terça-feira, 1 de maio de 2018

CONTO: A PRIMEIRA SÓ - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

CONTO: A Primeira Só
                Marina Colasanti

      Era linda, era filha, era única. Filha de rei. Mas de que adiantava ser princesa se não tinha com quem brincar?
      Sozinha, no palácio, chorava e chorava. Não queria saber de bonecas, não queria saber de brinquedos. Queria uma amiga para gostar.
      De noite o rei ouvia os soluços da filha. De que adiantava a coroa se a filha da gente chora à noite? Decidiu acabar com tanta tristeza. Chamou o vidraceiro, chamou o moldureiro. E em segredo mandou fazer o maior espelho do reino. E em silêncio mandou colocar o espelho ao pé da cama da filha que dormia.
      Quando a princesa acordou, já não estava sozinha. Uma menina linda e única olhava para ela, os cabelos ainda desfeitos do sono. Rápido saltaram as duas da cama. Rapidamente chegaram perto e ficaram se encontrando. Uma sorriu e deu bom dia. A outra deu bom dia sorrindo.
      - Engraçado – pensou uma -, a outra é canhota.
      E riram as duas.
      Riram muito depois. Felizes juntas, felizes iguais. A brincadeira de uma era a graça da outra. O salto de uma era o pulo da outra. E quando uma estava cansada, a outra dormia.
      O rei, encantado com tanta alegria, mandou fazer brinquedos novos, que entregou à filha numa cesta. Bichos, bonecas, casinhas e uma bola de ouro. A bola no fundo da cesta. Porém tão brilhante, que foi o primeiro presente que escolheram.
      Rolaram com ela no tapete, lançaram na cama atiraram para o alto. Mas quando a princesa resolveu jogá-la nas mãos da amiga, a bola estilhaçou jogo e amizade.
      Uma moldura vazia, cacos de espelho no chão.
      A tristeza pesou nos olhos da única filha do rei. Abaixou a cabeça para chorar. A lágrima inchou, já ia cair, quando a princesa viu o rosto que tanto amava. Não um só rosto de amiga, mas tantos rostos de tantas amigas. Não na lágrima, que logo caiu, mas nos cacos que cobriam o chão.
      - Engraçado, são canhotas – pensou.
      E riram.
      Riram por algum tempo depois. Era diferente brincar com tantas amigas. Agora podia escolher. Um dia escolheu uma e logo se cansou. No dia seguinte preferiu outra, e esqueceu-se dela logo em seguida. Depois outra e outra, até achar que todas eram poucas. Então pegou uma, jogou contra a parede e fez duas. Cansou das duas, pisou com o sapato e fez quatro. Não achou mais graça nas quatro, quebrou com o martelo e fez oito. Irritou-se com as oito, partiu com uma pedra e fez doze.
      Mas duas eram menores do que uma, quatro menores do que duas, oito menores do que quatro, doze menores do que oito.
      Menores, cada vez menores.
      Tão menores que não cabiam em si, pedaços de amigas com as quais não se podia brincar. Um olho, um sorriso, um pedaço de si. Depois, nem isso, pó brilhante de amigas espalhado pelo chão.
      Sozinha outra vez a filha do rei. Chorava?
      Nem sei. Não queria saber das bonecas, não queria saber dos brinquedos.
      Saiu do palácio e foi correr no jardim para cansar a tristeza.
      Correu, correu, e a tristeza continuava com ela. Correu pelo bosque, correu pelo prado. Parou à beira do lago.
      No reflexo da água a amiga esperava por ela.
      Mas a princesa não queria mais uma única amiga, queria tantas, queria todas, aquelas que tinha tido e as novas que encontraria. Soprou na água. A amiga encrespou-se, mas continuou sendo uma.
      Então a linda filha do rei atirou-se na água de braços abertos, estilhaçando o espelho em tantos cacos, tantas amigas que foram afundando com ela, sumindo nas pequenas ondas com que o lago arrumava sua superfície.

