terça-feira, 28 de julho de 2020

POEMA: À IMPROPRIEDADE - JOSÉ PAULO PAES - COM GABARITO

Poema: À IMPROPRIEDADE

             José Paulo Paes


De cearense sedentário

Baiano lacônico

Mineiro perdulário.

 

Deus nos guarde.

 

De carioca cerimonioso

Gaúcho modesto

Paulista preguiçoso.

 

Deus nos livre e guarde.

José Paulo Paes

Entendendo o poema:

01 – Interpretando-se os sentidos do poema, pode-se afirmar que:

a)   (V) Em seu sentido global, o poema reafirma os estereótipos a respeito dos diversos tipos de brasileiro.

b)   (V) O poema é construído com antíteses parcialmente implícitas: ao conceito de “cearense sedentário”, por exemplo, opõe-se “cearense migrante”.

c)   (V) O poema é bem-humorado por causa das inversões de sentido utilizadas pelo autor.

d)   (F) O título “À impropriedade” funciona como um ornamento dispensável ao texto, sem manter assim relações de sentido com o poema.

02 – Nesse poema há dois aspectos que chamam logo a atenção, quais?

      A presença do tom humorístico com que o eu lírico observa (ironicamente) as contradições do mundo e a simplicidade da escrita, tanto da matéria poética – que é captada no cotidiano.

03 – Que temática é abordada nesse poema?

      Ele aborda a inversão de estereótipos a respeito do povo brasileiro.

04 – Onde se encontra a ironia do texto?

      A ironia está só na inversão – que conduz à frase original –, mas na introdução do ditado popular: “Deus nos livre e guarde” tão mecanicamente usado quanto às expressões que quer retomar.

POEMA: O RELÓGIO - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

Poema: O Relógio

           João Cabral de Melo Neto


Ao redor da vida do homem

há certas caixas de vidro,

dentro das quais, como em jaula,

se ouve palpitar um bicho.

 

Se são jaulas não é certo;

mais perto estão das gaiolas

ao menos, pelo tamanho

e quadradiço de forma.

 

Uma vezes, tais gaiolas

vão penduradas nos muros;

outras vezes, mais privadas,

vão num bolso, num dos pulsos.

 

Mas onde esteja: a gaiola

será de pássaro ou pássara:

é alada a palpitação,

a saltação que ela guarda;

 

e de pássaro cantor,

não pássaro de plumagem:

pois delas se emite um canto

de uma tal continuidade

 

que continua cantando

se deixa de ouvi-lo a gente:

como a gente às vezes canta

para sentir-se existente.

 

O que eles cantam, se pássaros,

é diferente de todos:

cantam numa linha baixa,

com voz de pássaro rouco;

 

desconhecem as variantes

e o estilo numeroso

dos pássaros que sabemos,

estejam presos ou soltos;

 

têm sempre o mesmo compasso

horizontal e monótono,

e nunca, em nenhum momento,

variam de repertório:

 

dir-se-ia que não importa

a nenhum ser escutado.

Assim, que não são artistas

nem artesãos, mas operários

 

para quem tudo o que cantam

é simplesmente trabalho,

trabalho rotina, em série,

impessoal, não assinado,

 

de operário que executa

seu martelo regular

proibido (ou sem querer)

do mínimo variar.

 

A mão daquele martelo

nunca muda de compasso.

Mas tão igual sem fadiga,

mal deve ser de operário;

 

ela é por demais precisa

para não ser mão de máquina,

a máquina independente

de operação operária.

 

De máquina, mas movida

por uma força qualquer

que a move passando nela,

regular, sem decrescer:

 

quem sabe se algum monjolo

ou antiga roda de água

que vai rodando, passiva,

graçar a um fluido que a passa;

 

que fluido é ninguém vê:

da água não mostra os senões:

além de igual, é contínuo,

sem marés, sem estações.

 

E porque tampouco cabe,

por isso, pensar que é o vento,

há de ser um outro fluido

que a move: quem sabe, o tempo.

