sexta-feira, 22 de maio de 2020

CONTO: O BIFE E A PIPOCA - LYGIA BOJUNGA NUNES - COM QUESTÕES GABARITADAS

CONTO: O BIFE E A PIPOCA
      
                         Lygia Bojunga Nunes

1º Capítulo
CARTA DE AMIGO

Oi Guilherme!
Outro dia eu olhei no mapa pra ver onde é que é Pelotas. Puxa! Como a gente ficou longe de repente, hem? Eu não tinha nem pensado que Pelotas era tão lá no finzinho do Brasil. O meu pai diz que carioca morre de frio aí no Sul quando chega o inverno. Então eu pensei que você tem que vir passar as férias de julho no Rio. Aqui em casa, é claro. Primeiro pra não morrer de frio. Segundo, pra gente ir junto à praia que nem ia antes.
Hoje foi o 1ºdia de aula.
Achei  tão esquisito você não estar lá.
Lembra? A gente se conheceu na 1ªsérie.
Depois foi  junto pra 2ª,3ª e 4ª.
E aí né combinou mais nada porque era claro que a gente ia junto pra 5ª.
E aí você vai e se muda pro Rio Grande do Sul.
Ora, francamente.
Só você que foi embora: o resto da turma é toda a mesma
Mas entraram duas garotas novas
Uma é metida a besta, mas em compensação se chama Renata, que acho um nome lindo. A outra parece legal, mas não desgruda da Renata.
Assim fica difícil.
Ah! mas tem uma novidade: nossa escola agora dá bolsa pra aluno pobre. E então tem também um garoto novo: bolsista. Ouvi dizer que ele mora na favela; se chama Turíbio Carlos; e sentou no mesmo lugar que você sentava.  Mas não falou nem olhou pra ninguém.
Quem sabe o emprego do teu pai não dá certo e vocês voltam aqui pro Rio?
Não  tô querendo que o teu pai fique sem emprego, não é isso, mas é que eu acho tão chato não ver mais você do meu lado lá na classe. E a escola aí é legal?
Um grande abraço do
Rodrigo

2º capítulo
NA SALA DE AULA

O professor de geografia perguntou:
- Como é o seu nome?
- Turíbio Carlos.
- Como?
- Turíbio Carlos.
- Levantou. E levantou também um pouco a voz:
- Mas lá em casa me chamam de Tuca.- Quem sabe aqui na escola você também fica sendo Tuca? E o Tuca arriscou:
- Eu topo. O professor de geografia resolveu:
- Então pronto. - E escreveu na ficha:
- Tuca. A turma riu: era a primeira vez que eles ouviam o Tuca falar: ele não puxava conversa não entrava em grupo nenhum, e na hora do recreio ficava sempre estudando.
E pela primeira vez o Tuca falou com um colega:
- Nossa! nunca vi  tanta manteiga e tanto queijo num pão só. Começaram a conversar. Primeiro de idade: o Rodrigo tinha 11 anos e o Tuca já ia fazer 14! O Rodrigo olhou espantado pra ele:
- É mesmo?!- Não pareço não?
- Bom... - e o Rodrigo olhou pro pão. O Tuca era tão miúdo que ele até tinha pensado que os dois eram da mesma idade. E aí falaram de estudo.
- Sabe que eu era o 1º da classe lá na minha escola? Outra vez o Rodrigo se espantou: naqueles primeiros dias de aula já tinha dado pra ver que o Tuca estava sempre por fora.
- Foi por isso que eu ganhei a bolsa de estudo por aqui.
O Rodrigo só disse: humm.
O Tuca meio que riu:
-“Escola de rico" feito a gente diz. ­
- Acho que eu não vou aguentar a barra: o estudo aqui é mais adiantado, é diferente, sei lá, eu só sei que não tá dando. E o pior é isso aqui - olhou pro caderno e espichou um queixo desanimado: a tal da matemática.
- Você não fez o trabalho que a gente tem que fazer?
_ De que jeito? Eu não saco nada disso. O Rodrigo olhou pro relógio:
_ Eu tô quase acabando o meu. Quer que depois eu te dê uma explicação? E o Tuca falou:
- Puxa, cara, saquei  tudo que você me ensinou; acho que você vai ter que ser professor.
E no dia seguinte lá estava o Rodrigo outra vez explicando. E o Tuca se animando: “Agora, sim, tô Sacando!”

3º capítulo
CARTA DE AMIGO

Alô, Guilherme, tudo bem?
Você lembra quando a gente conversava do que ia ser quando crescer?
Você sempre sabia o que queria, só que a toda hora mudava: médico, arquiteto, escritor.
Eu não. Lembra? Eu nunca sentia muita vontade de ser nada.
E daquela última vez que a gente conversou eu até te disse: acho que eu não vou ser nada de tanto que u não sei o que que eu quero ser.
Mas agora você vai ficar bobo: esta semana - até que enfim!! - eu descobri o que que eu quero.
Adivinha.
Pensa bem.
Resposta de cabeça para baixo.
PROFESSOR(no livro está escrito de cabeça para baixo)
Isso mesmo!
Tá duvidando? No princípio eu também duvidei.
Tudo começou por causa do Tuca, aquele bolsista que veio pra escola e que senta no mesmo lugar que você sentava. Eu comecei dando explicações de matemática pra ele. Mas agora eu estou dando aula de tudo. Pra ver se ele alcança a turma. Senão ele é capaz de perder essa bolsa.
Eu nunca tinha pensado que eu ia gostar de ensinar, mas, sabe? quando o Tuca saca o que eu explico me dá uma sensação assim de... sei lá, isso eu não sei explicar. Só sei que é bom .
Então eu resolvi que eu vou ser professor.
E você? Continua mudando de profissão a toda a hora?
Vê se escreve, viu, cara? Abração do
RODRIGO

4º Capítulo
 - VOCÊ GOSTA DE PIPOCA?

