Textos: O Universos
Texto
1
A pulsação era suave, contínua,
incessante. Não havia nada além dela. Tudo- o calor, o alimento, até as ondas
confusas de pensamentos e sua mente – embalava-se ao ritmo daquela pulsação
eterna, compassada, confortável.
Conforto. O Universo inteiro era um
lugar morno e macio. Existir era flutuar naquele líquido desde sempre,
sentindo-se crescer aos poucos. Sem interrupções. Sem peso. Sem esforço. O
alimento chegando em intervalos pausados, a força e o prazer de mover os
membros vagarosamente, chutar as membranas em volta. Flexíveis, macias ...
Dormir e acordar tranquilamente, como se os sonhos fossem apenas o outro lado
dos pensamentos. Tão parecidos! Era bom existir.
O movimento começara imperceptivelmente,
pequena variação no pulsar costumeiro. Nada de mais, apenas um novo balanço a
embalar seu sono. Porém com o passar dos minutos foi se intensificando,
sobrepondo-se ao outro pulsar, sacolejando as membranas macias que de repente
pareciam enrijecer.
Desconforto. Urgência. O universo todo de
repente empurrando seu corpo como se o quisesse expelir. E o movimento ficando
mais forte, anulando a pulsação conhecida, causando dor, impedindo o prazer de
flutuar. Pela primeira vez sentiu medo.
Subitamente todo o líquido pareceu
escoar-se, e absurda sensação de frio envolveu-o. Um empurrão mais forte e o
frio se tornou insuportável: o universo como que explodia em dolorosa luz,
ofuscando-lhe os olhos, penetrando-lhe à força. Uma lufada gelada ardeu-lhe,
das narinas até as profundezas do corpo.
Quis voltar ao calor e à maciez da
existência de antes, mas seu universo não mais existia. E ao frio intenso, ao
desconforto e à agressão respondeu tentando expulsar o ar gelado pela boca.
Gritou.
Texto
2
Os pensamentos confusos, que durante um
bom tempo se haviam misturado a sonhos em sua mente, finalmente se concentraram
em um só. Estou acordado.
Precisou de todas as forças de que
dispunha para controlar o medo e não gritar. Repassou mentalmente o
treinamento, os exercícios, as noções teóricas que agora testaria na prática.
Desenvolvendo equações mentais,
conseguiu evitar a lembrança do desconforto que lhe causava a roupa, os
aparelhos gelados pressionando seu corpo, tubos invadindo-lhe a pele para a
introdução de alimentos e a retirada de resíduos.
Nada além de dor e frio, luzes
incomodando-lhe os olhos, ardores e arrepios maltratando-lhe o corpo. Tentou
ajustar-se ao assento da nave. Anatômico, asseguravam os técnicos. Mas
desconfortável para quem ali permanecesse por muito tempo.
Finalmente tomou coragem e abriu os
olhos. A cápsula continuava com o mesmo aspecto de que se lembrava, antes de
ser induzido ao sono. Os aparelhos indicavam exatamente o que deveriam indicar.
Checou os números e mapas, aproveitando a concentração da atenção nos detalhes
técnicos para amenizar o desconforto físico. Sim, estava acordado e em boas
condições. Sobrevivera aos testes, ao lançamento, ao longo período em estado de
hibernação. E localizava-se agora na região desconhecida.
Foi então que teve coragem de olhar
pela primeira vez o visor. Invadiu-o sensação estranha, inesperada. Aquela
região não lhe era desconhecida.
Soltou as travas que o retinham no
assento. Deixou o corpo flutuar com a falta de gravidade, como se tivesse feito
aquilo a vida toda, e aproximou-se do visor agarrando os corrimões instalados
para essa finalidade. Junto ao posto de observação teve melhor visão.
Sim, nacionalmente sabia que as
estrelas que via através do visor da nave não eram as que poderia ver no céu de
seu planeta. Eram outras, as que seus mapas e cálculos indicavam como
posicionadas nos confins da galáxia. E mesmo assim, ele conhecia o lugar. Embora
aquela missão fosse uma das primeiras e ele um dos poucos a explorar a região,
sentia-se em casa. A vista diante de seus olhos era magnífica. À frente, o
universo.
Conforto. O Universo inteiro era um
lugar morno e macio. Existir era flutuar ali desde sempre. Sem interrupções.
