Conto: PROMETEU
Bernard Evslin
Prometeu era um jovem Titã que não
tinha lá muito respeito por Zeus. Embora soubesse que o soberano dos céus se
irritava quando lhe faziam perguntas muito diretas, não hesitava em
confrontá-lo sempre que queria saber alguma coisa.
Certa manhã, dirigiu-se a Zeus e disse:
− Oh, grande Senhor dos Raios, não
compreendo seu propósito. O senhor colocou a raça humana sobre a Terra, mas
insiste em mantê-la na ignorância e na escuridão.
− Da raça humana cuido eu – respondeu
Zeus.
– O que você chama de ignorância é inocência. O que você chama de
escuridão é a sombra da minha vontade. Os mortais estão felizes como estão. E
foram concebidos de tal forma que vão continuar felizes até que alguém os
convença do contrário. Para mim esse assunto está encerrado.
Mas Prometeu continuou:
− Olhe para a Terra. Olhe para os
homens. Eles vivem nas cavernas, andam à mercê dos animais selvagens e das
mudança do tempo. Comem carne crua! Se existe algum propósito nisso, eu
imploro, diga-me qual é! Por que o senhor se recusa a dar aos homens o dom do
fogo?
Zeus respondeu:
− Por acaso você não sabe, jovem
Prometeu, que para cada dom existe uma punição? É assim que as Moiras fiam o
destino, ao qual até mesmo os deuses devem se submeter. Os mortais não conhecem
o fogo, é verdade, nem os ofícios que dele advêm. Por outro lado, também, não
conhecem a doença, a velhice, a guerra, nem aquela peste interior chamada
preocupação. Acredite em mim, eles estão felizes sem o fogo. E assim devem
permanecer.
− Felizes como os animais – argumentou
Prometeu. – Qual é o sentido de criar os humanos e fazer deles uma raça
distinta, dotando-os de escassa pelagem, de certa inteligência e do curioso
charme da imprevisibilidade? Se devem viver dessa maneira, por que separá-los
dos animais?
− Os humanos têm ainda outra qualidade
– disse Zeus – Eles possuem o dom da adoração: uma para admirar nosso
poder, para ficarem intrigados diante de nossos enigmas, para se maravilharem
diante de nossos caprichos. Foi para isso que foram criados.
− Mas não ficariam mais interessantes
se dominassem o fogo e criassem maravilhas com ele?
− Mais interessantes, talvez, porém
infinitamente mais perigosos. Pois os humanos contam ainda com mais esta
característica: a vaidade, um orgulho próprio que, ao menor estímulo, pode
adquirir proporções descomunais. Dê a eles o progresso, e eles imediatamente se
esquecerão daquilo que os torna seres assim tão aprazíveis: a humildade e a
disposição para adorar. Vão ficar todos cheios de si e vão começar a se considerar
deuses também. Corremos o risco de vê-los bem aqui, à nossa porta, prontos para
invadir o Olimpo. Agora chega, Prometeu! Tenho sido paciente com você, mas
minha paciência tem limites! Agora vá embora, e não me perturbe mais com suas
especulações.
Prometeu
não se deu por satisfeito. Passou toda aquela noite acordado, fazendo planos.
Na madrugada, levantou-se de seu sofá e, pé ante pé, atravessou o Olimpo.
Segurava um caniço dentro do qual havia um pavio de fibras secas. Assim que
chegou à beira do monte, esticou o braço em direção ao horizonte leste – onde brilhavam
os primeiros raios de sol – e deixou que o pavio se acendesse no fogo. Em
seguida, escondeu o caniço em sua túnica e desceu à Terra.
De início, os homens ficaram assustados
com o presente. Era tão quente, tão fugaz... Não se deixava tocar e, por puro
capricho, fazia dançar as sombras que criava sobre o chão. Eles agradeceram a
Prometeu e pediram que ele levasse o presente de volta. Mas Prometeu buscou a
carne de um cervo caçado recentemente e a segurou sobre o fogo. Quando a carne
começou a assar e a crepitar, impregnando a caverna com seu cheiro delicioso,
as pessoas se deixaram levar pela fome e se lançaram sobre o assado,
devorando-o voluptuosamente e queimando suas línguas.