- O quê?
O Tuca cochichou mais alto:
- Você gosta de pipoca? - (Estavam no meio da aula de português.) O Rodrigo fez que sim.- Todo sábado a minha irmã faz pipoca...O Rodrigo fez cara de quem diz ah é? E depois de um tempo o T uca acabou a frase:
- ...mas pipoca só é bom na hora.- O quê?- Pipoca só é bom na hora que faz...
-Ah é. O T uca ficou quieto. Mas depois continuou:
- ...se não fosse, eu trazia a pipoca pra gente comer aqui na escola.
- E a aula já estava no fim quando ele acabou de pensar no assunto:
- Quer ir comer pipoca lá em casa no sábado? O Rodrigo fez que sim. Naquele dia, quando os dois se despediram o T uca resolveu o seguinte:
- No sábado, eu venho te encontrar aqui embaixo: você não vai saber subir o morro sozinho. É que eu moro lá no alto, sabe.
- Então você se encontra comigo na minha casa: a gente almoça e depois vai. Tuca não respondeu logo. Ficou olhando pro tênis. Depois perguntou devagar:
- Almoçar na sua casa?
-É. Se olharam.
- Então tá.
E foi assim. No sábado ao meio-dia o Tuca estava chegando na casa do Rodrigo. Ele nunca tinha pisado num edifício daqueles: porteiro, tapete, espelho por todo lado, elevador subindo macio, empregada abrindo a porta pra ele entrar.
Ele entrou. E quando viu o tamanho da sala com TV, aparelho de som, armário em toda a parede (uma porta estava aberta, nossa! quanta roupa lá dentro); e quando o Rodrigo perguntou:
- tá com sede?
- tô - e foram na geladeira o Rodrigo encheu um copo de suco de laranja:
- toma.
Quando a porta da geladeira se fechou, o Tuca achou que o Rodrigo não ia achar uma ideia assim tão formidável subir uma favela todinha pra ir comer pipoca lá em cima. Foi nessa hora que o rabo do olho viu os bifes que a cozinheira estava temperando. Era impressão? Ou era bife-feito-o-bife-lá-da-esquina? O olho todo virou pro bife e o Tuca foi se esquecendo da vida. E aí? Será que Rodrigo vai querer ir até a casa do Tuca? Ou Tuca vai ficar com vergonha de levar seu amigo até a casa dele?

5º Capítulo
O BIFE LÁ DA ESQUINA

Quando Tuca saía da escola, ele ia direto ajudar um amigo a lavar carro.
Quer dizer, não era bem um amigo, era mais um patrão.
Ou melhor, não era bem um patrão, era mais um patrão. Quer dizer, não era bem um sócio... Um momentinho vamos começar outra vez: quando o Tuca saía da escola, ele ia direto ajudar um cara a lavar carro. O cara era faxineiro de um edifício lá na Rua São Clemente. Ganhava salário mínimo. Então, pro dinheiro não ficar assim tão mínimo, ele lavava os carros dos moradores do edifício e ganhava em dobro.
Um dia o Tuca passou por ali procurando um biscate, já que emprego ele não encontrava mesmo. Conversa vai, conversa vem, o faxineiro perguntou se o Tuca não queria fazer sociedade naquele negócio de lavar carro.
- Sociedade como?
_ Você pega aí um ou outro carro pra lavar e eu te dou 10% de tudo que eu ganho.
O Tuca achou ótimo. E naquele dia mesmo começou a trabalhar.
Mas aí foi acontecendo o seguinte: mal o Tuca chegava, o faxineiro ia pro botequim da esquina tomar umas e outras; quando voltava, se ajeitava num escurinho da garagem; logo depois estava roncando.
E o Tuca ficava lavando sozinho tudo que é carro que tinha pra lavar.
Um dia o Tuca achou que estava trabalhando sozinho demais e que então a tal matemática dos 10% não estava bem certa: reclamou.
O faxineiro não gostou:
_ Escuta aqui, meu irmão, tem pelo menos100 moleques que passam todo dia aí na rua querendo pegar esse emprego que eu te dei. Os trocados que o Tuca recebia lá na ­
garagem bem que ajudavam pra ir levando comida pra casa. Então, o que que era melhor, quer dizer, pior: continuar de matemática
esquisita ou perder o biscate?
E o Tuca continuou lavando carro...

