sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

ANEDOTA: CHAMA O "AURÉLIO" - FOLHA DE SÃO PAULO - COM GABARITO

Anedota: Chama o “Aurélio”


          Certos casos da política, de tão inacreditáveis, acabam virando parte do anedotário. Ou vice-versa: algumas piadas traduzem tão bem determinadas características da cultura política que assumem ares de verdade.
      Em uma das hipóteses se encaixa a correspondência trocada, cerca de 20 anos atrás, entre o prefeito de Bom Sucesso (MG) e o então secretário estadual do Interior, Ovídeo de Abreu.
          Conta o deputado Elias Murad (PSDB-MG) que Abreu sempre gostou de falar difícil. Numa certa ocasião, o secretário recebeu a informação de que Bom Sucesso (MG) sofreria um tremor de terra capaz de quebrar copos e trincar pratos. Preocupado, expediu rapidamente um telegrama ao prefeito:
        Movimento sísmico previsto essa região. Provável epicentro movimento telúrico sua cidade.
              Obséquio tomar providências logísticas cabíveis.”
        O secretário esperou ansioso pela resposta. Quatro dias depois chegava o telegrama do prefeito:
        Movimento sísmico debelado. Epicentro preso, incomunicável, cadeia local. Desculpe demora. Houve terremoto na cidade.”

                                                      Folha de São Paulo, 24/Nov/1992.

Entendendo o texto:
Responda às questões de acordo com o texto.
01 – Para achar graça no texto, é fundamental conhecer o significado de certas palavras. Dê o significado de:
a) Sísmico: relativo a tremor no interior da Terra; terremoto.
           
b) telúrico: relativo à Terra, ao solo.
c) epicentro: ponto da superfície terrestre acima do local onde se origina um terremoto.

02 – Em que pessoa gramatical é narrado o texto?
      Na 3a pessoa gramatical ou do discurso.

03 – Tomando por base o ano em que o texto foi publicado, há quanto tempo ocorreu o fato relatado?
      Faça o cálculo tomando por base o ano atual. 

04 – O narrador conta a história baseado no relato de quem?
      No relato do deputado Elias Murad (PSDB-MG).

05 – Baseando-se exclusivamente no texto, responda se o fato narrado:
a. (   ) realmente aconteceu            
b. (X) trata-se de uma anedota.
Justifique sua resposta.
      Trata-se de uma anedota porque o texto indica que tal história envolvendo políticos não tem credibilidade (“de tão inacreditáveis”) por causa das características da nossa cultura política.

06 – Falar difícil não significa falar bem. Que fato narrado no texto comprova essa afirmação?
      O texto do telegrama mandado pelo secretário para o prefeito.

07 – Por que o fato narrado pode ser considerado uma anedota?
      Por envolver uma mensagem que deveria ser entendida por autoridades do governo. Parte-se do princípio que os governantes devem ser pessoas que saibam se fazer entender e que entendam as mensagens dadas.

08 – Pode-se afirmar que houve comunicação entre o secretário e o prefeito?
      Não.

09 – Por que razão o telegrama do secretário não foi entendido pelo prefeito?
      1° – o secretário usou de palavras pouco usadas pelas pessoas, mesmo    aquelas com algum conhecimento mais específico sobre o assunto;
          2o – o prefeito não sabia o significado de parte das palavras contidas no telegrama.



