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quarta-feira, 8 de julho de 2020

CRÔNICA: OLHAI OS LÍRIOS DO CAMPO - ÉRICO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Crônica: Olhai os lírios do campo

            Érico Veríssimo

        Estive pensando muito na fúria com que os homens se atiram à caça do dinheiro.  É essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época.  Eles esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as relações de criatura para criatura.  De que serve construir arranha-céus se não há mais almas humanas para morar neles?

        Quero que abras os olhos, Eugênio, que acordes enquanto é tempo.  Peço-te que pegues a minha Bíblia que está na estante de livros, perto do rádio, leias apenas o Sermão da Montanha.  Não te será difícil achar, pois a página está marcada com urna tira de papel.  Os homens deviam ler e meditar esse trecho, principalmente no ponto em que Jesus nos fala dos lírios do campo, que não trabalham nem fiam, e no entanto nem Salomão em toda a sua glória jamais se vestiu como um deles.

        Está claro que não devemos tomar as parábolas de Cristo ao pé da letra e ficar deitados à espera de que tudo nos caia do céu.  É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza.  Precisamos, entretanto, dar um sentido humano às nossas construções.  E quando o amor ao dinheiro, ao sucesso, nos estiver deixando cegos, saibamos fazer pausas para olhar os lírios do campo e as aves do céu.

        Não penses que estou fazendo o elogio do puro espírito contemplativo e da renúncia, ou de que o povo deva viver narcotizado pela esperança da felicidade na "outra vida". Há na terra um grande trabalho a realizar. É tarefa para seres fortes, para corações corajosos. Não podemos cruzar os braços enquanto os aproveitadores sem escrúpulos engendram os monopólios ambiciosos, as guerras e as intrigas cruéis. Temos que fazer-lhes frente. É indispensável que conquistemos este mundo, não com as armas do ódio e da violência e sim com as armas do amor e da persuasão. Considere a vida de Jesus. Ele foi antes de tudo um homem de ação e não um puro contemplativo.

        Quando falo em conquista, quero dizer a conquista de uma situação decente para todas as criaturas humanas, a conquista da paz digna, através do espírito de cooperação.

        E quando falo em aceitar a vida não me refiro à aceitação resignada e passiva de todas as desigualdades, malvadezas, absurdos e misérias do mundo. Refiro-me, sim a aceitação da luta necessária, do sofrimento que essa luta nos trará, das horas amargas a que ela forçosamente nos há de levar.

              Olhai os lírios do campo. Érico Veríssimo.

                        Fonte: Livro – Encontro e Reencontro em Língua Portuguesa – 8ª Série – Marilda Prates – Ed. Moderna, 2005 – p. 108/9.

Entendendo a crônica:

01 – Na sua opinião qual é o principal motivo de tantas injustiças entre os homens?

      Resposta pessoal do aluno.

02 – O que Érico Veríssimo quis afirmar com a frase: “É indispensável trabalhar, pois um mundo de criaturas passivas seria também triste e sem beleza?

      Que o trabalho é básico na vida do homem.

03 – Humanizar o mundo e os homens é um trabalho para quem?

      Para os fortes e corajosos.

04 – Explique o pensamento da personagem em relação ao mundo e a sua conquista.

      Todos devem ter um modo de vida decente, sem preconceitos e injustiça.

05 – A expressão “disposição para a luta” é usada no texto com que palavra?

      Com a palavra aceitação.

06 – Você concorda com a ideia de que o homem deve aceitar todos os sofrimentos aqui na Terra, por que a felicidade o espera no “céu”?

      Não. Jamais o homem deve ser passivo. Assim ele fará o jogo do sistema. É preciso lutar contra a maré.

07 – O que deveria ser mais importante para o homem: ter mais ou ser mais? Por quê?

      Ser mais. Os bens materiais são passageiros.

08 – Qual seria a maior fonte de felicidade pessoal?

      Gostar-se e gostar espontaneamente das pessoas.