Entendendo o conto:

01 – Já no primeiro parágrafo, uma pergunta apresenta a personagem principal e o tema do conto.
a)   Qual a temática abordada nesse conto?
Uma princesa que não tinha amigos.

b)   Que relação há entre esse parágrafo e o título do conto?
Ela só queria uma amiga.

02 – Releia o primeiro parágrafo do texto.
a)   Na sua opinião, por que a autora considera uma contradição o fato de ser princesa e não ter amigas para brincar?
Porque geralmente uma princesa tem deveres e nunca sobram tempo de brincar.

b)   Com que finalidade a autora inicia o conto com uma pergunta?
Com a finalidade de perguntar de que adianta ter tudo e não ser feliz.

03 – Diante do sofrimento da filha, o pai mana fazer um grande espelho e o coloca em seu quarto.
a)   Por que, inicialmente, essa solução satisfez a princesa, deixando-a contente?
Porque ela achou tudo novo, “Ela tinha alguém que brincava com ela”.

b)   Por que, depois de algum tempo, essa solução não satisfez mais a princesa?
Porque o espelho quebrou, e ela viu que não era uma pessoa de verdade.

04 – A princesa vê sua imagem invertida refletida no espelho. Que recursos, no texto, ajudam o leitor a construir essa imagem de reflexo / inversão produzida no texto? Exemplifique com uma frase.
      “– Engraçado – pensou uma – a outra é canhota.”

05 – O conto é uma narrativa caracterizada pela concisão, ou seja, pelo reduzido número de personagens e ações e pela concentração do espaço e do tempo.
      Se esse conto fosse uma fotografia, como seria composta sua imagem, ou seja, quem e o que estariam na foto, em que cenário, fazendo o que?
      A princesa estaria no centro da imagem olhando seu reflexo no espelho partido, uma bola de ouro reluzente ao lado, além de ter de fundo um lago mostrando mais um reflexo da princesa e mais no fundo o rei, o vidraceiro e o moldureiro.

06 – Na sua opinião, qual o significado do último parágrafo do texto?
      Resposta pessoal do aluno.
      Possível resposta – A princesa acabou com a própria vida se jogando no lago, e acabou também com todas as suas amigas, que eram apenas seu próprio reflexo em um espelho.

07 – O título do texto: “A princesa só” nos leva a crer que leremos um texto sobre solidão. O conto, entretanto, trabalha outro aspecto, a vaidade, ao trazer um elemento típico para seu enredo: o espelho. Sabemos que todo conto tem intuito refletivo; portanto, qual a intenção da autora ao trabalhar esses dois sentimentos lado a lado? Justifique sua resposta.
      A autora quer simplesmente mostrar que quando nós voltamos muito a nós mesmos, quando somos caprichosos ou quando só nós importamos conosco, essa vaidade ou esse amor próprio doentio, fazem-nos fecharmos tanto em nós mesmos, que acabamos sós.

08 – Embora o texto conte a história de uma princesa que tem como amiga o seu reflexo, a história não nos soa intragável ou risível. Isto se deve a um recurso típico dos contos fantásticos, o qual mescla o real e o imaginário de modo coerente. Qual o nome dessa técnica e porque somos capazes de entender essa ligação entre o espelho e a amizade?
      Verossimilhança. Graças a ela, eu sou capaz de entender que ter vários reflexos no espelho, é como ter inúmeros amigos, pois, na vida, nossos amigos são – por muitas vezes – bastante parecidos conosco, feito espelhos.

09 – Extraia do conto um exemplo para cada figura de linguagem transcrita abaixo:
a)   Catacrese: “pé da cama.”
b)   Eufemismo: “Sumindo nas pequenas ondas.”
c)   Hipérbole: “Chorava, dias e noites, sem parar.”
d)   Prosopopeia: “O lago arrumava sua superfície” ou inúmeros verbos de ação envolvendo o reflexo.

10 – Todo pensamento humano costuma seguir uma determinada estrutura. O conto lido, obra do pensamento de Marina Colasanti, não é diferente. Assim sendo, identifique em poucas palavras, a ordem seguida por ele:
·        Introdução: A filha do rei se sente só e ele compra um espelho para a filha.