CONTO: O ESPETO - J.SIMÕES LOPES NETO - COM GABARITO

CONTO: O ESPETO


          Fazia um frio de rachar pedras.
     Acendeu-se uma grande fogueira e cada um tratou de chamuscar o seu pedaço de carne.
       Eu saí a procurar um espeto para o meu assadinho. A noite era muito escura, mas graças ao clarão da fogueira descobri uma pequena reboleira de mato, ali perto. Aproximei-me e quando ia cortar um galho qualquer, caiu-me ao chão a faca, abaixei-me para apanhá-la dentre as ervas, e com tal sorte, que ao lado dela encontrei um pedaço de pau tal e qual como eu queria: duma meia braça, grossinho, liso, e o que mais é, já com a ponta feita.
       Por certo que seria um espeto já pronto que algum dos camaradas perdera; melhor para mim! E ainda bati com ele no chão para limpá-lo duns capins secos, e terra que estava pegada.
          Voltando, atravessei o meu churrasco no meu espeto achado, e finquei-o na beirada do fogo.
          Vinha clareando o dia.
       Por toda a parte branqueava a geada, alta de dois dedos, geada farinhenta, que é a mais fria de todas. Estava eu um pouco arriado, conversando, quando um cabo, baiano, que viera acender o cigarro numa brasa, gritou, olhando para o chão, admirado:
         – Olha o assado com o espeto, cadete Romualdo, que vai-se embora! …
         Julguei que era algum gaiato que pretendia furtar-me o churrasco; mas o baiano repetiu:
         – Acuda, seu cadete, que o assado vai de trote! …
          Corri, e que vi? …
         O churrasco, sim senhor, borrifado de salmoura, já chiando na gordura, que ia andando pelo chão… dava a ideia de um cágado sem pernas, mas de cabeça e cauda mui compridas! …
          Acudiram então outros rapazes, muitos, quase todos; e todos viram o churrasco arrastando-se, fugindo da fogueira.
          Então rompeu o sol. Foi quando se pôde verificar a cousa: o espeto era uma cobra!

J. Simões Lopes Neto, Casos do Romualdo. Porto Alegre, Editora Globo, 1973.

Vocabulário:
Reboleira – grupo de arbustos
Meia braça – medida antiga equivalente a 1 metro e dez centímetros (1,10 m)
Arriado – abaixado, acocorado, agachado
Cabo – militar superior ao soldado
Cadete – estudante militar
Gaiato – brincalhão, travesso
De trote – depressa, rapidamente.

Entendendo o texto:
01 – Romualdo é uma personagem criada pelo escritor gaúcho J. Simões Lopes Neto. Sua especialidade é contar casos diversos, sempre exagerando a verdade… Nesse texto, Romualdo aparece no tempo da Guerra do Paraguai (entre 1865 e 1870), fazendo parte de um regimento. Que posto ocupava Romualdo?
      Cadete.

02 – Embora fizesse muito frio naquela noite, Romualdo afastou-se da fogueira. Por quê?
      Porque precisava providenciar um espeto.

03 – Romualdo ia cortar um galho para fazer um espeto, mas não cortou. Por quê?
      Porque, ao pegar a faca que caíra, achou um pedaço de pau como queria.

04 – Quando o cabo baiano gritou admirado que o assado com os espeto ia-se embora, Romualdo correu para perto da fogueira. Que cena presenciou?
      O assado já chiando na gordura ia andando pelo chão, fugindo da fogueira.

05 – O acontecimento só se esclareceu quando rompeu o dia. O que havia acontecido?
      Como estava escuro, Romualdo encontrara um pau, mas na verdade era uma cobra congelada e a usou como espeto. No calor do fogo, ela descongelou-se e fugiu levando a carne que estava espetada no seu corpo.

06– É característica de Romualdo apresentar testemunhas dos casos que conta. Isso acontece nesse texto? Explique.
      Sim. Ele cita o testemunho de quase todos os companheiros.