 


 


terça-feira, 3 de dezembro de 2019

ROMANCE: O TEMPO E O VENTO I - (FRAGMENTO) - ÉRICO VERÍSSIMO - COM GABARITO

Romance: O tempo e o vento I - Fragmento
                   Erico Veríssimo

        Muitos anos mais tarde, Ana Terra costumava sentar-se na frente de sua casa para pensar no passado. E no seu pensamento como que ouvia o vento de outros tempos e sentia o tempo passar, escutava vozes, via caras e lembrava-se de coisas... O ano de 81 trouxera um acontecimento triste para o velho Maneco: Horácio deixara a fazenda, a contragosto do pai, e fora para o Rio Pardo, onde se casara com a filha de um tanoeiro e se estabelecera com uma pequena venda. Em compensação, nesse mesmo ano Antônio casou-se com Eulália Moura, filha dum colono açoriano dos arredores de Rio Pardo, e trouxe a mulher para a estância, indo ambos viver no puxado feito no rancho.
        Em 85 uma nuvem de gafanhotos desceu sobre a lavoura deitando a perder toda a colheita. Em 86, quando Pedrinho se aproximava dos oito anos, uma peste atacou o gado e um raio matou um dos escravos.
        Foi em 86 mesmo ou no ano seguinte que nasceu Rosa, a primeira filha de Antônio e Eulália? Bom. A verdade era que a criança tinha nascido pouco mais de um ano após o casamento. Dona Henriqueta cortara-lhe o cordão umbilical com a mesma tesoura de podar com que separara Pedrinho da mãe.
        E era assim que o tempo se arrastava, o sol nascia e se sumia, a lua passava por todas as fases, as estações iam e vinham, deixando sua marca nas árvores, na terra, nas coisas e nas pessoas.
        E havia períodos em que Ana perdia a conta dos dias. Mas entre as cenas que nunca mais lhe saíram da memória estavam as da tarde em que dona Henriqueta fora para a cama com uma dor aguda no lado direito, ficara se retorcendo durante horas, vomitando tudo que engolia, gemendo e suando frio. E quando Antônio terminou de encilhar o cavalo para ir até o Rio Pardo buscar recursos, já era tarde demais. A mãe estava morta. Era inverno e ventava.
VERISSIMO, Erico. O tempo e o vento I: O continente. Porto Alegre, Globo, 1956. p. 185.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 348-9.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Encilhar: arrear, aparelhar.

·        Tanoeiro: aquele que faz e ou conserta barris, tinas, etc.

02 – Percebe-se no texto o embate de duas forças. Qual delas simboliza o que é permanência (memória) e qual simboliza o que é passagem (destruição)?
      O tempo (passagem, destruição) e o vento (memória, permanência).

03 – Que forma verbal, predominante no texto, dá-lhe caráter memorialístico?
      O imperfeito do indicativo.

04 – Na marcação do tempo, um acontecimento positivo vem acompanhado de uma dúvida. Que acontecimento é esse?
      O nascimento de Rosa.

05 – Segundo a epígrafe que abre a obra, retirada do Eclesiastes, “Uma geração vai, e outra geração vem; porém a terra para sempre permanece”, em que parágrafo do texto também está presente essa visão cíclica, predominante no romance?
      No 4° parágrafo.

06 – Que elemento deixa as suas marcas nas árvores, na terra, nas coisas e nas pessoas?
      O tempo.

07 – Como pode ser dividida a obra de Érico Veríssimo? Exemplifique.
      Romance urbano (Clarissa, Caminhos cruzados, etc.), romance histórico (O tempo e o vento) e romance político (O senhor embaixador, etc.).

quarta-feira, 27 de novembro de 2019

ROMANCE: O HOMEM - (FRAGMENTO DE OS SERTÕES) - EUCLIDES DA CUNHA - COM GABARITO

Romance: O homem – Fragmento de Os Sertões.
                  Euclides da Cunha

        De repente, uma variante trágica.
        Aproxima-se a seca.
    O sertanejo adivinha-a e prefixa-a graças ao ritmo singular com que se desencadeia o flagelo.
     Entretanto não foge logo, abandonando a terra a pouco e pouco invadida pelo limbo candente que irradia do Ceará.
        Buckle, em página notável, assinala a anomalia de se não afeiçoar nunca, o homem, às calamidades naturais que o rodeiam. Nenhum povo tem mais pavor aos terremotos que o peruano; e no Peru crianças ao nascerem têm o berço embalado pelas vibrações da terra.
        Mas o nosso sertanejo faz exceção à regra. A seca não o apavora. É um complemento à sua vida tormentosa, emoldurando-a em cenários tremendos. Enfrenta-a, estóico. Apesar das dolorosas tradições que conhece através de um sem-número de terríveis episódios, alimenta a todo o transe esperanças de uma resistência impossível.
            Euclides da cunha. Os Sertões. 29. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1979. p. 92.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 294-5.

