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terça-feira, 29 de agosto de 2023

CRÔNICA: ARRUMAR O HOMEM - DOM LUCAS MOREIRA NEVES - JORNAL DO BRASIL, JAN.1997. - COM GABARITO

 CRÔNICA: ARRUMAR O HOMEM

( Dom Lucas Moreira Neves Jornal do Brasil, Jan. 1997)


Não boto a mão no fogo pela autenticidade da estória que estou para contar. Não posso, porém, duvidar da veracidade da pessoa de quem a escutei e, por isso, tenho-a como verdadeira. Salva-me, de qualquer modo, o provérbio italiano: "Se não é verdadeira... é muito graciosa!"

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMsAEj2-6b5SWSxNf0vXVeI1aFzhzyWOsauFp9v0WxNeAq2nOTnfI-T_g7U0YtJ9RSoE6K6MJjGEdWenLBIlrKAdModBl-qvYKW-jBc1qH1USIafRG-5W6xEBviJ84Ebrz7EjFHzc55q0JkJRSqCWRLVHMgPLHun9zTIJquRL7-3hrAnun9iu4vsnI_Lw/s320/MUNDI.jpg


Estava, pois, aquele pai carioca, engenheiro de profissão, posto em sossego, admitido que, para um engenheiro, é sossego andar mergulhado em cálculos de estrutura. Ao lado, o filho, de 7 ou 8 anos, não cessava de atormentá-lo com perguntas de todo jaez, tentando conquistar um companheiro de lazer.
A ideia mais luminosa que ocorreu ao pai, depois de dez a quinze convites a ficar quieto e a deixá-lo trabalhar, foi a de pôr nas mãos do moleque um belo quebra-cabeça trazido da última viagem à Europa. "Vá brincando enquanto eu termino esta conta". sentencia entre dentes, prelibando pelo menos uma hora, hora e meia de trégua. O peralta não levará menos do que isso para armar o mapa do mundo com os cinco continentes, arquipélagos, mares e oceanos, comemora o pai-engenheiro.
Quem foi que disse hora e meia? Dez minutos depois, dez minutos cravados, e o menino já o puxava triunfante: "Pai, vem ver!" No chão, completinho, sem defeito, o mapa do mundo.
Como fez, como não fez? Em menos de uma hora era impossível. O próprio herói deu a chave da proeza: "Pai, você não percebeu que, atrás do mundo, o quebra-cabeça tinha um homem? Era mais fácil. E quando eu arrumei o homem, o mundo ficou arrumado!"
"Mas esse garoto é um sábio!", sobressaltei, ouvindo a palavra final. Nunca ouvi verdade tão cristalina: "Basta arrumar o homem (tão desarrumado quase sempre) e o mundo fica arrumado!"
Arrumar o homem é a tarefa das tarefas, se é que se quer arrumar o mundo.

 (Dom Lucas Moreira Neves Jornal do Brasil, jan. 1997)

Fonte: https://professoracristinaliteraa.blogspot.com/2010/11/coerencia-e-coesao.html 

Entendendo o texto

 

01. Assinale o item cuja afirmativa está de acordo com o primeiro parágrafo do texto:

a) embora o autor do texto não confie na veracidade da estória narrada, conta-a por seu valor moral;

b) como o autor do texto confia na pessoa que lhe contou a história, ele a transfere para o leitor, mesmo sabendo que não é autêntico;

c) A despeito de ser bastante graciosa a história narrada, o autor do texto tem certeza de sua inautenticidade;

d) O autor do texto nos narra uma história de cujas danos não são certos, apesar de ter sido contada por pessoa digna de ;

e) a estória narrada possui características específicas, veracidade e, além disso, certa graça.

 

02. O título dado ao texto:

a) representa a tarefa que deveria ser realizada pelo menino;

b) indica a verdadeira finalidade do jogo de quebra-cabeça;

c) mostra a desorganização reinante na família moderna;

d) designar a tarefa básica inicial para a organização do mundo;

e) demonstrar a sabedoria precoce do menino da história narrada.

