Entrevista:
O vovô maluquinho
Andréa Capelato
O menino maluquinho, a mais
conhecida criação de Ziraldo, completa 18 anos e já faz parte do imaginário
brasileiro
Enquanto o Menino Maluquinho atinge a
sua maioridade – embora nas páginas do livro continue tendo 11 anos –, seu
criador se prepara para comemorar 50 anos de carreira no ano que vem. Também
ele, embora já avô de quatro netos, continua na contramão do tempo. Ziraldo
Alves Pinto, 65 anos, desenha e escreve um Brasil diferente, que parece sair
direto das suas lembranças da infância nos anos 40 no interior de Minas.
Há inocência, alegria e otimismo de
sobra no Brasil de Ziraldo. Seu traço econômico e preciso e suas histórias com
enredos sentimentais têm uma rara empatia com a emoção das crianças. A obra do
artista resiste à modernidade globalizada e cosmopolita, trazendo ao universo
infantil os valores da tradição, da família, do interior. Aquele interior onde
aprendeu a ler o mundo. O filho mais velho de dona Zizinha e de seu Geraldo
desde cedo foi estimulado a gostar dos livros, que eram seus presentes
preferidos. Podia também desenhar onde quisesse, até nas paredes da casa.
Desde seu primeiro emprego de ajudante
de empório, aos nove anos, Ziraldo já fez de tudo: foi aprendiz de tipografia,
auxiliar de cartório, bancário, publicitário, redator, funcionário do
Ministério da Cultura... Mas o seu destino seria mesmo divertir a criançada.
“Sem perceber, acabei me preparando para isso a toda”, afirmou certa vez.
Criador de A Turma do Pererê, de Flicts, de O Menino Maluquinho, de Uma
Professora Bem Maluquinha e de mais de 60 outros títulos já publicados, Ziraldo
é um dos maiores sucessos de literatura infantil desde Monteiro Lobato: mais de
três milhões de exemplares vendidos. Na opinião dele, a escola deveria se
preocupar mais em ensinar o aluno a gostar da leitura do que em passar os
conteúdos curriculares. “Ler é mais importante do que estudar”, não se cansa de
repetir.
Na entrevista a seguir que concedeu a
Pais&Teens em maio deste ano, ele fala sobre isso e também sobre a sua
visão da adolescência. Aliás, Ziraldo ainda nos deve o Menino Maluquinho
adolescente.
Pais&Teens
– Dá para contar um pouco sobre a sua adolescência?
Ziraldo
– Ah, não vou contar não. Ou melhor, deixa eu simplificar. Eu era um menino que
gostava de desenhar. A minha lembrança mais antiga sou eu desenhando; deitado
no chão e desenhando. Eu era o menino que sabia desenhar, que sabia tudo sobre
a guerra, que gostava de ficar na sala ouvindo a conversa dos adultos. E que,
logo que aprendeu a ler, não parou mais. Fiz o grupo escolar e o ginásio em
Caratinga, no interior de Minas. Depois, vim para o Rio de Janeiro, fui
adolescente no Rio com férias em Caratinga para descobrir a alegria que pode te
dar o olhar da mulher...
Pais&Teens
– Como chegou à carreira de cartunista? Quando se decidiu por essa vocação?
Ziraldo
– Vim vindo. De pequeno eu já sabia o que queria. É preciso ter vocação e
obstinação. Vocação só é pouco. Ah, sim: é bom também ter talento.
Pais&Teens
– Para que público você gosta mais de criar?
Ziraldo
– Eu gosto de desenhar, de ilustrar, de pintar e de escrever. Não
necessariamente nesta ordem. Ultimamente ando gostando muito mais de escrever.
Mas escrever é mais difícil do que desenhar, muito mais envolvente, muito mais
perigoso... Escrever para criança, para quem gosta de carinho, é muito
gratificante.
[...]
Pais&Teens
– Como você vê a questão dos limites e da disciplina para o adolescente de
hoje, tanto na família como dentro da escola?
