quarta-feira, 24 de abril de 2019

CRÔNICA: PRETO NO BRANCO - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: Preto no Branco
               Luís Fernando Veríssimo

     “Escrevo peças porque escrever diálogos é a única maneira respeitável de você se contradizer.” Tom Stoppard

        Um palco vazio. Entram dois homens, um vestido de preto e o outro vestido de branco. Eles representam os dois lados do Autor. Isso a plateia já sabe porque está escrito no programa. Pelo Autor. Ou por um dos lados do Autor, já que o outro era contra. O outro lado do Autor queria que o espectador deduzisse no transcorrer do diálogo que os dois autores representam a mesma pessoa, porque, na sua opinião, dar muitas explicações para a plateia subverte a relação de cumplicidade misturada com hostilidade que deve existir entre palco e público, e nada destrói este clima mais depressa do que o público descobrir que está entendendo tudo. Os dois lados do Autor discutiram muito sobre isto e prevaleceu o lado que queria ser perfeitamente claro, mesmo com o perigo de frustrar o público. Palco vazio. Dois homens, representando os dois lados do Autor. Um todo de preto, o outro todo de branco.
        Homem de Branco – Preto.
        Homem de Preto – Branco.
        Branco – Por que não cinza?
        Preto – Vem você com essa absurda mania de conciliação. Essa volúpia pelo entendimento. Essa tara pelo meio-termo!
        Branco – Senão fosse isso, nós não estaríamos aqui. Foi minha moderação que nos manteve longe de brigas. Foi minha ponderação que nos preservou. Se eu fosse atrás de você...
        Preto – Nós teríamos vivido! Pouco, mas com um brilho intenso. Teríamos dito tudo que viesse à cabeça. Distinguido o pão do queijo com audácia. Posto pingos destemidos em todos os “is”. Dado nome completo a todos os bois!
        Branco – Em vez disso, fomos civilizados. Isto é, contidos e cordatos.
        Preto – E temos tiques nervosos para provar.
        Branco – Você preferiria ter dito a piada que magoaria o amigo? A verdade que destruiria o amor? O insulto que nos levaria ao Pronto-Socorro, setor de traumatismo?
        Preto – Preferiria. Para poder dizer que não me calei. Para poder dizer “Eu disse!”
        Branco – Ainda bem que não é você quem manda em nós.
        Preto – Não, é você. Sempre fazemos o que você determina. Ou não fazemos. Não dizemos. Não vivemos! Estou dentro de você, fazendo, dizendo e vivendo só em pensamento. Se ao menos eu pudesse sair aos sábados...
        Branco – Para que, para nos matar? Pior, para nos envergonhar?
        Preto – Melhor se envergonhar pelo dito e o feito do que pelo não dito e não adiado. Você sabe que cada soco que um homem não dá encurta a sua vida em 17 dias? E cada vez que um homem pensa em sair dançando um bolero e se controla, seu fígado aumenta? E cada...
        Branco – Bobagem. Ainda bem que eu sou verdadeiro nós.
        Preto – Não, eu sou o verdadeiro você.
        Branco – Você só é nós em pensamento. Você é minha abstração.
        Preto – Sou tudo o que em nós é autentico e não reprimido. O seja: você é minha falsificação.
        Branco – Você não é uma pessoa, é uma impulsão.
        Preto – Você não é pessoa, é uma interrupção.
        Branco – Mas quem aparece sou eu.
        Preto – Então o que estou fazendo neste palco, e ainda por cima de malha justa?
        Branco – Você só está aqui como uma velha tradição teatral, o interlocutor. Um artifício cênico, para o Autor não falar sozinho.  “Escrever diálogos é a única maneira respeitável de você se contradizer.” Tom Stoppard.
        Preto – Quer dizer que eu só entrei em cena para dizer...
        Branco – Branco. E eu...
        Preto – Preto. Por quê?
        Branco – Para mostrar à plateia que todo homem é a soma, ou a mescla, das duas contradições. Que no fim o destino comum de todos, cremados ou não cremados, não é ser branco ou preto, é ser cinza.
        Preto – Mostrar a quem?
        Branco – A pla... Onde está a plateia?!
        Preto – Foram todos embora.
        Branco – Será porque não entenderam o diálogo?
        Preto – Acho que foi porque entenderam.

