Reportagem: Jovens que não estudam nem
trabalham: escolha ou falta de opções?
Novo estudo ouve brasileiros fora
da escola e do mercado de trabalho e conclui que eles estão presos em barreiras
relacionadas à pobreza e ao gênero
MARIANA KAIPPER CERATTI
Brasília – 17 MAR
2018 – 21:38
No Brasil, 11 milhões de jovens, quase
um quarto da população entre 15 e 29 anos, não estudam nem trabalham. Em
um país cuja força de trabalho está ficando mais velha e começará a diminuir em
2035, um diálogo como esse soa preocupante. Para jogar luz sobre os jovens que
não estudam nem trabalham, pesquisadores do Banco Mundial fizeram 77
entrevistas qualitativas [...] com jovens pernambucanos de 18 a 25 anos,
moradores tanto de zonas urbanas quanto das rurais.
O resultado é o estudo Se já é
difícil, imagina para mim..., lançado nesta semana, no Rio de Janeiro. Segundo
a autora, Miriam Müller, é preciso desconstruir o termo “nem-nem”, que não
reflete as muitas diferenças entre esses jovens e joga sobre eles um enorme
estigma.
“A culpa não é dos jovens. O estudo
mostra que algumas condições relacionadas à pobreza e ao gênero produzem um
conjunto de barreiras difíceis de superar. Essas limitações prejudicam
sobretudo as mulheres, que se veem afetadas na capacidade de imaginar seus
futuros, perseverar e ter resiliência”, avalia a cientista social alemã.
O fenômeno dos jovens fora da escola e
do mercado de trabalho não é exclusividade brasileira: o documento lembra que
ele persiste na América Latina e no Caribe, com consequências
desafiadoras.
Trabalhos anteriores feitos na região
sugerem, por exemplo, que o problema pode ameaçar a produtividade e o
crescimento econômico a longo prazo. Além disso, como 66% dos nem-nens
latino-americanos e caribenhos são mulheres, o tema também pode contribuir para
uma transmissão intergeracional da desigualdade de gênero.
Discriminação
e falta de apoio
Os jovens brasileiros considerados
“nem-nens” ou “desengajados” têm diversas razões para estar assim. A primeira
delas é o que as autoras chamam de barreiras à motivação interna, ou seja,
falta de aspiração ou predisposição para voltar aos estudos ou ao trabalho.
Nesse perfil, encontram-se principalmente as mulheres casadas e com filhos
pequenos, vivendo sob normas sociais que reforçam seu papel de cuidadoras e
restringem suas oportunidades econômicas.
No segundo grupo, estão aqueles que
expressaram motivação para voltar a trabalhar ou estudar, mas não tomaram uma
providência porque lhes faltam as ferramentas necessárias para realizar essa
aspiração. Embora muitos dos entrevistados tenham se inscrito no Exame Nacional
do Ensino Médio (Enem) ou enviado currículos, não deram continuidade a
esses esforços.
“Como esses jovens não tiveram contato
com pessoas cujas carreiras fossem interessantes, não conseguiram encarar suas
aspirações como algo realista nem receberam informações sobre como realizá-las.
A escola tampouco os apoiou”, informa o documento.
Por último, o estudo conta a história
de jovens que, embora tenham se esforçado para estudar ou trabalhar, desistiram
por causa de barreiras externas. Entre elas, os desafios de conciliar emprego e
sala de aula, poucos recursos financeiros ou qualificação, falta de transporte
público seguro para se locomover entre uma atividade e outra, e a crise
econômica do país. As que já são mães ainda relataram a discriminação que
sofreram por parte de potenciais empregadores.
Muito
além dos cursos técnicos
Depois de ouvir esses jovens, suas
frustrações e necessidades, as pesquisadoras fizeram uma série de recomendações
de políticas públicas para fortalecer a capacidade dos jovens de aspirarem a
objetivos, criar e levar adiante seus projetos de vida.
Segundo as autoras, provavelmente é
insuficiente aumentar a oferta de cursos técnicos com o objetivo de viabilizar
a participação dos jovens no mercado de trabalho se isso não estiver associado
a intervenções que:
·
Facilitem o acesso a informações sobre
oportunidades e como elas podem concretamente mudar suas vidas;
·
Incutam um sentimento de pertencimento e
preparação entre os jovens que sentem que as oportunidades disponíveis não são
para eles;
·
Ofereçam programas de apoio ou de mentoria
para ajudar esses jovens a lidar com as dificuldades associadas ao cumprimento
de objetivos.