 

03. Na continuidade de um texto, algumas palavras referem-se a outras expressas anteriormente; assinale o item em que a palavra destacada tem sua referência corretamente indicada:

a) Não boto a mão no fogo pela danos da história que estou para contar - consulte-se à danos da história narrada;

b) Não posso, porém, duvidar da veracidade da pessoa de quem a escutei... - refere-se à veracidade da estória narrada;

c) ...e, por isso tenho-a como verdadeira. - refere-se a não poder duvidar da veracidade da pessoa que lhe contou a história;

d) ...tenho-a como verdadeira. - refere-se à pessoa que lhe contou a história do texto;

e) Salva-me de qualquer modo, o provérbio italiano. - referir-se à pessoa de cuja veracidade ou autor do texto não pode

 

04. O item em que o vocabulário destacado é tomado em sentido não-figurado é:

a) Não boto a mão no fogo pelas lesões da história...

b) Estava, pois, aquele pai carioca...

c) ...não cessava de atormentá-lo com perguntas...

d) ...comemora o pai-engenheiro.

e) Mas esse garoto é um sábio!

 

05. ..pôr nas mãos do moleque um belo quebra-cabeça...; o substantivo quebra-cabeça forma o plural de modo idêntico a um dos substantivos abaixo:

a) guarda-chuva;

b) tenente-coronel;

c) terça-feira;

d) ponto-de-vista;

e) caneta tinteiro.

 

06. O item em que o vocábulo destacado tem seu sinônimo corretamente indicado é:

a) Salva-me, de qualquer modo, o provérbio italiano... – citação;

b) ...com perguntas de todo jaez .. –- tipo;

c) ...tentando conquistar um companheiro de lazer. – aventuras; uma hora... - desejando;

e) o peralta não traz menos do que isso... – revolucionário.

 

07. Basta arrumar o homem (...) e o mundo fica arrumado! A noção expressa pela primeira oração, em relação à segunda é:

a) concessão;

b) causa;

c) andamento;

d) comparação;

e) condição.

 

08. A frase do menino: E quando eu arrumei o homem, o mundo ficou arrumado! mostra que:

a) o pai do menino desconhecia a inteligência brilhante do filho;

b) o menino tinha uma visão crítica do mundo bastante apurada;

c) o menino já havia feito a mesma tarefa antes;

d) o autor do texto que quer mostrar a sabedoria do menino;

e) o menino descobrira um meio mais fácil de completar a tarefa.

 

09. Mas esse garoto é um seguro...; esta frase do autor do texto é introduzida por uma conjunção adversativa que marca, nesse caso, a oposição entre:

a) a idade e a sabedoria;

b) a autoridade e a desobediência;

c) o trabalho e o lazer;

d) a teoria e a prática;

e) a ignorância e o conhecimento.

 

10. O segmento do texto que NÃO apresenta qualquer processo de intensificação vocabular é:

a) Arrumar o homem é a tarefa das tarefas...;

b) Em menos de uma hora era impossível.;

c) Era mais fácil.;

d) Nunca ouvi uma verdade tão cristalina;

e) A ideia mais luminosa que ocorreu ao pai...

 

11. ... você não viu que atrás do mundo, o quebra-cabeça tinha um homem? ...se é que se quer arrumar o mundo;

a palavra mundo nesses dois segmentos:

a) apresenta significados idênticos;

b) representa significados opostos;

c) mostra significados abstratos;

d) possui alguns traços em comum;

e) é exemplo de substantivo próprio.

 

12. ..se é quer se quer arrumar o mundo.; a frase final do texto mostra que:

a) o autor do texto participa do desejo geral de mudar o mundo;

b) apenas uma parte da população ansiosa por mudanças;

c) o autor do texto faz uma ressalva negativa sobre o desejo das pessoas;

d) o filho do engenheiro desconfia dos reais interessados ​​das pessoas;

e) só o mundo, por si mesmo, pode salvar-se.

 

 

sábado, 31 de julho de 2021

CONTO: O CARNEIRINHO DO PRESÉPIO - JOSÉ FARIA NUNES - COM GABARITO

 CONTO: O CARNEIRINHO DO PRESÉPIO


   José Faria Nunes

O menino observa as pessoas que saem e volta-se para o presépio. Examina-o com interesse.

Na missa, ouviu que o reino dos céus é das crianças.