Ziraldo
– Todo mundo precisa de limite. Todo mundo precisa de regra, todo mundo tem
de saber que a cada direito corresponde um dever. Não há possibilidade de convivência
sem que se observem estes princípios tão politicamente corretos. Quando o
adolescente descobre o mundo, ele o descobre por seus próprios instintos. E tem
força, sabedoria, talento, disposição, neurônios, razões, energia bastantes
para mudar tudo! “Saiam da frente que, finalmente, chegou o que detém a
verdade!” De fato, o ser humano nasce criança, vai formando sua personalidade
(ou melhor, vai construindo uma personalidade cujo alicerce já está no útero),
vai sendo impactado pelo meio onde vive, e aí mergulha na adolescência: o
saboroso inferno da existência. E a adolescência é o inferno. Mas o inferno é
que é bom – imagine que chatice deve ser o céu! Aquela paz, aquelas pombinhas
voando, aquelas flores, aquela brisa, aquela monotonia, aquela Suíça. [...] E
aí o adolescente olha os pais, os amigos dos pais, os professores, os adultos à
sua volta e descobre que não encontra ali qualquer modelo de futuro que o
fascine. Depois, passa. Não tem importância. A vida de adulto não é tão babaca
quanto o adolescente pensa que vai ser. Pode ser um grande barato, também.
Quando ele emerge da adolescência e entra na idade adulta – o que pode
acontecer aos 18 anos, aos 20, ou 25, aos 30, ou nuca – ele descobre que pode
ser um adulto tão feliz quanto foi na adolescência, em companhia dos amigos,
sem os pais por perto. Mas ele só conseguirá isto se tiver sido uma criança
feliz. Está no Menino Maluquinho.
Pais&Teens
– E como seria o Menino Maluquinho na adolescência? A história termina
antes...
Ziraldo
– O Menino Maluquinho vai ser um adolescente como quase todos, dono do
mundo, consumista, egoísta, perplexo, injustiçado, incompreendido,
profundamente infeliz, intensamente feliz, inconstante, desajeitado, mal-amado,
bem-amado, indeciso, chato, rimbaudianamente só [referência a Rimbaud, poeta
francês que escreveu até os 19 anos]. Ou não.
Pais&Teens
– Você tem manifestado ideias novas sobre as prioridades da Educação. Qual
seria o principal papel da escola na formação do adolescente?
Ziraldo
– Outro dia fizeram um fórum aí em São Paulo para saber como se faz um país
com a educação. Só se fará um país verdadeiro para o próximo milênio se
conseguirmos fazer do Brasil um país de leitores. Quem não lê, mal fala, mal
ouve, mal vê. Vi isto escrito no prédio de uma velha livraria do Rio, quando
era menino; continuamos sendo um país que mal fala, mal ouve, mal vê. Como
poderemos escolher um futuro sem dominar o código de compreensão das coisas,
que é ler e escrever? [...] A criança tem de ler como quem ouve e escrever como
quem fala. Tem de ser capaz de escrever tudo o que pensa e ler tudo o que lhe
dizem. O resto vem por acréscimo. Atenção: a escola tem de ensinar a gostar de
ler!
Pais&Teens,
jul. 1998.
Fonte: Livro – Ler,
entender, criar – Português – 6ª Série – Ed. Ática, 2007 – p. 154-9.
Entendendo a entrevista:
01 – Releia: “Enquanto o Menino Maluquinho atinge a sua
maioridade – embora nas páginas do livro continue tendo 11 anos [...]”.
a)
O que significa alguém atingir a maioridade?
Completar 18 anos.
b)
O Menino Maluquinho atingiu a maioridade, mas
nas páginas do livro continua tendo 11 anos. Como se explica isso?
É porque a história O Menino Maluquinho já existe a mais de dezoito
anos.
02 – Na época em que a
entrevista foi publicada, quem se preparava para completar cinquenta anos de
carreira no ano seguinte?