CRÔNICA: A RECOMPENSA - LOURDES STROZZI - COM GABARITO

CRÔNICA: A RECOMPENSA
                      Lourdes Strozzi


     Josias usava a abusava da solicitude da mulher. Costumava levar uma pá de clientes para jantar, em sua casa, e com eles chegava em cima da hora, sem que Isaura os esperasse. Uma noite apareceu com três.
       Enquanto bebericavam, Isaura vasculhou a geladeira e constatou que a carne e a sobremesa estava “no aro”. Chamou os filhos e recomendou:
          – Escutem aqui: o pai trouxe os amigos dele para jantar, a carne está no fim, não vai chegar para todos nós; por isso, quando a mãe oferecer bife à milanesa para vocês, não aceitem. Vejam bem: vocês não vão querer carne, mesmo que a mãe insista. Certo?
          – Certo, sim senhora.
         Achando que fora bem explícita para aquelas cuquinhas de sete, seis e quatro anos, reforçou o prato com um encorpado molho parmesão e serviu o jantar.
          A recusa dos pequerruchos era tão veemente que…
          – Josias, não sei o que está havendo com essas crianças; na certa andam lambiscando por aí…
         Correu tudo muito bem, Isaura relaxou o seu estado interior… e lembrou-se da sobremesa.
          Era o pudim de que os meninos mais gostavam e com o problema gravíssimo da carne, a pobre se esquecera do outro.
          À hora de servi-lo, encarou os filhos: olhinhos arregalados e sorridentes, esperavam o doce, o prêmio de bom comportamento e obediência. Dominou o pequeno pânico incipiente, juntou os sobrolhos e disse com firmeza:
          – Vocês digam boa-noite e subam já, já, para o quarto; é um castigo; quem não come carne não ganha sobremesa…

 Lourdes Strozzi. Aspas, parênteses e reticências. Curitiba, 1977.


Entendendo o texto:
01 – No texto, a palavra bebericavam significa:
a. (   ) molhavam os lábios sem beber.
b. (X) bebiam de pouquinho em pouquinho.
c. (   ) engoliam a bebida num só gole.

02 – Identifique, no texto, as palavras que tenham os significados abaixo:
a) clara, visível, expressa: Explícita.
b) forte, enérgico, vigoroso: Veemente.
c) terror, medo incontrolável: Pânico.

03 - Josias costumava levar clientes para jantar em sua casa e…
a. (   ) trazia comida pronta
b. (X) nunca avisava Isaura
c. (   ) sempre avisava a esposa
d. (   ) raramente avisava Isaura.

04– Isaura fez um acordo com os filhos. Qual foi esse acordo?
      Eles deviam recusar o bife à milanesa.

05– Por que Isaura propôs esse acordo?
      Porque a carne era insuficiente para todos.

06– Tudo correu bem até que surgiu outro problema. Qual foi esse problema?
      A sobremesa de que os meninos mais gostavam também era insuficiente para todos.

07 – Os meninos sofreram um castigo por culpa:
a. (X) de Josias, que levou três clientes para jantar e não avisou a esposa.
b. (   ) de Isaura, que conhecia o costume de Josias e não se preparou.
c. (   ) deles mesmos, pois não conseguiram cumprir o acordo feito.
d. (   ) dos três clientes de Josias, que chegaram sem ter avisado.


quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

MÚSICA(ATIVIDADES): RAP DA FELICIDADE - MC CIDINHO E MC DOCA - COM GABARITO

Música(Atividades): Rap da Felicidade

                                                 Cidinho e Doca
Eu só quero é ser feliz
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar
Fé em Deus, DJ

Eu só quero é ser feliz
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar
Mas eu só quero é ser feliz, feliz, feliz, feliz, feliz
Onde eu nasci, han
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar

Minha cara autoridade, eu já não sei o que fazer
Com tanta violência eu sinto medo de viver
Pois moro na favela e sou muito desrespeitado
A tristeza e alegria aqui caminham lado a lado
Eu faço uma oração para uma santa protetora
Mas sou interrompido à tiros de metralhadora
Enquanto os ricos moram numa casa grande e bela
O pobre é humilhado, esculachado na favela
Já não aguento mais essa onda de violência
Só peço a autoridade um pouco mais de competência

Eu só quero é ser feliz
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, han
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar
Mas eu só quero é ser feliz, feliz, feliz, feliz, feliz
Onde eu nasci, é
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar

Diversão hoje em dia não podemos nem pensar
Pois até lá nos bailes, eles vem nos humilhar
Fica lá na praça que era tudo tão normal
Agora virou moda a violência no local
Pessoas inocentes que não tem nada a ver
Estão perdendo hoje o seu direito de viver
Nunca vi cartão postal que se destaque uma favela
Só vejo paisagem muito linda e muito bela
Quem vai pro exterior da favela sente saudade
O gringo vem aqui e não conhece a realidade
Vai pra zona sul pra conhecer água de côco
E o pobre na favela vive passando sufoco
Trocaram a presidência, uma nova esperança
Sofri na tempestade, agora eu quero abonança
O povo tem a força, precisa descobrir
Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui

Eu só quero é ser feliz
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar, eu
Eu só quero é ser feliz, feliz, feliz, feliz, feliz
Onde eu nasci, han
E poder me orgulhar, é
O pobre tem o seu lugar

Diversão hoje em dia, nem pensar
Pois até lá nos bailes, eles vem nos humilhar
Fica lá na praça que era tudo tão normal
Agora virou moda a violência no local
Pessoas inocentes que não tem nada a ver
Estão perdendo hoje o seu direito de viver
Nunca vi cartão postal que se destaque uma favela
Só vejo paisagem muito linda e muito bela
Quem vai pro exterior da favela sente saudade
O gringo vem aqui e não conhece a realidade
Vai pra zona sul pra conhecer água de côco
E o pobre na favela, passando sufoco
Trocada a presidência, uma nova esperança
Sofri na tempestade, agora eu quero abonança
O povo tem a força, só precisa descobrir
Se eles lá não fazem nada, faremos tudo daqui

Eu só quero é ser feliz
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar, é
Eu só quero é ser feliz, feliz, feliz, feliz, feliz
Onde eu nasci, han
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar.

Interpretação da canção:

01 – Que mensagem essa música se propõe a transmitir?
      Ela transmiti a insegurança urbana, a discriminação social e as consequências da má distribuição de renda da população brasileira.

02 – Quais os sentimentos que o eu lírico revela ao cantor os versos da música?
      Ele quer ser feliz no lugar onde nasceu e se orgulha deste lugar.

03 – Pode-se afirmar que a música é uma crítica aos governantes do nosso país? Explique.
      Sim. Pois pede as autoridades um pouco mais de competência.

04 – Em que versos o autor pede ajuda a santa protetora? Cite-os.
      “Eu faço uma oração para uma santa protetora mas sou interrompido à tiros de metralhadora”.

05 – A quem o eu poético se refere nestes versos? “Diversão hoje em dia não podemos nem pensar / Pois até lá nos bailes, eles vem nos humilhar.”
      Os policiais.

06 – Que outro termo pode se usar para substituir o termo grifado neste verso?
“E o pobre na favela vive passando sufoco.”
      Passar necessidades financeiras.

07 – Que versos o autor convoca o povo para lutar?
      “O povo tem a força, precisa descobrir / Se eles lá não fazem nada, faremos tudo aqui.”

08 – De acordo com o verso: “O gringo vem aqui e não conhece a realidade.” O que significa gringo para o autor?
      Turistas que veem de outros países.


09 – O texto está em forma de poesia. E tem como finalidade de discutir as desigualdades sociais e a violência.

10 – Você conhece a dupla da música?
      Resposta pessoal do aluno.

11 – Que estilo musical é usado pelos cantores?
      Rap (significa rhythm and poetry) – ritmo e poesia.

12 – O assunto que trata a música é:
a)   O racismo.
b)   A infelicidade.
c)   A moradia.
d)   A violência.

13 – Que tipo de felicidade o compositor retrata a música?
      Refere-se a ter segurança, como diz nos versos: “Andar tranquilamente na favela onde eu nasci.”