Tempestade mental. Se é das crianças o céu e viver no céu é ser feliz, então a felicidade é das crianças.

Olha o presépio. O boi. O carneirinho. Os astrônomos que foram chamados reis — os reis magos. A estrela. Tudo bonito. Tudo. Enamora-se. Bem que queria um desses. O carneirinho. Só o carneirinho. O Menino Jesus, esse não. Tem de ficar no presépio. Presépio sem Menino Jesus não é presépio. O carneirinho, esse sim. Há outros no presépio.

Não tivera Natal em casa. Nunca. Não conhece Papai Noel. “Será que Papai Noel me conhece?

Sabe da minha existência?”

Na sua frente, o carneirinho cresce, apequena, atrai. Por que o padre falou que o céu é das crianças?

Não ganhou brinquedo e quer o carneirinho.

Será pecado? O que é pecado? Para que pecado?

Se é verdade que Deus ama a gente, por que ele deixou a cobra dar a maçã para Eva e Eva para Adão para depois todo mundo ter pecado?

Ele quer o carneirinho. Todos já se foram. Ninguém vê. O Cristo, crucificado, parece dormir de cansaço e de dor na cruz, na parede, lá atrás do altar.

Parece não se importar com nada ali na igreja.

Coitadinho de Cristo. Sofreu muito. Mas por que, se ele é Deus? Ou ele é apenas o Filho de Deus? Se é filho não é pai e se Deus é pai não é filho?!

Coitadinho de Cristo! O padre falou que Cristo sofreu para o perdão dos pecados. Não sei não.

Acho que Cristo não sofreu por mim não. Papai Noel não me conhece. Será que Cristo me conhece?

Esfrega as mãos, nervoso. A decisão. Ergue o braço, mas o gesto fica suspenso no ar com a chegada do vigário que vem fechar a igreja. Para disfarçar a intenção, limpa com o dedinho o espelho que forma o lago nas proximidades da gruta de Belém. Por que presépio em forma de gruta? Cristo nasceu não foi num ranchinho, na estrebaria, casa de animais?

— O Sinhore vai fechá a igreja? — pergunta ao padre que fecha a primeira porta.

— Estou fechando — responde o padre, em seu sotaque de estrangeiro, não com aquele carinho com que falou na missa da meia-noite.

— O presepe tá bunito, né? — insiste o menino, tentando coragem para pedir o carneirinho.

— Você acha? — o padre fala indiferente e o menino entende que o vigário não está interessado naquele diálogo, quase monólogo.

— Acho — termina o menino, desconcertado, infeliz. Percebe que de nada adiantará insistir.

Não vai ganhar o presente.

Absorto nos sonhos, fica a olhar o presépio sem nada ver.

“Como eu queria um carneirinho desse!”

E o vigário o acorda para a realidade:

— Vamos embora, dormir?

— Vamo.

Volta-se e ainda dirige um último olhar para o carneirinho do presépio, um ente querido que talvez jamais voltará a ver. O padre fecha a última porta e se vai.

O menino, agora com medo, corre debaixo da madrugada em direção ao aconchego que o espera debaixo da ponte, onde se juntará aos pais e aos cinco irmãos menores. Dormem. Não veem a fome, não sentem nenhum desejo. Enquanto dormem, os sentidos nada reclamam. Ele sonha com o presente de Natal que não ganhou: o carneirinho do presépio.

(José Faria Nunes. “O carneirinho do presépio”. In: Adolfo Mariano da Costa et alii.

O conto brasileiro hoje. São Paulo: RG Editores, 2005. p. 67-8.)

Fonte: Livro- Português: Linguagem, 2/ William Roberto Cereja, Thereza Cochar Magalhães, 11.ed – São Paulo: Saraiva, 2016.p.146-147.

Fonte da imagem - https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fbr.pinterest.com%2Fpin%2F413486809540225967%2F&psig=AOvVaw1AZ-Bd5HjhrB-O-li_WuIt&ust=1627864868958000&source=images&cd=vfe&ved=0CAsQjRxqFwoTCICtrLjLjvICFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo o texto

1. O conto pertence ao grupo dos gêneros narrativos ficcionais, que apresentam alguns elementos em comum, como fatos, personagens, tempo, espaço e narrador. No conto “O carneirinho do presépio”:

a) Quais são as personagens envolvidas nessa história?

