CONTO: Pedro Malasartes e a Sopa de Pedras
Luís da Câmara Cascudo
Pedro Malasartes, um caipira danado de
esperto, estava morto de fome e sem dinheiro algum. Precisava arranjar alguma
ocupação que lhe desse o dinheiro suficiente para conseguir comprar comida.
Cansado
de perambular em Porrete Armado, o nome do lugarejo em que se encontrava,
decidiu parar e descansar na porta de um pequeno armazém de secos e molhados;
desses encontrados no interior e onde é possível comprar de tudo que se pode
imaginar.
Pegou sua viola e começou a cantar uma moda, na esperança de que alguém lhe
desse alguns trocados. Mas além de nada conseguir, os fregueses que bebiam no
balcão quase o expulsaram por “incomodar” sua conversa. Eles conversavam sobre
uma senhora, Dona Agromelsilda, moradora da região e que era conhecida por sua
excessiva avareza.
A conversa caminhava assim:
--- Gente, vocês não imaginam como é “unha de fome” aquela Dona Agromelsilda,
que mora para os lados do estradão da Grota Funda!
Disse o dono do armazém.
Disse o dono do armazém.
--- Unha de fome é pouco! Aquela velha é capaz de não comer banana só pra não
ter que jogar a casca fora. Completou o segundo, um dos fregueses que bebiam na
venda.
Um terceiro freguês afirmou:
---
Aquela velha é tão “pão dura” que nem comida para os coitados dos cachorros ela
dá. Os bichinhos estão todos passando fome. Magros, magros de dar dó. Acho até
que o estômago deles já encostou nas costelas.
--- Está para nascer o homem que conseguira tirar alguma coisa daquela velha.
Duvido que alguém consiga esta proeza.
--- Nunca vi coisa assim nesses anos que moro aqui em Porrete Armado. E olha
que eu já vi coisas com esses olhos que a terra há de comer. Terminou o dono do
armazém.
Pedro decidiu que era hora de agir, se quisesse comer e ganhar algum dinheiro.
Era hora também, de dar uma lição naquela velha que o tratara mal da outra vez
em que passara por Porrete Armado. Dona Agromelsilda era conhecida pelos seus
péssimos modos com as pessoas e acima de tudo por ser muquirana até o último
fio de cabelo. Pedro disse:
--- Eu aposto o que vocês quiserem como pra mim a velha vai dar alguma
coisa de bom grado. E mais ainda: Ela mesma é quem vem aqui contar que me
encheu de presentes.
--- Você está ficando doido Pedro Malasartes? Aquela velha, além de
não dar nada para ninguém, também anda armada com uma baita de uma espingarda.
Disse o dono do armazém.
--- Não se preocupe com isso que é problema meu e eu sei como resolver;
disse o Pedro. –Mas, se vocês duvidam do que eu disse, porque não apostam
comigo, como ela vai me encher de presentes e vem aqui contar para vocês?
O dono do armazém, rindo muito,
respondeu:
--- Se você conseguir esta proeza, com a velha lhe dando presentes e vindo aqui
contar para nós, te dou todo o dinheiro que eu ganhar numa semana de trabalho.
Os outros dois fregueses, animados com a aposta “jogaram lenha na fogueira” e
provocando Pedro Malasartes disseram:
--- Nós dois também apostamos nossos ganhos da semana. Temos certeza de que a
velha nem vai querer conversa com você. Muito menos te dar algo. Mas se
conseguir ganhar e fazer com que ela venha nos contar, você ganha o dinheiro
que nós conseguirmos nesta semana.
Uma dúvida, porém, surgiu e o dono do armazém, o mais malandro dos três queria
saber:
--- Seu Pedro Malasartes, você ganhara nosso dinheiro de uma semana de serviço
se conseguir que a velha lhe dê presentes e venha nos contar aqui no armazém,
mas se você não conseguir o que nós três ganharemos? Pelo que sabemos você não
tem nenhum dinheiro. Vai apostar oque?
Pedro muito convicto e com certeza da vitória, respondeu:
--- Eu trabalharei de graça para vocês três. Uma semana na fazenda de um,
outra semana na fazenda de outro e por fim uma semana em seu armazém.
Combinado?
--- Combinado. Responderam os três.
Pedro tratou de arranjar um panelão fundo, uma sacola, mais algumas coisinhas e
partiu para a casa da velha a toda velocidade. Para ganhar uma aposta o
malandro não poupava esforços e nem tinha preguiça.
Chegando perto da porteira da casa da
velha, que morava numa enorme fazenda, Pedro fez um bom fogo, encheu o panelão
com a água do riacho, e juntando muitas pedras do chão, jogou-as na água.
Depois ficou de olho no movimento da casa de Dona Agromelsilda.