6º Capítulo
O ALMOÇO

Foi só o Tuca sentar pra almoçar que o olho não teve mais sossego: pra cá, pra lá, pra cá, pra lá, querendo ver disfarçado o garfo que o pai do Rodrigo pegava, o jeito que o Rodrigo dava no guardanapo, o que que a mãe do Rodrigo fazia com o pratinho do lado, e mais as duas facas, e mais os três garfos, e mais a colher, e nossa! Que monte de coisa em cima daquela mesa, e o olho pra cá, pra lá, pra cá, pra lá, na aflição de copiar. A empregada serviu uma tigelinha pra cada um. O Tuca viu todo mundo começando a comer. Será que o almoço era aquilo e pronto? Olhou de rabo de olho pra mãe do Rodrigo. Ela estava botando um tiquinho de manteiga no pão. O Tuca foi ficando hipnotizado outra vez: a mão dela tinha um anel em cada dedo. - Você também é que nem -O Rodrigo? filho único? O Tuca acordou:- Humm?- Você também é filho único?- Não: eu tenho dez irmãos. A mãe do Rodrigo se engasgou pequeno:- Dez?!
O T uca fez que sim, humm!! que coisa mais gostosa era aquela da tigela.
- E o seu pai? o que que ele faz?
O Tuca sentiu a testa suando. Em vez de responder, esvaziou a tigelinha.
Meio que tomou fôlego. Pegou o garfo e espetou no bife, ah, que coisa mais linda: tanta força pra quê?! o garfo tinha se enterrado macio que só vendo, e o Tuca, entusiasmado, pegou a faca pra cortar o bife do mesmo jeito que o irmão mais velho (carpinteiro: pegava o serrote pra cortar madeira. Atacou! O bife não aguentou: escorregou pra fora do prato, deslizou pela toalha levando de companhia um ovo frito, duas rodelas de beterraba e um monte de grãos de arroz. Foi tudo se estatelar no tapete.
A empregada veio; primeiro disse xi! depois perguntou:
_Não é melhor botar um pouco de talco aqui no tapete pra chupar a gordura?
_É melhor, sim. A empregada saiu correndo.
_E vê se dá pra fazer outro bife pro menino!
- Não precisa não: por favor! - o T uca pediu. - Me dá aqui o seu prato. - A mãe do
Rodrigo estendeu a mão.
O Tuca ficou olhando outra vez pros anéis; a fome tinha sumido; e tinha aparecido uma vontade danada de fazer que nem a fome e sumir também.
O pai do Rodrigo resolveu puxar conversa: - O Rodrigo contou que você ganhou
uma bolsa do governo. - O Tuca fez que sim.
- Você teve sorte, rapaz, aquela escola custa uma nota firme. - O Tuca fez que sim.
- Como bolsista, você não tem que pagar nada, tem? - O Tuca fez que não. - E livro, caderno, todo o material escolar: eles também dão?
- O Tuca fez que sim. - Tudo?! - O Tuca fez que sim. - Mas que sorte!! Você está acompanhando bem o ensino lá?
- O Tuca fez que não.
A empregada voltou com uma lata de talco e uma escova; despejou talco no tapete; a sala ficou perfumada.
- Boto mais?
A mãe do Rodrigo levantou:
- Será que é preciso? - Examinou o tapete.
- Passa a escova aqui pra ver se não ficou nenhuma manchinha.
A empregada passou.
- Ainda tem mancha, sim senhora. Posso botar mais?
- Mas dizem que tapete não gosta de talco demais. - Virou pro pai do Rodrigo:
- O que que você acha, meu bem?
- O quê?
- Bota ou não bota mais talco?
O pai do Rodrigo levantou pra examinar o tapete.
- Olha, aqui saiu tudo - a empregada falou.
E escovou mais um pouco. .
- Pode botar mais um bocado aqui - o pai do Rodrigo mandou.
E quando a empregada virou a lata, a tampa de furinho caiu e o talco todo se despencou no chão (saiu até nuvem de talco voando pela sala).
- Xi! - o Rodrigo levantou.
- Depressa, depressa! vai buscar o aspirador
- A mãe do Rodrigo mandou.
A empregada saiu correndo. O pai do Rodrigo se abaixou:
- Escova aqui, ó, ó - e deu a escova pra mãe. O Rodrigo apontou com o pé:
- Aqui é que tem um monte, ó.
- Ah, coitado do meu tapete! é talco demais: ele vai ficar manchado, aposto.
A empregada voltou correndo com o aspirador. Ligou.
- Passa aqui!
- Aqui, ó!
- Não: primeiro aqui!
O Tuca e a mesa-de-almoço se olharam feito se despedindo; o guardanapo enxugou um suor que pingava da testa; a cadeira foi pra trás pra deixar o Tuca levantar. E, de pé, olho no tapete, o Tuca ficou vendo o aspirador funcionar.