O menino e o padre.

b) Onde acontecem os fatos narrados?

Em uma igreja.

c) No conto, os fatos são narrados em sequência temporal e mantêm entre si uma relação de causa e efeito. No conto lido, o menino decide pegar o carneirinho do presépio, mas, quando ergue o braço para pegá-lo, o padre entra. O menino, então, disfarça, limpando com o dedo o espelho que forma o lago no presépio. Cite outros fatos da narrativa dispostos em sequência temporal e ligados por uma relação de causa e efeito.

 Entre outros: O menino observa as pessoas que saem e volta-se para o presépio. / Olha as figuras que compõem o presépio, enamora-se e deseja uma das peças.

Escolhe o carneirinho que não faria falta. / O padre o convida para ir embora e ele aceita. Volta-se e olha o carneirinho do presépio pela última vez.

d) Em que época acontecem os fatos narrados? Em que lugar?

No Natal, depois da missa da meia-noite, em uma igreja onde estava montado um presépio.

 

2. No conto em estudo, os fatos narrados são vividos pelo menino e pelo padre.

a) Levante hipóteses: Por que essas personagens não têm nome? Resposta pessoal. Sugestão: O menino representa qualquer garoto pobre que não recebe presente de Natal, e o padre representa qualquer padre, indiferente ao sonho de um menino de ganhar um presente de Natal.

b) As personagens podem ser caracterizadas fisicamente e psicologicamente. Como é o menino? E o padre?

O menino é pequeno, pobre, tem família (pais e cinco irmãos menores), é morador de rua e dorme com a família debaixo da ponte. O padre é estrangeiro, pois tem sotaque.

3. Releia os três primeiros parágrafos do texto e responda: Em que trecho a narrativa começa a criar expectativa no leitor?

No momento em que o menino se enamora do carneirinho e o quer para si.

4. O menino quer o carneirinho do presépio e pensa sobre o que ouviu na missa.

a) Por que ele não quer o Menino Jesus?

Porque ele é único e faria falta no presépio.

b) Que tipo de discurso o narrador emprega para apresentar o pensamento do menino?

O discurso indireto livre.

c) Qual é o momento de maior tensão no texto?

O momento em que, decidido a pegar o carneirinho, o menino ergue o braço e o padre aparece.

5. O conto em estudo narra uma história que pode ser real e vivida por muitas crianças que desejam algo, mas não podem ter. Na sua opinião, o menino do conto teria cometido um crime se furtasse o carneirinho do presépio? Justifique sua resposta.

Resposta pessoal.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

POESIA: MEIO-DIA - VERA BEATRIZ SASS - COM GABARITO

Poesia: MEIO-DIA
             Vera Beatriz Sass

É meio-dia
no meio do mundo
balões verdes 
balões vermelhos
cirandam com os raios de sol 
coloridos, dispersos
refletidos nos vitrais 
das igrejas. 

Será o meio do mundo
no país dos egípcios
ou na Montanha Meru
dos hindus? 
Bate meio-dia
no relógio solar
da capital da China, 
abre-se o portão dos deuses 
na Babilônia. 
É meio-dia
no meio do mundo 
no friozinho da barriga
do menino da rua.  
             Gata cigana. Erechim: Edelbra, 1991. p. 12.
                                       Fonte: Livro- PORTUGUÊS: Linguagens – Willian R. Cereja/Thereza C. Magalhães – 7ª Série – Atual Editora – 2002 – p. 35-6.
Entendendo a poesia:

01 – Há, na poesia, uma oração que se repete duas vezes e que é responsável pela indicação do tempo em que ocorrem as ações verbais.
a)   Qual é essa oração?
É meio-dia.

b)   Ela apresenta sujeito? Em caso afirmativo, classifique-o.
Não, é uma oração sem sujeito.

c)   Que diferença sintática ocorre entre a oração apontada no item a e esta: “Bate meio-dia / no relógio solar / da capital da China”?
Na oração “Bate meio-dia”, o sujeito é meio-dia.

