quinta-feira, 25 de abril de 2024

CRÔNICA: PALAVRINHA PERIGOSA - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: Palavrinha Perigosa

               Walcyr Carrasco

  Visito uma amiga, dona de um antiquário. Detalhe: ela mora na parte de cima da loja. Para minha surpresa, nesse sábado, meio da tarde, parece haver uma festa no pátio. Várias pessoas bebem cerveja e comem bolinhos de bacalhau, fritos por uma senhora portuguesa, vizinha da loja. Um rapaz faz drinques e sucos. Minha amiga se apressa a me receber.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLAZak3A6BslxwYIcQGYJenkAaL9XtFEVEyu6UVKuDT1z0LT0Bq4hkeZYWs2Q84XRmp5LiJhcxmf5R73HciYLa3kfCmsrxHRJel0keEvBimOB83O7bDrusijGAb1oLZ3q9Y1-Hf18Xesz73o4u8a-Au2XiDTG3s_Wl4qAt1RW5gokRuv1rjtEejFYfpN0/s320/ACEITAR.jpg


— Aceita uma cerveja? Ou prefere um suco?

Aceito, é claro. Um suco geladinho, delicioso. Como alguns bolinhos de bacalhau. Entro no papo. Dali a algum tempo, resolvo me despedir. Sorrio, grato pela tarde deliciosa.

— Bem, vou indo....

Imediatamente, ela saca um bloquinho, a caneta, e começa a fazer as

contas.

— Deixa ver. Você tomou um suco... ou foram dois? Quantos bolinhos de bacalhau?

A senhora portuguesa grita:

         — Seis! Ele comeu seis!       :

Bem, eu comi seis pensando que fosse de graça! Arranco algumas notas do

bolso, desenxabido. Ela recebe, feliz da vida.

— Volte sábado que vem.

É o drama da palavra "aceita". Ah, palavrinha perigosa!

Conheci uma jovem que veio do interior estudar. Vida difícil, morando em pensionato. Um dia resolveu fazer uma extravagância. Saiu com umas amigas, estudantes como. ela, para jantar fora. Sentaram-se no restaurante. Nenhuma tinha experiência de cidade grande. Veio o garçom.

— Aceitam uma entrada?

—Aceitamos!

— Aceitam um vinho?

— Oh, sim, aceitamos!

E foram aceitando. Certas de que fosse uma gentileza, já que ninguém estava falando em dinheiro. No final veio a conta. Quase morreram de susto. Passaram o mês comendo ovo com pão. 

O verbo aceitar acabou se tornando uma forma disfarçada de empurrar a mercadoria sem discutir o preço. O correto seria o garçom ter oferecido a carta de vinhos.

Em tempos bicudos, as coisas ficam ainda mais difíceis. Recentemente fui à casa de um amigo na Vila Madalena. Artesão. Mal entrei, ele lembrou.

— Ainda não dei seu presente de aniversário! Está guardado.

Foi para dentro, voltou com uma caixinha de madeira enfeitada com flores

do tipo que detesto. Sorriu e disse:     

— Que acha? Gosta?

-— É... linda!     

— Quer ficar com ela?

— Claro!

Afinal, o que se diz diante de um presente? Mas a coisa não era bem assim.

Saltitante, ele entrou no quarto. Voltou com um pacote.

— Este é seu presente.

— Ahnnn?

Desembrulho uma camiseta, atônito. Ele continua:

— Pela caixinha, vou fazer um preço especial!

E manda ver! Que tática, hein? Como voltar atrás, ainda por cima sendo uma obra assinada pelo próprio? Deu vontade de atirar a caixinha na cabeça dele.

Uma amiga, que mora em um bairro de classe média tradicional da cidade, anda apavorada. Diante da crise que assola as melhores famílias, a maioria das vizinhas partiu para negócios domésticos. Uma faz massas em casa. Outra, doces e bolos. As visitas amigáveis de antigamente transformaram-se em armadilhas.

—- Não quer levar uma lasanha para casa?

A ingênua caiu na conversa algumas vezes. Logo depois de embrulhada a massa, ou a bandeja de docinhos, vinha o preço.

