesmos trinta minutos de uma meia hora convencional, mas passa muito mais depressa -- é invencível em matéria de diminutivo.

        O diminutivo é uma maneira ao mesmo tempo afetuosa e precavida de usar a linguagem. Afetuosa porque geralmente o usamos para designar o que é agradável, aquelas coisas tão afáveis que se deixam diminuir sem perder o sentido. E precavida porque também o usamos para desarmar certas palavras que, na sua forma original, são ameaçadoras demais.

        "Operação", por exemplo. É uma palavra assustadora. Pior do que "intervenção cirúrgica", porque promete uma intervenção muito mais radical nos intestinos. Uma operação certamente durará horas e os resultados são incertos. Suas chances de sobreviver a uma operação... sei não. Melhor se preparar para o pior.

        Já uma operaçãozinha é uma mera formalidade. Anestesia local e duas aspirinas depois. Uma coisa tão banal que quase dispensa a presença do paciente.

        [...]

        No Brasil, usa-se o diminutivo principalmente em relação à comida. Nada nos desperta sentimentos tão carinhosos quanto uma boa comidinha.

        -- Mais um feijãozinho?

        O feijãozinho passou dois dias borbulhando num daqueles caldeirões de antropófagos com capacidade para três missionários. Leva porcos inteiros, todos os miúdos e temperos conhecidos e, parece, um missionário. Mas a dona de casa o trata como um mingau de todos os dias.

        -- Mais um feijãozinho?

        -- Um pouquinho.

        -- E uma farofinha?

        -- Ao lado do arrozinho?

        -- Isso.

        -- E quem sabe mais uma cervejinha?

        -- Obrigadinho.

        O diminutivo é também uma forma de disfarçar o nosso entusiasmo pelas grandes porções. E tem um efeito psicológico inegável. Você pode passar horas tomando "cervejinha" em cima de "cervejinha" sem nenhum dos efeitos que sofreria depois de apenas duas cervejas.

        -- E agora, um docinho.

        E surge um tacho de ambrosia que é um porta-aviões.

Luís Fernando Veríssimo.

Entendendo a crônica:

01 – A ideia central do texto é mostrar que os diminutivos são usados como:

a)   Indicadores de aspectos negativos.

b)   Recursos expressivos de linguagem.

c)   Indicadores de aspectos pejorativos.

d)   Recurso para camuflar o que realmente quer dizer.

e)   Indicadores de pequenez.

02 – Segundo o texto, o autor usa uma conversinha no lugar de uma conversa para indicar:

a)   Pouca duração.

b)   Repulsa ao assunto.

c)   Banalização do tema.

d)   Desinteresse do emissor.

e)   Afetividade ao assunto.

03 – A palavra sublinhada foi usada em sentido figurado em:

a)   “Há anos que o seu único divertimento é tirar os sapatos...”.

b)   “Olha, aquele quisto no braço direito...”.

c)   “A hora para uma conversinha é sempre qualquer hora dessas”.

d)   “Num joguinho aceita-se até o cheque frio”.

e)   “Você pode passar horas tomando uma cervejinha”.

04 – No trecho: “No Brasil usa-se o diminutivo principalmente com relação à comida”, esse uso sugere que a comida seja:

a)   Em pouca quantidade.

b)   De quantidade duvidosa.

c)   Sofisticada.

d)   Trivial.

e)   De fácil preparo.

05 – “E surge um tacho de ambrosia que é um porta-aviões”. O trecho indica doce:

a)   De qualidade ruim.

b)   Em grande quantidade.

c)   Rapidamente consumido.

d)   De ótima qualidade.

e)   Com baixas calorias.

06 – A linguagem empregada no texto foi usada com a finalidade de:

a)   Mostrar que os diminutivos não são usados apenas no Brasil.

b)   Expressar os sentimentos do autor por coisas e pessoas.

c)   Verificar se a comunicação foi ou não estabelecida.

d)   Discorrer sobre a realidade da língua português no Brasil.

e)   Falar sobre a própria linguagem.

07 – No trecho: “Sempre pensei que ninguém batia o brasileiro no uso do diminutivo...”, o autor revela sentimento de:

a)   Surpresa.

b)   Revolta profunda.

c)   Indignação.

d)   Resignação.

e)   Indiferença.

08 – Segundo o autor, operação é uma palavra assustadora; já “uma operaçãozinha é uma mera formalidade”. Nesse caso o diminutivo foi usado para:

a)   Banalizar o tema.

b)   Suavizar a gravidade do fato.

c)   Satirizar o fato.

d)   Ironizar o fato.

e)   Esconder o medo do fato.

09 – Os períodos abaixo apresentam, respectivamente, relações de:

I – “Uma coisa tão banal que quase dispensa a presença do paciente”.