7º Capítulo  
A PIPOCA

Assim que eles saíram do edifício o Tuca foi logo dizendo:
- É melhor a gente ficar aqui por baixo: tá muito calor pra subir o morro.
Mas o Rodrigo não topou:
- Você não disse que tem uma porção de irmãos?
Então? vai ser legal conhecer eles todos. Vem! Falaram pouco até chegar no morro.
O caminho que subia era estreito. O Tuca foi na frente. Quase correndo. Feito querendo escapar da discussão que crescia lá dentro dele: um T uca dizendo que amigo-que-é-amigo não tá ligando se a gente mora aqui ou lá; o outro T uca não acreditando e cada vez mais arrependido da ideia de ir comer pipoca.
E atrás dos dois lá ia o Rodrigo, querendo assobiar pra disfarçar. Querendo mas não podendo: já estava botando a alma pela boca de tanto subir.
Quantas vezes, com a luz de tudo que é barraco se espalhando pelo morro, o Rodrigo tinha escutado dizer: que bonito que é favela de noite! as luzes parecem estrelas.
E o Rodrigo ia olhando cada barraco, cada criança, cada bicho, vira-lata, porco, rato, olhando tudo que passava: bonito? estrela? cadê?!
Não era à toa que quando caía chuva forte sempre falavam de barraco desabando no morro, e o Rodrigo parava no caminho pra ficar vendo como é que alguém podia morar num troço tão parecendo que ia despencar se a gente desse um soprão.
Será que criança nenhuma tinha sapato?
E aquele cheiro de lata de lixo? não ia passar não?
E toca a querer assobiar pra disfarçar o susto de ver tanta gente assim vivendo tão feito bicho.
Quando chegaram no alto, o Rodrigo estava sem fôlego. O T uca parou:
- Eu moro aqui. - Entrou.
Só os irmãos pequenos estavam em casa.
Quatro. O Tuca foi apresentando cada um. Os grandes ainda estavam "lá em baixo se virando"; e a irmã mais velha tinha saído.
- Mas, e a pipoca? - o Tuca quis logo saber -, ela esqueceu que ia fazer pipoca pra gente?
- Não - um irmão explicou -, ela já fez. Mas ficou com medo da gente comer tudo antes de você chegar e então guardou ali ­espichou o queixo pra uma porta que estava fechada.
Fez cara de sabido e piscou o olho: - A chave tá na vizinha...
Enquanto o garoto falava, o Rodrigo ia olhando pro barraco: dois cômodos pequenos, um puxado lá fora pro fogão e pro tanque, e a tal porta fechada que o garoto tinha mostrado e que devia ser um outro quarto; ou quem sabe o banheiro? Juntando tudo, o tamanho era menor que a cozinha da casa dele; e eram onze irmãos morando ali! e mais a mãe?!
Uma vez o T uca tinha contado pro Rodrigo: "O meu pai era marinheiro. Só aparecia em
casa de vez em quando. Um dia ele não apareceu mais.
Ele morreu? Ninguém sabe.
E a tua mãe? Ela mora lá com a gente. Mas quem faz de mãe lá em casa é a minha irmã mais velha. Por quê
É que a minha mãe...é doente.
O que que ela tem?
Tem lá umas coisas. Mas a minha irmã é a pessoa mais legal que eu vi até hoje: aguenta qualquer barra.
O Tuca virou pro Rodrigo:- Tá vendo que vista legal a gente tem aqui de cima? - Legal mesmo.
- Nesse canto é que eu estudo. Tem que ser de noite, porque quando eu saio da escola eu vou lavar carro. E também de noite tá todo mundo dormindo, é mais quieto.
-É.
- Só que de noite eu tô cansado. E também não é bom ficar de luz acesa: gasta eletricidade.
Então eu deixo pra estudar no recreio.
-É. OS dois ficaram quietos.
A criançada pequena olhando. Lá pelas tantas o Tuca quis acabar com a discussão que continuava dentro dele:
- Vam' embora, Rodrigo. Você agora já sabe onde eu moro e se quiser aparecer à casa é sua.
- Mas, e a pipoca? - o Rodrigo perguntou.
Não precisou mais nada: a criançada desatou a falar na pipoca, a querer a pipoca, a pedir a pipoca. Uma barulhada! O Tuca ficou olhando pro chão. De repente saiu correndo. Pegou a chave na casa da vizinha. Abriu a porta que estava trancada.
Era um quarto com uma cama, um armário velho de porta escancarada e uns colchões no chão. Tinha uma mulher jogada num colchão. Tinha uma panela virada no chão.
Tinha pipoca espalhada em tudo.
A criançada logo invadiu o quarto e começou a catar pipoca no chão.
Ninguém ligou pra mulher querendo se levantar do colchão.
O Rodrigo estava de olho arregalado. O Tuca olhou pra ele. Olhou pra mulher.
Olhou pras pipocas sumindo.
- Pronto - ele resolveu -, você não vai comer pipoca do chão, vai? Então não tem mais nada pra gente fazer aqui. - Empurrou o Rodrigo pra fora do barraco. - Agora você já sabe? caminho. Desce por lá. - Apontou.
O Rodrigo estava atarantado:
- Lá onde?
- Vem! Eu te mostro. - E desceu correndo na frente. Num instantinho chegou na curva que ele tinha mostrado. Respirou fundo. Vem do perfume do talco. Olhou pro lado: este lameiro medonho naquele pedaço do morro tinha chovido forte na véspera e uma mistura de água e de lixo tinha empoçado ali.
O Rodrigo chegou de língua de fora: e tinha descido tão depressa que mais parece cabrito.
- Pô, cara! - ele reclamou -, assim não. Você quase me mata nessa des...
Mas o Tuca já tinha virado pra ele de feia e já estava gritando:
- Não precisa me dizer! eu sei muito bem que não dá. Como é que vai dar pra gente amigo com você cheirando a talco...
-Eu?! - ...e eu aqui nesse lixo todo.
Você é que ainda não sabe de tudo. Quer saber mais, quer? quer? - Pegou o Rodrigo pela camisa. - Quando a minha irmã traz minha mãe daquele jeito é porque a minha mãe já tá tão bêbada que faz qualquer besteira pra continuar bebendo mais. - Começou a sacudir o Rodrigo. - Você olhou bem pra cara dela, olhou? pena que ela não tava chorando e gritando pra você  ver. Ela chora e grita (feito neném com fome pedindo cachaça por favor.
- Me solta, Tuca!
- Solto! solto, sim. Mas antes ,..ocê vai ficar igual a mim. - E botou toda a força que tinha pra derrubar o Rodrigo no lameiro.
O Rodrigo deu pra trás.
O Tuca não largou; puxou de volta.
O Rodrigo outra vez conseguiu dar pra trás.
Mas o Tuca foi puxando ele de novo. E quando sentiu os pés se encharcando se atirou no lameiro levando o Rodrigo junto. Aí largou.
O Rodrigo levantou num pulo. Não precisava tanta pressa: ele já estava imundo, pingando lixo.
O Tuca levantou devagar. E de cabeça baixa foi subindo o morro de volta pra casa.
[...]