— Mas... mas...

Nos bons tempos, bastava devolver o prato com outra gulodice. Minha amiga desenvolveu uma tática.

— Estou de regime.

Ninguém acredita, é claro. Continua gordíssima. Mas com o dinheiro no

bolso.

 Eu optei pela franqueza.

— Não aceito não.

— Mas está tão gostoso.

— Não quero, não quero e não quero!

Vou acabar passando por mal-educado. Mas do jeito que as coisas vão,

ficou perigoso aceitar até presente de aniversário.

 Entendendo o texto

01. Qual é o principal tema abordado na crônica "Palavrinha Perigosa" de Walcyr Carrasco?

a.   Experiências gastronômicas.

b.   Os desafios de viver na cidade grande.

c.   A arte de presentear.

d.   Os mal-entendidos causados pelo verbo "aceitar".

02. Qual é a situação inicial descrita pelo autor ao visitar a amiga no antiquário?

a. Uma festa de aniversário.

b. Uma degustação de vinhos.

c. Um encontro casual.

d. Um evento de venda de antiguidades.

     03. O que acontece quando o autor menciona que vai embora após a festa?

         a. Ele é cobrado pelos gastos que teve.

         b. Ele recebe presentes inesperados.

         c. Ele é convidado para outra festa.

         d. Ele é elogiado pela sua presença.

   04. Qual é o exemplo dado pelo autor sobre o uso perigoso da palavra "aceitar" em um restaurante?

         a. Uma jovem pede diversos pratos sem saber o preço.

         b. Um grupo de amigos é surpreendido com uma conta alta após aceitar vários itens.

         c. Um garçom oferece gentilezas que no final se revelam caras.

          d. Um restaurante oferece promoções falsas aos clientes.

  05. O que o autor descobre ao aceitar um presente de aniversário de um amigo artesão?

         a. O presente era um objeto valioso.

         b. O presente era uma caixa vazia.

         c. O amigo queria vendê-lo por um preço especial.

         d. O amigo esperava uma reação negativa.

 06. Como as visitas amigáveis se transformaram em armadilhas no bairro da amiga do autor?

         a. Os vizinhos começaram a se afastar uns dos outros.

         b. As vizinhas passaram a oferecer alimentos com preços ocultos.

         c. As visitas se tornaram cada vez mais frequentes.

         d. As vendas de massas e doces aumentaram.

   07. Qual é a estratégia desenvolvida pela amiga do autor para lidar com as ofertas indesejadas de comida?

          a. Ela alega estar de dieta.

          b. Ela recusa educadamente.

          c. Ela finge não estar em casa.

          d. Ela aceita e depois devolve os alimentos.

    08. Por que o autor considera perigoso aceitar até presentes de aniversário?

         a. Porque geralmente são presentes caros.

         b. Porque podem vir acompanhados de cobranças ou vendas ocultas.

          c. Porque os presentes podem ser de má qualidade.

          d. Porque os presentes podem ser indesejados.

   09. Qual é o sentimento principal transmitido pelo autor em relação às mudanças nas relações sociais devido às dificuldades econômicas?

          a. Contentamento.

          b. Confusão.

          c. Desconfiança.

          d. Preocupação.

   10. Qual é a mensagem central que o autor deseja transmitir com a crônica "Palavrinha Perigosa"?

         a. A importância de aceitar presentes generosos.

         b. A necessidade de ser franco ao recusar ofertas.

         c. Os perigos de assumir compromissos sem entender as consequências.

         d. As vantagens de viver em uma cidade grande.

 

 

CRÔNICA: A PRAÇA - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: A Praça

           Walcyr Carrasco

 

No final da adolescência, meu sonho era ser ator. Até fiz pontas no teatro. O salário era baixo, mas eu cumpria o ritual de todos os candidatos a astro. Ia religiosamente ao restaurante Gigetto, onde famosos e aspirantes se cruzavam. (Por sinal, o Gigetto mantém até hoje a tradição.) Eu pertencia à turma do couvert. Espécime que, por falta de fundos, contentava-se em filar o couvert alheio. Puxava uma cadeira e me pendurava em mesas lotadas. Tomava no máximo um refrigerante. Surrupiava azeitonas e pedaços de pão com manteiga.

  Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgK9vzNmn6A0JDeImTnXC8KyuVJiioT2toh3nCO06kWIzcI_0EpTj2WuuCqIAep9o6ZldXYABEb8INaQocuLow25uNaLfWbm5eSxy28T4F3sjKPO929ZUySp9RtqIH7G4mZA5pfWfT6TBaTw-l8s6f6W4G71JnXuv2LDkMJrbVTrut21Edh7oAzOKkZ8v4/s320/praca-da-republica.jpg

Tipos como eu eram comuns. A ponto de, em certa época, o Piolin, outra meca de aspirantes a ator, exigir que pelo menos alguém na mesa pedisse um prato. Entrava no restaurante e espreitava mesa por mesa, até achar algum conhecido com emprego suficiente para encomendar um frango a passarinho. As horas passavam, com longas conversas sobre testes, espetáculos a ser montados etc. Onde estavam procurando um magricela loirinho e tão míope a ponto de ser capaz de cair do palco?

Havia um problema de horário. Invariavelmente, a chamada "classe teatral" ia ao restaurante depois dos espetáculos. Eu morava no bairro da Lapa, e o ônibus parava à meia-noite, para voltar a circular ao amanhecer. Eram bons tempos. Para mim, ao menos. Embora não certamente para meus pais, que viviam descabelados, olhando a cada quinze minutos pela janela. -— Não veio ainda — murmurava minha mãe. 

— Já está na hora dele tomar jeito! — rosnava meu pai.

Se não pintava nenhuma festa, só havia uma maneira de chegar em casa. Ficar conversando até o amanhecer. Eu e meus amigos, a pé como eu, caminhávamos pelas ruas, batendo papo. Um casal de amigos vivia em uma quitinete da rua Caio Prado. Era comum receberem meia dúzia de visitantes às duas da manhã. Acordavam e ficavam conversando até o sol raiar. Ou nos acomodávamos no chão, para esperar o fim da madrugada. Isso quando não éramos impedidos de entrar pelo porteiro do prédio, que fiscalizava o excesso de bagunça.

Mas, na maioria das noites, andávamos. Não bebíamos, como pode parecer. Só caminhávamos, falando sobre a vida, sonhos, arte, projetos. Ou sobre ávida alheia, porque ninguém é de ferro. Lembro especialmente de uma noite em que, junto com um amigo, Cândido, sentei em um banco da praça da República. Absolutamente vazia. A não ser por uns patos que viviam no laguinho. Cândido não era ator, mas adorava a noite. Vivia em uma pensão no raio que o parta. A família, do interior. Esperava a decisão de um inventário. Nunca mais o vi, e às vezes tento imaginar o que aconteceu com ele. Soube, há anos, que a tal fortuna saiu. Já é uma vantagem. Passamos a noite batendo papo naquele banco. Ele se lamentava. Acabara de romper com a namorada, trocado por um baiano que ela conhecera no carnaval em Salvador. Falamos longamente sobre a vida. Às vezes passava alguém, nos olhava. Ou até cumprimentava de longe, e continuava seu caminho. O dia amanheceu, e nem sentimos o tempo passar. Ainda fomos tomar uma média com pão e manteiga. Fui ao ponto, peguei o ônibus. Quase dormi no banco, mas cheguei em casa leve, após uma boa noite de conversa.

Hoje, por uma dessas coincidências da vida, moro em um apartamento que dá frente para a praça da República. Patinhos no lago, nem pensar. Não resistiriam mais de meia hora, até serem levados, depenados e assados. Quando quero atravessar a praça, evito passar por cima. Prefiro ir por baixo, pela estação do metrô, que é mais seguro. Outro dia estava com um vizinho, pronto para voltar à superfície pela escada rolante. Um rapaz aproximou-se, chocado.

— Fui cercado por seis pivetes. Queriam minha carteira, nem sei como estou aqui.