Luiz Fernando Verissimo. Preto e Branco. Publicado originalmente no jornal
O Estado de São Paulo – Caderno 2, em 25/11/2001.
Entendendo a crônica:

01 – Releia a citação de Tom Stoppard, utilizada como epígrafe por Veríssimo, e responda: que características do gênero dramático motivam aquele autor a escrever peças de teatro? Explique.
      As caraterísticas são o diálogo – forma básica da linguagem dramática – e o conflito. Segundo Stoppard, o diálogo teatral é uma maneira de o autor se contradizer, ou seja, de discutir e conflitar consigo mesmo.

02 – Por que o texto “Preto no Branco” pode ser considerado uma paródia de uma peça teatral?
      O texto foi publicado como uma crônica, para os leitores de um jornal, e Veríssimo não pretende que ela seja representada em um palco, como se fosse teatro. É, portanto, como crônica, um texto narrativo. Suas características, porém, são as do gênero dramático: atores representando personagens no palco, conflito, diálogo, discurso direto, sem intermediação ou interferência de narrador. Essa imitação do teatro tem uma intenção crítica e até zombeteira.

03 – Uma peça de teatro normalmente não tem narrador. Seu texto é construído essencialmente de diálogos. O autor, no entanto, entremeia o texto de rubricas – orientações e explicações dirigidas aos encenadores (diretor, atores, cenógrafos...). Essas rubricas têm características narrativas e descritivas. Identifique, na crônica, o parágrafo que parodia a rubrica de um texto teatral.
      O primeiro parágrafo.

04 – A rubrica atribui um significado alegórico às personagens, que representam os dois lados ou personalidades conflitantes do autor.
a)   Que características do autor são simbolizadas pela cor branca, atribuída à primeira personagem?
A cor branca simboliza a clareza, a moderação, a ponderação, o espírito conciliador, cordato, propenso ao entendimento.

b)   E pela cor negra, atribuída à segunda personagem?
A cor negra simboliza a sinceridade, a autenticidade, o respeito à verdade, a audácia, a coragem, a emoção, o impulso.