Fonte do Texto: Postado por RENAN OLIVEIRA às 10:03 www.recordel.blogspot.com.br
Fonte: Fragmento do Conto foi retirado do livro: “Tchau” da autora Lygia Bojunga Nunes

Entendendo o Conto

1)   Quando lemos o título do conto qual a sua primeira impressão?
De que iremos ler um texto sobre comida.

2)   Que assuntos são tratados no Conto?
Retrata a difícil realidade da vida na favela, em contraste com o mundo de luxo, vaidade e conforto.

3)   Onde se passa a história?
Na escola, na casa de Rodrigo e de Tuca.

4)   Quem são os principais personagens?
Tuca, Rodrigo e Guilherme.

5)   No conto aparecem várias palavras de uso coloquial, próprias da fala. Cite algumas.
Tô, tava, hem, humm, ocê.

6)   Você já teve um amigo que foi embora para um lugar distante?
Resposta pessoal.

7)   A autora neste conto busca despertar a atenção do leitor para quê?
Para as fragilidades de muitas famílias brasileiras geradas pela desigualdade social.

8)   Que temáticas traz o conto?
Temáticas corriqueiras do cotidiano das pessoas, como a desigualdade social, característica de um país subdesenvolvido como o Brasil, afetando tantos pessoas com a fome, a pobreza, a favelização, a marginalização, etc.

9)   Como finaliza o Conto?
Finaliza destacando a possibilidade de amizade entre pessoas de diferentes classes sociais, necessitando apenas de algo em comum para fortificar a amizade, pois a verdadeira amizade não tem barreiras.



CRÔNICA - MARESIA - MÁRCIA KUPSTAS - COM GABARITO

Crônica: Maresia   
               Márcia Kupstas

     Não havia espelho na barraca. Nenhum, nem desses pequenos, de bolsa. E eu sentia que minhas pernas cresciam, exibidas no short de bolinha. A Bete saiu, ainda me perguntou: “Você não vem?” Inventei que ia pentear o cabelo, qualquer bobagem. O que queria mesmo era chorar. A camiseta era larga — tudo bem. O tênis escondia aquele pé redondo, horroroso. E as pernas? O que a gente faz com pernas, se está de short?
        Sempre me falaram que quando a gente não é bonita tem de ser inteligente. É bem mais fácil ser bonita, é verdade: era só olhar a Marinha, ou a Renata — elas podiam ter acabado a aula de Educação Física, elas chegavam debaixo de chuva na escola, tomavam sorvete escorrendo pelo queixo — e continuavam bonitas. Eu? Ah! Três horas de cabeleireiro, quilômetros atrás de butique, e a roupa caía mal, o cabelo continuava espetado.
        E gorda. Isso sim, era o pior de tudo no mundo. Eu enchia a bochecha pra falar: goooorda. A própria palavra gorda, redonda, imensa, me encarando e acusando dentro do espelho. Era isso, dona Gabi: 15 anos, 1,62 m, e o peso… nem dava pra falar.
        E se a gente é feia, tem de usar outro truque. Pelo menos, o que sempre me falaram: ser inteligente. Duplamente inteligente. Primeira aluna da classe. Interesse por leitura, jornal. Fazer os trabalhos mais criativos, participar do grêmio do colégio. O que também acabava trazendo as coisas chatas: recitar poema no 7 de Setembro; representar os alunos em festa da Diretoria; ser exibida pela mãe como um bicho raro e no meio da festa atacar de poesia nos convidados.
        Não, eu não queria ser assim. Talvez apenas quisesse ser bonita. Isso, eu achava impossível. Ou quisesse ser feliz. E pra dizer a verdade, com 15 anos, sem namorado, muitas aulas, uma mãe que insistia em me tratar como criança, minha maior felicidade seria um sundae cheio de frutas e caramelo. Até o dia do piquenique. Foi o Chen que me procurou, dizendo que a turma tinha resolvido ir à praia no domingo. O piquenique. A praia. Meus amigos. E as pernas de fora, no short.
        Dentro da barraca, o calor era maior. Uma sauna. Senti que logo, logo ia estar com aquela mancha de suor debaixo do braço. Dona Gabi. Deixa de onda! São seus amigos, todo mundo sabe que você é gorda. E nem ligam. Gostam de você mesmo sendo gorda, e daí? Ataquei um canto da unha do mindinho e puxei com os dentes. Ainda essa, voltar a roer unha? Já não havia largado o vício? Todo mundo te conhece. Todo mundo. Mas ele não.
        Foi uma guerra convencer a mãe e as mães dos amigos. Afinal, éramos oito gatos e gatinhas solitários, dia inteiro numa praia deserta. Claro que não íamos dormir fora, qualquer sugestão nesse sentido mataria alguns familiares do coração. Mas só o fato de que estaríamos so-zi-nhos… nosso grupo. Éramos amigos, o pessoal que fazia uma revista literária na escola, os mais inteligentes, os mais legais…
        Mas ele também foi. Era o que dirigia um dos carros, aliás. Primo da Judite, tinha feito 18 anos, estava no cursinho. Lindo. Não me lembro de ter visto alguém tão bonito — com corpo atlético, loiro, até os pelinhos das pernas eram loiros. Ele dirigiu até Caraguá de short, e naquele sufoco de quem senta aqui e ali, eu sobrei bem do seu lado, no banco da frente.
        E agora, ali. Todo mundo rindo e brincando do lado de fora. A barraca parecia banho turco — não vou sair. Não vou. Nem que a Judite, o Chen, a Rogéria, o Carlos venham pedir. Nem que…
        — Você não vem mais, Gabi? Eu queria tirar fotografia.
        Era ele. Sorriso e olhos brilhantes. Avermelhei inteira, acho que as minhas coxas também ficaram “ruborizadas”, como aparece nos textos de literatura. Se é que isso é possível! Mas ficaram. E ele me colocou a mão no ombro, quando saímos da barraca, e eu fui andando feito um fantasma, como se meu corpo tivesse ficado em alguma outra parte do universo, até o grupo de amigos, fazendo pose pra foto.
        Apesar do sol, a água ainda estava muito gelada. Só o Júlio — mas o Júlio é exibido! — se atreveu a tirar a camisa e correr até o mar, voltando arrepiado. Eu me ofereci pra fazer os sanduíches. E ele veio ajudar. Senti que os olhos dele vinham mais para mim do que para a maionese, mas que coisa! Ele não via que todas as garotas lá eram bonitas, eram magras, por que ele precisava me vigiar assim? Estendi o pão com maionese para ele, seus dedos encostaram nos meus e lá se foi o pão melecado misturando-se na areia.
        — Pão com areia não dá! Deixa que eu jogo fora.
        Ele devia estar percebendo tudo. Eu suava, meu cabelo grudando na testa. Finalmente, apareceu a Rogéria pra me ajudar e o Chen pegou o violão.
        Eram umas quatro da tarde, barriga cheia e muito papo depois, quando o Júlio sugeriu um passeio. A maioria preferia a preguiça de olhar o céu e aquele mar exibido no seu azul. Carlos disse que ia junto. Ele também se levantou. Olhou para mim:
        — Você não vem?
        Fomos. E era engraçado, nossos passos indo devagar, num ritmo parecido, nossos cabelos mexidos pelo vento. Júlio e Carlos, parecendo dois moleques, se jogando areia e ameaçando dar tapa um no outro. Nós não: éramos — o que era muito, muito estranho — um casal. E meu coração foi-se acalmando, nossas mãos tão perto uma da outra. O pessoal bem longe, apenas nossa barraca, explodindo no seu vermelho, a praia sendo só da gente.
        Júlio lembrou que seu time estava jogando. Carlos lembrou que o rádio do carro estava joia. Voltaram correndo e se estapeando até a barraca. Agora sim. Apenas eu e ele.
        Suspirei fundo. Se não se é bonita, que se seja inteligente. La começar a falar: procurei na memória o assunto mais, mais interessante, a frase mais, mais inteligente – sobre o quê? Música, arte, política / A eleição pra prefeito? O novo disco do Arrigo Barnabé?
        O beijo. Fiquei de olho arregalado, assim sentindo o cheiro de sua pele, os braços dele em volta de mim. E depois do susto, meu coração começou foi a bater mansinho, num ritmo parecido com o dele, e veio outro e outro beijo.
        -- Por que eu? – Algo assim, eu comecei a dizer, quando fomos voltando de mãos dadas, para a barraca. – Tanta menina bonita, vai dizer que eu...
        O sorriso dele vinha muito divertido. As sombras da gente, compridas, com as mãos dadas. O sol, que era uma moeda pegando fogo, já se encostando na água.
        -- Vamos dizer que eu adoro menina de perna grossa. Assim você fica contente?
        E demos outro e mais outro beijo, antes de encontrarmos o pessoal e antes que aquela tarde maravilhosa terminasse.
             Eu te gosto, você me gosta. São Paulo, Atual, 2004.
Fonte: Livro – Ler, entender, criar – Português – 6ª Série – Ed. Ática, 2007 – p. 176-9.