·        Complicação: A menina começa a brincar com o espelho como se fosse uma outra menina, até que o quebra sem querer e percebe que ao invés de uma amiga (um só espelho), agora ela tem inúmeras amigas (uma para cada reflexo de caco).

·        Clímax: A menina pisa nos cacos para ter mais e mais amigas, até que os cacos viram pó de vidro e nada mais refletem.

·        Desfecho: A menina vê seu reflexo na beira de um rio, e quer também desfazê-lo para que se torne vários... Mas não consegue, e finda morrendo afogada.

11 – Transcreva, a partir do texto, ao menos uma marca, explícita ou implícita, das características teóricas do conto. Lembre-se de só responder àquelas que realmente estão presentes no texto lido:
a)   Espaço Físico: palácio, bosque, jardim.
Espaço Social: quarto da menina, beira do rio.

b)   Tempo psicológico: ______ (não há marcas psicológicas de tempo).
Tempo cronológico: “De noite”, “Dias e noites”.

c)Características psicológicas da personagem principal: Mimada, prepotente, ambiciosa, gananciosa.
Características físicas da personagem principal: “Era linda”.


segunda-feira, 30 de abril de 2018

MÚSICA(ATIVIDADES): LINDO BALÃO AZUL - CARINHA DE ANJO - COM ATIVIDADES GRAMATICAIS GABARITADAS

Música(Atividades): Lindo Balão Azul

                                       Carinha de Anjo
Eu vivo sempre no mundo da Lua

Porque sou um cientista
O meu papo é futurista
É lunático

Eu vivo sempre no mundo da Lua

Tenho alma de artista
Sou um gênio
Sonhador e romântico

Eu vivo sempre no mundo da Lua

Porque sou aventureiro
Desde o meu primeiro passo
Ao infinito

Eu vivo sempre no mundo da Lua

Porque sou inteligente
Se você quer vir com a gente
Venha que será um barato

Pegar carona
Nessa cauda de cometa
Ver a Via Láctea
Estrada tão bonita

Brincar de esconde-esconde
Numa nebulosa
Voltar pra casa nosso lindo balão azul

Pegar carona
Nessa cauda de cometa
Ver a Via Láctea
Estrada tão bonita

Brincar de esconde-esconde
Numa nebulosa
Voltar pra casa o nosso lindo balão azul

Pegar carona
Nessa cauda de cometa
Ver a Via Láctea
Estrada tão bonita

Brincar de esconde-esconde
Numa nebulosa
Voltar pra casa o nosso lindo balão azul

Pegar carona
Nessa cauda de cometa
Ver a Via Láctea
Estrada tão bonita

Brincar de esconde-esconde
Numa nebulosa
Voltar pra casa o nosso lindo balão azul

Nosso lindo Balão Azul

Lindo

Nosso lindo balão azul

Lindo, balão
Balão azul

Nosso lindo balão azul

Lindo, balão
Balão azul

Nosso lindo balão azul
Oh, oh, oh
Nosso lindo balão azul

Lindo, balão
Balão azul

Nosso lindo balão azul.

Entendendo a canção:

01 – Separe as sílabas das palavras e classifique os encontros consonantais em ditongo ou hiato.
a.   Sou = sou - ditongo
b.   Gênio = gê-nio - ditongo
c.   Aventureiro = a-ven-tu-rei-ro - ditongo  
d.   Primeiro = pri-mei-ro - ditongo
e.   Cauda = cau-da - ditongo
f.     Láctea = lác-te-a – hiato
g.   Via = via - ditongo
h.   Tão = tão - ditongo
i.     Balão = ba-lão – ditongo.

02 – Grife os verbos na estrofe a seguir e indique se eles estão no presente, no passado ou no futuro.
        Eu vivo sempre no mundo da Lua
        Porque sou um cientista
        O meu papo é futurista
        É lunático.
      Todos estão no presente.

03 – “... Eu vivo sempre no mundo da Lua...” a palavra destacada no verso é:
a. (X) um pronome
b. ( ) um verbo
c. ( ) um adjetivo
d. ( ) um substantivo.