ARTIGO DE OPINIÃO: VIOLÊNCIA EPIDÊMICA - DRÁUZIO VARELLA - COM QUESTÕES GABARITADAS

ARTIGO DE OPINIÃO: Violência epidêmica
                            
              Dráuzio Varella

        A violência urbana é uma enfermidade contagiosa. Embora possa acometer indivíduos vulneráveis em todas as classes sociais, é nos bairros pobres que ela adquire características epidêmicas.
        A prevalência varia de um país para outro e entre as cidades de um mesmo país, mas, como regra, começa nos grandes centros urbanos e se dissemina pelo interior. A incidência nem sempre é crescente; mudança de fatores ambientais e medidas mais eficazes de repressão, por exemplo, podem interferir em sua escalada.
        As estratégias que as sociedades adotam para combater a violência flutuam ao sabor das emoções, raramente o conhecimento científico sobre o tema é levado em consideração. Como reflexo, a prevenção das causas e o tratamento das pessoas violentas evoluíram muito pouco no decorrer do século XX, ao contrário dos avanços ocorridos no campo das infecções, câncer, diabetes e outras enfermidades.
        A agressividade impulsiva é consequência de perturbações nos mecanismos biológicos de controle emocional. Tendências agressivas surgem em indivíduos com dificuldades adaptativas que os tornam despreparados para lidar com as frustrações de seus desejos.
        A violência urbana é uma doença com múltiplos fatores de risco, dos quais os mais relevantes são a pobreza e a vulnerabilidade biológica.
        Os mais vulneráveis são os que tiveram a personalidade formada num ambiente desfavorável ao desenvolvimento psicológico pleno. A revisão dos estudos científicos já publicados permite identificar três fatores principais na formação das personalidades com maior inclinação ao comportamento violento:
1) crianças que apanharam, foram abusadas sexualmente, humilhadas ou desprezadas nos primeiros anos de vida;
2) adolescência vivida em famílias que não lhes transmitiram valores sociais altruísticos, formação moral e não lhes impuseram limites de disciplina;
3) associação com grupos de jovens portadores de comportamento antissocial.
        Na periferia das cidades brasileiras vivem milhões de crianças que se enquadram nessas três condições de risco. Associadas à falta de acesso aos recursos materiais, à desigualdade social, à corrupção policial e ao péssimo exemplo de impunidade dado pelos chamados criminosos de colarinho-branco, esses fatores de risco criam o caldo de cultura que alimenta a violência crescente nas cidades.
        Na falta de outra alternativa, damos à criminalidade a resposta do aprisionamento. Embora pareça haver consenso de que essa seja a medida ideal e de que lugar de bandido é na cadeia, não se pode esquecer de que o custo social de tal solução está longe de ser desprezível. Além disso, seu efeito é passageiro: o criminoso fica impedido de delinquir apenas enquanto estiver preso. Ao sair, estará mais pobre, terá rompido laços familiares e sociais e dificilmente encontrará quem lhe dê emprego. Ao mesmo tempo, na prisão, terá criado novas amizades e conexões mais sólidas com o mundo do crime.
        Construir cadeias custa caro; administrá-las, mais ainda. Para agravar, obrigados a optar por uma repressão policial mais ativa, aumentaremos o número de prisioneiros a ponto de não conseguirmos edificar prisões na velocidade necessária para albergá-los. As cadeias continuarão superlotadas, e o poder dentro delas, nas mãos dos criminosos organizados.
        Seria mais sensato investir o que gastamos com as cadeias em educação, para prevenir a criminalidade e tratar os que ingressaram nela. Mas, como reagir diante da ousadia sem limites dos que fizeram do crime sua profissão sem investir pesado no aparelho repressor e no aprisionamento, mesmo reconhecendo que essa é uma guerra perdida?
        Estamos nesse impasse!
        Na verdade, não existe solução mágica a curto prazo. Precisamos de uma divisão de renda menos brutal, motivar os policiais a executar sua função com dignidade, criar leis que acabem com a impunidade dos criminosos bem sucedidos e construir cadeias novas para substituir as velhas, mas isso não resolverá o problema enquanto a fábrica de ladrões colocar em circulação mais criminosos do que nossa capacidade de aprisioná-los.
        Só teremos tranquilidade nas ruas quando entendermos que ela depende do envolvimento de cada um de nós na educação das crianças nascidas na periferia do tecido social. O desenvolvimento físico e psicológico das crianças acontece por imitação. Sem nunca ter visto um adulto, ela andará literalmente de quatro pelo resto da vida. Se não estivermos por perto para dar atenção e exemplo de condutas mais dignificantes para esse batalhão de meninos e meninas soltos nas ruas pobres das cidades brasileiras, vai faltar dinheiro para levantar prisões.
        Enquanto não aprendemos a educar e oferecer medidas preventivas para que os pais evitem ter filhos que não serão capazes de criar, cabe a nós a responsabilidade de integrá-los na sociedade por meio da educação formal de bom nível, das práticas esportivas e da oportunidade de desenvolvimento artístico.
                                        VARELLA, Dráuzio. In. Folha de São Paulo, 9 março 2002.
Entendendo o texto:
01 – No texto “Violência epidêmica”, afirma-se que nos bairros pobres a violência urbana “adquire características epidêmicas”. Considerando o conceito de epidemia (doença infecciosa que ataca simultaneamente grande número de indivíduos), explique como o autor justifica essa afirmação.
      Pessoas vulneráveis (que sofreram abusos quando crianças, que não foram bem orientadas pela família, que tiveram contato com jovens de comportamento anti-social) encontram terreno fértil (desigualdade social, corrupção, impunidade, etc.) e acabam “se contaminando” com a violência urbana – epidemia que se alastra sobretudo na periferia das cidades brasileiras.