 

Quando por algum motivo

a roda de água se rompe,

outra máquina se escuta:

agora, de dentro do homem;

 

outra máquina de dentro,

imediata, a reveza,

soando nas veias, no fundo

de poça no corpo, imersa.

 

Então se sente que o som

da máquina, ora interior,

nada possui de passivo,

de roda de água: é motor;

 

se descobre nele o afogo

de quem, ao fazer, se esforça,

e que ele, dentro, afinal,

revela vontade própria,

 

incapaz, agora, dentro,

de ainda disfarçar que nasce

daquela bomba motor

(coração, noutra linguagem)

 

que, sem nenhum coração,

vive a esgotar, gota a gota,

o que o homem, de reserva,

possa ter na íntima poça.

João Cabral de Melo Neto

Entendendo o poema:

01 – Que temática é abordada no poema?

      A temática é o tempo.

02 – Qual é a primeira metáfora escolhida para o tempo nesse poema?

      É “bicho”, sendo gradativamente amenizada no decorrer das estrofes.

03 – Que mudança sofre o “bicho” no decorrer do poema?

      Passando de um “bicho” de jaula a um pássaro em uma gaiola.

04 – Em relação ao texto, julgue os itens que se seguem:

(F) O entendimento do poema é facilitado pelo fato de o título permitir que o sentido metafórico da terceira estrofe se associe à ideia de relógio.

(F) A utilização de estrofes que são quartetos e de versos de sete sílabas (redondilha maior) comprova que o Modernismo desprezou totalmente as formas tradicionais de construção de poemas.

(V) A noção de trabalho no texto apresenta as oposições: artistas e artesãos versus operários; produção variada, criativa versus produção em série, rotineira; a produção pessoal versus produção impessoal.

05 – Ainda em relação ao texto, julgue os itens seguintes:

(F) No primeiro verso do poema, a contagem das sílabas métricas exige a elisão de uma das vogais idênticas em “do homem” e a desconsideração da última sílaba gramatical do verso, por ser átona.

(F) A ocorrência próxima dos substantivos “jaula”, “jaulas”, “gaiolas”, “gaiola” e “pássaro” e das palavras com o mesmo radical “cantor”, “canto”, “cantando”, intensifica a sonoridade, a coesão e também a convergência e a densidade semântica do texto.

(V) Na interpretação de poemas, deve existir sempre uma margem de flexibilidade em consequência da multiplicidade de sentidos. Assim, na sexta estrofe, as duas ocorrências da expressão “a gente” podem ser interpretadas como nós (eu lírico e leitores) ou como as pessoas, o povo.

06 – Na tentativa de descrever o que há dentro dessas caixas de vidro, como o poema se inicia?

      Inicia-se investigando, buscando respostas diante da sua dúvida: “Se são jaulas não é certo”.

07 – Copie os versos que descrevem a passagem de jaula resistente que detém um ser feroz, para ela passa à delicadeza de uma gaiola que guarda um pássaro, de “alada palpitação”.

      “Uma vezes, tais gaiolas

       vão penduradas nos muros;

       outras vezes, mais privadas,

       vão num bolso, num dos pulsos.

 

       Mas onde esteja: a gaiola

       será de pássaro ou pássara:

       é alada a palpitação,

       a saltação que ela guarda.”

08 – A que se assemelha a imagem dos ponteiros do relógio?

      São semelhantes às asas de um pássaro, remete-nos ao tempo-pássaro, ao desejo da ave de voar, de ganhar o céu e a liberdade, mas que impossibilitada de fazê-lo, tem de contentar-se com o curto bater de suas asas dentro do espaço limitado da gaiola.

09 – O eu lírico através do poema fala da diferença entre o operário e os artesões e artistas. Explique.

      Ele diz que a figura do operário veste bem o ponteiro do relógio que trabalha sem parar, no mesmo ritmo, mecanicamente e diferentemente dos artesãos e artistas que fogem do compasso rotineiro do tempo, procurando evadir-se na arte, o trabalho dos ponteiros-operários.