04 – Na estrofe a seguir grife quatro substantivos e circule os adjetivos.
        Tenho alma de artista /Sou um gênio
        Sonhador e romântico
        Eu vivo sempre no mundo da Lua
        Porque sou aventureiro
        Desde o meu primeiro passo
        Ao infinito

05 – Analise a estrofe a seguir e grife os verbos que estão no infinitivo:
        Porque sou inteligente
        Se você quer vir com a gente
        Venha que será um barato
        Pegar carona
        Nessa cauda de cometa
        Ver a Via Láctea
        Estrada tão bonita
        Brincar de esconde-esconde
        Numa nebulosa
        Voltar pra casa nosso lindo balão azul.

06 – Separe as sílabas das palavras a seguir e classifique-as em monossílaba, dissílaba, trissílaba ou polissílaba.
a. Venha = ve-nha - dissílaba
b. Barato = ba-ra-to - trissílaba
c. Bonita = bo-ni-ta - trissílaba
d. Esconde = es-con-de - trissílaba
e. Nebulosa = ne-bu-lo-sa - polissílaba
f. Nosso = nos-so - dissílaba
g. Lindo = lin-do - dissílaba
h. Estrada = es-tra-da - trissílaba
i. Casa = ca-as - dissílaba
j. Numa = nu-ma - dissílaba
k. Inteligente = in-te-li-gen-te - polissílaba
l. Que = que - monossílaba
m. Sou = sou - monossílaba

07 – Explique porque a personagem da música vive no mundo da lua?
      Porque ele é um cientista e estuda o universo.

08 – Quais são as qualidades da personagem da história da música?
      Ele é cientista, futurista, lunático, artista, gênio, romântico, aventureiro e inteligente.

09 – As palavras que você escreveu no exercício anterior são chamadas de:
a. (X) adjetivos.
b. ( ) substantivos.
c. ( ) pronomes
d. ( ) verbos

10 – Você conhece essa música? Você gosta desse estilo? Comente o que você entendeu com a leitura da música? Qual é a mensagem que ela transmite?
      Resposta pessoal. A música traz uma mensagem positiva e, convida as pessoas a viver a vida, brincar e se divertir.



CONTO: ZORRO - ADRIANA DE OLIVEIRA SILVA - COM GABARITO

Conto: Zorro

Dom Diego de la Vega levava uma vida tranquila na próspera fazenda de seu pai, Dom Alejandro de la Vega.
Seu empregado, Bernardo, testemunhou uma injustiça. Como era mudo, narrou o caso com grandes gestos.
Num segundo, Dom Diego se transformou em Zorro, o justiceiro mascarado. E partiu a galope, cortando a noite com seu cavalo negro.
Na cidade, Zorro desafiou o cruel sargento Garcia a um duelo. Ágil como um acrobata, Zorro saltou com sua espada e perseguiu o sargento. Mas os soldados do sargento chegaram, e Zorro precisou fugir. Então, deixou sua marca sobre o peito do malvado: um “Z” de Zorro.
O governador da província colocou a cabeça de Zorro a prêmio. Mas, ele era o defensor dos fracos e oprimidos, e ninguém quis denunciá-lo.
E Zorro continuou seus combates em segredo.

Minha 1ª Biblioteca Larousse Heróis. Tradução: Adriana de Oliveira Silva. São Paulo: Larousse do Brasil, 2007, p. 52 - 53.
Entendendo o conto:
01 – Identifique o conflito em torno do qual se desenvolveu o conto:
      O empregado de Zorro, Bernardo, presenciou uma injustiça.

02 Marque a alternativa em que se percebe o clímax do conto:
a) “Num segundo, Dom Diego se transformou em Zorro, o justiceiro mascarado.”.
b) “Na cidade, Zorro desafiou o cruel sargento Garcia a um duelo.”.
c) “Mas os soldados do sargento chegaram, e Zorro precisou fugir.”.
d) “O governador da província colocou a cabeça de Zorro a prêmio.”.