02 – Esse texto apresenta introdução, desenvolvimento e conclusão. Identifique tal divisão.
      Introdução: “A violência urbana é uma enfermidade contagiosa (...) diabetes e outras enfermidades (1° e 3° parágrafo).
      Desenvolvimento: “A agressividade impulsiva é consequência (...). Estamos nesse impasse!” (4° e 11° parágrafo).  
     Conclusão: “Na verdade, não existe solução mágica (...) desenvolvimento artístico” (12° e 14° parágrafo).

03 – A organização de um texto pode ser observada ao se extrair de cada parágrafo a ideia desenvolvida em cada um. O texto “Violência epidêmica” tem 14 parágrafos. Qual é a ideia principal de cada um?
      1° – A violência é uma enfermidade contagiosa, epidêmica.
      2° – Ela começa nos grandes centros e se dissemina no interior.
      3° – Nas estratégias para combate-la, o conhecimento científico não é considerado.
      4° – A agressividade impulsiva deve-se às perturbações nos mecanismos biológicos de controle emocional.
      5° – A violência urbana é uma doença com fatores de risco.
      6° – Há três causas principais na formação de personalidades com inclinação ao comportamento violento: crianças que apanham ou foram abusada sexualmente; convivência com família que não transmite valores sociais e formação moral adequados; associação com jovens de comportamento anti-social.
      7° – Na periferia das cidades brasileiras milhões de crianças se enquadram em condições de risco, agravadas por outros fatores, aumentando a violência nas cidades.
      8° – Consenso de que lugar de bandido é na cadeia tem alto custo social e efeito passageiro.
      9° – Além de cadeias custarem caro, optar por repressão policial mais ativa aumentará o número de prisioneiros.
      10° – O mais sensato é investir em educação.
      11° – Há um impasse.
      12° – Vários fatores foram apontados como solução; melhor divisão de renda, motivar policiais, criar leis, construir novas cadeias.
      13° – É preciso o envolvimento de todos na educação de crianças menos favorecidas.
      14° – Uma solução seria aprender a educar, oferecer medidas preventivas e integrar essas crianças à sociedade.

04 – Na introdução, é apresentada a tese, para inteirar o leitor do que será desenvolvido em seguida. Identifique essa tese.
      A violência urbana é uma enfermidade contagiosa.

05 – Segundo o texto, o conhecimento cientifico é pouco aplicado na prevenção das causas e no tratamento das pessoas violentas. Qual seria a utilidade desse conhecimentos?
      De acordo com o autor, a agressividade impulsiva é consequência de perturbações nos mecanismos biológicos de controle emocional, devendo, portanto, ser tratada cientificamente e não “flutuar ao sabor das emoções”.

06 – Enumeração é uma das características do texto dissertativo. Nesse texto o Varella, foi utilizada para apontar as causas pela formação de personalidades com maior inclinação ao comportamento violento. Escreva, com suas próprias palavras, quais são essas causas.
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: a) Crianças que apanharam, foram abusadas sexualmente, humilhadas ou desprezadas nos primeiros anos de vida. b) Adolescentes mal orientados pela família. c) Companhia de jovens com comportamento anti-social.

07 – No desenvolvimento, o autor seleciona aspectos que desenvolvem a tese de forma ordenada, evitando detalhes desnecessários e incoerência em relação ao que é afirmado no início. Quais são esses aspectos?
      Pobreza e vulnerabilidade biológica como fatores de risco da violência; enumeração de fatores responsáveis por personalidades com inclinação ao comportamento violento; condições que agravam esses fatores; aprisionamento como método ineficaz empregado para combater a violência.