Entendendo a crônica:

01 – Converse com seus colegas e com seu professor sobre a história que você leu. Você conhece pessoas (meninos e meninas) parecidas com Gabi, a personagem principal do texto?
      Resposta pessoal do aluno.

02 – Você acha que os fatos narrados e os sentimentos relatados nessa história fazem parte da vida dos adolescentes em geral? Comente.
      Resposta pessoal do aluno.

03 – E o que você achou da linguagem em que o texto foi escrito? É parecida com o jeito de falar dos jovens da idade da menina? O vocabulário empregado lhe pareceu fácil ou difícil?
      Resposta pessoal do aluno.

04 – Podemos afirmar que o texto “Maresia” é uma narrativa de ficção. Por quê?
      Porque conta uma história criada pela autora, não tem intenção de mostrar que tais fatos aconteceram na realidade.

05 – Quem é o narrador da história? A narração é feita em primeira ou em terceira pessoa?
      O narrador é a personagem Gabi. A narração é feita em primeira pessoa.

06 – Onde e quando ocorrem os fatos narrados no texto?
      Numa praia, em Caraguá, num domingo.

07 – Gabi sentia-se satisfeita ou insatisfeita com a sua aparência? Por quê?
      Muito insatisfeita, porque se considerava feia.

08 – Qual era a parte do corpo que mais envergonhava Gabi naquele momento, a ponto de ela não querer sais da barraca? Cite uma parte do texto que confirma sua resposta.
      As pernas, que ela considerava grossas demais e ficavam à mostra no short. “O que a gente faz com as pernas, se está de short”.

09 – Para Gabi, o que as pessoas que não se consideram bonitas precisam fazer para serem notadas? Você concorda com ela?
      Gabi sempre ouvira dizer que quem não é bonita tem de ser inteligente, e endossa essa opinião. Segundo Gabi, essas pessoas precisam se destacar de alguma outra maneira, ser ou parecer inteligentes para serem notadas. Resposta pessoal do aluno.