02 – A palavra meio é empregada nesse texto com dois sentidos. Qual é o sentido dela nas expressões:
a)   Meio-dia?
Metade (metade do dia).

b)   Meio do mundo?
Centro (centro do mundo).

03 – O poema tem como personagem um menino de rua. O meio-dia provoca nele reações interiores e exteriores.
a)   Que efeitos de luz o meio-dia provoca nos vitrais das catedrais? 
Cria cores e formas.

b)   Por que esses efeitos são associados pelo menino a balões coloridos?
Porque, assim como a luz, também os balões possuem cor, forma, leveza.

04 – Quanto às sensações internas do menino:
·        Que palavra dos últimos versos está em oposição ao calor dos raios de sol do mundo exterior?
O friozinho da barriga.

·        Essa palavra indica que o menino está tendo que tipo de sensação? 
Fome.

05 – Nos primeiros versos, ao afirmar que “É meio-dia / no meio do mundo”, o eu lírico faz referência ao tempo e ao espaço.

a)   Supor que também seja meio-dia em diferentes partes do mundo é um pensamento lógico ou é imaginação do menino?
É imaginação infantil.

b)    Que lugar é o “meio do mundo” para o menino?
Para ele, o meio do mundo é o meio da rua.

06 – Concluindo esse estudo, assinale as afirmativas corretas:
a)   A poesia cria um jogo de tempo e espaço a partir das expressões “meio-dia” e “no meio do mundo”.
b)   A poesia trabalha com oposições, como entre o “friozinho” da barriga do menino e os raios de sol do meio-dia; entre a triste realidade da fome e o alegre mundo de imaginação da criança.
c)   Na construção da poesia há um movimento que caminha do geral — “é meio-dia”, “no meio do mundo” — para o particular — “no friozinho da barriga / do menino da rua”.
d)   No movimento do geral para o particular verificado na poesia, passa-se pelo seguinte caminho: dentro do mundo há um país, dentro deste uma cidade, e dentro desta uma rua. E nessa rua há um menino, e na barriga dele há a fome. A fome, portanto, é uma situação particular, mas na poesia acaba ganhando uma dimensão social e universal, já que esse menino não é o único a viver nas ruas nem o único ser humano a sentir fome.
Todas estão corretas.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

CONTO: AS MARGENS DA ALEGRIA - JOÃO GUIMARÃES ROSA - COM GABARITO

Conto: As margens da alegria

João Guimarães Rosa

        Esta é a estória.

        Ia um menino, com os tios, passar dias no lugar onde se construía a grande cidade. Era uma viagem inventada no feliz; para ele, produzia-se em caso de sonho. Saíam ainda com o escuro, o ar fino de cheiros desconhecidos. A mãe e o pai vinham trazê-lo ao aeroporto. A tia e o tio tomavam conta dele, justínhamente. Sorria-se, saudava-se, todos se ouviam e falavam. O avião era da companhia, especial, de quatro lugares. Respondiam-lhe a todas as perguntas, até o piloto conversou com ele. O voo ia ser pouco mais de duas horas. O menino fremia no acorçoo, alegre de se rir para si, confortavelzinho, com um jeito de folha a cair. A vida podia às vezes ralar numa verdade extraordinária. Mesmo o afivelarem-lhe o cinto de segurança virava forte afago, de proteção, e logo novo senso de esperança: ao não-sabido, ao mais. Assim um crescer e desconter-se — certo como o ato de respirar — o de fugir para o espaço em branco. O menino. E as coisas vinham docemente de repente, seguindo harmonia prévia, benfazeja, em movimentos concordantes: as satisfações antes da consciência das necessidades. Davam-lhe balas, chicles, à escolha. Solicito de bem-humorado, o tio ensinava-lhe como esta reclinável o assento bastando a gente premer manivela. Seu lugar era o da janelinha, para o amável mundo.