Entendendo o romance:
01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Limbo: Orla, rebordo.

·        Candente: Em brasa.

·        Anomalia: Anormalidade.

·        Estóico: Impassível diante da dor ou do infortúnio.

02 – Como Euclides da Cunha caracteriza o homem sertanejo?
      Como um homem corajoso, bravo e estóico.

03 – Em que o homem sertanejo difere do peruano?
      O sertanejo ao contrário do peruano, não se apavora com as calamidades naturais.

04 – Por que Buckle caracteriza como uma “anomalia” o fato de o homem não se afeiçoar nunca às calamidades naturais que o rodeiam?
      Porque, tendo nascido em meio delas, deveria ser natural a sua adaptação.

05 – Destaque do texto uma passagem que demonstra ser o flagelo da seca algo repetitivo e bastante conhecido pelo sertanejo.
      “Apesar das dolorosas tradições que conhece através de um sem-número de episódios...”.

06 – Com relação à linguagem, qual a característica da obra “Os Sertões”, de Euclides da Cunha?
      O estilo retórico-discursivo, muitas vezes barroco e pomposo.

sábado, 23 de novembro de 2019

ROMANCE: CAPITÃES DE AREIA -(FRAGMENTO) - JORGE AMADO - COM GABARITO

Romance: Capitães de Areia - Fragmento               
                  Jorge Amado

         O romance Capitães da Areia, de Jorge Amado, é um documento sobre a vida dos meninos de rua de Salvador. A sua primeira edição (1937) foi apreendida e queimada em praça pública pouco depois de implantada a ditadura de Getúlio Vargas. No trecho a seguir, o narrador nos conta como Pedro Bala, aos quinze anos, assumiu a liderança de um grupo que dormia num velho armazém abandonado do cais do porto.
        "É aqui também que mora o chefe dos Capitães da Areia: Pedro Bala. Desde cedo foi chamado assim, desde seus cinco anos. Hoje tem quinze anos. Há dez que vagabundeia nas ruas da Bahia. Nunca soube de sua mãe, seu pai morrera de um balaço. Ele ficou sozinho e empregou anos em conhecer a cidade. Hoje sabe de todas as suas ruas e de todos os seus becos. Não há venda, quitanda, botequim que ele não conheça. Quando se incorporou aos Capitães da Areia (o cais recém-construído atraiu para suas areias todas as crianças abandonadas da cidade) o chefe era Raimundo, o Caboclo, mulato avermelhado e forte.
        Não durou muito na chefia o caboclo Raimundo. Pedro Bala era muito mais ativo, sabia planejar os trabalhos, sabia tratar com os outros, trazia nos olhos e na voz a autoridade de chefe. Um dia brigaram. A desgraça de Raimundo foi puxar uma navalha e cortar o rosto de Pedro, um talho que ficou para o resto da vida. Os outros se meteram e como Pedro estava desarmado deram razão a ele e ficaram esperando a revanche, que não tardou. Uma noite, quando Raimundo quis surrar Barandão, Pedro tomou as dores do negrinho e rolaram na luta mais sensacional a que as areias do cais jamais assistiram. Raimundo era mais alto e mais velho. Porém Pedro Bala, o cabelo loiro voando, a cicatriz vermelha no rosto, era de uma agilidade espantosa e desde esse dia Raimundo deixou não só a chefia dos Capitães da areia, como o próprio areal. Engajou tempos depois num navio.
        Todos reconheceram os direitos de Pedro Bala à chefia, e foi dessa época que a cidade começou a ouvir falar nos Capitães da areia, crianças abandonadas que viviam do furto."

Jorge Amado, Capitães da Areia, 50. ed. Rio de Janeiro: Record, 1980, p. 26-7.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 344-5

Entendendo o romance:

01 – Pela leitura do texto, pode-se concluir que o romance pretende denunciar que tipo de problema?
      Um problema social (a questão do menor abandonado).

02 – Que fato da vida de Pedro Bala pode ser considerado como o elemento desencadeador de sua vida de menino de rua?
      Não ter pai nem mãe (nem a solidariedade do Estado).