08 – Procurando instigar o leitor a refletir, o argumentador de “Violência epidêmica” também recorre ao questionamento do senso comum. Cite o trecho em que ele utiliza esse recurso.
      “Embora pareça haver consenso de que essa seja a medida ideal e de lugar de bandido é na cadeia, não se pode esquecer (...)”

09 – O autor é favor da construção de cadeias novas em substituição às velhas. A partir dessa posição, ele defende o argumento de que “lugar de bandido é na cadeia”? Justifique sua resposta.
      Não. Segundo ele, o criminoso não se recupera nas cadeias, que são dispendiosas e insuficientes para o número crescente de marginais. Presos, eles convivem com elementos perniciosos que agravam sua agressividade e, quando saem das prisões, não têm o apoio da família e da sociedade. Sem emprego, o criminoso se torna muito mais violento.

10 – Referindo-se à criança, Dráuzio Varella afirma: “Sem nunca ter visto um adulto, ela andará literalmente de quatro pelo resto da vida”. Que conclusão está implícita nessa afirmação?
      As crianças se desenvolvem física e psicologicamente por imitação. Precisam, portanto, de pessoas que lhes deem o exemplo de condutas mais dignificantes, tanto na família como na sociedade, o que por si só já reduziria a violência.

11 – Para defender sua tese de que a violência urbana é epidêmica, o autor recorre a vários argumentos, procurando convencer o leitor. Identifique um trecho em que a argumentação se baseie na relação de causa e consequência.
      Sugestão: “Associadas à falta de acesso aos recursos materiais (...) esses fatores de risco criam o caldo de cultura que alimenta a violência crescente nas cidades.”

12 – O texto dissertativo procura convidar o leitor a participar de uma discussão. Sê um exemplo, no texto de Dráuzio Varella, em que isso pode ser percebido.
      Sugestão: “Seria mais sensato investir (...) mesmo reconhecendo que isso é uma guerra perdida?”.

13 – Na conclusão, o argumentador retorna o que foi dito no início: a violência é uma doença contagiosa. Ele afirma que não existe solução mágica para o problema da violência urbana, portanto é preciso adotar algumas medidas. Quais são elas?
      Melhor divisão de renda, motivação de policiais, criação de leis contra a impunidade, novas cadeias para substituir as velhas, envolvimento de todos na educação de crianças menos favorecidas, exemplos de condutas mais dignificantes, integração à sociedade por meio de educação formal de bom nível, práticas esportivas e desenvolvimento artístico.


terça-feira, 23 de abril de 2019

CRÔNICA: PAUSA - MÁRIO QUINTANA - COM GABARITO

Crônica: PAUSA
       
      MÁRIO QUINTANA

        Quando pouso os óculos sobre a mesa para uma pausa na leitura de coisas feitas, ou na feitura de minhas próprias coisas, surpreendo-me a indagar com que se parecem os óculos sobre a mesa.
        Com algum inseto de grandes olhos e negras e longas pernas ou antenas?
        Com algum ciclista tombado?
        Não, nada disso me contenta ainda. Com que se parecem mesmo?
        E sinto que, enquanto eu não puder captar a sua implícita imagem-poema, a inquietação perdurará.
        E, enquanto o meu Sancho Pança, cheio de si e de senso comum, declara ao meu Dom Quixote que uns óculos sobre a mesa, além de parecerem apenas uns óculos sobre a mesa, são, de fato, um par de óculos sobre a mesa, fico a pensar qual dos dois – Dom Quixote ou Sancho – vive uma vida mais intensa e portanto mais verdadeira...
        E paira no ar o eterno mistério dessa necessidade da recriação das coisas em imagens, para terem mais vida, e da vida em poesia, para ser mais vivida.
        Esse enigma, eu o passo a ti, pobre leitor.
        E agora?
        Por enquanto, ante a atual insolubilidade da coisa, só me resta citar o terrível dilema de Stechetti:
        "Io sonno un poeta o sonno un imbecile?"
        Alternativa, aliás, extensiva ao leitor de poesia...
        A verdade é que a minha atroz função não é resolver e sim propor enigmas, fazer o leitor pensar, e não pensar por ele.
        E daí?
        -- Mas o melhor – pondera-me, com a sua voz pausada, o meu Sancho Pança –, o melhor é repor depressa os óculos no nariz.