II – “Nada nos desperta sentimentos tão carinhosos quanto uma boa comidinha”.

a)   I. causa; II. Finalidade.

b)   I. causa; II. Conformidade.

c)   I. conformidade; II. consequência.

d)   I. consequência; II. Comparação.

e)   I. finalidade; II. Causa.

 

 

 

CRÔNICA: EU VI! EU SEI! EU LI! - JOBA TRIDENTE - COM GABARITO

 Crônica: Eu vi! Eu sei! Eu li!   

                    Joba Tridente

 

Eu vi! Eu sei! Eu li!

Da coletânea de crônicas: Catarse Tardia

 Um homem foi preso, ontem. Eu vi! Tentava roubar uma bandeira nacional, do pavilhão, na praça do governo. Os homens que o prenderam eram brutos. Eram montes enormes. Eu sei! Usavam armas de última geração. Dessas que matam sem deixar marcas. Eu li!

        O homem desapareceu no meio dos grandes. Como um afogado. Depois voltou a aparecer. Só a cabeça. Como um afogado. Os prendedores eram como ondas. Não havia salva-vidas, ali. Só grandes ondas e um pequeno homem se debatendo no meio delas. Alguns pombos voavam. Corujas também. O homem resistia à tormenta das ondas. Parecia não aguentar nadar por muito mais tempo. Faltava-lhe o ar. Engasgava-se. Dizem que o sangue é doce. Também salgado. Talvez acre-doce. Assim como o mar.

        Um náufrago morreu na praia, hoje. Eu vi! Dizem que estava bêbado e saiu pra pescar tubarões, em alto mar, além das 200 milhas. Foi atacado por orcas e peixes-espada. Eu sei! Os jornais disseram outra coisa. É difícil saber a verdade. É palavra de pescador contra de informador. Um colunista disse ouvir dizer de uma fonte confiável que, antes de morrer na praia, o homem cuspiu algumas palavras. Elas foram gravadas, por um anônimo e estão sendo analisadas por peritos, em um Laboratório de Fonética Forense. A sua fonte adiantou que os técnicos estão confusos. O que o homem parece dizer não bate com a explicação dos pescadores. A gravação diz que ele saiu pra pescar uma bandeira nacional. Como é que alguém pode ir pescar uma bandeira em alto mar? A voz, na fita, diz que a bandeira era pra fazer roupa pros seus filhos. Entre outras coisas o náufrago morto alega que seus filhos, depois, vestidos de bandeira, seriam uma bandeira viva andando pelas ruas. E não um simples pedaço de pano voando ao léu... Eu li!

                                                                Joba Tridente: 16.04.1998

Entendendo a crônica:

01 – O texto é construído com base nas informações que o cronista colhe nos lugares que percorre cotidianamente. De acordo com isso responda:

a)   Que fato desencadeou os acontecimentos narrados na crônica?

Um homem foi preso, ontem.

b)   Em que parágrafo o autor menciona o acontecimento que derivou essa crônica?

No primeiro parágrafo.

02 – Qual o lugar onde ocorreu o fato?

      Na praia.

03 – Em que pessoa verbal o narrador conta o fato?

      Na terceira pessoa do singular.

04 – O narrador fazia parte da história contada ou estava como observador, de fora?

      O narrador estava como observador.

05 – Explique o título “Eu vi! Eu sei! Eu li!”

      O narrador diz que viu um homem ser preso. Ele diz que sabe que os homens que prenderam o homem eram brutos, e leu que eles usavam armas de última geração.

06 – Que motivo levou o homem a ser preso?

      Estava tentando roubar uma bandeira nacional, do pavilhão, na praça do governo.

07 – Que pretendia o homem fazer com a bandeira?

      Fazer roupas para seus filhos.

 

ARTIGO DE OPINIÃO: O NAUFRÁGIO DE MUITOS INTERNAUTAS - MARIO SÉRGIO CORTELLA - COM GABARITO

 ARTIGO DE OPINIÃO: O naufrágio de muitos internautas

             Mario Sergio Cortella

        Há mais de um século, o francês Júlio Verne publicou uma de suas mais encantadoras e assustadoras obras, "Vinte Mil Léguas Submarinas". Na época do lançamento, 1870, a maior parte das pessoas que tinham acesso a livros dominava minimamente o latim, seja por ser disciplina constante do currículo escolar em muitos países seja por interesses específicos. Por isso não ficou estranho que o romancista tenha chamado de Nemo ao enigmático capitão do Nautilus. No correr dos últimos 130 anos, porém, o latim, que há alguns séculos perdera seus falantes, perdeu a maior parcela dos seus conhecedores e, por consequência, no Capitão Ninguém (traduzindo para o português) desfez-se parte da aura misteriosa.
Restou, no entanto, para além da força literária dessa precursora obra de ficção científica, um caráter premonitório: a possibilidade de as pessoas se extraviarem nas novas profundezas abissais, embarcando, agora, não mais no Nautilus, mas, isso sim, em um computador, conduzidas, mais uma vez, por Ninguém.