Quando a velha abriu a janela do
quarto e viu Pedro fazendo aquele fogareiro, na frente de sua fazenda, pensou:
--- Mas o que será que aquele doido está fazendo na entrada das minhas terras?
Vou lá ver.
Chegando ao local em que
Pedro estava, perguntou muito irritada:
--- Será que dá para o senhor explicar o que está pensando em fazer com todo
este fogo na frente da porteira de minha fazenda?
Pedro que estava de rabo de olho na
velha, nem ligou para a malcriação e respondeu todo educado:
---
Boa tarde minha Vó? Tudo bom com a senhora? Estou preparando uma deliciosa sopa
de pedras.
---
Sopa de pedras? Respondeu à velha.
---
Isso mesmo. Uma deliciosa sopa de pedras, receita de minha finada mãe.
---
E fica boa?
---
Boa? Fica muito boa!
A Velha, sovina como era, pensou em
tirar proveito. Pois se a sopa ficasse boa mesmo e com a quantidade de pedras
que tinha em suas terras, certamente não teria mais despesas com comida, pois
comeria diversos pratos de pedra, que ela criaria: Pedra assada, pedra frita,
pedra cozida, pedra ralada, pedra refogada, pedra ensopada, escondidinho de
pedra, pedra, pedra, pedra...
Fingindo-se muito educada a velha
pediu:
--- Meu filho, quando terminar você dá um pouco para eu experimentar?
--- Claro minha Vó.
Assim, Pedro tratou de jogar mais
lenha na fogueira e deixou as pedras cozinharem.
Passada uma hora:
--- O meu filho: Essa sopa sai ou não sai?
--- Claro que sai minha Vó. Daqui a pouco esta prontinha. É que leva um tempo
para cozinhar direitinho as pedras. Mas se a senhora tivesse uns legumes para
colocar na sopa ela ficava melhor ainda. Umas cenouras, umas batatas, umas
mandioquinhas, umas abobrinhas, umas beterrabas...
A velha faminta como estava, nem pensou duas vezes e disse:
--- Eu tenho estes legumes todos na
horta de casa. Espere um pouco, que eu já volto. E tratou de entrar em casa
para colher os legumes pedidos pelo Pedro.
Pedro pensou:
--- Ela caiu direitinho.
Minutos depois lá estava a velha:
--- Pronto meu filho. Este tanto dá?
--- Dá minha Vó.
Pedro, recolheu os legumes que a velha trouxe. Colocou metade de tudo em sua
sacola e a outra metade na sopa.
Passada mais uma hora, a velha com mais
fome, perguntou:
--- Mas meu filho, esta sopa sai ou não sai?
--- Tá saindo minha Vó. Tá saindo. Mas a sopa ficaria tão boa se tivesse uma
linguiça defumada, um paio e uma carninha seca para colocar.
A velha ansiosa disse:
--- Eu tenho tudo isso em casa. Vou lá buscar. E tratou de buscar tudo que foi
pedido.
Quando voltou entregou ao Pedro que, novamente, separou dois montes, colocando
metade na sopa e outra metade em sua sacola.
Mais uma hora e a velha já estava verde de fome, quase desmaiando. Isso sem
falar na fazenda que estava na maior bagunça com as vacas sem ordenha, os
bezerros sem leite, as galinhas sem os ovos recolhidos.
A velha então perguntou:
--- Menino! Esta sopa não fica pronta nunca?
--- Tá quase minha Vó. Se a senhora tivesse uns temperos ficaria melhor ainda.
Um pouco de sal, pimenta do reino, alho, azeite, açafrão, colorau, cheiro
verde, cebolinha...
Lá foi a velha buscar os temperos pedidos.
Quando voltou, tudo se repetiu: Metade foi para a sopa e metade foi para a
sacola do Pedro.
Depois de mais uma hora, com a velha quase desmaiando:
--- Meu filho, se esta sopa não sair agora eu desmaio de fome!
--- Tá prontinha minha vó. A senhora tem uns pratos para poder servir?
A velha saiu como um raio para dentro da casa e mais rápido ainda voltou com os
pratos e colheres.
Pedro pegou o prato da velha e encheu de pedras. Quanto ao seu prato, colocou
as partes boas da sopa e poucas pedras. Sentou num canto e quando foi comer uma
colherada de pedras de seu prato, jogou todas elas fora.
A
velha que estava tentando mastigar as pedras, quase quebrando os dentes, não
acreditou no que viu o Pedro fazer. Então perguntou:
--- Meu filho, você não vai comer as pedras não?
E Pedro, que já havia planejado isto também, respondeu com a maior cara de pau:
--- Comer pedra minha Vó? Tá doida é? Se eu comer estas pedras todas vou acabar
quebrando os dentes.