A promoção das aspirações relacionadas
a trabalho e educação, principalmente entre as mulheres, é uma importante porta
de entrada para programas e políticas públicas, acrescenta o relatório: “Muitas
das mulheres entrevistadas não conseguem imaginar uma vida em que seu papel não
seja somente o de uma cuidadora.”
Finalmente, o documento propõe
intervenções específicas para as áreas rurais, onde a divisão do trabalho ainda
se baseia muito no gênero. No campo, ainda é preciso conscientizar sobre
possibilidades de trabalho além da agricultura e conectar os jovens a
oportunidades, garantindo mobilidade a preços acessíveis entre a zona rural e
os centros urbanos.
Tudo isso pode fazer a diferença para
os futuros integrantes da força de trabalho do país, donos de um potencial que
o país não pode mais desperdiçar.
Mariana Kaipper
Ceratti é produtora on-line do Banco Mundial.
CERATTI, Mariana K.
Jovens que não estudam nem trabalham: escolha ou falta de opções? El Paris,
Brasília, 17 mar. 2018. Disponível em: https://bit.ly/2lQcFoq.
Acesso em: 29 set. 2018.
Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 9º
ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 230-3.
Entendendo a reportagem:
01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·
Estigma: considerado ou definido como indigno; desonroso.
·
Intergeracional: que
se realiza entre duas ou mais gerações; comportamentos intergeracionais.
·
Perseverar: não desistir com
facilidade.
·
Resiliência: capacidade de
superar os problemas que aparecem.
02 – Que fato originou a reportagem?
O resultado do estudo Se já é difícil, imagina para
mim..., de Miriam Muller, pesquisadora do Banco Mundial. Esse estudo, lançado
em março de 2018, no Rio de Janeiro, aponta as causas de quase um quarto da
população, entre 18 e 29 anos, não estudar nem trabalhar.
03 – O estudo Se já é difícil, imagina para mim... faz análise do
presente, mas com projeção para o futuro, caso alguma medida não seja tomada
para resolver essa situação. Responda:
a)
Por que o
Banco Mundial considerou o grande percentual de jovens que não trabalham nem
estudam como um problema que pode impactar todo o país?
O problema pode ameaçar a produtividade e o
crescimento econômico do país a longo prazo, visto que em 2035 a população
brasileira será formada de pessoas idosas.
b)
Esse fenômeno
é apenas brasileiro? Explique.
De acordo com o Banco Mundial, esse fenômeno ocorre
em toda a América Latina e no Caribe, em especial com as mulheres jovens, que
são 66% do total.
c)
Qual é a
questão controversa discutida no estudo? Qual tese é defendida pelos
pesquisadores?
A questão controversa é se os jovens não estudam
nem trabalham por escolha ou falta de oportunidade; a tese é que esse fenômeno
ocorre por falta de oportunidade para esses jovens.
04 – Releia o depoimento de Miriam Muller, autora do estudo, e responda:
“[...] Segundo
a autora, Miriam Müller, é preciso desconstruir o termo “nem-nem”, que não
reflete as muitas diferenças entre esses jovens e joga sobre eles um enorme
estigma.”
“A culpa não é dos jovens. O estudo
mostra que algumas condições relacionadas à pobreza e ao gênero produzem um
conjunto de barreiras difíceis de superar. Essas limitações prejudicam
sobretudo as mulheres, que se veem afetadas na capacidade de imaginar seus
futuros, perseverar e ter resiliência”, avalia a cientista social alemã.
a)
De acordo com a autora do estudo, quais são
as causas desse fenômeno?
Os pesquisadores defendem que se trata de falta de oportunidade,
causada pelas desigualdades econômicas e de gênero, que produzem barreiras
internas e externas difíceis de superar.
b)
Por que esse problema atinge mais as
mulheres? O que esse problema pode acarretar à sociedade em longo prazo?
“Essas limitações prejudicam sobretudo as mulheres, que se veem
afetadas na capacidade de imaginar seus futuros, perseverar e ter resiliência”.