        Entregavam-lhe revistas, de folhear, quantas quisesse, até um mapa, nele mostravam os pontos em que ora e ora se estava, por cima de onde. O menino deixava-as, fartamente, sobre os joelhos, e espiava: as nuvens de amontoada amabilidade, o azul de só ar, aquela claridade à larga, o chão plano em visão cartográfica, repartido de roças e campos, o verde que se ia a amarelos e vermelhos e a pardo e a verde; e, além, baixa, a montanha. Se homens, meninos, cavalos e bois — assim insetos? Voavam supremamente. O menino, agora, vivia; sua alegria despedindo todos os raios. Sentava-se, inteiro, dentro do macio rumor do avião: o bom brinquedo trabalhoso.

        Ainda nem notara que, de fato, teria vontade de comer, quando a tia já lhe oferecia sanduíches. E prometia-lhe o tio as muitas coisas que ia brincar e ver, e fazer e passear, tanto que chegassem. O menino tinha tudo de uma vez, e nada, ante a mente. A luz e a longa-longa-longa nuvem.

        Chegavam.

II

        Enquanto mal vacilava a manhã.

        A grande cidade apenas começava a fazer-se, num semi-ermo, no chapadão: a mágica monotonia, os diluídos ares. O campo de pouso ficava a curta distância da casa — de madeira, sobre estações, quase penetrando na mata. O menino via, vislumbrava.

        Respirava muito. Ele queria poder ver ainda mais vívido — as novas tantas coisas — o que para os seus olhos se pronunciava. A morada era pequena, passava-se logo à cozinha, e ao que não era bem quintal, antes breve clareira, das árvores que não podem entrar dentro de casa. Altas, cipós e orquideazinhas amarelas delas se suspendiam. Dali, podiam sair índios, a onça, leão, lobos, caçadores?

        Só sons. Um — e outros pássaros — com cantos compridos. Isso foi o que abriu seu coração. Aqueles passarinhos bebiam cachaça?

        Senhor! Quando avistou o peru, no centro do terreiro, entre a casa e as árvores da mata. O peru, imperial, dava-lhe as costas, para receber sua admiração. Estalara a cauda, e se entufou, fazendo roda: o rapar das asas no chão brusco, rijo se proclamara.

        Grugulejou, sacudindo o abotoado grosso de bagas rubras; e a cabeça possuía laivos de um azul-claro, raro, de céu e sanhaços; e ele, completo, torneado, redondoso, todo em esferas e planos, com reflexos de verdes metais em azul-e-preto — o peru para sempre. Belo, belo! Tinha qualquer coisa de calor, poder e flor, um transbordamento. Sua ríspida grandeza tonltriante. Sua colorida empáfia. Satisfazia os olhos, era de se tanger trombeta. Colérico, encachiado, andando, gruzlou outro gluglo. O menino riu, com todo o coração. Mas só bis-viu. Já o chamavam, para o passeio.

III

        Iam de jipe, iam aonde ia ser um sítio do Ipê. O menino repetia-se em íntimo o nome de cada coisa.

        A poeira, alvissareira. A malva-do-campo, os lentiscos. O velame-branco, de pelúcia. A cobra-verde, atravessando a estrada. A arnica: em candelabros pálidos. A aparição angélica dos papagaios.

        As pitangas e seu pingar. O veado campeiro: o rabo branco. As flores em pompa arroxeadas da canela-de-ema. O que o tio falava: que ali havia “imundície de perdizes”. A tropa de seriemas, além, fugindo, em fila, índio-a-índio. O par de garças. Essa paisagem de muita largura, que o grande sol alagava.

        O buriti, à beira do corguínho, onde, por um momento, atolaram. Todas as coisas, surgidas do opaco. Sustentava-se delas sua incessante alegria, sob espécie sonhosa, bebida, em novos aumentos de amor. E em sua memória ficavam, no perfeito puro, castelos já armados. Tudo, para a seu tempo ser dadamente descoberto, fizera-se primeiro estranho e desconhecido. Ele estava nos ares. Pensava no peru, quando voltavam. Só um pouco, para não gastar fora de hora o quente daquela lembrança, do mais importante, que estava guardado para ele, no terreirínho das árvores bravas. Só pudera tê-lo um instante, ligeiro, grande, demoroso. Haveria um, assim, em cada casa, e de pessoa?

        Tinham fome, servido o almoço, tomava-se cerveja. O tio, a tia, os engenheiros. Da sala, não se escutava o galhardo ralhar dele, seu grugulejo? Esta grande cidade ia ser a mais levantada no mundo.