      


CONTO: FIAPO DE TRAPO - ANA MARIA MACHADO - COM GABARITO

CONTO: FIAPO DE TRAPO
                Ana Maria Machado


       Espantalho tão bonito e elegante nunca se tinha visto por aquelas redondezas. Nem por outras, que ele era mesmo carregado de belezas. Precisava só ouvir a conversinha do Dito Ferreira enquanto montava o espantalho, todo orgulhoso do seu trabalho:
      - Nunca vi coisa igual. O patrão caprichou de verdade. Vai botar no campo um espantalho com roupa de gente ir à festa na cidade.
       E era mesmo. Tudo roupa velha, claro, como convém a um espantalho que se preza. Mas da melhor qualidade, roupa de se ir à igreja em dia de procissão e reza.
        Dito Ferreira mostrava todo prosa:
        --- Esse chapéu é de um tal de veludo. E vejam que beleza essa camisa cor-de-rosa. Tem até coração bordado... O patrãozinho pensou em tudo. Com uma gravata de seda, fez esse cinto estampado. Até a palha do recheio é toda macia e cheirosa.
        Não é que era mesmo, a danada? Tinha um perfume forte, que ajudava a espancar a passarada.
        Ah, porque é preciso também dizer que aquilo tudo dava certo, funcionava tanto... O espantalho elegante era mesmo um espanto. Passarinho nem chegava perto. E lá ficava sozinho, espetado no milharal deserto.
        O patrão ficava feliz com um defensor tão eficiente. Dito Ferreira se alegrava com aquela figura imponente. Que espantalho diferente! Só que eles nem sabiam que diferença era essa.
        Como todo espantalho, esse não andava nem falava, mas tinha o dom de poder sentir as coisas ao seu jeito --- para um boneco de palha, isso era um grande defeito.
        E era só por causa de desenho que tinha bordado no peito. Linhas de cor em forma de coração --- e pronto, lá estava o pobre espantalho sofrendo com a solidão! Ninguém se aproximava dele, ninguém fazia um carinho, e ele ficava tão triste, só, espantando passarinho...
        De longe via uma passarada, de todo tipo e feição. Pintassilgo e saíra, cambaxirra e corruíra, rolinha e corrupião. Pássaro de toda cor, de todo canto e tamanho, de todo a-e-i-o-u --- sabiá, tié, bem-te-vi, curió e nhambu. Vontade de chamar:
        --- Vem cá me ver, bem-te-vi!
        Vontade de mostrar:
        --- Tico-tico, olha lá o teco-teco!
        Mas não adiantava. Ninguém chegava perto. E o tempo passava. Horas e dias, dias e semanas, semanas e meses, meses e anos.
        E o espantalho ficava no tempo. No bom tempo e no mau tempo. No sol que queimava e na chuva que molhava. No mormaço que fervia e no vento que zunia.
        E seu cheiro se gastava, sua cor se desbotava, sua seda desfiava, seu veludo se puía.
        Até que um dia...
        No tempo tem sempre um dia. Um dia em que muda o tempo e um tempo novo se inicia.
        Pois foi o que aconteceu. Houve um dia em que choveu. Mas não foi chuva miúda, foi pra valer, de verdade, foi mesmo um deus-nos-acuda, uma imensa tempestade, de granizo, raio, vendaval, com aguaceiro e temporal, chuva de muito trovão que virou inundação.
        Quando a chuvarada passou e o sol voltou, um arco-íris no céu se formou. E na beleza do dia novo, azul lavado, vieram os pássaros, em bando assanhado, ocupando todo o campo, ciscando no milharal. Livres, soltos, à vontade, numa alegria sem igual.
        Foi aí que Dito Ferreira reparou:
        --- Cadê o espantalho velho?
       Saiu todo mundo procurando. Não acharam. Nem podiam achar. Ele tinha desmanchado, tinha sido carregado, pelo vento espalhado, pela chuva semeado, com a terra misturado, plantado naquele chão, sua palha adubando muito pé de solidão.
        Do que sobrou por aí, foi tudo virando ninho, protegendo com carinho filhotes que iam nascer. Veludo em trapos, seda em farrapos, coração bordado em fiapos, maciezas boas de se aquecer.
        E hoje em dia, sua palha misturada na terra ajuda a plantação a crescer.
        Os trapos de sua seda, o seu forro de bom cheiro, farrapos de seu veludo se espalham desde o galinheiro até a mais alta árvore que tenha um ninho barbudo.
        E em cada ovo que nasce ali por aquele lugar, cada ninhada que se achega à procura de calor, em cada vida a brotar, em cada marca de amor, seu coração sobrevive num fiapinho de cor.