        Ora, a cada dia fala-se, mais e mais, sobre a triunfal entrada da humanidade na era do conhecimento; exalta-se a capacidade humana de estar vivendo, a partir deste momento, um período no qual o conhecimento será a principal riqueza. Tudo é fonte para o conhecimento, e a principal delas seria a Internet.

        Devagar com isso! Não se deve confundir informação com conhecimento. A Internet, entre as mídias contemporâneas, é a mais fantástica e estupenda ferramenta para acesso à informação; no entanto transformar informação em conhecimento exige, antes de tudo, critérios de escolha e seleção, dado que o conhecimento (ao contrário da informação) não é cumulativo, mas seletivo.

        É como alguém que entra numa livraria (ou em uma bienal do livro) sem saber muito o que deseja (mesmo um simples passear): corre o risco de ficar em pânico e com uma sensação de débito intelectual, sem ter clareza de por onde começar e imaginando que precisa ler tudo aquilo. É fundamental ter critério, isto é, saber o que se procura para poder escolher em função da finalidade que se tenha.
Os computadores e a Internet têm um caráter ferramental que não pode ser esquecido; ferramenta não é objetivo em si mesmo, é instrumento para outra coisa. Por isso há um ditado atribuído aos chineses que se diz: "Quando se aponta a Lua, bela e brilhante, o tolo olha atentamente a ponta do dedo".

        O instigante Lewis Carol, na sua imortal "Alice no País das Maravilhas", a ser lida e relida, tem duas personagens bem expressivas para entendermos os tempos atuais: um coelho (como nós) sempre correndo, sempre olhando o relógio e sempre reclamando "estou atrasado, estou atrasado"; e um insondável gato, que, no alto de uma árvore, tem um corpo que aparece e desaparece, às vezes ficando só a cauda, às vezes, só o sorriso. Há uma cena (adaptada aqui livremente) na qual Alice, desorientada, vê o gato na árvore e pergunta: "Para onde vai esta estrada?". O gato replica: "Para onde você quer ir?". Ela diz: "Não sei; estou perdida". O gato não titubeia: "Para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve...".

        Sem critérios seletivos, muitos ficam sufocados por uma ânsia precária de ler tudo, acessar tudo, ouvir tudo, assistir tudo. É por isso que a maior parte dessas pessoas, em vez de navegar na Internet, naufraga...

MARIO SERGIO CORTELLA, filósofo, professor da PUC-SP e autor de "A Escola e o Conhecimento: Fundamentos Epistemológicos e Políticos" (ed. Cortêz/IPF).

Entendendo o texto:

01 – Das afirmações a seguir, a respeito do texto, a que deve ser considerada inadequada é:

a)   A narrativa de Júlio Verne tem certa analogia com o uso da internet em nosso século.

b)   Hoje, pode-se considerar a Internet uma ferramenta fundamental para o conhecimento.

c)   O conhecimento pode ser entendido como a principal riqueza de nossa era.

d)   Segundo o autor, a informação tem um caráter cumulativo.

e)   O acesso à Internet, por si só, garante a imersão no mundo do conhecimento.

02 – O autor do texto:

I – Manifesta uma visão pessimista quanto ao uso indiscriminado e ingênuo da Internet como meio de aquisição de conhecimento.

II – Sugere que a utilização da Internet, sem o conhecimento da língua latina, desorientará o usuário.

III – Censura o uso da Internet como ferramenta de acesso à informação.

Está(ão) correta(s):

a)   Apenas I.

b)   Apenas I e II.

c)   Apenas II e III.

d)   Apenas III.

e)   Apenas II.

03 – O item que expressa claramente o modo de pensar do autor é:

a)   As informações que circulam na Internet não podem se transformar em conhecimento.

b)   Ao navegar na Internet, o usuário deve saber de antemão o que procura e ter critérios de seleção das informações.

c)   Não podemos nos enganar ao supor que a humanidade está entrando em uma era de conhecimento.

d)   O usuário das mídias contemporâneas deve se comportar como quem entra numa livraria e começa a ler tudo que lá se encontra.

e)   Como ferramenta útil que é, o computador pode ser utilizado como um objetivo em si mesmo.

04 – O autor do texto utiliza duas comparações principais ao situar, de forma metafórica, o moderno usuário de computadores: com a navegação do Nautilus e a entrada em uma livraria. Com essas comparações, seu objetivo é ilustrar, respectivamente:

a)   Um mergulho no conhecimento e a ampla possibilidade de escolha.

b)   A falta de conhecimento de línguas clássicas e a angústia diante de muitos livros para ler com pouco tempo para fazê-lo.

c)   A ausência de um objetivo e a desorientação diante de muita informação.

d)   O desconhecimento da fonte de informações e um passeio sem destino.

e)   A identificação de quem nos dirige e a sensação de pânico.