Ao dizer isto pegou sua sacola, com as coisas dadas pela velha, e saiu fugindo
sem olhar para traz, pois ouvia os berros indignados dela correndo atrás do
malandro.
Quando chegou ao armazém, os três amigos da aposta não acreditaram na história
de Pedro. Só tiveram a confirmação de tudo que o Pedro dissera, quando a velha
chegou ao armazém contando que dera para Pedro uma porção de coisas para fazer
uma sopa de pedras, mas que era na verdade uma sopa de legumes com os
ingredientes que ela colheu de sua horta e pertences de sua casa.
Assim que a velha saiu, Pedro cobrou a aposta e tratou de se mandar.
Dizem que está andando pelo mundo até hoje, aprontando e dando golpes nos que
tentam enganá-lo.
Fontes pesquisadas: “Contos Tradicionais Do Brasil” (Folclore)
Luís Da Câmara
Cascudo Editora: Global.
Avarenta:
pão-duro, unha-de-fome, pessoa que tem apego exagerado ao dinheiro
Negaceando:
contra a sua própria vontade
Matutos:
pessoas do campo
Matutando:
pensando
Matreiro:
esperto
Incrédula:
que não acredita
Arranchando:
acomodando
Entendendo o texto:
01 – Quais são as personagens da história?
Pedro Malasartes, Dona Agomelsilda e os três amigos.
02 – Circule a resposta correta. No texto "Sopa de
Pedras":
* o narrador
participa da história.
* o narrador somente conta a história.
03 – “Os matutos falavam de
uma velha avarenta que morava num sítio pros lados do rio." Por que a
velha era considerada uma pessoa avarenta?
Porque ela era
uma pessoa que só pensava em dinheiro.
04 – Como Pedro fez para que a velha viesse falar com
ele?
Acendeu um bom fogo, na frente da porteira da fazenda.
05 – Marque a resposta correta.
Por que, no decorrer da
história, a velha atendeu a todos os pedidos de Pedro Malasarte?
a) Ela gostou de Pedro e resolveu agradá-lo.
b) Ela ficou curiosa para saber que gosto tinha
a tal sopa de pedra.
06 – Para vencer a aposta
que Pedro fez com os matutos, o que ele precisava conseguir?
Receber presentes
da Dona Agromelsilda e ela ir no armazém e contar para os três amigos.
07 – Que adjetivos você
utilizaria para explicar como é a personagem Pedro Malasarte?
( ) malvado (X) esperto (
) impaciente (X)
convincente.
08 – Faça a correspondência
entre as expressões e palavras em destaque e seu significado.
(1) "A velha, lá da casa, só espiando".
(2) "E a panela fumegando."
(3) "E tratou de se mandar o mais depressa que
pôde."
(4) "Daí a pouco a velha já estava com água na
boca!"
(2) Lançando fumaça.
(4) Com vontade de provar.
(1) Observando.
(3) Fugir.
09 – “Cozinha
que cozinha, a sopa ficou pronta."
Por que o autor repetiu a
palavra cozinha nessa frase?
O que ele quis mostrar?
Porque cozinhou por muito tempo. Que o
tempo de cozimento da sopa, foi o tempo que ele precisava para tirar as coisas
da Dona Agromelsilda.
10 – No texto, aparecem
nomes como Pedro Malasarte e Chico Charreteiro que são escritos com letras
maiúsculas.
Por que estes nomes são escritos desta maneira?
Porque são nomes próprios.
11 – O que Pedro estava
fazendo na frente da fazenda? De quem era a receita da sopa?
Fazendo uma sopa
de pedras. Era uma receita da sua finada mãe.
12 – Quais foram os
primeiros ingredientes solicitado pelo Pedro?
Os legumes:
cenoura, batata, mandioquinha, abobrinha e beterrabas.
13 – Além dos legumes, o
Pedro pediu mais ingredientes, quais foram eles?
Linguiça
defumada, paio, carne seca.
14 – E para completar a
sopa, faltava os temperos, o que Pedro pediu para a Dona Agromelsilda?
Sal, pimenta do reino, alho, azeite,
açafrão, colorau e cheiro verde.
15 – Por que o Pedro
Malasartes, saiu correndo da fazenda? Explique com trecho do texto.
Por causa da
resposta que deu a Dona Agromelsilda. ---“Comer pedra minha Vó? Tá doida é? Se
eu comer estas pedras todas vou acabar quebrando os dentes.”
16 – O Pedro contou a
história aos três amigos, com quem tinha feito a aposta, mas, como eles tiveram
a confirmação?
Só tiveram a
confirmação de tudo que o Pedro dissera, quando a velha chegou ao armazém
contando que dera para Pedro uma porção de coisas para fazer uma sopa de
pedras, mas que era na verdade uma sopa de legumes com os ingredientes que ela
colheu de sua horta e pertences de sua casa.