10 – O desfecho da história confirma ou desmente a ideia de Gabi sobre a sua própria aparência? Por quê?
      O desfecho da história desmente a ideia de Gabi, pois o menino de quem ela gostava demonstrou interesse por ela justamente por causa de suas pernas grossas.

11 – Quais são os padrões (modelos) de beleza masculinos e femininos nos dias atuais? Como eles surgem e como são divulgados?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Os padrões de beleza atuais são os ditados pela indústria da moda, na figura de manequins macérrimas, e veiculados pelos meios de comunicação: revistas, televisão, etc. Além das top modelos, também atores, atrizes e famosos em geral esculpem o corpo obedecendo a esse padrão.

12 – As pessoas que não se encaixam nos padrões de beleza do momento costumam ser vítimas de preconceito a ponto de se sentirem discriminadas, rejeitadas?
      Resposta pessoal do aluno.

13 – Na sua opinião, a preocupação exagerada com a aparência e a tentativa de seguir o modelo de beleza predominante podem causar problemas para uma pessoa? Que tipo de problemas?
      Resposta pessoal do aluno.


POEMA: O PÁSSARO CATIVO - OLAVO BILAC - COM QUESTÕES GABARITADAS


POEMA:O Pássaro Cativo

                  Olavo Bilac

Armas, num galho de árvore, o alçapão
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.
Dás-lhe então, por esplêndida morada,
Gaiola dourada;

Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos e tudo.
Por que é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste sem cantar?
É que, criança, os pássaros não falam.

Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:

“Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro

Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores
Sem precisar de ti!

Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola,
De haver perdido aquilo que perdi…
Prefiro o ninho humilde construído

De folhas secas, plácido, escondido.
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pombas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me, covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade!
Não me roubes a minha liberdade…
Quero voar! Voar!

Estas cousas o pássaro diria,
Se pudesse falar,
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição,
E a tua mão tremendo lhe abriria
A porta da prisão…

Entendendo o poema
1)   Suas hipóteses sobre o título do poema se confirmaram? Explique.
Resposta pessoal. Sim, pois fala de um pássaro que está preso em uma gaiola.

2)   Observe o trecho:
“Armas, num galho de árvore, o alçapão;
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão”.

    Agora, explique o que significam, ou o que você entendeu, pelas expressões destacadas abaixo:
O que significa:
“Armas, num galho de árvore...”
Resposta pessoal – Sugestão – Armadilha para pegar pássaro.

“uma avezinha descuidada...”
Resposta pessoal – Sugestão – Em busca de alimento sem ver o perigo.

“Batendo asas cai na escravidão”
Resposta pessoal – Sugestão – Ele cai na armadilha, ou seja, no alçapão.

3)   As palavras esplêndida e dourada estão dando características a que:
(     )  pássaro
(     )  árvores
(  x )  gaiola

4)Essas características dão ideia de coisas boas ou ruins? Explique.
Dão ideia de coisas boas, luxuosas.

5)Por que apesar de tudo: água, alpiste e morada, o pássaro fico mudo?
Porque está preso em uma gaiola e sente falta da selva onde nasceu.

6)Qual é o verdadeiro desejo do pássaro?
Ele gosta mais do alimento que procura na mata, por isso quer que abram a porta da prisão(gaiola) para ser livre, este é seu desejo.

7) Observe o trecho a seguir
     Estas cousas o pássaro diria.
     Se pudesse falar.
     E a tua alma, criança, tremeria.
     Vendo tanta aflição:
     E a tua mão tremendo, lhe abriria.
     A porta da prisão...

As palavras destacadas indicam que:
(    ) algo aconteceu realmente.
(    ) algo ainda iria acontecer.
(    ) uma ordem para que algo aconteça.
( x ) algo que poderia acontecer, mas não aconteceu.





POEMA: PELA RUA - FERREIRA GULLAR - COM GABARITO

Poema: Pela Rua
                                                                     Ferreira Gullar

Sem qualquer esperança
Detenho-me diante de uma vitrina de bolsas
Na avenida nossa senhora de Copacabana, domingo,
Enquanto o crepúsculo se desata sobre o bairro.

Sem qualquer esperança
Te espero.
Na multidão que vai e vem
Entra e sai dos bares e cinemas
Surge teu rosto e some
Num vislumbre
E o coração dispara.
Te vejo no restaurante
Na fila do cinema, de azul
Diriges um automóvel, a pé
Cruzas a rua
Miragem
Que finalmente se desintegra com a tarde acima dos edifícios
E se esvai nas nuvens.

A cidade é grande
Tem quatro milhões de habitantes e tu és uma só.
Em algum lugar estás a esta hora, parada ou andando,
Talvez na rua ao lado, talvez na praia
Talvez converses num bar distante
Ou no terraço desse edifício em frente,
Talvez estejas vindo ao meu encontro, sem o saberes,
Misturada às pessoas que vejo ao longo da avenida.
Mas que esperança! tenho
Uma chance em quatro milhões.
Ah, se ao menos fosses mil
Disseminada pela cidade.

A noite se ergue comercial
Nas constelações da avenida.
Sem qualquer esperança
Continuo
E meu coração vai repetindo teu nome
Abafado pelo barulho dos motores
Solto ao fumo da gasolina queimada.
                                                                       GULLAR, Ferreira.

Entendendo o poema

1)   Quem fala no poema?
O eu lírico é um homem à espera de sua amada.

2)   Qual é o assunto do poema?
É uma busca desesperada pelas ruas da pessoa amada.

