Heleninha Bortone
Marcos convivia com seus sonhos, numa
casa grande demais para seu tamanho. Uma casa que tinha tudo. Piscina, quarto
de brinquedos, um pai, uma mãe, duas irmãs moças e quatro empregados.
Da
porta da entrada da casa até o portão era um espaço enorme de jardins e grama.
O portão dava para a rua. Lá sim, era animado. Carros passando, gente
carregando pacotes, sorveteiros gritando, meninos brincando, muitas coisas
alegres. Este era o mundo do outro lado do portão da casa de Marcos.
Ele passava horas agarrado às grades
bonitas. Um dia arriscou uma pergunta, com o coração aos pulos:
-- Menino, onde você mora?
Um garoto um pouco maior que ele se
aproximou do portão e com a maior naturalidade respondeu:
-- Moro longe. Você mora nesta casa
aqui?
-- Moro.
-- Bacana, sua casa, né?
-- É. Quer entrar?
-- Quero.
Marcos correu contente a pedir ao Luís
que abrisse o portão. Mas não conseguiu fazer seu novo amigo entrar.
Marcos voltou ao portão muito sem
jeito, não sabendo o que dizer ao menino. Vinha triste e com raiva do Luís. Não
entendia ainda que o motorista só cumpria ordens.
-- Olha, menino, eu procurei a chave do
portão mas não achei.
Volta outra hora, tá bom?
-- Não faz mal. Eu pulo o portão. Pode?
-- Pode.
-- Como é seu nome?
-- Marcos, e o seu?
-- Meu nome é Zeca. Puxa, você deve ser
muito rico, heim? Você tem tudo que quer?
-- Não.
-- Ah, então não é rico. Gente rica tem
tudo que quer.
Passaram um bom tempo brincando. Agora,
era hora de ir embora, antes que alguém o visse. Marcos disse ao amigo que
voltasse outras vezes.
No quarto dia de espera, Marcos ouviu
uma voz vinda do portão.
-- Marquinhoooo!
O amigo tinha voltado. Marcos saiu em
disparada. Feliz.
-- Pula logo o portão. Entra.
Nesse momento, o carro de Dona Lúcia
encostava.
-- Quem é esse menino, Marcos?
-- É o Zeca, meu amigo.
Zeca desistiu da subida. Voltou para
trás.
-- Menino, sabia que é muito feio pular
o portão da casa dos outros?
Zeca fez que sim com a cabeça.
-- Pois então vá para sua casa. Aqui
não é pra brincar mais viu?
Zeca abanou a mão para o Marcos e se
afastou.
-- Quantas vezes te pedi para não
conversar com os meninos de rua?
-- Mas Zeca não é um menino de rua.
-- Por que você não faz amigos na
escola? Podia trazê-los aqui para brincar. Será possível que tenho que te
colocar no colégio o dia inteiro? Quem sabe assim você faz amigos...
Marcos chorou. Foi para o quarto.
Enxugou as lágrimas, mas não adiantou. A tristeza não secou.
A vida voltou ao que era antes. Da
escola para casa, televisão, brinquedos, sempre sozinho.
Numa 2ª feira, quando todos haviam
saído, Marcos aproveitou para brincar no portão. Pegou dois carrinhos e
imaginando estradas e pontes passou algum tempo. De repente surge o Zeca.
-- Oi, Marcos, tudo bom?
-- Oi.
-- Não vim antes porque não queria que
você levasse castigo por minha causa. Vamos brincar?
-- De que jeito?
-- Ué, um dum lado do portão, outro do
outro. Me dá um carrinho. Você fica com o outro. Vamos imaginar que do meu lado
é uma rua, do seu é outra.
Fizeram isso. Brincaram por mais de
meia hora.
Deste dia em diante Zeca só chegava
quando via que Marcos estava sozinho.
Marcos andava feliz. Pensava:
"Puxa, o Zeca é a melhor pessoa do mundo. Nem se importa de ficar de fora
do portão". É bem verdade que cansava os braços brincar pela grade, mas
valia a pena. Valia a pena qualquer sacrifício para ter o amigo.
-- Zeca, amanhã à noite acho que vai
dar pra você entrar.
-- Como?
-- Tem festa. O portão vai ficar
aberto. Quando você perceber que já entrou uma porção de pessoas, entra também
e me espera no jardim.
-- Marcos, topa fazer um *trato*?
-- Topo. Que trato?
--
De ser amigo pro resto da vida.
Marcos esticou o braço, deu a mão para
o amigo e "fecharam" o compromisso.
-- Sabe, quando eu crescer vou abrir
esse portão.
-- Claro, aí ninguém vai dizer nada,
né?
Tudo aconteceu conforme o combinado.
Zeca entrou, sentou no banco e esperou. Marcos não demorou chegar. Se jogou nos
braços do amigo para um abraço.
Mas o inesperado aconteceu. Dona Lúcia.
-- Marquinhos, esse não é o menino que
vi em cima do portão?
-- É.
-- E você menino, não disse que fosse
embora? Você é maior que o Marcos, pensei que tivesse mais juízo.
Marcos continuava agarrado à mão do
Zeca.
-- Marcos, como é que você traz pra
casa uma pessoa que não conhece, filho?
Nesse
instante Marcos começou a se defender.