Sem peso. Sem esforço. O alimento chegando em intervalos pausados, a força e o
prazer de mover os membros vagarosamente, acompanhando a pulsação do
universo... Dormir e acordar, como se os sonhos fossem apenas o outro lado dos
pensamentos. Era bom existir.
Sorriu dentro da roupa que já não
parecia desconfortável e preparou-se para enviar as primeiras mensagens à
Terra.
Estes textos foram
produzidos especialmente para você ler e responder.
Fonte: Português em
outras palavras – 8ª série – Maria Sílvia Gonçalves – ed. Scipione – São Paulo,
2002. 4ª edição. p. 30-4.
Entendendo os textos:
01 – Os textos narrativos
podem ser divididos em quatro partes:
Parte
I:
Situação inicial (normalidade na vida da personagem).
Parte
II:
Apresentação do conflito (algo que vem desequilibrar a situação inicial).
Parte
III:
Exploração do conflito (coloca-se a personagem em situação de grande tensão; é
a parte mais importante porque as reações da personagem provocam o suspense e
possibilitam questionamentos da situação).
Parte
IV:
Desfecho (deve surpreender pelo inesperado; é curto).
a)
Os textos que você leu são narrativos.
Escreva em seu caderno onde começam e onde terminam essas partes em cada um
deles.
I: de “A pulsação era...” até “Era bom existir.” II: de “O movimento
começara...” até “de repente pareciam enrijecer”. III: de “Desconforto.
Urgência.” Até “... até as profundezas do corpo”. IV: de “Quis voltar ao
calor...” até “... gritou”. Texto 2. I: de
“Os pensamentos confusos...” até “... permanecesse por muito tempo”. II: de
“Finalmente tomou coragem...” até “... agora na região desconhecida.” III: de
“Foi então que teve coragem...” até “... era bom existir.” IV: de “Sorriu
dentro da roupa...” até “primeiras mensagens à Terra.”
b)
Dê um título a cada parte.
I: Conforto. II: Movimento. III: Desconforto. IV: Grito. Texto
2. I: Dor e frio ou Acordar. II: Sobrevivência aos
testes ou Localizar-se. III: O Universo é o Lar ou Flutuar. IV: Primeiras
mensagens ou Enviar mensagens.
02 – Reescreva a frase
correta em seu caderno. Do ponto de vista das sensações das personagens, seria possível afirmar que:
a)
No texto I, a sensação de conforto permanece
do princípio ao fim.
b)
No texto II, a sensação de desconforto
permanece do princípio ao fim.
c)
No texto I, a sensação inicial de
conforto transforma-se em desconforto, enquanto no texto II ocorre o oposto.
d)
No texto I, a sensação inicial de desconforto
transforma-se em conforto, enquanto no texto II ocorre o oposto.
03 – Nos dois parágrafos
iniciais do primeiro texto, parece qe a personagem é colocada num berço. Como
se consegue, pela linguagem, transmitir a ideia de embalo ao leitor?
A ideia do embalo
é criada com a utilização de um grande número de frases nominais curtas, que
acabam imprimindo um ritmo lento ao texto. Nas orações, os verbos são usados
nas formas nominais, o que acaba intensificando essa ideia.
04 – Nesta passagem: “Nada de mais, apenas um novo balanço a
embalar seu sono. Porém com o passar dos minutos foi se intensificando”,
observe a palavra que anuncia uma mudança na situação. A que classe ela
pertence?
A palavra que anuncia uma mudança na
situação (introduzindo o conflito na narrativa) é a conjunção coordenativa
adversativa porém.
05 – Releia o trecho:
“Subitamente
todo o líquido pareceu escoar-se, e absurda sensação de frio
envolveu-o”.
a) O líquido realmente escoa. Por que então o verbo em destaque foi usado?
A personagem está confusa, perdeu o controle da situação.
b) A sensação de frio é absurda. O que esse adjetivo reafirma?
Até aquele momento, tudo era morno, quente; a mudança de temperatura
parece-lhe, portanto, absurda.
06 – Observe: “O universo como que explodia em dolorosa
luz”. Essa frase revela o momento exato de que fato?
Revela o momento
exato do nascimento da personagem.