Ziraldo, o
criador da personagem.
03 – Quem é o vovô
maluquinho a que o título do texto se refere? Que trecho permite concluir isso?
O próprio Ziraldo. “Também ele, embora já
avô de quatro netos, continua na contramão do tempo.
04 – Reúna-se com um colega
e releiam este trecho: “Seu traço
econômico e preciso e suas histórias com enredos sentimentais têm uma rara
empatia com a emoção das crianças”.
O que vocês entendem por “traço
econômico”? Para responder, observem a figura do Menino Maluquinho,
prestando atenção na forma como é desenhado.
Resposta pessoal
do aluno. Sugestão: A expressão se refere ao traçado simples e sem excesso de
detalhes de Ziraldo, que consegue representar as figuras e as cenas utilizando
o mínimo de linhas.
05 – Leia:
“Fiz
o grupo escolar e o ginásio em Caratinga, no interior de Minas. Depois, vim
para o Rio de Janeiro [...]”
“Outro
dia fizeram um fórum aí em São Paulo para saber como se faz um país com a
educação.”
Com base nas informações
contidas nesse trechos, responda:
a)
Onde Ziraldo se encontrava quando deu a
entrevista? Que trecho permite chegar a essa conclusão?
No Rio de Janeiro. “[...] vim para o Rio de Janeiro [...]”.
b)
Por que Ziraldo diz “aí em São Paulo”? Quem,
provavelmente, se encontrava em São Paulo?
Pode-se deduzir que a entrevistadora se encontrava em São Paulo no
momento da entrevista.
06 – Releia um trecho da
resposta de Ziraldo à quarta pergunta: “Saiam da frente que, finalmente, chegou
o que detém a verdade!”
a)
Quem, de acordo com a visão de Ziraldo,
acredita deter a verdade?
O adolescente.
b)
Você concorda com a visão de Ziraldo sobre o
adolescente?
Resposta pessoal do aluno.
07 – Em duas das perguntas a
entrevistadora associou o tema da adolescência à escola. Por quê?
Porque o espaço
escolar está – ou deveria estar – muito presente na vida do adolescente. Muitos
das questões vividas pelos adolescentes relacionam-se com a vida na escola.
08 – Na opinião de Ziraldo,
“ler é mais importante do que estudar” e a principal preocupação da escola
deveria ser ensinar o aluno a gostar de ler. Converse com seus colegas: vocês
concordam com Ziraldo? É possível ensinar a gostar de uma coisa (de ler, neste
caso)?
Resposta pessoal
do aluno.
09 – Esse texto foi tirado
de uma revista chamada Pais&Teens. O que significa a palavra teen (se não
souber, consulte um dicionário de inglês)? A quem, provavelmente, se dirige
essa revista?
Teen significa
“adolescente”.
10 – O texto “O Vovô
Maluquinho” pode ser dividido em duas partes. Quais são elas?
Apresentação do
entrevistado e entrevista.
11 – Esse texto também
poderia ser observado em relação à linguagem empregada, pois há trechos com
linguagem mais formal – mais próxima da norma-padrão – e trechos com linguagem
mais informal.
a)
Que trechos apresentam uma linguagem mais
próxima da norma-padrão? Cite pelo menos uma frase que comprove sua afirmação.
A apresentação e as perguntas. “A obra do artista resiste à
modernidade globalizada e cosmopolita, trazendo ao universo infantil os valores
da tradição, da família, do interior”.
b)
Que trechos trazem marcas da oralidade, isto
é, expressões e construções próprias da linguagem oral? Cite pelo menos um
trecho que comprove essa afirmação.
Essas marcas se encontram principalmente nas respostas de Ziraldo,
dando a impressão ao leitor de o estar ouvindo falar. “Ah, não vou contar não”,
“Vim vindo. De pequeno eu já sabia [...]”, “A vida de adulto não é tão babaca
quanto o adolescente pensa [...]”, “Pode ser um grande barato [...]”.