quarta-feira, 8 de julho de 2020

CRÔNICA: APRENDA A CHAMAR A POLÍCIA - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: Aprenda a chamar a polícia

                 Luís Fernando Veríssimo

        Eu tenho o sono muito leve, e numa noite dessas notei que havia alguém andando sorrateiramente no quintal de casa. Levantei em silêncio e fiquei acompanhando os leves ruídos que vinham lá de fora, até ver uma silhueta passando pela janela do banheiro. Como minha casa era muito segura, com grades nas janelas e trancas internas nas portas, não fiquei muito preocupado, mas era claro que eu não ia deixar um ladrão ali, espiando tranquilamente.

        Liguei baixinho para a polícia, informei a situação e o meu endereço.

        Perguntaram-me se o ladrão estava armado ou se já estava no interior da casa.

        Esclareci que não e disseram-me que não havia nenhuma viatura por perto para ajudar, mas que iriam mandar alguém assim que fosse possível.

        Um minuto depois, liguei de novo e disse com a voz calma:

        — Oi, eu liguei há pouco porque tinha alguém no meu quintal. Não precisa mais ter pressa. Eu já matei o ladrão com um tiro de escopeta calibre 12, que tenho guardada em casa para estas situações. O tiro fez um estrago danado no cara!

        Passados menos de três minutos, estavam na minha rua cinco carros da polícia, um helicóptero, uma unidade do resgate, uma equipe de TV e a turma dos direitos humanos, que não perderiam isso por nada neste mundo.

        Eles prenderam o ladrão em flagrante, que ficava olhando tudo com cara de assombrado. Talvez ele estivesse pensando que aquela era a casa do Comandante da Polícia.

        No meio do tumulto, um tenente se aproximou de mim e disse:

        — Pensei que tivesse dito que tinha matado o ladrão.

        Eu respondi:

        — Pensei que tivesse dito que não havia ninguém disponível.

    Luís Fernando Veríssimo.

Entendendo a crônica:

01 – Que fato provocou o desenrolar dos acontecimentos descritos no texto?

      O fato foi a invasão à casa do narrador, onde um criminoso tentaria um roubo.

02 – Qual o cenário em que aconteceu a história?

      Na casa do narrador.

03 – Que tipo de narrador há?

      Narrador-personagem.

04 – Quais personagens fazem parte dessa narrativa?

      O narrador é o personagem principal, sendo secundário, o ladrão e o atendente da polícia.

05 – Qual o desfecho da crônica?

      Quando o narrador diz ter baleado o ladrão, e então surgem muitas viaturas e a imprensa. Então o invasor é preso.

06 – No texto, ao dizer que o ladrão agiu “sorrateiramente”, o autor quis dizer que ele agiu:

a)   Com extrema violência.

b)   Com ignorância.

c)   De maneira desastrosa.

d)   De maneira sutil e às ocultas.

e)   De maneira brusca e rápida.

07 – De acordo com o texto, a pessoa que teve a casa invadida:

a)   Assim que percebeu que havia alguém no quintal se desesperou e começou a gritar.

b)   Não se preocupou muito inicialmente, mas tomou uma atitude em relação à situação.

c)   Entrou em pânico e tratou de partir para cima do invasor.

d)   Percebeu, logo que viu o bandido, que ele era perigoso e por isso foi logo atirando.

e)   Ficou extremamente preocupado, visto que sua residência não oferecia segurança suficiente.

08 – Em “Comandante da Polícia”, as letras maiúsculas foram utilizadas por tratar-se de:

a)   Entidade folclórica.

b)   Nome próprio.

c)   Uma citação referente ao governo.

d)   Uma autoridade de alto cargo e respectiva corporação.

e)   Designação de uma região.

09 – Pelo desfecho do texto, podemos concluir que:

a)   A Polícia foi até o local prontamente por tratar-se de um roubo.

b)   A Polícia não seria tão rápida se não pensasse que o ladrão tinha sido morto.

c)   A Polícia atendeu a primeira ligação, deslocando para o local imediatamente, por ser rápida e eficiente.

d)   A Polícia atende mais rápido a roubos do que a homicídios.

e)   A Polícia sempre atende a qualquer tipo de ocorrência assim que solicitada.

10 – Todos os verbos destacados abaixo indicam ação, EXCETO:

a)   “... alguém andando sorrateiramente no quintal de casa”.

b)   “Eu já matei o ladrão”.

c)   “Um minuto depois, liguei de novo...”.

d)   “Eles prenderam o ladrão...”.

e)   “... minha casa era muito segura...”.