3)   A busca do homem é bem-sucedida? Por quê?
Não, pois ele a cada rosto que vê pela rua vislumbra e o coração dispara imaginando ser ela.

4)   Desde o início, o homem tem um sentimento em relação ao que busca. Qual é esse sentimento? Copie o verso que indica esse sentimento.
Desde o começo se mostra sem qualquer esperança.
“Sem qualquer esperança
continuo.”

5)   O poema de Ferreira Gullar apresenta vários recursos da linguagem figurada. Há trechos que apresentam ideias ou palavras de sentidos contrários, chamadas de antíteses.
Encontre esses trechos no poema.
“...abafado pelo barulho dos motores.”
“Na multidão que vai e vem”.
“...entra e sai dos bares e cinemas”.
“...parada ou andando”.

6)   Quais as duas palavras que se opõem, entre o início e o final do poema?
No início ... te espero
No final...continuo.

7)   O poeta usa uma metáfora muito criativa nos versos:
A noite se ergue comercial
Nas constelações da avenida

a)   Qual a ligação entre “noite” e “constelações”?
São opostas, pois a noite é escura e constelações são agrupamentos de estrelas.

b)   O que significa algo que é “comercial”?
É algo que é para ser vendido ou comprado.

c)   Agora escreva, o que seriam as “constelações da avenida”, em uma “noite que se ergue comercial”?
Muitas luzes na avenida em uma noite de grandes vendas.

8)   A hipérbole é o exagero de expressão. Encontre essa figura no poema.
“Ah, se ao menos fosses mil
disseminada pela cidade”.


quarta-feira, 20 de maio de 2020

MÚSICA(ATIVIDADES): CUITELINHO - RENATO TEIXEIRA - VARIEDADE LINGUÍSTICA - COM QUESTÕES GABARITADAS

Música(Atividades): Cuitelinho

              Renato Teixeira

Cheguei na beira do porto
Onde as onda se espáia
As garça dá meia volta
E senta na beira da praia
E o cuitelinho não gosta
Que o botão de rosa caia, ai, ai

Ai quando eu vim
da minha terra
Despedi da parentáia
Eu entrei no Mato Grosso
Dei em terras paraguaias
Lá tinha revolução
Enfrentei fortes batáia, ai, ai

A tua saudade corta
Como aço de naváia
O coração fica aflito
Bate uma, a outra faia
E os óio se enche d´água
Que até a vista se atrapáia, ai...

Eu vou pegar seu retratinho
E colocar numa medalha
Com seu vestidinho branco
E um laço de cambraia
Coloca-la no meu peito
Onde o coração trabalha, ai, ai.

                                 Composição: Antônio Carlos Xando / Paulo Emílio Vanzolini / Milton Silva Campos do Nascimento / Wagner Tiso Veiga.
Entendendo a canção:

01 – O verso que faz uso de linguagem formal é:
a)   “Que até a vista se atrapáia”.
b)   “Cheguei na beira do porto”.
c)   “O coração fica aflito”.
d)   “Ai quando eu vim”.

02 – A letra da canção apresenta uma linguagem:
(   ) Formal.
(X) Informal.

03 – Usando a linguagem formal:
a)   Faça a concordância nominal, onde for necessário, da 1ª estrofe.
         “Cheguei na beira do porto
         Onde as onda se espalham
         As garças dão meia volta
         E sentam na beira da praia
         E o cuitelinho não gosta
         Que o botão de rosa caia, ai, ai”.

b)   Transcreva a última estrofe.
“Eu vou pegar seu retratinho
E colocar numa medalha
Com seu vestidinho branco
E um laço de cambraia
Coloca-la no meu peito
Onde o coração trabalha, ai, ai.”

04 – Retire da canção todas as palavras que rimam com espáia.
      Espáia – parentáia – bataia – navaia – atrapaia – faia – caia.

05 – Esta escrita favoreceu a rima. Quais palavras, se escrita na língua culta, não estariam neste grupo de palavras?
      Parentada – cair.

06 – Mesmo o texto sendo escrito numa linguagem informal, foi possível compreendê-lo? Faça um resumo do texto.
      Sim. Conta a história de um soldado que despede dos parentes, entra no Mato Grosso e vai para o Paraguai enfrentar uma guerra. Sente saudade e chora.

07 – Em que sentido foi usado os seguintes versos: “A saudade corta / Feito aço de navaia”.
      (X) Conotativo.
      (   ) Denotativo.

08 – Nos seus primeiros versos da canção, o eu poético diz que chegou em um determinado lugar. Nesse lugar, ele narra alguns acontecimentos. Explique seu entendimento sobre essa narração.
      O eu poético chega à beira do porto, observa as ondas da praia, vê as garças voando por sobre as ondas e percebe que o cuitelinho não gosta de que os botões da rosa caiam no chão.

09 – O que é o cuitelinho?
      Nome dado ao beija-flor na região centro-oeste.

10 – Quando é o provável conflito a que refere o poema?
      A Guerra do Paraguai.

11 – Transmitida por gerações, a canção “Cuitelinho”, manifesta aspectos culturais de um povo, nos quais se inclui sua forma de falar, além de registrar um momento histórico. Depreende-se disso que a importância em preservar a produção cultural de uma nação consiste no fato de que produções como a canção Cuitelinho evidenciam a:
a)   Recriação da realidade brasileira de forma ficcional.
b)   Criação neológica na língua portuguesa.
c)   Formação da identidade nacional por meio da tradição oral.
d)   Incorreção da língua portuguesa que é falada por pessoas do interior do Brasil.
e)   Padronização de palavras que variam regionalmente, mas possuem mesmo significado.