03 Assinale a passagem em que se nota a utilização da comparação:
a) “[...] Dom Diego se transformou em Zorro, o justiceiro mascarado.”.
b) “E partiu a galope, cortando a noite com seu cavalo negro.”.
c) “Ágil como um acrobata, Zorro saltou com sua espada e perseguiu o sargento.”.
d) “Mas, ele era o defensor dos fracos e oprimidos, e ninguém quis denunciá-lo.”.

04 Em: “[...] e ninguém quis denunciá-lo.”, a forma pronominal destacada substitui:
a) Bernardo
b) Zorro
c) sargento Garcia
d) governador da província.

05 Há o predomínio no gênero “conto” de sequências:
a) narrativas
b) descritivas
c) expositivas
d) argumentativas  

06 –Como era mudo, narrou o caso com grandes gestos.”.
a) adversidade
b) causa
c) justificativa
d) consequência

07 Mas os soldados do sargento chegaram, e Zorro precisou fugir.”.
a) adição
b) conclusão
c) prioridade
d) adversidade

08 “Zorro saltou com sua espada e perseguiu o sargento.”.
a) conformidade
b) continuidade
c) finalidade
d) explicação.

09 “O governador da província colocou a cabeça de Zorro a prêmio.”. Justifique a ausência do acento indicador de crase diante da palavra “prêmio”:
      Não se utiliza o acento indicativo de crase diante de palavra masculina.


RELATO DE MEMÓRIA: EM ALGUM LUGAR DO PASSADO(QUE SAUDADE DA PROFESSORINHA)- PAULO FREIRE - COM GABARITO


RELATO: EM ALGUM LUGAR DO PASSADO

          Um olhar, um carinho, uma palavra amiga... Às vezes, pequenos gestos podem marcar vidas, provocar descobertas, selar destinos. Em algum lugar do passado, está um pouco de nós, está aquilo que deu origem ao ser que somos hoje. Que pessoas teriam iluminado nossos caminhos? Que palavras nos teriam despertado e desafiado para a viagem que se iniciava?

        QUE SAUDADE DA PROFESSORINHA

         A primeira presença em meu aprendizado escolar que me causou impacto, e causa até hoje, foi uma jovem professorinha. É claro que eu uso esse termo, professorinha, com muito afeto. Chamava-se Eunice Vasconcelos, e foi com ela que eu aprendi a fazer o que ela chamava de “sentenças”.
         Eu já sabia ler e escrever quando cheguei à escolinha particular de Eunice, aos 6 anos. Era, portanto, a década de 20. Eu havia sido alfabetizado em casa, por minha mãe e meu pai, durante uma infância marcada por dificuldades financeiras, mas também por muita harmonia familiar. Minha alfabetização não me foi nada enfadonha, porque partiu de palavras e frases ligadas à minha experiência, escritas com gravetos no chão de terra do quintal.
         Não houve ruptura alguma entre o novo mundo que era a escolinha de Eunice e o mundo das minhas primeiras experiências – o de minha velha casa do Recife, onde nasci, com suas salas, seu terraço, seu quintal cheio de árvores frondosas. A minha alegria de viver, que me marca até hoje, se transferia de casa para a escola, ainda que cada uma tivesse suas características especiais. Isso porque a escola de Eunice não me amedrontava, não tolhia minha curiosidade.
         Quando Eunice me ensinou era uma meninota, uma jovenzinha de seus 16, 17 anos. Sem que eu ainda percebesse, ela me fez o primeiro chamamento com relação a uma indiscutível amorosidade que eu tenho até hoje, e desde há muito tempo, pelos problemas da linguagem e particularmente os da linguagem brasileira, a chamada língua portuguesa no Brasil. Ela com certeza não me disse, mas é como se tivesse dito a mim, ainda criança pequena: “Paulo, repara bem como é bonita a maneira que a gente tem de falar! ...” É como se ela me tivesse chamado.
         Eu me entregava com prazer à tarefa de “Formar sentenças”. Era assim que ela costumava dizer. Eunice me pedia que colocasse numa folha de papel tantas palavras quantas eu conhecesse. Eu ia dando forma às sentenças com essas palavras que eu escolhia e escrevia.
         Fui criando naturalmente uma intimidade e um gosto com as ocorrências da língua – os verbos, seus modos, seus tempos... A professorinha só intervinha quando eu me via em dificuldade, mas nunca teve a preocupação de me fazer decorar regras gramaticais.
         Mais tarde ficamos amigos. Mantive um contato próximo com ela, sua família, sua irmã Débora, até o golpe de 1964. Eu fui para o exílio e, de lá, me correspondia com Eunice. Tenho impressão de que durante dois anos ou três mandei cartas para ela. Eunice ficava muito contente.
        Não se casou talvez isso tenha alguma relação com a abnegação, a amorosidade que a gente tem pela docência. E talvez ela tenha agido um pouco como eu: ao fazer a docência o meio da minha vida, eu termino transformando a docência no fim da minha vida.
        Eunice foi professora do Estado, se aposentou, levou uma vida bem normal. Depois morreu, em 1977, eu ainda no exílio. Hoje, a presença dela são saudades, são lembranças vivas. Me faz até lembrar daquela música antiga, do Ataulfo Alves: “Ai, que saudade da professorinha, que me ensinou o bê-á-bá”.