 

 

 

 


CRÔNICA: UM SONHO DE SIMPLICIDADE - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

Crônica: Um sonho de simplicidade       

                  Rubem Braga

        Então, de repente, no meio dessa desarrumação feroz da vida urbana, dá na gente um sonho de simplicidade. Será um sonho vão? Detenho-me um instante, entre duas providencias a tomar, para me fazer essa pergunta. Por que fumar tantos cigarros? Eles não me dão prazer algum; apenas me fazem falta. São uma necessidade que inventei. Por que beber uísque, por que procurar a voz de mulher na penumbra ou amigos no bar para dizer coisas vãs, brilhar um pouco, saber intrigas?

        Uma vez, entrando numa loja para comprar uma gravata, tive de repente um ataque de pudor, me surpreendendo assim, a escolher um pano colorido para amarrar ao pescoço.

        A vida poderia ser mais simples. Precisamos de uma casa, comida, uma simples mulher, que mais? Que se possa andar limpo e não ter fome, nem sede, nem frio. Para que beber tanta coisa gelada? Antes eu tomava água fresca da talha, e a água era boa. E quando precisava de um pouco de evasão, meu trago de cachaça.

        Que restaurante ou boate me deu o prazer que tive na choupana daquele velho caboclo no Acre? A gente tinha ido pescar no rio, de noite. Puxamos a rede afundando os pés na lama, na noite escura, e isso era bom. Quando ficamos bem cansados, meio molhados, com frio, subimos a barranca, no meio do mato, e chagamos à choça de um velho seringueiro. Ele acendeu um fogo, esquentamos um pouco junto do fogo, depois me deitei numa grande rede branca – foi um carinho ao longo de todos os músculos cansados. E então ele me deu um pedaço de peixe moqueado e meia caneca de cachaça. Que prazer em comer aquele peixe, que calor bom em tomar aquela cachaça e ficar algum tempo a conversar, entre grilos e vozes distantes de animais noturnos.

        Seria possível deixar essa eterna inquietação das madrugadas urbanas, inaugurar de repente uma vida de acordar bem cedo? Outro dia vi uma linda mulher, e senti um entusiasmo grande, uma vontade de conhecer mais aquela bela estrangeira: conversamos muito, essa primeira conversa longa em que a gente vai jogando um baralho meio marcado, e anda devagar, como a patrulha que faz um reconhecimento. Mas por que, para que, essa eterna curiosidade, essa fome de outros corpos e outras almas?

        Mas para instaurar uma vida mais simples e sábia, então seria preciso ganhar a vida de outro jeito, não assim, nesse comércio de pequenas pilhas de palavras, esse ofício absurdo e vão de dizer coisas, dizer coisas… Seria preciso fazer algo de sólido e de singelo; tirar areia do rio, cortar lenha, lavrar a terra, algo de útil e concreto, que me fatigasse o corpo, mas deixasse a alma sossegada e limpa.

        Todo mundo, com certeza, tem de repente um sonho assim. É apenas um instante. O telefone toca. Um momento! Tiramos um lápis do bolso para tomar nota de um nome, um número… Para que tomar nota? Não precisamos tomar nota de nada, precisamos apenas viver – sem nome, nem número, fortes, doces, distraídos, bons, como os bois, as mangueiras e o ribeirão.

Rubem Braga

Entendendo a crônica:

01 – No texto, o narrador:

a)   Questiona o artificialismo do convívio social.

b)   Revela-se cauteloso na defesa de um outro estilo de vida.

c)   Cobra do ser humano uma atitude em face da vida que coincide com o Carpe Diem.

d)   Estabelece proximidade entre o viver urbano e o viver rural.

e)   Requer da sociedade uma postura mais solidária no convívio social.

02 – “Um sonho de simplicidade”, para o narrador, seria ter uma vida:

a)   Ligada aos bens / riquezas materiais.

b)   Despojada, cuidando tão-somente de um viver filantrópico.

c)   Em que o relacionamento entre as pessoas atendesse a convenções.

d)   Em que a atividade física fosse intensa e servisse de bálsamo para a alma

e)   De evasão ara um mundo de sonhos, em detrimento do mundo real.