 


CRÔNICA: NEGÓCIO DE MENINO - RUBEM BRAGA - COM GABARITO

Crônica: Negócio de menino

                Rubem Braga

Tem dez anos, é filho de um amigo, e nos encontramos na praia:

– Papai me disse que o senhor tem muito passarinho…

– Só tenho três.

– Tem coleira?

– Tenho uma coleirinha.

– Virado?

– Virado.

– Muito velho?

– Virado há um ano.

– Canta?

– Uma beleza.

– Manso?

– Canta no dedo.

– O senhor vende?

– Vendo.

– Quanto?

– Dez contos.

Pausa. Depois volta:

– Só tem coleira?

– Tenho um melro e um curió.

– É melro mesmo ou é vira?

– É quase do tamanho de uma graúna.

– Deixa coçar a cabeça?

– Claro. Come na mão…

– E o curió?

– Por quanto o senhor vende?

– Dez contos.

Pausa.

– Deixa mais barato…

– Para você, seis contos.

– Com a gaiola?

– Sem a gaiola.

Pausa.

– E o melro?

– O melro eu não vendo.

– Como se chama?

– Brigitte.

– Uai, é fêmea?

– Não. Foi a empregada que botou o nome. Quando ela fala com ele, ele se arrepia todo, fica todo despenteado, então ela diz que é Brigitte.

Pausa.

– O coleira o senhor também deixa por seis contos?

– Deixo por oito contos.

– Com a gaiola?

– Sem a gaiola.

Longa pausa. Hesitação. A irmãzinha o chama de dentro d’água. E, antes de sair correndo, propõe, sem me encarar:

– O senhor não me dá um passarinho de presente, não?

                                                          Rubem Braga.

Entendendo a crônica:

01 – De que trata o texto?

      O menino quer comprar um passarinho do senhor, mas não tem dinheiro suficiente. Então fica pechinchando.

02 – O narrador do episódio é também personagem ou não?

      O narrador é o dono dos passarinhos, amigo do pai do menino.

03 – A crônica “Negócio de menino” é estruturada em forma de diálogo.

a)   Quem são os personagens do diálogo?

O menino e o senhor, no final irmãzinha também.

b)   Que marcas aparecem no texto que comprovam a estrutura do diálogo?

Os travessões antes das falas dos personagens.

c)   Qual é a função do 1° parágrafo no texto?

Apresentar o personagem e o local da conversa.

04 – Em que lugar os personagens estão durante o diálogo?

      Numa praia.

05 – Quando a narrativa se passa?

      Enquanto o senhor e o menino estão tomando sol na areia da praia.

06 – Repare a seguinte fala do menino: “— Uai, é fêmea?”

a)   Você conhece a expressão “uai”? Sabe dizer em que estado brasileiro ela é bastante usada?

“Uai” é uma expressão típica dos mineiros. (Minas Gerais).

b)   O que ela expressa no texto?

Estranhamento.

07 – O menino, em sua opinião, tem preferência por um pássaro em especial? Por quê?

      Não. O interesse do menino é possuir um passarinho qualquer que seja ele, de modo que ele vai trocando para ver ser o preço abaixa e possa comprar.

08 – Que fato gera o humor do texto? Por quê?

      Quando o menino percebe que não conseguirá comprar nenhum passarinho do senhor, ele o pede de presente.

 


CRÔNICA: FALECEU ONTEM A PESSOA QUE ATRAPALHAVA SUA VIDA... LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: Faleceu ontem a pessoa que atrapalhava sua vida...

               Luís Fernando Veríssimo

        Um dia, quando os funcionários chegaram para trabalhar, encontraram na portaria um cartaz enorme, no qual estava escrito:
"Faleceu ontem a pessoa que atrapalhava sua vida na empresa. Você está convidado para o velório na quadra de esportes".

        No início, todos se entristeceram com a morte de alguém, mas depois de algum tempo, ficaram curiosos para saber quem estava atrapalhando sua vida e bloqueando seu crescimento na empresa. A agitação na quadra de esportes era tão grande, que foi preciso chamar os seguranças para organizar a fila do velório. Conforme as pessoas iam se aproximando do caixão, a excitação aumentava:

        -- Quem será que estava atrapalhando o meu progresso?

        -- Ainda bem que esse infeliz morreu!

        Um a um, os funcionários, agitados, se aproximavam do caixão, olhavam pelo visor do caixão a fim de reconhecer o defunto, engoliam em seco e saiam de cabeça abaixada, sem nada falar uns com os outros. Ficavam no mais absoluto silêncio, como se tivessem sido atingidos no fundo da alma e dirigiam-se para suas salas. Todos, muito curiosos mantinham-se na fila até chegar à sua vez de verificar quem estava no caixão e que tinha atrapalhado tanto a cada um deles.