− Isto que trouxe de presente chama-se
“fogo” – explicou Prometeu. – Trata-se de um espírito indomável, um pequeno
irmão do Sol. Mas se for tratado com cuidado, poderá mudar a vida de toda a
humanidade. Também é um espírito guloso; vocês devem alimentá-lo com galhos e
folhas, porém somente até que ele atinja um tamanho adequado. Depois disso, não
o alimente mais, ou ele devora tudo que estiver ao seu alcance, inclusive
vocês. Somente uma coisa será capaz de detê-lo: a água. O espírito do fogo
teme o espírito da água. Se for tocado pela água, ele desaparece até que seja
chamado novamente.
Prometeu saiu da caverna onde estava e
deixou ali uma fogueira acesa. Criancinhas com olhos arregalados se
juntaram em torno da novidade. Em seguida, percorreu todas as cavernas sobre a
face da Terra e repetiu o mesmo discurso.
Algum tempo depois, Zeus olhou do alto
do Olimpo e ficou perplexo. Tudo havia mudado. Os homens haviam deixado suas
cavernas. Zeus viu cabanas de lenhadores, fazendas, vilarejos, cidades
muradas, e até mesmo um castelo ou dois. Os homens cozinhavam os alimentos e
carregavam tochas para iluminar seu caminho à noite. No interior de oficinas
flamejantes, fabricavam cochos, quilhas, espadas e lanças. Construíam navios e
costuravam velas, ousando se aproveitar da fúria dos ventos para se locomover.
Usavam capacetes e travavam batalhas montados em bigas, assim como faziam os
próprios deuses.
Zeus ficou furioso e imediatamente
apanhou o maior raio de que dispunha.
− Se eles querem fogo – disse a si
mesmo –, então fogo eles terão! E muito mais do que pediram! Vou transformar
aquele mísero planeta que eles chamam de Terra em um monte de cinzas! – Mas, de
repente, uma ideia surgiu em sua mente e Zeus abaixou o braço. – Além de
vingança – prosseguiu – quero diversão! Que eles se destruam com suas próprias
mãos e suas próprias descobertas! Vai ser um espetáculo longo, muito
interessante de se ver! Deles posso cuidar depois. Meu assunto agora é com
Prometeu!
Zeus chamou sua guarda de gigantes e
ordenou que eles prendessem Prometeu, levassem-no até o Cáucaso e o amarrassem
ao pico de uma montanha com correntes tão fortes – especialmente forjadas por
Hefesto – que nem um Titã em fúria seria capaz de arrebentá-las. Feito isso,
chamou dois abutres e mandou que eles comessem lentamente o fígado daquele
obstinado amigo dos mortais.
Os homens sabiam que algo de terrível
acontecia no alto da montanha, mas não sabiam exatamente o quê. O vento uivava
como um gigante atormentado e, às vezes, gritava como as aves de rapina.
Prometeu permaneceu ali durante muitos
séculos, até nascer outro herói suficientemente corajoso para desafiar os
deuses. Esse herói foi Héracles, que subiu até a montanha, cortou as correntes
que prendiam Prometeu e matou os abutres.
Bernard Evslin. Heróis,
deuses e monstros da mitologia grega.
São Paulo: Benvirá,
2012. (Texto adaptado)
Entendendo o conto:
01 – De acordo com o texto,
de o significado das palavras abaixo:
·
Advir: resultar, ocorrer como consequência.
· Biga: entre os romanos, carro de duas ou quatro rodas, puxado por
dois cavalos.
·
Caniço: cana comprida e flexível.
·
Crepitar: estalar, arder ao fogo fazendo barulho.
·
Quilha: peça estrutural básica do casco das embarcações.
02 – Nesse mito, Prometeu e
Zeus se põem em confronto.
a)
Qual é o conflito entre eles?
Prometeu considera injusto manter os seres humanos na ignorância e
na escuridão e pretende dar-lhes o dom do fogo. Zeus, no entanto, alega que os
humanos não são ignorantes, mas inocentes, e que não estão na escuridão, mas
sob a sombra da vontade divina. Para Zeus, se os mortais perderem esse estado
em que se encontram, perderão a felicidade.
b)
Zeus é o Deus supremo do Olimpo, a morada
grega dos deuses. Ao confrontá-lo, que característica Prometeu revela?