Do livro A vaca e o hipogrifo. By Elena Quintana. São Paulo, Globo.
Entendendo a crônica:

01 – Quais as duas atividades que o autor interrompe ao pousar os óculos sobre a mesa? Responda traduzindo o trocadilho do primeiro parágrafo.
      O autor interrompe a leitura de obras alheias (“leitura de coisas feitas”) ou a criação de suas próprias obras (“feituras de minhas próprias coisas”).

02 – Que imagem ocorre ao poeta ao contemplar os óculos sobre a mesa?
      A imagem de um inseto de grandes olhos e negras e longas pernas ou antenas e a de um ciclista tombado.

03 – A inquietação provocada pela necessidade de captar a “imagem-poema” dos óculos leva o autor a pensar em sua profissão de escritor e de poeta. Mais ainda que isso, leva-o a pensar na função da poesia. Seu senso comum (Sancho Pança) entra em conflito com o seu senso poético (Dom Quixote).
a)   O que são os óculos, segundo o senso comum?
Segundo o senso comum, os óculos são apenas aquilo que parecem ser: duas lentes fixadas em uma armação.

b)   Segundo o autor, por que existe em nós a necessidade de recriar as contas e a vida em imagens?
Para que as coisas tenham mais vida e para que a vida seja vivida mais intensamente.

c)   O autor consegue explicar essa necessidade?
Não, para ele essa necessidade é um “eterno mistério”, um “enigma”.

04 – Diante da “insolubilidade da coisa”, o autor resolve passar o problema para o leitor. Segundo ele, qual é a função do poeta?
      O poeta não tem a função de resolver e sim de propor enigmas; de fazer o leitor pensar, e não de pensar por ele.

05 – “... o melhor é repor depressa os óculos no nariz”. Qual o significado desse conselho?
      É o senso prático do autor aconselhando-o a retomar o trabalho e deixar de lado as questões insolúveis como a função do poeta e da literatura que lhe ocorrem à mente.
     

POEMA: AS POMBAS - RAIMUNDO CORREIA - COM QUESTÕES GABARITADAS

Poema: As Pombas
      
      Raimundo Correia

Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
Das pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada.

E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais, de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...

Também dos corações onde abotoam
Os sonhos, um a um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;

No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.

In: Benjamim Abdala Jr., org. Antologia da poesia brasileira –
Realismo e Parnasianismo. São Paulo: Ática, 1985. p. 35.
Entendendo o poema:

01 – Qual o tema do poema? Com o que é comparado?
      O tema do poema é inicialmente o revoar das pombas. Que acaba por estabelecer uma comparação com as fases da vida humana. 

02 – Qual é o símbolo representado pelas pombas?
      A pomba, é símbolo da pureza, da paz e da elevação espiritual.

03 – Por que a pomba como todos os pássaros, tem o sinônimo de liberdade?
      Porque eles podem voar, fazendo a conexão entre o céu e a terra, eles vivem nos dois ambientes.

04 – Pesquise no dicionário, o significado de:
·        Nortada: vento que sopra do norte.
·        Ruflar: agitar, fazer tremular.
·        Célere: rápido, veloz.

05 – De acordo com o poema, o que a pomba traz com relação a vida humana?
      As pombas, nos versos parnasianos acima, trazem também à tona a efemeridade da vida e o sentimento de transitoriedade do tempo. 

06 – De acordo com os termos dessa comparação, identifique a que correspondem, no plano da vida:
a)   A madrugada e a tarde.
A madrugada representa o nascimento da vida, já a tarde representa o fim da vida.

b)   A nortada, que as pombas encontram, à tarde, fora dos pombais.
Representa as dificuldades e transtorno que o ser humano passa na vida.