-- Mãe, o Zeca é meu amigo. Meu único
amigo. Aqui não tem ninguém pra brincar comigo. Eu gosto dele. O Zeca faz
comida em casa, ajuda a tia e ainda vem todo dia brincar. Pensa que não cansa
ficar de braço esticado no portão? Essa casa é muito grande, cabe muito bem o
Zeca e eu. O Zeca não é um menino de rua. Lembra aquele carro vermelho? Dei pra
ele. E ele já me deu 26 bolinhas de gude. Ele joga, ganha e me dá. Nunca
aprendi a jogar. Como é que posso aprender com aquela grade no meio? Pode me
colocar no colégio o dia inteiro. Lá também deve ter portão. Fizemos um trato
de ser amigos pro resto da vida. O Zeca, mãe... O Zeca é o meu próximo, viu?
Dizendo isso, Marcos pegou a mão do
Zeca e iam se encaminhando para o portão.
Dona Lúcia tinha um nó na garganta e os
olhos cheios d'água. Disse baixinho ao marido:
-- Chame esses meninos de volta...
parecem tão iguais...
Me dá a sua mão. Heleninha Bortone.
Fonte: Livro –
Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 5ª Série - Marilda Prates – Ed.
Moderna, 2005 – p. 91-5.
Entendendo a crônica:
01 – Reescreva as frases,
substituindo as palavras destacadas por um sinônimo do quadro abaixo:
Desacordo
– acordo – vivia junto – queria – previsto – imprevisto – responsabilidade –
renúncia.
a)
Marcos convivia
com seus sonhos.
Marcos viva junto com seus sonhos.
b)
Valia a pena qualquer sacrifício para ter o amigo.
Valia apena qualquer renúncia para ter o amigo.
c)
Marcos, topa fazer um trato?
Marcos, topa fazer um acordo?
d)
Mas o inesperado
aconteceu.
Mas o imprevisto aconteceu.
02 – Onde os meninos se
encontram?
No portão da casa
de Marcos.
03 – Como era o mundo em que
Marquinhos vivia?
Morava numa casa
muito grande, que tinha tudo, piscina, quarto de brinquedos, um pai, uma mãe,
duas irmãs moças e quatro empregados.
04 – Por que o “mundo do
lado de lá do portão” era muito melhor do que o seu mundo?
Porque era
animado. Havia muito movimento e alegria.
05 – Identifique, no primeiro
parágrafo, uma expressão que comprove que Marquinhos era rico.
“... numa casa grande demais para seu
tamanho”.
06 – Você percebe a
diferença entre as expressões “meninos de rua” e “meninos da rua”? Justifique
sua resposta e indique que palavras fazem essa diferença.
Meninos de rua
são meninos que geralmente vivem nas ruas. Meninos da rua são meninos que moram
numa determinada rua.
07 – Um acontecimento no
início da história muda a rotina de Marcos. Que acontecimento é esse?
O contato com
Zeca.
08 – “O amigo tinha voltado.
Marcos saiu em disparada. Feliz.” Um conflito interrompe a felicidade de
Marcos. Identifique-o.
O fato de a mãe
proibi-lo de ver o Zeca.
09 – “Deste dia em diante
Zeca só chegava quando via que Marcos estava sozinho. Marcos andava feliz.”
a)
Uma nova rotina foi estabelecida.
Identifique-a.
Marcos não brinca sozinho. Brinca com Zeca.
b)
Desde o começo da história, a rotina de
Marcos mudou. O acontecimento que causou essa mudança ainda é o mesmo?
Justifique sua resposta.
Sim, pois o acontecimento é o contato com Zeca.
10 – “Mas o inesperado
aconteceu”. A que o texto se refere?
Ao fato de sua mãe descobrir que os dois
continuavam amigos.
11 – Qual a influência do
acontecimento inesperado sobre o conflito (a proibição da mãe de Marcos)?
A descoberta da
mãe de Marcos.
12 – O último parágrafo
determina uma nova mudança. Identifique-a.
Determina a
solução do conflito.
13 – O texto “Me dá a sua
mão” é narrativo. Ele pode ser dividido em 5 etapas. Com base nas respostas das
questões anteriores, relacione os acontecimentos às etapas a seguir:
·
Situação inicial: Marcos
brinca triste e sozinho.
·
Quebra da situação inicial: Marcos conhece Zeca.
·
Estabelecimento de um conflito: A mãe de Marcos proíbe a amizade com Zeca.
·
Clímax (momento de maior tensão na
narrativa): A mãe de Marcos descobre que estava sendo
desobedecida.
·
Solução do conflito ou estabelecimento de uma
nova situação: A mãe de Marcos resolve permitir a
amizade.
14 – Quais são as
personagens dessa narração?
Marcos, seu pai, sua mãe, Luís, Zeca.
15 – Que qualidades você
atribuiria ao Zeca? E ao Marcos? Justifique sua resposta.
Resposta pessoal
do aluno.
16 – As características
comuns as duas personagens são imaginação fértil e criativa, igualdade no modo
de pensar. Justifique essa afirmação através do texto.
Para superar as
dificuldades, as personagens encontram soluções criativas como brincar através
do portão.
17 – Zeca disse: “—Não vim
antes porque não queria eu você levasse castigo por minha causa”. Que sentimento
demonstra Zeca com esse gesto?
De preocupação,
amor ao próximo, justiça.