        A pergunta ecoava na mente de todos: "Quem está nesse caixão"?

        No visor do caixão havia um espelho e cada um via a si mesmo... Só existe uma pessoa capaz de limitar seu crescimento: você mesmo! Você é a única pessoa que pode fazer a revolução de sua vida. Você é a única pessoa que pode prejudicar a sua vida. Você é a única pessoa que pode ajudar a si mesmo. "Sua vida não muda quando seu chefe muda, quando sua empresa muda, quando seus pais mudam, quando seu(sua) namorado(a) muda. Sua vida muda quando você muda! Você é o único responsável por ela."

        O mundo é como um espelho que devolve a cada pessoa o reflexo de seus próprios pensamentos e seus atos. A maneira como você encara a vida é que faz toda diferença. A vida muda, quando "você muda".

                                                Luís Fernando Veríssimo.

Entendendo a crônica:

        A partir da sua leitura e compreensão do texto, responda as seguintes questões:

01 – Qual é o tema de que trata a crônica e qual o ponto de vista do autor a respeito dessa tema? Retire do texto um trecho que justifiquem a sua resposta sobre o tema e um argumento que o autor usa para defender seu ponto de vista.

      O tema é o autoconhecimento. Com relação ao ponto de vista do autor, é mude o que não está bom em sua vida. “Sua vida muda... quando você muda! Você é o único responsável por ela”.

02 – Para leitura e compreensão dessa crônica, quais tipos de conhecimento prévio que são exigidos? Justifique sua resposta.

      Se existe uma espécie de chave para interpretação e compreensão de um texto, podemos dizer que é a LEITURA. Ler com certeza, é a melhor forma de melhorar sua capacidade de interpretação do mundo a sua volta.

03 – O principal ensinamento do texto é que:

a)   Somos os responsáveis por nossos progressos, mas a empresa precisa colaborar para nosso crescimento.

b)   A cada dia acabamos matando a esperança de dias melhores.

c)   As pessoas procuram culpados para seus problemas, mas na verdade a solução só depende delas mesmas.

d)   Devemos matar tudo aquilo que bloqueia nosso crescimento profissional.

04 – “Conforme as pessoas iam se aproximando do caixão, a excitação aumentava”. A oração subordinada adverbial grifada traz uma ideia de:

a)   Comparação.

b)   Conformidade.

c)   Causa.

d)   Concessão.

e)   Condição.

05 – Nas duas frases com travessão a voz é:

a)   Do defunto.

b)   Do autor.

c)   Dos funcionários.

d)   Do chefe.

e)   Dos seguranças.

06 – “... olhavam pelo visor do caixão a fim de reconhecer o defunto”. A oração subordinada adverbial grifada apresenta uma ideia de:

a)   Comparação.

b)   Conformidade.

c)   Causa.

d)   Concessão.

e)   Finalidade.

07 – “... VOCÊ É O ÚNICO RESPONSÁVEL POR ELA”. O pronome pessoal reto grifado nessa passagem do texto substitui a palavra:

a)   Você.

b)   Responsável.

c)   Vida.

d)   Muda.

e)   Empresa.

08 – “A vida muda, quando você muda!”. A conjunção subordinada adverbial grifada introduz uma ideia de:

a)   Conformidade.

b)   Causa.

c)   Tempo.

d)   Fim.

e)   Consequência.

09 – “... encontraram na portaria um cartaz enorme, no qual estava escrito”. A expressão grifada é um pronome relativo, pois se relaciona com o termo:

a)   Portaria.

b)   Cartaz.

c)   Enorme.

d)   Estava.

e)   Escrito.

10 – “Conforme as pessoas iam se aproximando do caixão, a excitação aumentava”. O motivo da excitação nesse texto era:

a)   Decepção.

b)   Alegria.

c)   Curiosidade.

d)   Raiva.

e)   Tristeza.

11 – No texto se escreveu um trecho com letras maiúsculas. O motivo de se escrever dessa forma foi:

a)   Porque está errado.

b)   Para dar destaque ao trecho.

c)   Esquecimento ao digitar.

d)   Mostrar uma realidade.

e)   Inexperiência do autor.

12 – “O mundo é como um espelho”. Nota-se nesse trecho:

a)   Uma metáfora.

b)   Uma comparação.

c)   Um pleonasmo.

d)   Um paradoxo.

e)   Uma antítese.