FÁBULA: A CIGARRA E A FORMIGA - ESOPO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Fábula: A cigarra e a formiga 
                     ESOPO

        Estava a cigarra, saltitante, a cantarolar pelos campos, quando encontrou uma formiga que passava carregando um imenso grão de trigo.
        -- "Deixe essa trabalheira de lado" – disse a cigarra - "e venha aproveitar este dia ensolarado de verão".
        -- "Não posso. Preciso juntar provimentos para o inverno" – disse a formiga, - "e recomendo que você faça o mesmo".
        -- "Eu, me preocupar com o inverno?" – perguntou a cigarra. "Temos comida de sobra por enquanto". 
        Mas a formiga não se deixou levar pela conversa da cigarra e continuou o seu trabalho. 
        Quando o inverno chegou, a cigarra não tinha o que comer, enquanto as formigas contavam com o suprimento de alimentos que haviam guardado.
        Morrendo de fome, a cigarra teve de bater à porta do formigueiro, onde foi acolhida pelas formigas, e assim aprendeu sua lição. 
        Moral: É necessário preparar-se para os dias de necessidade.

                                                     ESOPO. Fábulas de Esopo.
Entendendo a fábula:

01 – Pelo que você entendeu da leitura dessa fábula, quais seriam as características principais da cigarra e da formiga?
      A cigarra preocupa-se em viver o presente. Já a formiga está voltada para prover o futuro.

02 – Você acha que essas características têm alguma relação com o comportamento real dessas duas espécies de animais? Explique.
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Sim. As formigas são um tipo de animal social, cuja atividade está relacionada ao provimento e ao bem-estar do grupo. Já a cigarra não tem esse tipo de comportamento.

03 – Qual é a moral dessa fábula? Você concorda com ela? Por quê?
      A moral é: É necessário preparar-se para os dias de necessidade. Resposta pessoal do aluno.

04 – Em sua opinião, por que, em história como essa, as personagens são animais em vez de humanas?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Porque os personagens animais permitem que se fala de características humanas de forma geral e universal.

05 – A cigarra é uma cantora. A formiga faz trabalhos braçais. Pense nas atividades dessas duas personagens: por que para o autor dessa fábula, cantar não seria uma forma de trabalho?
      Porque a canção não iria armazenar as provisões necessárias, com o serviço braçal.

TEXTO: BISA BIA, BISA BEL - ANA MARIA MACHADO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Texto: Bisa Bia, Bisa Bel
                   
             Ana Maria Machado

        Sabe? Vou lhe contar uma coisa que é segredo. Ninguém desconfia. É que Bisa Bia mora comigo.
        Ninguém sabe mesmo. Ninguém consegue ver.
        Pode procurar pela casa inteira, duvido que ache. Mesmo se alguém for bisbilhotar num cantinho da gaveta, não vai encontrar. Nem se fuçar debaixo do tapete. Nem atrás da porta. Se quiser, pode até esperar uma hora em que eu esteja bem distraída e pode espiar pelo buraco da fechadura do meu quarto. Pensa que vai conseguir ver Bisa Bia?
        Vai nada...
        Sabe por quê? Ë que Bisa Bia mora comigo, mas não é do meu lado de fora. Bisa Bia mora muito comigo mesmo. Ela mora dentro de mim. E até pouco tempo atrás, nem eu mesma sabia disso. Para falar a verdade, eu nem sabia que Bisa Bia existia.

                   Ana Maria Machado. Bisa Bia, Bisa Bel. São Paulo: Salamandra, 2000.
Entendendo o texto:

01 – Qual é o segredo que o narrador nos conta?
      O segredo, anunciado nesse trecho do texto, é a identificação da narradora com sua bisavó Beatriz.

02 – Depois de ler e observar bem o texto, responda:
a)   O que a imagem representa?
Representa o buraco de uma fechadura.

b)   A imagem ajuda a entender melhor o texto? Por quê?
Resposta pessoal do aluno.

c)   Você se lembra de outros textos que são compostos por uma combinação de palavras e imagens? Que textos são esses?
Resposta pessoal do aluno.