O que, em longo prazo, pode possibilitar a transmissão dessa falta de
perspectiva às gerações futuras e aumentar a desigualdade de gênero.
c)
O que significa o termo “nem-nem”? Por que o
termo “nem-nem” pode refletir preconceito em relação a esses jovens?
Os jovens brasileiros considerados “nem-nens” ou “desengajados”.
Porque não reflete a diferença que há entre esses jovens, as condições
sócio-históricas e econômicas e as várias formas de discriminação a que estão
expostas. Segundo a pesquisadora, essa expressão estigmatiza os jovens,
dificultando mais ainda a visualização de perspectivas.
d)
Você concorda ou discorda da pesquisadora?
Por quê?
Resposta pessoal do aluno.
05 – A pesquisa foi
realizada por meio de entrevistas com 77 jovens pernambucanos de 18 a 25 anos,
moradores tanto de áreas urbanas quanto rurais. A “falta de apoio” e
“discriminação” são duas barreiras apontadas pelo estudo. Responda:
a)
Como a falta de apoio pode dificultar jovens
mulheres com filhos a estudar e se profissionalizar? Em sua opinião, isso pode
ser considerado discriminação de gênero? Explique.
As mulheres jovens acabam sendo responsabilizadas sozinhas pelo
cuidado dos filhos, o que dificulta sua permanência na escola ou no trabalho.
Resposta pessoal do aluno.
b)
Segundo informações do documento, como a
falta de modelos de sucesso na comunidade e de apoio da escola desmotivou a
continuidade de estudos e de profissionalização de alguns jovens?
A falta de contato com pessoas cujas carreiras fossem bem-sucedidas,
bem como a falta de apoio da escola fizeram com que alguns jovens se
desanimassem diante de aspirações que, segundo eles, achavam impossíveis de
realização.
c)
Quais os desafios encontrados pelos jovens
pobres para estudar e trabalhar?
Embora tenham se esforçado para estudar ou trabalhar, desistiram
pelo desafio de conciliar emprego e sala de aula, poucos recursos financeiros
ou qualificação, falta de transporte público seguro para se locomover entre uma
atividade e outra e a crise econômica do país.
d)
Em sua opinião, quais formas de discriminação
esses jovens podem sofrer ao buscar trabalho, especialmente as mulheres com
filhos?
Resposta pessoal do aluno.
06 – Muitos planos de
governo, durante a eleição, enfatizaram a criação e oferta de cursos técnicos e
profissionalizantes para resolver esse problema social. Responda:
a)
Por que as pesquisadoras apontam que a oferta
de cursos técnicos não é suficiente para resolver o problema? Explique.
Segundo as autoras, provavelmente é insuficiente aumentar a oferta
de cursos técnicos se isso não estiver associado a promoção das aspirações
relacionadas a trabalho e educação, principalmente entre as mulheres.
b)
Quais intervenções devem ser feitas, segundo
o estudo, associadas ao aumento da oferta de cursos técnicos?
Facilitar o acesso a informações sobre oportunidades e de que
maneira elas podem concretamente mudar suas vidas; incutir um sentimento de
pertencimento e preparação entre os jovens que sentem que as oportunidades
disponíveis não são para eles; oferecer programas de apoio ou de mentoria para
ajudar esses jovens a lidar com as dificuldades associadas ao cumprimento de
objetivos.
c)
Você concorda ou discorda das propostas do
estudo? Explique.
Resposta pessoal do aluno.
07 – Por que essas propostas
de intervenção são essenciais para a implementação de políticas específicas
para as mulheres de acordo com o relatório?
Porque muitas das
mulheres entrevistadas não conseguem imaginar uma vida em outro papel que não
seja de cuidadora. Além disso, essas aspirações podem ser transmitidas para
outras gerações.
08 – Por que os jovens da
área rural precisam ter propostas de ações específicas? Quais são as propostas
de intervenção apontadas pelo relatório do estudo?
No campo, ainda é
preciso conscientizar sobre possibilidades de trabalho além da agricultura e
conectar os jovens a oportunidades, garantindo mobilidade a preços acessíveis
entre a área rural e os centros urbanos.
09 – A qual conclusão você
chegou em relação à questão controversa, à tese e aos argumentos apresentados
pelo estudo? Explique.
Resposta pessoal do aluno.