03 – Que características de Pedro Bala fizeram dele líder do grupo?
      Era ativo, planejador, sabia tratar os outros e trazia na voz e nos olhos a autoridade de chefe.

04 – Mesmo sendo um grupo de marginalizados, os meninos demonstravam senso de justiça entre os membros do grupo. Que fato narrado comprova essa afirmação?
      Os meninos reprovaram a atitude de Raimundo de usar uma navalha contra o jovem desarmado.



ROMANCE: JECA TATU - FRAGMENTO - MONTEIRO LOBATO - COM GABARITO

ROMANCE: Jeca Tatu – Fragmento
           Monteiro Lobato

        Pobre Jeca Tatu! Como és bonito no romance e feio na realidade!
        Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca filósofo...
        Quando comparece às feiras, todo mundo logo adivinha o que ele traz: sempre coisas que a natureza derrama pelo mato e ao homem só custa o gesto de espichar a mão e colher (...) Nada mais.
        Seu grande cuidado é espremer todas as consequências da lei do menor esforço – e nisto vai longe.
        Começa na morada. Sua casa de sapé e lama faz sorrir aos bichos que moram em toca e gargalhar ao joão-de-barro. Pura biboca de bosquímano. Mobília, nenhuma. A cama é uma espipada esteira de peri posta sobre o chão batido.
        Às vezes se dá ao luxo de um banquinho de três pernas – para os hóspedes. Três pernas permitem equilíbrio; inútil, portando, meter a quarta, o que ainda o obrigaria a nivelar o chão. Para que assentos, se a natureza os dotou de sólidos, rachados calcanhares sobre os quais se sentam?
        Nenhum talher. Não é a munheca um talher completo – colher, garfo e faca a um tempo?
        Seus remotos avós não gozaram maiores comodidades. Seus netos não meterão quarta perna ao banco. Para quê? Vive-se bem sem isso.
        Se pelotas de barro caem, abrindo seteiras na parede, Jeca não se move a repô-las. Ficam pelo resto da vida os buracos abertos, a entremostrarem nesgas de céu.
        Quando a palha do teto, apodrecida, greta em fendas por onde pinga a chuva, Jeca, em vez de remendar a tortura, limita-se, cada vez que chove, a aparar numa gamelinha a água gotejante...
        Remendo... Para quê? Se uma casa dura dez anos e faltam “apenas” nove para que ele abandone aquela? Esta filosofia economiza reparos.

      LOBATO, Monteiro. Urupês. São Paulo, Brasiliense, 1948. p. 245-6.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 298-9.

Entendendo o texto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Biboca: Casa humilde, com cobertura de palha.

·        Bosquímano: Indivíduo dos bosquímanos, povo sul-africano.

·        Espipar: Esticar, estender.

·        Peri (ou piri): Espécie de jungo do qual se fazem esteiras; piripiri.

·        Munheca: Mão.

·        Remoto: Antigo, distante.

·        Seteira: fresta.

·        Nesga: Pequeno espaço.

·        Gretar: Rasgar.

·        Gamela: Vasilha de madeira ou barro.

02 – O que podemos concluir ao compararmos a personagem de Monteiro Lobato com o índio Peri, de José de Alencar, e os bravos e orgulhosos caboclos dos romances regionalistas do mesmo período?
      Aquelas personagens eram idealizadas, enquanto o Jeca, de Monteiro Lobato, é real.

03 – Em Jeca Tatu, Monteiro Lobato investe contra a idealização do caboclo, apontando algumas das suas características negativas. Qual delas é a mais criticada no texto?
      A preguiça (relacionada ao conformismo).

04 – Jeca mercador, Jeca lavrador, Jeca filósofo...” Este parágrafo refere-se ao Jeca de Monteiro Lobato ou aos caboclos dos romances românticos?
      Aos caboclos dos romances românticos.

05 – Você crê que Monteiro Lobato queria chamar a atenção para uma realidade que deveria ser invertida ou pretendeu apenas ridicularizar o caboclo? Por quê?
      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A intenção de Lobato de chamar a atenção de seus leitores para aspectos importantes da realidade brasileira.
     



terça-feira, 22 de outubro de 2019

ROMANCE: O ATENEU - FRAGMENTO - RAUL POMPEIA - COM GABARITO

Romance: O Ateneu – Fragmento      
                   Raul Pompéia
        [...]

