Crônica: A escola da vila
Viriato Corrêa
Para quem já tivesse visto o mundo, a
vila do Coroatá devia ser feia, atrasada e pobre. Mas, para mim, que tinha
vindo da pequeninice do povoado, foi um verdadeiro deslumbramento.
As quatro ou cinco ruas, com a maioria
de casas de telha; os três ou quatro sobradinhos; as casas comerciais sempre
cheias de mercadorias e de gente; as missas aos domingos; a banda de música de
dez figuras; as procissões de raro em raro, eram novidades que me deixaram
maravilhado.
A igreja acanhadinha e velha, onde os
morcegos voejavam, tinha aos meus olhos um esplendor estonteante.
A Casa da Câmara, acaçapada e pesadona,
com o vasto salão onde, às vezes, se realizavam festas, parecia-me um palácio.
O que mais me encantou foi a escola.
Quando chegamos à vila, já haviam
acabado as férias. Durante os quinze dias em que fiquei em casa curando-me das
febres, eu via, da janela, as crianças passarem em grandes bandos, à hora em
que terminavam as aulas. A vontade de ficar bom para misturar-me com aquela meninada
alegre apressou a minha cura.
A escola funcionava num velho casarão
de vastas salas, que devia ter mais de meio século.
Quando lá entrei, no primeiro dia,
levado pela mão de meu pai, senti no peito o coração bater jubilosamente.
Dona Janoca, a diretora, recebeu-me com
o carinho com que se recebe um filho. Os meninos e as meninas, que me viram
chegar, olharam-me risonhamente, como se já tivessem brincado comigo.
Eu, que vinha do duro rigor da escola
do povoado, de alunos tristes e de professor carrancudo, tive um imenso consolo
na alma.
A escola da vila era diferente da
escolinha da povoação como o dia o é da noite.
Dona Janoca tinha vindo da capital,
onde aprendera a ensinar crianças.
Era uma senhora de trinta e cinco anos,
cheia de corpo, simpática, dessas simpatias que nos invadem o coração sem pedir
licença.
Havia nas suas maneiras suaves um quê
de tanta ternura que nós, às vezes, a julgávamos nossa mãe.
A sua voz era doce, dessas vozes que
nunca se alteram e que mais doces se tornam quando fazem alguma censura.
Mostrava, sem querer, um grande
entusiasmo pela profissão de educadora: ensinava meninos porque isso constituía
o prazer de sua vida.
Se um aluno adoecia, ela, apesar dos
afazeres, encontrava tempo para lhe levar uma fruta, um biscoito, um remédio.
Vivia arranjando livros, papel e lápis
nas casas comerciais para os meninos paupérrimos. Se um pai se recusava a
mandar o filho à escola, corria a convencê-lo de que o pequeno nada seria na
vida se não tivesse instrução.
Quando chegou da capital para dirigir o
grupo escolar da vila, o prédio em que as aulas funcionavam estava em ruínas e
o mobiliário, de tão velho e maltratado, já não servia para nada.
Era preciso dar àquilo um jeito de
coisa decente. Mas não havia vintém.
Ela trazia, como auxiliares, as suas
irmãs Rosinha e Nenén, ambas moças.
E as três deixaram o povo surpreendido:
saíram de casa em casa a pedir auxílio para as obras, fizeram rifas,
organizaram festas, leilões, bazares de sorte, tudo enfim que pudesse render
dinheiro.
E a vila, cochilona e desacostumada a
novidades, viu, com pasmo, Dona Janoca e as irmãs, de broxa e pincel nas mãos,
caiando e pintando paredes.
E a velha casa, de mais de meio século,
ressuscitou maravilhosamente, como os palácios surgem nos contos de fada.
Os salões, amplos e claros, abriam-se
de um lado e de outro do vasto corredor, com filas de carteiras escolares,
vasos de plantas, aqui e ali, e jarras de flores sobre as mesas.
As paredes, por si sós, faziam as
delícias da pequenada. De alto a baixo uma infinidade de quadros, bandeiras,
mapas, fotografias, figuras recortadas de revistas, retratos de grandes homens,
coleções de insetos, vistas de cidades, cantos e cantinhos do Brasil e do
mundo.
E tudo aquilo me encantava de tal
maneira que eu, às vezes, deixava de brincar todo o tempo do recreio, para
ficar revendo paisagem por paisagem, mapa por mapa, figurinha por figurinha.
Viriato
Corrêa. Cazuza. 27. ed. São Paulo: Nacional, 1997. p. 16-7.
Entendendo a crônica:
01 – O que encantou o narrador
ao chegar à vila de Coroatá?
A escola da vila foi o que mais encantou
o narrador.
02 – Como o narrador descreve
a escola da vila em comparação com a escola do povoado de onde ele veio?
O narrador
descreve a escola da vila como muito diferente da escola do povoado, destacando
a diferença entre a alegria e suavidade da escola da vila em comparação com o
rigor e tristeza da escola do povoado.
03 – Quem era Dona Janoca e
qual era a sua importância na escola?
Dona Janoca era a
diretora da escola da vila, uma senhora simpática de trinta e cinco anos, cheia
de entusiasmo pela profissão de educadora. Ela desempenhava um papel
fundamental na transformação da escola.
04 – Quais eram as
características marcantes de Dona Janoca que conquistaram o narrador e os alunos?
Dona Janoca era
descrita como uma mulher simpática, cheia de ternura, com uma voz doce que
nunca se alterava, e demonstrava grande entusiasmo pela profissão de educadora.
Sua preocupação com os alunos ia além da sala de aula, incluindo gestos como
levar frutas, biscoitos e remédios para alunos doentes.
05 – Como Dona Janoca e suas
irmãs conseguiram melhorar as condições da escola, mesmo com recursos
limitados?
Dona Janoca e
suas irmãs conseguiram melhorar as condições da escola através de atividades
como rifas, festas, leilões, bazares de sorte, entre outras, para arrecadar
dinheiro. Elas também realizaram obras físicas, caiando e pintando as paredes
da escola.
06 – Como a velha casa da
escola foi transformada pela iniciativa de Dona Janoca e suas irmãs?
A velha casa da
escola, que estava em ruínas, foi transformada através do esforço de Dona
Janoca e suas irmãs. Elas realizaram trabalhos de caiar e pintar as paredes,
organizaram eventos para arrecadar fundos e conseguiram revitalizar o prédio,
tornando-o mais apropriado para o ambiente educacional.
07 – Quais elementos decoravam
as salas da escola e como esses elementos afetavam o narrador?
As salas da
escola eram decoradas com uma variedade de elementos, como quadros, bandeiras, mapas,
fotografias, figuras recortadas de revistas, retratos de grandes homens,
coleções de insetos, vistas de cidades, cantos e cantinhos do Brasil e do
mundo. Esses elementos encantavam o narrador, a ponto de ele deixar de brincar
durante o recreio para apreciá-los.