13 – O principal objetivo de um texto como esse é:

a)   Promover o entretenimento.

b)   Sugerir uma reflexão.

c)   Adquirir conhecimento.

d)   Transmitir uma informação.

e)   Relatar um acontecimento.


CRÔNICA: OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO - ÉRICO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: Olhai os lírios do campo

            Érico Veríssimo

        Estive pensando muito na fúria com que os homens se atiram à caça do dinheiro.  É essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época.  Eles esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as relações de criatura para criatura.  De que serve construir arranha-céus se não há mais almas humanas para morar neles?

        Quero que abras os olhos, Eugênio, que acordes enquanto é tempo.  Peço-te que pegues a minha Bíblia que está na estante de livros, perto do rádio, leias apenas o Sermão da Montanha.  Não te será difícil achar, pois a página está marcada com urna tira de papel.  Os homens deviam ler e meditar esse trecho, principalmente no ponto em que Jesus nos fala dos lírios do campo, que não trabalham nem fiam, e no entanto nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles.

        Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar deitados à espera de que tudo nos caia do céu.  É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza.  Precisamos, entretanto, dar um sentido humano às nossas construções.  E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso, nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu.

        Não penses que estou fazendo o elogio do puro espírito contemplativo e da renúncia, ou de que o povo deva viver narcotizado pela esperança da felicidade na "outra vida". Há na terra um grande trabalho a realizar. É tarefa para seres fortes, para corações corajosos. Não podemos cruzar os braços enquanto os aproveitadores sem escrúpulos engendram os monopólios ambiciosos, as guerras e as intrigas cruéis. Temos que fazer-lhes frente. É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência e sim com as armas do amor e da persuasão. Considere a vida de Jesus. Ele foi antes de tudo um homem de ação e não um puro contemplativo.

        Quando falo em conquista, quero dizer a conquista de uma situação decente para todas as criaturas humanas, a conquista da paz digna, através do espírito de cooperação.

        E quando falo em aceitar a vida não me refiro à aceitação resignada e passiva de todas as desigualdades, malvadezas, absurdos e misérias do mundo. Refiro-me, sim a aceitação da luta necessária, do sofrimento que essa luta nos trará, das horas amargas a que ela forçosamente nos há de levar.

              Olhai os lírios do campo. Érico Veríssimo.

                        Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 8ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p. 108/9.

Entendendo a crônica:

01 – Na sua opinião qual é o principal motivo de tantas injustiças entre os homens?

      Resposta pessoal do aluno.

02 – O que Érico Veríssimo quis afirmar com a frase: “É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza?

      Que o trabalho é básico na vida do homem.

03 – Humanizar o mundo e os homens é um trabalho para quem?

      Para os fortes e corajosos.

04 – Explique o pensamento da personagem em relação ao mundo e a sua conquista.

      Todos devem ter um modo de vida decente, sem preconceitos e injustiça.

05 – A expressão “disposição para a luta” é usada no texto com que palavra?

      Com a palavra aceitação.

06 – Você concorda com a ideia de que o homem deve aceitar todos os sofrimentos aqui na Terra, por que a felicidade o espera no “céu”?

      Não. Jamais o homem deve ser passivo. Assim ele fará o jogo do sistema. É preciso lutar contra a maré.

07 – O que deveria ser mais importante para o homem: ter mais ou ser mais? Por quê?

      Ser mais. Os bens materiais são passageiros.

08 – Qual seria a maior fonte de felicidade pessoal?

      Gostar-se e gostar espontaneamente das pessoas.

 


 


TEXTO: QUE LÍNGUA É ESSA? ALEXANDRE GARCIA - COM GABARITO

Texto: Que língua é essa?

                                                            Alexandre Garcia

            “Alguém, nas faculdades de jornalismo, por favor, quer ressuscitar as regrinhas básicas da clareza e da simplicidade na escrita?”

        Alguns furibundos senhores, vez por outra, aparecem na imprensa, em cruzada de resgate da Língua Portuguesa no Brasil que, segundo eles, estaria sendo tragada pelo Inglês. E citam como exemplo palavras da informática como on-line, delete, ou nomes de estabelecimentos comercia (Um dia fui à Churrascaria Spettu’s e, como precisava entrevistar o dono perguntei pelo senhor Spettu. Eles acharam graça.), eventos como Rock in Rio, termos do cotidiano de empresas, como stand-by, turnover and so one.

        Mas não é aí que se esconde o perigo. No mais popular dos esportes, por exemplo, ninguém chegou ao cúmulo do ludopédio; embora tenha ficado futebol, o soccer não ameaça nossa defesa. Mesmo porque Barbosa e Oberdan eram goalkeepers e hoje Tafarel é goleiro; Ademir era centerforward: hoje só existe centroavante e o juiz não é mais o referre. Como se vê, onde somos melhores, nos impomos.