03 – O narrador:

a)   No primeiro parágrafo, afirma a inutilidade de sonhar com outras formas de viver.

b)   No segundo parágrafo, revela uma consciência crítica do seu comportamento urbano.

c)   No terceiro parágrafo, põe em destaque a necessidade de afeto no relacionamento humano.

d)   No quarto parágrafo, enfatiza as dificuldades que o homem enfrenta na vida rural.

e)   No penúltimo parágrafo, apresenta a quebra da rotina da vida como inviável.

04 – A alternativa cujo fragmento apresenta a mesma ideia do narrador no parágrafo final é:

a)   “Os livros são objetos transcendentes / mas podemos amá-los do amor táctil”.

b)   “Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso / (É, sem dúvida, sobretudo o verso) / É o que pode lançar mundos no mundo”.

c)   “Caminhando contra o vento / sem lenço, sem documento / No sol de quase dezembro / Eu vou”.

d)   “Enquanto os homens exercem seus podres poderes / Índios e padres e bichos, negros e mulheres / E adolescente / Fazem o carnaval”.

e)   “Sei que a arte é irmã da ciência / Ambas filhas de um Deus fugaz / Que faz num momento e o mesmo momento desfaz”.

05 – Em seu sonho de simplicidade, o autor idealiza sobretudo:

a)   Uma depuração maior no seu estilo de escrever, marcado por excessivo refinamento.

b)   As pequenas necessidades da rotina, que cada um de nós cria inconscientemente.

c)   Uma relação mais direta e vital do homem com os demais elementos da natureza.

d)   O aperfeiçoamento do espírito, por meio de reflexões constantes e disciplinadas.

e)   A paixão ingênua que pode nascer com a voz de uma mulher na penumbra.

06 – Considere as seguintes afirmações:

I – O autor condiciona a conquista de uma vida mais simples à possibilidade de viver sem precisar produzir nada, sem executar qualquer tipo de trabalho, afora o da pura imaginação.

II – Alimentar um tal sonho de simplicidade é, na perspectiva do autor, uma característica exclusiva dos escritores que não mantém relações mais concretas com o mundo.

III – Cigarros, gravatas e telefones são elementos utilizados pelo autor para melhor concretizar o mundo que representa uma antítese ao seu sonho de simplicidade.

Em relação ao texto, está correto SOMENTE o que se afirma em:

a)   I.

b)   II.

c)   III.

d)   I e II.

e)   II e III.

07 – Na frase: “Mas, para instaurar uma vida mais simples e sábia, seria preciso ganhar a vida de outro jeito, não assim, nesse comércio de pequenas pilhas de palavras, esse ofício absurdo e vão de dizer coisas, dizer coisas...”. O autor:

a)   Ressalta, com a repetição de dizer coisas, a importância de seu trabalho de escritor, pelo qual revela aos outros as verdades mais profundas.

b)   Justifica com a expressão comércio de pequenas pilhas de palavras a visão depreciativa que tem de seu próprio ofício.

c)   Apresenta como consequência de instaurar uma vida mais simples e sábia o fato de ganhar a vida de outro jeito.

d)   Utiliza a expressão não assim para apontar uma restrição à vida que seria preciso ganhar de outro jeito.

e)   Se vale da expressão ofício absurdo e vão para menosprezar o trabalho dos escritores que se recusam a profissionalizar-se.

08 – A grafia de TODAS as palavras está correta na frase apresentada na alternativa:

a)   A proposta do texto soa extravagante para quem não apreciar uma vida simples e natural.

b)   A sujeição a velhas manias impede que se possa adotar comportamentos inovadores.

c)   A vida displicente do homem moderno impõe um ritmo insano à rotina urbana.

d)   A vida mais próxima da Natureza resgata a simplicidade, que empecilhos de toda ordem nos impedem de desfrutar.

e)   A vida natural exclue, é obvio, os desvalores que encluímos no nosso dia-a-dia.