Meu vizinho recuou, com medo. Eu ainda conversei. O rapaz só queria desabafar, ainda tremia. O síndico do meu prédio participa de um grupo que tenta fazer tai chi na praça. Pouca gente vai, mas ele insiste a duras penas. Há sujeira. Há uma coisa pesada no ar. Nunca mais sentei em um banco, nem mesmo de dia.     

Juro, tenho saudade daquele tempo em que ficar conversando na praça podia ser uma coisa normal. Não só nela. Não conheço ninguém capaz de cometer a ousadia de sentar em uma praça, mesmo em um bairro, e passar a noite batendo papo. Parece que o centro, com tanto policiamento, ainda é o lugar mais seguro. Pois em muitos bairros assaltam-se até prédios inteiros. Havia menos linhas de ônibus. Menos projetos disso e daquilo. Mas o laguinho podia ter patos.

Sinto que perdi alguma coisa essencial. Hoje, tenho meu apartamento, carro. Não preciso esperar o horário do ônibus.

Mas, no fundo, sou proprietário de muito menos. Antes, eu era dono da cidade.           

Entendendo o texto

01.Qual era o sonho principal do autor na adolescência?

     a. Ser médico.

     b. Tornar-se um músico famoso.

     c. Ser um ator.

     d. Viajar pelo mundo.

02. Onde o autor e seus amigos costumavam se encontrar após os espetáculos teatrais?

    a. No restaurante Gigetto.

    b. Na estação de metrô.

    c. Na praia.

    d. No parque.

03. Como o autor descreve sua rotina noturna após os espetáculos teatrais?

    a. Voltando para casa de carro.

    b. Conversando nas ruas até o amanhecer.

    c. Assistindo filmes em casa.

    d. Indo para festas.

04. O que o autor costumava fazer para retornar para casa quando o ônibus já não estava mais em circulação?

    a. Pegava um táxi.

    b. Ficava conversando até o amanhecer.

    c. Caminhava com os amigos.

    d. Pedalava até em casa.

05. Qual era o sentimento dos pais do autor em relação aos seus hábitos noturnos?

     a. Preocupação.

     b. Indiferença.

     c. Alegria.

     d. Despreocupação.

06. O que o autor e seu amigo Cândido faziam nas noites em que se encontravam na praça da República?

     a. Jogavam futebol.

     b. Conversavam até o amanhecer.

     c. Corriam ao redor do lago.

     d. Observavam os patos.

07. Qual era o tema principal da conversa do autor e de Cândido durante a noite na praça?

     a. Arte e sonhos.

     b. Esportes e competições.

     c. Política e economia.

     d. Tecnologia e ciência.

08. Como o autor descreve sua relação atual com a praça da República?

      a. Evita atravessá-la.

      b. Frequenta-a diariamente.

      c. Participa de grupos de exercício lá.

      d. Alimenta os patos no lago.

09. O que o autor sente falta em relação aos tempos passados na praça da República?

     a. Os patos no lago.

     b. As longas conversas noturnas.

     c. A sensação de segurança.

     d. A variedade de ônibus disponíveis.

10. Qual é a principal reflexão do autor ao comparar seu presente com o passado vivido na cidade?

      a. Ele se sente mais realizado agora.

      b. Ele percebe que tinha mais liberdade e propriedade sobre a cidade no passado.

      c. Ele prefere a tranquilidade do seu apartamento atual.

      d. Ele valoriza mais as oportunidades que teve na juventude.

 

 

CRÔNICA: MUAMBAS DE LUXO - WALCYR CARRASCO - COM GABARITO

 Crônica: Muambas de Luxo

                Walcyr Carrasco

 

HÁ DUAS SEMANAS FIZ as malas e parti para os Estados Unidos. Férias! Ainda sou do tipo caipira, que quando vai pegar um avião anuncia aos quatro ventos. Nunca mais farei isso. Mal contei, começaram as encomendas:

— Você me compra creme de barbear? — pediu um.

— Aqui existem tantas marcas...

— O que eu gosto é americano. Nas lojas, cobram 7 reais.

  Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-tEsKkRkvqNOBAMPkyPYiWifPeA0z-1U1bhOYQtnlPnkhOccsOe9dWGueDOd_deI3RzF5XNjIozvi2SW91woM0PQviSqW84AYqEOnNSv33V_QjH8HlO4l8cAC2kR9IzMV465SSFsrkbtt8pdfXL8h7SMu5efo4NAyIbwQowmu5_a1KU95W0UjU2c-qsY/s1600/MUAMBAS.jpg



         No free shop, só 4!      .        .

Nos dias seguintes recebi uma enxurrada de telefonemas:

— Eu uso um perfume que é caríssimo no Brasil.

— Uma vez eu ganhei um relógio com um cachorrinho que late ao despertar. Da Disney. Arruma um para o meu sobrinho?

É um constrangimento. As pessoas se comportam como se estivessem no interior da selva amazônica, ávidas por gotas de civilização. Há pedidos completamente estapafúrdios. Meses atrás, um ator de voz afinada pediu a um amigo meu que ia a Nova York: "Não poderia trazer partituras musicais para um show?". O turista passou duas tardes correndo a cidade e achou algumas. Ao entregá-las, ouviu um rosnado:

— Só essas? Se tivesse procurado com vontade teria encontrado mais.

O show nunca foi montado. A amizade esfriou. Muitas vezes tentei

recusar, explicando:

— Vou a trabalho, nem sei se terei tempo...

A pessoa sempre insiste. Age como se fosse desfeita. Entre . o pedido e a entrega existem várias armadilhas capazes de acabar com uma amizade. Como a questão do preço. Certa vez um rapaz insistiu para que eu trouxesse um gravadorzinho. Comprei na primeira loja. Ainda me lembro do sorriso do chinês do balcão. Ao chegar, entendi o porquê de tanta alegria.

— Aqui no Brasil é muito mais barato!

— Você ainda queria que eu pechinchasse? -— admirei-me.

Ele me olhou torto, como se eu estivesse tirando algum por fora. Algumas situações ficam muito desagradáveis. Um advogado, conhecido meu, esqueceu-se de procurar um xampu. Ao voltar, comprou num shopping e o entregou à colega de escritório como se fosse trazido do exterior. Cobrou metade do que pagou. Só para não ficar chato. Foi pior: agora vai viajar de novo e a moça lhe deu uma lista enorme, para aproveitar o preço.

Pavoroso é o amigo que encomenda pôster. Não adianta bater o pé, dizer que não cabe em mala nenhuma, que serei obrigado à trazer na mão.

— E leve, qual o problema de carregar? — ouço de volta.

Nem sei como reagir diante da observação. Carregar tralha é horrível até em viagens curtas de ônibus, como de São Paulo a Santos. Quanto mais em aeroportos, onde se deve chegar duas horas antes, esperar para embarcar etc, etc. Será que ninguém pensa que em vez de fazer compras eu quero aproveitar a viagem? Bem, minha mãe dizia que pimenta nos olhos dos outros é refresco.

A frase mais terrível certamente é:

— Você traz que depois a gente acerta.

Por causa dela, cheguei a dar calote. Há alguns anos uma produtora teatral me pediu para encontrar um diretor em Nova York e pegar um texto com ele. Pagaria as despesas, explicou. Esperei no hotel, o homem não chegava. Eu tinha um compromisso, saí correndo. Voltei, encontrei o texto e um bilhete com a conta. Era um livro caríssimo, fora dos catálogos. Telefono para ele, não encontro. Ele liga de volta, deixa recado. Acabei partindo sem pagar. Foi a sorte. A produtora pegou o livro, sorriu, agradeceu, disfarçou e nem perguntou quanto custara. Ou seja: eu também não iria receber.

Finalmente aprendi. Ao desembarcar em Cumbica, fui ao free shop tratar das encomendas. Fiquei uma hora escolhendo licores, chocolates, latinhas de patê, telefones sem fio. Cheguei aos perfumes. De todos, só não havia o meu. Senti-me injustiçado. Estava lá, camelando com as compras, e para mim nada? Podem me chamar de egoísta. Abandonei o carrinho.