Prometeu revela ser ousado e independente.
03 – Prometeu desejava que
os humanos saíssem da escuridão e da ignorância e por isso deu a eles o fogo. O
que o fogo simboliza nesse mito?
O fogo simboliza
a possibilidade de ver a realidade com mais clareza, o conhecimento, a
sabedoria, a instrução e, como consequência, o desenvolvimento, a evolução.
04 – Releia: “[...] Os mortais não conhecem o fogo, é
verdade, nem os ofícios que dele advêm. Por outro lado, também, não conhecem a
doença, a velhice, a guerra, nem aquela peste interior chamada preocupação.
Acredite em mim, eles estão felizes sem o fogo.”
a)
Você concorda com o argumento usado por Zeus?
Se sim, justifique. Se não, apresente um contra-argumento, ou seja, um
argumento que se oponha ao usado por Zeus.
Resposta pessoal do aluno.
b)
Ao negar o fogo aos mortais, o que Zeus
também está negando?
Zeus está negando aos seres humanos a liberdade. Ele prefere
mantê-los na ignorância do bem e do mal da vida a vê-los fazerem escolhas
erradas.
c)
Afinal, as previsões de Zeus se cumprem ou
não depois que os seres humanos conquistam o fogo?
Sim. Os humanos, que a princípio se encantam com o fogo para
cozinhar os alimentos e torna-los mais saborosos, em pouco tempo passam também
a usar o fogo para fabricar espadas, lanças, capacetes e travar batalhas.
05 – Prometeu recebe um
castigo terrível por ter se rebelado contra Zeus em favor dos humanos.
a)
O que pretendia Prometeu ao roubar o fogo?
Prometeu pretendia das aos humanos um presente que, tratado com
cuidado, poderia mudar a vida de toda a humanidade, livrando-a da escuridão e
da ignorância.
b)
Na sua opinião, a rebeldia de Prometeu valeu
a pena, apesar do castigo sofrido?
Resposta pessoal do aluno.
c)
Zeus não se vinga dos mortais, pois prefere
que eles “se destruam com suas próprias mãos e suas próprias descobertas”. O
que provavelmente Zeus quis dizer com essa frase?
Ele quis dizer que os seres humanos, em nome de crenças, de
ideologias, de desejo de poder, lutarão uns contra os outros, e suas invenções
e descobertas os levarão não só ao progresso, mas também à destruição.
06 – Releia: “Algum tempo
depois, Zeus olhou do alto do Olimpo e ficou perplexo”.
a)
Se Zeus “Olhou do alto do Olimpo”, onde estão
as pessoas para quem ele olha?
Em algum lugar abaixo do Olimpo. Na Terra, de acordo com o texto.
b)
O Olimpo era a morada dos deuses gregos e
ficava no alto. Considerando sua função e sua posição, o que o Olimpo podia
significar para os seres humanos.
Provavelmente, o Olimpo era considerado um lugar sagrado e digno de
reverência. Devia ser um lugar inatingível para os humanos.
07 – O mito que Prometeu nos
conta sobre a origem do fogo. É possível determinar em que tempo acontece a
história? Explique.
Não. Sabemos que
os fatos narrados se ligam aos primórdios da humanidade, mas não é possível
determinar o ano, o século ou o milênio em que ocorreram.
08 – Quais expressões de
tempo marcam a narrativa lida?
As marcas de tempo são imprecisas: “Certa
manhã, dirigiu-se a Zeus [...]”; “Algum tempo depois, Zeus olhou do alto do
Olimpo [...]”; “Prometeu permaneceu ali durante muitos séculos [...]”.
09 – Quanto tempo dura a
história narrada nesse mito?
Não há um tempo
determinado. A história tem início em um tempo relacionado à época da origem da
humanidade, quando os seres humanos não haviam começado a usar o fogo.
Estende-se por tempo suficiente para que eles abandonem as cavernas, passem a
habitar vilas, comecem a produzir artefatos complexos e a guerrear munidos de
espadas e capacetes. Faz referência aos séculos posteriores em que Prometeu
permanece acorrentado.