        Quem está atacando a Língua não são os aglófilos. Há uma quinta-coluna aqui dentro mesmo para enfraquecer a última flor do Lácio, inculta e bela. Como línguas são seres vivos, que crescem e se transformam, elas precisam estar em constante enriquecimento. A Língua Portuguesa no Brasil, por causa desta quinta coluna, está se empobrecendo. E não é apenas o caso de chamar cada coisa de coisa, e não pelo seu nome apropriado, como sugeria Carlos Lacerda. Nem parar de dizer para apenas falar. É ficar com um vocabulário tão pobre, tão limitado, que se repetem apenas os chavões da moda, para significar tudo. E se repetem paradoxalmente, para se posar como intelectual – o que Freud ainda no Kindergarten de Viena já explicaria.

        Fico me perguntando, por exemplo, de onde é que as pessoas tiraram a moda do colocar, que serve para tudo. Até galinha já está colocando ovo. Quando alguém, numa reunião, pede licença para fazer uma colocação, fico com vontade de remetê-lo ao banheiro mais próximo para que possa colocar. Nos palácios de Brasília, passam o dia fazendo colocações. O pior é que nas escolas e faculdade também. Esse abominável colocar socorre a pobreza vocabular dos que não sabem dizer, nem pôr, nem botar, nem expor, nem explicar, nem ponderar. Depois do reinado do a nível de, que hoje já provoca sorrisos pelo seu ridículo, veio o enquanto. Quando uma militante grita ao microfone, “eu, enquanto mulher”, a imagino prestes a uma cirurgia para mudança de sexo. Pior ainda é “o brasileiro, enquanto povo”. Alguém quer traduzir essa língua para mim?

        Depois que alguém importou das aulas de matemática o em função de, os repórteres de rádio acharam bonito e aboliram o singelo por causa de. Cada vez que ouço que alguém morreu em função de uma bala perdida, lembro do meu professor de Matemática, demonstrando um teorema. Coitado do por causa de!

        Por ser simples e claro, ainda passou a ser atacado pelo por conta de. Abro o jornal e leio que um senador teve intoxicação por conta de um jantar de que participou. Deve ser por pão-durismo. Se é por conta é porque ele pagou o jantar a contragosto. Alguém, nas faculdades de jornalismo, por favor quer ressuscitar as regrinhas básicas da clareza e da simplicidade na escrita? Nessas faculdades, por certo ainda se aprende que as notícias mais quentes são de fatos que acontecem. Ou seja, o que é imprevisto, surpreendente, fortuito. Uma reunião que está marcada não acontece. Ela se realiza. A reunião acontece só quando as pessoas se encontram por acaso e improvisaram uma reunião.

        E no fim dessas maltraçadas, quero lembrar do mais novo modismo: final, esse adjetivo que começou a ser usado como substantivo. Em vez de fim de semana, virou final de semana. Se existe final de semana, queiram por favor, chamar segunda-feira de inicial de semana. Mas se segunda feira é início de semana, então apaguem o final, em homenagem aos próprios neurônios. Se existe um final de filme, tem que haver um inicial, não é mesmo? Mas se houver começo, então tem que haver um fim. Essa história de colocar em lugar de pôr e final no lugar de fim, deve ser lobby de fábricas de papel e tinta gráfica.

        Enfim, resta uma esperança: a pobreza não criativa dos modismos e chavões é passageira. Ninguém mais tem coragem, hoje, de cometer um inserido no contexto. (...)

                                                                             Revista Classe

                                 Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 8ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p. 23-4.

Entendendo o texto:

01 – Comente o primeiro parágrafo do texto de Alexandre Garcia.

      Alexandre Garcia questiona a postura de pessoas que “aparecem na imprensa em cruzada de resgate da Língua Portuguesa”.

02 – Você sabe quem são os anglófilos? Consulte o dicionário para enriquecer seu vocabulário.

      Aqueles que têm preferência pela Língua Inglesa.

03 – “Como línguas são seres vivos que crescem e se transformam, elas precisam estar em constante enriquecimento”.

a)   Por que Alexandre Garcia compara as línguas a seres vivos?

Porque as línguas estão sempre se modificando de acordo com a cultura e a história de seus falantes.

b)   Por que as modificações por ele indicadas estariam empobrecendo a língua?

Porque não aproveitam os recursos da língua, mas apenas reaproveitam as palavras e estruturas mais conhecidas, formando chavões e lugares-comuns.