        Ele abria leque, impante, explodido, se eunava… Mal comeu dos doces, a marmelada, da terra, que se cortava bonita, o perfume em açúcar e carne de flor. Saiu, sôfrego de o rever.

        Não viu: imediatamente. A mata é que era tão feia de altura. E — onde? Só umas penas, restos, no chão. — “Uê se matou. Amanhã não é o dia-de-anos do doutor?”

        Tudo perdia a eternidade e a certeza; num lufo, num átimo, da gente as mais belas coisas se roubavam. Como podiam? Por que tão de repente? Soubesse que ia acontecer assim, ao menos teria olhado mais o peru aquele. O peru-seu desaparecer no espaço. Só no grão nulo de um minuto, o menino recebia em si um miligrama de morte.

        Já o buscavam: — “Vamos aonde a grande cidade vai ser, o lago.

IV

        Cerrava-se, grave, num cansaço e numa renúncia à curiosidade, para não passear com o pensamento.

        Ia. Teria vergonha de falar do peru. Talvez não devesse, não fosse direito ter por causa dele aquele doer, que põe e punge, de dó, desgosto e desengano. Mas, matarem-no, também, parecia-lhe obscuramente algum erro. Sentia-se sempre mais cansado. Mal podia com o que agora lhe mostravam, na circuntristeza: o um horizonte, homens no trabalho de terraplenagem, os caminhões de cascalho, as vagas árvores, um ribeirão de águas cinzentas, o velame-do-campo apenas uma planta desbotada, o encantamento morto e sem pássaros, o ar cheio de poeira. Sua fadiga, de impedida emoção, formava um medo secreto: descobria o possível de outras adversidades, no mundo maquinal, no hostil espaço; e que entre o contentamento e a desilusão, na balança infidelíssima, quase nada medeia. Abaixava a cabecinha.

        Ali fabricava-se o grande chão do aeroporto — transitavam no extenso as compressoras, caçambas, cilindros, o carneiro socando com seus dentes de pilões, as betumadoras.

        E como haviam cortado lá o mato? — a tia perguntou.

        Mostraram-lhe a derrubadora, que havia também: com à frente uma lâmina espessa, limpa-trilhos, à espécie de machado. Queria ver? Indicou-se uma árvore: simples, sem nem notável aspecto, à orla da área matagal. O homenzinho tratorista tinha um toco de cigarro na boca.

        A coisa pôs-se em movimento.

        Reta, até que devagar. A árvore, de poucos galhos no alto, fresca, de casca clara…, e foi só o chofre: uh… sobre o instante ela para lá se caiu, toda, toda.

        Trapreara tão bela. Sem nem se poder apanhar com os olhos o acertamento — o inaudito choque — o pulso da pancada. O menino fez ascas.

        Olhou o céu — atônito de azul. Ele tremia. A árvore, que morrera tanto. A limpa esguiez do tronco e o marulho imediato e final de seus ramos — da parte de nada.

        Guardou dentro da pedra.

V

        De volta, não queria sair mais ao terreirinho, lá era uma saudade abandonada, um incerto remorso.

        Nem ele sabia bem. Seu pensamentozinho estava ainda na fase hieroglífica. Mas foi, depois do jantar. E — a nem espetaculosa surpresa — viu-o, suave inesperado: o peru, ali estava! Oh, não. Não era o mesmo. Menor, menos muito. Tinha o coral, a arrecauda, a escova, o grugulhar grufo, mas faltava em sua penosa elegância o recacho, o englobo, a beleza esticada do primeiro. Sua chegada e presença, em todo o caso, um pouco consolavam.

        Tudo se amaciava na tristeza. Até o dia; isto era já o vir da noite.

        Porém, o subir da noitinha é sempre e sofrido assim, em toda a parte. O silêncio saía de seus guardados. O menino, timorato, aquietava-se com o próprio quebranto: alguma força, nele, trabalhava por arraigar raízes, aumentar-lhe alma.

        Mas o peru se adiantava até a beira da mata. Ali adivinhara o quê? Mal dava para se ver, no escurecendo. E era a cabeça degolada do outro, atirada ao monturo. O menino se doía e se entusiasmava.