09 – No fragmento retirado do texto de Rubem Braga “Sem nome, nem número, fortes, doces, distraídos, bons, como os bois, as mangueiras e o ribeirão”, o emprego da vírgula se justifica por:

a)   Isolar adjunto adverbial quando antecipado na frase.

b)   Destacar termos com função sintática diversa.

c)   Enfatizar palavras repetidas ainda que necessárias.

d)   Destacar as funções de vocativo e de aposto.

e)   Separar termos que exercem a mesma função sintática.

10 – A alternativa que contém uma palavra formada exatamente pelo mesmo processo pelo qual se obteve “seringueiro” é:

a)   Cigarros.

b)   Desarrumação.

c)   Penumbra.

d)   Reconhecimento.

e)   Simplicidade.

 

 


sexta-feira, 24 de julho de 2020

MÚSICA(ATIVIDADES): LUÍZA - TOM JOBIM - COM QUESTÕES GABARITADAS

Música(Atividades): Luíza

                                                     Tom Jobim

Rua
Espada nua
Boia no céu imensa e amarela
Tão redonda a Lua
Como flutua
Vem navegando o azul do firmamento
E no silêncio lento
Um trovador, cheio de estrelas
Escuta agora a canção que eu fiz
Pra te esquecer, Luiza
Eu sou apenas um pobre amador
Apaixonado
Um aprendiz do teu amor
Acorda amor
Que eu sei que embaixo desta neve mora um coração

Vem cá, Luiza
Me dá tua mão
O teu desejo é sempre o meu desejo
Vem, me exorciza
Dá-me tua boca
E a rosa louca
Vem me dar um beijo
E um raio de Sol
Nos teus cabelos
Como um brilhante que partindo a luz
Explode em sete cores
Revelando então os sete mil amores
Que eu guardei somente pra te dar Luiza
Luíza
Luíza

Composição: Antônio Carlos Jobim.

Entendendo a canção:

01 – Indique a opção que apresenta uma afirmação correta:

a)   Antônio Carlos Jobim apresenta grandes influências da literatura ocidental em seus versos, já que os mesmos são inspirados na produção poética Greco-parnasiana.

b)   Esta é uma composição escrita nos moldes camonianos de Os Lusíadas, que descreve a paisagem, a fauna e flora, os costumes e tradições do indianismo.

c)   O autor Antônio Carlos Jobim, sofre a forte influência poética de Lord Byron e Musset, que também é conhecida como influência da Geração de Orpheu.

d)   O lirismo amoroso constitui a fonte de todo o lirismo europeu e, consequentemente, brasileiro, percebendo-se a sua influência ainda hoje, como vemos nesta canção de Antônio Carlos Jobim.

02 – De que fala esta canção?

      O fio condutor é o amor não correspondido.

03 – Que verso expõe a frieza de Luíza?

      “Eu sei que embaixo dessa neve mora um coração”.

04 – O que o eu lírico diz neste verso: “O teu desejo é sempre o meu desejo”?

      O eu lírico diz que ainda não tem vontades próprias já que o desejo de Luíza é sempre o desejo dele.

 


POEMA: O FERRAGEIRO DE CARMONA - JOÃO CABRAL DE MELO NETO - COM GABARITO

Poema: O Ferrageiro de Carmona    

                 João Cabral de Melo Neto

Um ferrageiro de Carmona
que me informava de um balcão:
«Aquilo? É de ferro fundido,
foi a fôrma que fez, não a mão.

Só trabalho em ferro forjado
que é quando se trabalha ferro;
então, corpo a corpo com ele,
domo-o, dobro-o, até o onde quero.

O ferro fundido é sem luta,
é só derramá-lo na fôrma.
Não há nele a queda-de-braço
e o cara-a-cara de uma forja.

Existe grande diferença
do ferro forjado ao fundido;
é uma distância tão enorme
que não pode medir-se a gritos.

Conhece a Giralda em Sevilha?
De certo subiu lá em cima
Reparou nas flores de ferro
dos quatro jarros das esquinas?