        Já me era lícito julgar iniciado na convivência intima da escola. Chamado por Mânlio a provas, consegui agradar, conquistando uma aura que me devia por algum tempo favorecer. Encontrei o Barbalho. Tinha a face marcada pelas minhas unhas; evitou-me. No recreio cometi a injustiça de ir deixando o Rebelo. Também o amável camarada tinha na boca um mau cheiro que lhe prejudicava a pureza dos conselhos; demais, falava prendendo a gente com dedos de torquês e soltando os aforismos a queima-roupa. Por seu lado o venerando colega correspondeu ao movimento maçando-se comigo, e amuando. Durante as aulas, em que nos sentávamos perto um do outro, absorvia-se em sua desesperada atenção e era como se estivesse a muitas milhas. Se, todavia, por imprescindível necessidade tinha de me falar, então, dirigia-me a palavra com a habitual afabilidade de jovem cura.
        Estava aclimado, mas eu me aclimara pelo desalento, como um encarcerado no seu cárcere.
        Depois que sacudi fora a tranca dos ideais ingênuos, sentia-me vazio de animo; nunca percebi tanto a espiritualidade imponderável da alma: o vácuo habitava-me dentro. Premia-me a força das coisas; senti-me acovardado. Perdeu-se a lição viril de Rebelo: prescindir de protetores. Eu desejei um protetor, alguém que me valesse, naquele meio hostil e desconhecido, e um valimento direto mais forte do que palavras.
        [...]
               POMPÉIA, Raul. O Ateneu. São Paulo, Ática, s.d. p. 31.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 269.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Torquês: Espécie de alicate.

·        Aforismo: Sentença, máxima, espécie de ditado.

·        Imponderável: Que não se pode pesar ou avaliar.

·        Premer: Apertar, comprimir.

·        Viril: Relativo à masculinidade.

·        Prescindir: Dispensar.

02 – Que observação contida no primeiro parágrafo nos permite julgar hostil o ambiente do Ateneu?
      “Encontrei Barbalho. Tinha a face marcada pelas minhas unhas...”.

03 – Em que trecho o narrador declara que a sua ambientação no Ateneu deveu-se ao fato de não ter outra opção?
      “Estava aclimado, mas eu me aclimara pelo desalento, como uma encarcerado no seu cárcere.”

04 – Que mudança ocorre na personalidade do narrador ao conviver em um ambiente que ele considerava degradante, imoral?
      O narrador declara que perdera os seus ideais ingênuos.

05 – Por que Sérgio desejava alguém que o protegesse?
      Porque se sentia num meio hostil e desconhecido.

ROMANCE: CONCEIÇÃO - FRAGMENTO - MACHADO DE ASSIS - COM GABARITO

Romance: Conceição – Fragmento
        
        Machado de Assis

        [...] A família era pequena, o escrivão, a mulher, a sogra e duas escravas. Costumes velhos. Às dez horas da noite toda a gente estava nos quartos; às dez e meia a casa dormia. Nunca tinha ido ao teatro, e mais de uma vez, ouvindo dizer ao Meneses que ia ao teatro, pedi-lhe que me levasse consigo. Nessas ocasiões, a sogra fazia uma careta, e as escravas riam à socapa; ele não respondia, vestia-se, saía e só tornava na manhã seguinte. Mais tarde é que eu soube que o teatro era um eufemismo em ação. Meneses trazia amores com uma senhora, separada do marido, e dormia fora de casa uma vez por semana. Conceição padecera, a princípio, com a existência da comborça; mas, afinal, resignara-se, acostumara-se, e acabou achando que era muito direito.

        Boa Conceição! Chamavam-lhe "a santa", e fazia jus ao título, tão facilmente suportava os esquecimentos do marido. Em verdade, era um temperamento moderado, sem extremos, nem grandes lágrimas, nem grandes risos. No capítulo de que trato, dava para maometana; aceitaria um harém, com as aparências salvas. Deus me perdoe, se a julgo mal. Tudo nela era atenuado e passivo. O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio. Era o que chamamos uma pessoa simpática. Não dizia mal de ninguém, perdoava tudo. Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar.
        [...].
ASSIS, Machado de. “A missa di galo”. In: Contos. 17. ed. São Paulo, Ática, 1993. p. 99.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 246-7.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        À socapa: Com disfarce, furtivamente.