07 – No texto I, o que
representou para a personagem sair de seu universo e entrar no universo dos
outros seres?
A saída representou dor, sofrimento.
08 – Os textos são narrados
em terceira pessoa. Em sua opinião, por que esse foco narrativo foi utilizado?
Pretendeu-se um certo distanciamento dos
fatos, ao narrar. Além disso, no texto I, seria inverossímil um recém-nascido
narrar seu próprio nascimento.
09 – Retire do último
parágrafo do texto I, a expressão que revela uma situação irreversível para a
personagem.
“... seu universo não mais existia.”
10 – Comente a última
palavra do texto I.
O grito é a
primeira manifestação da personagem em sua nova vida, e é de dor e sofrimento.
11 – No texto II, na frase “Estou acordado”, usa-se um tipo de
letra diferente. Por quê?
É uma fala da personagem, sem nenhuma
pontuação que pudesse distingui-la da fala do narrador. Daí usar-se tipo
diferente.
12 – Em nenhum momento se
revela que a personagem é um astronauta, mas isso está claro no texto II.
Explique como.
Pela descrição da
nave (aparelhos, máquinas) e do céu. Além disso, a personagem acorda de testes,
de um sono induzido, e sobrevive ao lançamento.
13 – A que você atribuiria a
familiaridade da personagem do texto II com uma região que lhe era totalmente
desconhecida?
A personagem tem
paixão pela vida, pela aventura que está vivendo e pelo universo como um todo.
Sabe que é parte desse universo maior e, por isso, sente-se à vontade, em casa,
em qualquer lugar, até nos confins da galáxia.
14 – Faça uma comparação
entre os dois textos, mostrando as semelhanças e diferenças entre eles, com
relação a:
a) Pensamentos das personagens.
Texto I: confusos, misturados a sonhos. Texto II: confusos,
misturados a sonhos.
b) Alimentação.
Texto I: O alimento chega pausadamente, naturalmente. Texto II: O
alimento vem por tubos, de forma artificial.
c) Sono.
Texto I: Tranquilo, natural. Texto II: Induzido, artificial.
d) Sensações iniciais.
Texto I: De conforto. Texto II: De conforto.
e) Evolução das sensações.
Texto I: Começa a sentir dor, perde o controle. Texto II: Começa a
conscientizar-se da situação, readquire o controle.
f) Pulsação.
Texto I: Suaves e ritmadas no início; desconhecidas no final. Texto
II: Vão adquirindo a regularidade do universo.
g) Relação com a luz.
Texto I: É dolorosa quando ocorre, no final. Texto II: É incômoda
quando ocorre, no início.
h) Relação com o calor e frio.
Texto I: O calor dá lugar ao frio. Texto II: O frio dá lugar ao
calor.
i) Relação com o desconhecido.
Texto I: Causa medo. Texto II: Causa prazer.
15 – Compare o segundo
parágrafo do texto I com o penúltimo parágrafo do texto II. O que você nota?
Nota-se uma
semelhança muito grande. Essas semelhanças adquirem sentidos diferentes em
razão do momento em que aparecem nos dois textos. No texto I: é a situação de
partida; no texto II: a situação de chegada.
16 – Após ler os dois
textos, dê a sua versão do que seja Universo.
Resposta pessoal do aluno.
17 – Ambos os textos
constroem-se sobre pares de antônimos. Quais?
Conforto/desconforto;
calor/frio; dor/prazer.
18 – Qual o resultado desse
jogo de antônimos?
O resultado desse
jogo de antônimos é mostrar ao leitor que a existência humana oscila entre dois
sentimento contraditórios.
19 – Comente o emprego de
frases nominais nos textos.
As frases
nominais são empregadas com o objetivo de recriar na escrita as sensações
vividas pelas personagens: conforto, bem-estar, segurança, embalo, flutuação,
mistura de realidade e sonho. As sensações, no caso, se sobrepõem às ações; daí
a forte presença de frases nominais.
20 – Comente o emprego das
formas nominais dos verbos nos textos.
Já que as sensações se sobrepõem às
ações, predominam verbos de estado e frases sem verbo. Os verbos de ação,
quando aparecem, vêm conjugados em suas formas nominais, no gerúndio
principalmente, uma vez que essa forma verbal descreve o lento desenrolar de
uma ação.