03 – Você acha que a imagem tem alguma relação com a ideia de segredo? Por quê?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Observar pelo buraco da fechadura é uma atitude que tem relação com a ideia de bisbilhotar, fuçar, que aparece no texto, e que isso, em geral, está relacionado ao desejo de se descobrir algum segredo ou algo que não se conhece.

04 – Quem narra essa história é um menino ou uma menina? Há no texto alguma parte que comprove isso?
      Nos trechos: “Em que eu esteja bem distraída” e “Nem eu mesma sabia disso”. As palavras distraída e mesma permitem constatar que se trata de uma menina.

05 – Você consegue imaginar quem é Bisa Bia? Converse com seus colegas sobre isso.
      Resposta pessoal do aluno.

06 – Você tem algum segredo? Alguma vez já sentiu necessidade de contar um segredo a alguém? Por quê?
      Resposta pessoal do aluno.

07 – Encontre no dicionário, se necessário, outras palavras ou expressões que tenham o mesmo sentido de bisbilhotar, que aparece no trecho: “Mesmo se alguém for bisbilhotar num cantinho da gaveta, não vai encontrar.”
      Procurar, xeretar, vasculhar.

08 – Dizem que duas palavras são sinônimas quando têm, sentidos equivalentes ou muito próximos. No texto “Bisa Bia, Bisa Bel”, há alguns sinônimos de bisbilhotar. Quais?
      Procurar, fuçar e espiar.

09 – Mesmo sendo sinônimas, as palavras que você mencionou na resposta anterior apresentam pequenas diferenças de sentido que só podemos perceber ao ler o texto.
a)   Localize os trechos do texto em que aparecem essas palavras sinônimas de bisbilhotar.
“Pode procurar pela casa inteira”; “Nem se fuçar debaixo do tapete”; “Pode espiar pelo buraco da fechadura do meu quarto”.

b)   Que diferenças de sentido elas apresentam nos trechos em que aparecem?
Procurar e fuçar acentuam a ideia de intensidade e apresentam o sentido de uma busca minuciosa; já espiar marca mais fortemente o caráter casual da busca.

10 – “Para falar a verdade, eu nem sabia que Bia Bisa existia”. Nesse trecho, que diferença de sentido haveria se, em vez de nem, utilizássemos não?
      A diferença é que nem é uma forma negativa mais forte do que não.


segunda-feira, 22 de abril de 2019

POESIA: A FOCA - VINÍCIUS DE MORAES - COM GABARITO

Poesia: A Foca
          Vinícius de Moraes

Quer ver a foca
Ficar feliz?
É por uma bola
No seu nariz.

Quer ver a foca
Bater palminha?
É dar a ela
Uma sardinha.

Quer ver a foca
Fazer uma briga?
É espetar ela
Bem na barriga.
                           

Entendendo a poesia:

01 – Qual o título da poesia?
      O título é “A Foca.”
02 – Quem é o autor?
      Vinícius de Moraes.

03 – Cite algum trecho que repete na poesia.
      “Quer ver a foca”.

04 – Quantas estrofes tem e quantos versos?
      Possui 03 estrofes e 12 versos.

05 – Por qual motivo a foca briga?
      Quando espeta a barriga dela.

06 – Qual é a comida da foca, de acordo com a poesia?
      Ela alimenta-se de sardinha.

07 - Num dos versos do poema, um pronome foi empregado de uma maneira que foge ao que recomenda a variedade padrão da língua.
     a) Copie o verso em que isso ocorre.
          É espetar ela.

     b) Modifique o verso, adaptando-o à variedade padrão.
         É espetá-la.

08 - Como ficariam os versos seguintes, caso substituíssemos por pronomes oblíquos átonos os termos destacados?
    a) "Quer ver a foca"  - Quer vê-la.
    b) "É pôr uma bola/ no seu nariz." É pô-la no seu nariz.
    c) "É dar a ela/ uma sardinha". É dar-lhe uma sardinha.