·        Comborça: Amante.

·        Resignar-se: Conformar-se.

·        Maometana: Mulçumana.

·        Atenuado: Abrandado, enfraquecido.

02 – Como você caracteriza a família descrita neste trecho? Da alta burguesia? Da classe média? Idealizada? Pobre? Rica? De hábitos sofisticados ou simples?
      Trata-se de uma família de classe média, não-idealizada, de hábitos simples.

03 – Por que se pode afirmar que o ambiente doméstico desta família se caracteriza pela dissimulação (disfarce, fingimento, hipocrisia)?
      Porque a família fingia aceitar a desculpa de Meneses de que iria ao teatro e Conceição aceitava a vida dupla do marido desde que as aparências estivessem salvas.

04 – “O próprio rosto era mediano, nem bonito nem feio”. Que avaliação da personalidade de Conceição corresponde a essa descrição física?
      “Não sabia odiar; pode ser até que não soubesse amar”.

05 – O que sobressai no texto: a descrição do ambiente ou a análise psicológica da personagem?
      A análise psicológica da personagem.

ROMANCE: RITA BAIANA - FRAGMENTO - ALUÍSIO AZEVEDO - COM GABARITO

Romance: Rita Baiana – Fragmento
                 Aluísio Azevedo

        Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal num requebrado luxurioso que a punha ofegante; já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse afundando num prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca parar com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra por fibra, titilando.
        [...]
        O chorado arrastava-os a todos, despoticamente, desesperando os que não sabiam dançar. Mas, ninguém como a Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa, arrogante, meiga e suplicante.
        E Jerônimo via e escutava, sentindo ir-se-lhe toda a alma pelos olhos enamorados.
        Naquela mulata estava o grande mistério, a síntese das impressões que ele recebeu chegando aqui: ela era a luz ardente do meio-dia; ela era o calor vermelho das sestas da fazenda; era o aroma quente dos trevos e das baunilhas, que o atordoara nas matas brasileiras; era a palmeira virginal e esquiva que se não torce a nenhuma outra planta; era o veneno e era o açúcar gostoso; era o sapoti mais doce que o mel e era a castanha do caju, que abre feridas com o seu azeite de fogo; ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida, que esvoaçava havia muito tempo em torno do corpo dele, assanhando-lhe os desejos, acordando-lhe as fibras embambecidas pela saudade da terra, picando-lhe as artérias, para lhe cuspir dentro do sangue uma centelha daquele amor setentrional, uma nota daquela música feita de gemidos de prazer, uma larva daquela nuvem de cantáridas que zumbiam em torno da Rita Baiana e espalhavam-se pelo ar numa fosforescência afrodisíaca.
         AZEVEDO, Aluísio. O Cortiço. 25. ed. São Paulo, Ática, 1992. p. 72-3.
Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 266-7.

Entendendo o romance:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Ilhargas: Cada uma das partes laterais e inferiores do baixo-ventre.

·        Luxurioso: Sensual, libidinoso.

·        Despoticamente: Tiranicamente.

·        Embambecer: Afrouxar, relaxar.

·        Setentrional: Situado ao norte.

02 – Que diferenças podemos estabelecer entre a caracterização de Rita Baiana e uma personagem feminina dos romances românticos?
      Rita Baiana é uma mulata rude, libidinosa, sem recato ou pudor, ao contrário da descrição romântica de mulheres educadas, meigas, frágeis e recatadas.

03 – Como você caracteriza o meio social do cortiço? Em que ele difere do ambiente romântico?
      O meio social é de pobres, assalariados, biscateiros, negros, mestiços e portugueses. O ambiente romântico é o das casas e palacetes burgueses.

04 – Que sentimentos são despertados em Jerônimo pela dança de Rita Baiana?
      Sentimentos de paixão e desejo.

05 – O narrador faz questão de retratar atitudes e personagens primitivos, acentuando a degradação dos tipos. Para isso, no romance, aproxima-os insistentemente de insetos e animais. Retire do texto exemplos que exemplifiquem esta afirmação.
      “Ela era a cobra verde e traiçoeira, a lagarta viscosa, a muriçoca doida.”