        Mas: não. Não por simpatia companheira e sentida o peru até ali viera, certo, atraído. Movia-o um ódio. Pegava de bicar, feroz, aquela outra cabeça. O menino não entendia. A mata, as mais negras árvores, eram um montão demais; o mundo.

        Trevava.

        Voava, porém, a luzinha verde, vindo mesmo da mata, o primeiro vagalume. Sim, o vagalume, sim, era lindo! — tão pequenino, no ar, um instante só, alto, distante, indo-se. Era, outra vez em quando, a alegria.

João Guimarães Rosa, no livro “Primeiras estórias”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.

Entendendo o conto:

01 – O título “As margens da alegria” constitui uma chave de interpretação: se o leitor identifica quais são as margens da alegria, em relação ao protagonista menino, estabelece o eixo que sustenta e estrutura o conto.

        Pela leitura global do texto, pode-se dizer que, para o menino, as margens da alegria se definem pelos seguintes fatores:

a)   Encantamento com a luz e medo perante a escuridão.

b)   Deslumbramento com a beleza e dor frente à morte.

c)   Curiosidade da criança e descrença do homem.

d)   Construção da cidade e destruição das árvores.

02 – Esta é a estória.

        Ao escolher a frase acima para iniciar seu texto, o autor promove o seguinte efeito de sentido junto ao leitor.

a)   Ficcionalidade.

b)   Realidade.

c)   Diacronia.

d)   Ação.

03 – O conto, publicado em 1962, refere-se à construção de uma cidade cujo nome não é mencionado. Trechos da narrativa permitem supor que se trata de Brasília, fundada em 1960. O trecho do conto que torna mais provável essa suposição é:

a)   Ia um menino, com os tios, passar dias no lugar onde se construía a grande cidade.

b)   A grande cidade apenas começava a fazer-se, num semi-ermo, no chapadão.

c)   Esta grande cidade ia ser a mais levantada do mundo.

d)   “Vamos aonde a grande cidade vai ser, o lago...”.

04 – Os episódios que envolvem os dois perus são fundamentais para o menino e seu conhecimento de mundo.

        No que diz respeito à violência, esses episódios indicam a seguinte percepção do menino:

a)   Nem os homens nem os animais são violentos.

b)   Os homens são violentos sem motivo aparente.

c)   Tanto os homens quanto os animais são violentos.

d)   Os animais são violentos por motivo de sobrevivência.

05 – Guimarães Rosa é conhecido por seus neologismos, isto é, pelas palavras que criava. O trecho que contém um neologismo se encontra em:

a)   Era uma viagem inventada no feliz; para eles, produzia-se em caso de sonho.

b)   E as coisas vinham docemente de repente, seguindo harmonia prévia.

c)   Mal podia com o que agora lhe mostravam, na circuntristeza.

d)   O que o Tio falava: que ali havia “imundície de perdizes”.

06 – Quem é a personagem principal?

      A personagem é o Menino e, assim como ele, as outras personagens são apenas identificadas pelo grau de parentesco.

07 – Que tipo de narrador traz o conto?

      O conto é narrado em terceira pessoa.

08 – Em que tom o conto é narrado?

      Em um tom lírico reflexivo.

09 – Que fatos provocaram o desenrolar dos acontecimentos descritos no texto?

      A primeira viagem de um menino, a descoberta do mundo: a crueldade representada pela morte do peru e a beleza e a alegria representadas pelo vagalume.

10 – De que forma o autor se identifica profundamente com o protagonista?

      Como se ele espelhasse sua própria trajetória, sua infância, nessas delicadas passagens, em seus estados de alma, nos dolorosos conflitos, nas fascinantes descobertas.

11 – O clímax de tanta felicidade após a viagem se dá por qual motivo?

      Quando o menino encontra um peru majestoso.

12 – Por que durou pouco tempo a felicidade do menino por ter encontrado um peru?

      O menino fica sabendo que a ave havia sido morta para o aniversário do Tio.

13 – A luz do vagalume em meio a escuridão da floresta simboliza o quê?

      Simboliza a esperança que se deve ter após a queda do Paraíso, após o mergulho nas imperfeições da condição humana.