                                      MACHADO, Ana Maria. Quem perde ganha.
                                                 Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.

Entendendo o texto:
01 – Releia a frase do texto:
      “O espantalho elegante era mesmo um espantalho”.
      A palavra espanto vem do verbo espantar. Veja dois significados dessa palavra:
      Espanto. s. m. 1. O que causa medo, assombro, susto.
                          2. Qualidade do que provoca admiração, maravilha.
      Em qual desses sentidos a palavra espanto foi usada na frase do texto?
      A palavra foi usada no sentido de qualidade que causa admiração, maravilha.
02 – Leia:
      “--- Nunca vi coisa igual. O patrão caprichou de verdade. Vai botar no campo um espantalho com roupa de gente ir à festa na cidade.
      E era mesmo. Tudo roupa velha, claro, como convém a um espantalho que se preza. Mas da melhor qualidade, roupa de se ir à igreja em dia de procissão e reza.
     a) De quem é a fala que aparece introduzida por travessão?
      Da personagem Dito Ferreira.

     b) De quem é o restante do comentário a respeito da roupa do espantalho?
      De quem conta a história. Educador: pode aparecer como resposta o / a autor / a. Vamos estudar o narrador na narrativa mais adiante, ainda nesta unidade. Se o aluno já souber, a resposta pode ser “do narrador”.

     c) Pela fala e pelo comentário, podemos perceber algumas características da personagem e dos costumes do lugar onde a história se passa. Que características são essas?
      A personagem parece ser alguém do campo habituado a formas de vestir de pessoas que moram na cidade. A história se passa num lugar em que as pessoas cuidam mais especialmente do seu modo de vestir apenas nos dias de festa ou de eventos religiosos.

03 – Segundo Dito Ferreira, por que o espantalho era tão deferente?
      Porque era um espantalho vestido com roupa da gente ir à festa na cidade: chapéu de veludo, camisa bordada, gravata de seda. Além disso, sua palha era cheirosa e macia.

04 – E, para você, por que o espantalho era diferente?
      Espera-se como resposta que, além da roupa, o que tornava o espantalho diferente era o fato de sentir solidão, ter sentimentos.

05 – Releia o parágrafo para responder à pergunta a seguir.
      “Como todo espantalho, esse não andava nem falava, mas tinha o dom de poder sentir as coisas ao seu jeito --- para um boneco de palha, isso era um grande defeito”.
      Por que o dom de poder sentir era um grande defeito
      Porque, por ser um espantalho, sua tarefa era afugentar os passarinhos, em vez de acolhê-los como amigos e, assim, acabar com a solidão. Por isso, ter sentimentos, era um defeito.

06 – Releia:
      “Do que sobrou por aí, foi tudo virando ninho, protegendo com carinho filhotes que iam nascer”.
      Explique como o espantalho se transformou em ninhos para filhotes de passarinhos.
      Educador: A resposta exige a atenção do leitor para o processo de transformação --- do veludo em trapos, da seda em farrapos, do coração bordado em fiapos. Com os fiapos, os passarinhos fizeram seus ninhos.

07 – Leia o título Fiapo de trapo em voz alta e responda:
     a) Qual é o recurso que a autora utilizou para que ele tivesse um efeito sonoro?
      A rima.

     b) O que significa “fiapo de trapo”?
      “Fiapo de trapo” é um fio curto, ou um pequeno fio, de um pedaço de pano velho, gasto.

     c) Releia o início da história:
“Espantalho tão bonito e elegante nunca se tinha visto por aquelas redondezas”.
Relacione esse início com título Fiapo de trapo. Qual terá sido a intenção da autora ao dar esse título ao texto?
      Espera-se que os alunos percebam que o título é um indício, uma antecipação do final da história: o “espantalho tão bonito” do início da história, depois da tempestade que o destruiu, sobrevive num fiapinho que sobrou do tecido de seu coração