Pois aquilo é ferro forjado.
Flores criadas numa outra língua.
Nada têm das flores de fôrma
moldadas pelas das campinas.

Dou-lhe aqui humilde receita,
ao senhor que dizem ser poeta:
o ferro não deve fundir-se
nem deve a voz ter diarreia.

Forjar: domar o ferro à força,
não até uma flor já sabida,
mas ao que pode até ser flor
se flor parece a quem o diga.

                           João Cabral de Melo Neto, in 'Serial e Antes, A Educação pela Pedra e Depois, Rio de Janeiro, 1997'

Entendendo o poema:

01 – O poema mostra:

(F) O fazer poético como um processo racional, fundamentado em modelos preexistentes.

(F) A relação criador-criatura enfocada sob uma perspectiva irônica.

(V) Uma analogia entre o ofício do ferrageiro e o do poeta.

(V) A “flor” forjada como exemplo de obra de arte criativa.

(F) A criação da poesia como um processo cuja marca é a fluência das palavras, sem controle seletivo.

(V) A verossimilhança, o efeito de verdade na obra de arte, ligada à ação persuasiva do artefato sobre objeto natural.

(V) A ação de forjar ligada à marca da pessoalidade no processo criativo, contrapondo-se ao plano do fundir, cuja marca é a ausência do sujeito.

02 – João Cabral de Melo Neto, mais conhecido como o “poeta das simetrias”, apresenta um texto exato e extremamente racionalizado. Em seus poemas, rompe com o mito da poesia de inspiração, pois prega que a poesia não está no sentimento do poeta ou mesmo na beleza dos fatos, mas na organização do texto, no rigor de sua construção. Com base no poema, analise as afirmativas a seguir:

I – O poema é construído a partir de oposições semânticas, como a que existe entre “ferro forjado” e “ferro fundido”.

II – O eu lírico valoriza o trabalho com ferro fundido e desqualifica o com ferro forjado.

III – O poema se utiliza da metáfora do trabalho do ferreiro para falar do fazer poético.

É correto o que se afirma em:

a)   Apenas I.

b)   Apenas II.

c)   I e III.

d)   Apenas a III.

03 – De que se trata o poema?

      Fala do ato de criação do fazer poético.

04 – O poeta recorre a que comparação para ilustrar sua fala?

      Ele recorre à comparação do ato de forjar o metal e o ato de engendrar as palavras.

05 – Que palavras o eu lírico usa que revela-se como autoritário, firme e austero o ato de escrever?

      Ferro, forjado, fundido.

06 – Para reproduzir a labuta do ato criativo o eu lírico recorre a quê advérbios?

      Corpo a corpo, cara a cara, a gritos, a mão.

 


POEMA: À TELEVISÃO - JOSÉ PAULO PAES - COM GABARITO

Poema: À televisão             

           José Paulo Paes


Teu boletim meteorológico

me diz aqui e agora

se chove ou se faz sol.

Para que ir lá fora?

 

A comida suculenta

que pões à minha frente

como-a toda com os olhos.

Aposentei os dentes.

 

Nos dramalhões que encenas

há tamanho poder

de vida que eu próprio

nem me canso em viver.

 

Guerra, sexo, esporte

-- me dás tudo, tudo.

Vou pregar minha porta:

já não preciso do mundo.

  PAES, J. P. Prosas seguidas de odes mínimas. São Paulo. Companhia das Letras, 1992.

Entendendo o poema:

01 – No poema, à televisão é humanizada, assumindo o papel de interlocutor do eu poético, Identifique o elemento linguístico que melhor caracteriza essa humanização e transcreva um verso em que ele apareça.

      O uso da segunda pessoa gramatical.

      Um dentre os versos: Teu boletim meteorológico / que pões à minha frente / nos dramalhões que encenas / me dás tudo, tudo.

02 – Indique o tema geral do poema e explique como ele é abordado criticamente por José Paulo Paes.

      O tema geral é a sociedade do espetáculo ou a presença da tecnologia na vida do homem.

      No texto a televisão representa esse tem geral, simbolizando a solidão humana.