                                                              Paulo Freire. Nova Escola, n° 81.

 Entendendo o texto:
01 – No texto lido, o autor, Paulo Freire, relata um episódio marcante de sua vida. Qual foi esse episódio?
       O momento em que foi para a escola e teve contato com sua professora.

02 – Um momento difícil para muitas crianças é a passagem da casa para a escola.
     a) Como foi esse momento para o menino Paulo Freire?
      Foi tranquilo sem ruptura; a escola era uma espécie de continuidade da asa.

     b)  Por que esse processo aconteceu desse modo?
      Porque a escola não tolhia a curiosidade dele. Além disso, o fato de ele já saber ler pode ter ajudado a tornar esse processo natural.

03 – Quando Paulo Freire entrou na escola, com 6 anos, já sabia ler e escrever. Apesar disso, nunca esqueceu as lições que teve com sua primeira professora.
     a) O que ele aprendeu com ela? Como era feito esse trabalho?
      Aprendeu a formar sentenças. Ele escrevia no papel as palavras que conhecia e depois, com elas, formava sentenças.

     b) Que curiosidade a professora despertou no menino?
      Despertou a curiosidade sobre a língua portuguesa.

     c) Como ela agia em relação a conteúdos gramaticais?
      Ela não ensinava regras; interferia apenas quando o menino precisava de auxílio.

04 – A professora Eunice não se casou. Para Paulo Freire, isso provavelmente se deveu à dedicação ao magistério. Ele diz: “E talvez ela tenha agido um pouco como eu: ao fazer a docência o meio da minha vida, eu termino transformando a docência no fim da minha vida”.
     a) O que significa, no contexto, a docência como meio de vida?
      Dar aulas para viver; ter um emprego, um salário, etc.

     b)  E como fim?
      A finalidade, o motivo principal de viver.

05 – Ao relatarmos fatos do passado, é natural que aflorem alguns sentimentos. Que sentimentos afloram no relato de Paulo Freire? Comprove sua resposta com um trecho do texto.
       Saudades, conforme o trecho “a presença dela são saudades”.

06 – Paulo Freire ficou conhecido internacionalmente pelo método de alfabetização que inventou. Diferentemente de criadores de outros métodos, que às vezes tratam de assuntos que nada têm a ver com o educando, Paulo Freire propõe, em um de seus livros: Essa proposta de alfabetização está relacionada com as primeiras experiências de Paulo Freire no mundo da leitura e da escrita? Justifique sua resposta.
       Sim, pois as sentenças que escrevia eram criadas por ele, a partir das palavras que ele próprio registrava no papel. Professor: comente com os alunos que, ao alfabetizar adultos, Paulo Freire propunha que as palavras e frases usadas na alfabetização nascessem da própria experiência deles. Assim, palavras como tijolo, construção, lavoura, milho, entre outras, eram as ferramentas de trabalho dos professores.