Os amigos fazem de tudo para transformar o turista em ás do contrabando. Decidi: encomendas, não mais. Sei de gente que ficará de nariz torcido. Assumo: odeio peregrinar pelas lojas, carregar malas, esfalfar-me nos aeroportos. Para muambeiro de luxo, nunca tive vocação.

Entendendo o texto

01. Qual é o tema principal abordado na crônica "Muambas de Luxo" de Walcyr Carrasco?

a. Comportamento dos turistas em viagem.

b. A experiência de compras em free shops.

c. Dicas de viagem para os Estados Unidos.

d. Histórias engraçadas de malas extraviadas.

   02. Qual é o sentimento do autor em relação às encomendas feitas por amigos e conhecidos durante sua viagem?

          a. Alegria por ajudar.

          b. Indiferença.

          c. Frustração e irritação.

          d. Entusiasmo por fazer compras.

   03. Por que o autor descreve seus amigos como transformando-o em um "ás do contrabando"?

         a. Porque gostam de envolvê-lo em atividades ilegais.

         b. Porque o incentivam a trazer produtos de forma clandestina.

         c. Porque esperam que ele traga produtos de forma vantajosa durante suas viagens.

         d. Porque querem colecionar itens exóticos trazidos por ele.

   04. O que o autor menciona como um dos pontos negativos das encomendas que recebe durante suas viagens?

         a. O peso extra na bagagem.

         b. A falta de interesse dos amigos.

         c. O desinteresse das lojas em atender seus pedidos.

         d. A dificuldade de escolher os produtos certos.

 05. Qual foi a reação do autor ao descobrir que o gravador comprado no exterior era mais barato no Brasil?

         a. Ele ficou contente por ter conseguido um bom negócio.

       b. Ele se surpreendeu com a reação de seu amigo.

      c. Ele se sentiu mal por não ter pechinchado o preço.

      d. Ele achou engraçada a situação.

    06. O que aconteceu com o show que o autor ajudou a providenciar partituras musicais?

      a. O show foi um grande sucesso.

      b. O show foi cancelado.

      c. O autor não menciona o resultado do show.

      d. O autor não chegou a assistir ao show.

   07. Por que o autor decidiu não mais aceitar encomendas durante suas viagens?

      a. Porque seus amigos não apreciavam seus esforços.

      b. Porque ele não gosta de fazer compras.

      c. Porque a experiência se tornou desagradável e estressante.

      d. Porque ele prefere viajar sem bagagem.

  08.Qual foi a situação que levou o autor a dar um "calote" involuntário durante uma viagem?

      a. Ele esqueceu de pagar uma conta de hotel.

      b. Ele não conseguiu encontrar um diretor de teatro em Nova York.

      c. Ele foi enganado ao comprar um produto caro no exterior.

      d. Ele não recebeu o pagamento pelo livro que entregou.

  09. O que fez o autor abandonar suas compras no free shop ao final da crônica?

      a. Ele percebeu que estava gastando demais.

      b. Ele não encontrou o perfume que queria.

      c. Ele decidiu não mais comprar presentes para seus amigos.

      d. Ele sentiu-se injustiçado ao perceber que seus amigos não valorizavam seus esforços.

10. Qual é a conclusão principal que o autor tira ao final da crônica "Muambas de Luxo"?

       a. Ele decide viajar mais frequentemente para os Estados Unidos.

       b. Ele percebe que não gosta de fazer compras para os outros durante suas viagens.

       c. Ele conclui que seus amigos não são gratos por suas ajudas.

       d. Ele decide se mudar para o exterior permanentemente.

 

 

 

 

quarta-feira, 17 de abril de 2024

MÚSICA(ATIVIDADES): FEITO PRA ACABAR - MARCELO JENECI - COM GABARITO

 Música(ATIVIDADES): Feito Pra Acabar

             Marcelo Jeneci

Quem me diz
Da estrada que não cabe onde termina
Da luz que cega quando te ilumina
Da pergunta que emudece o coração

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg_HohUySE_Ow39nOoeDat-cqbpx1JtMIwpYkIgW6r-H3YZ02db53bMNvl5ykuZyuxx8ahJIJf6-s4516xW4_UPl2tUpf1s1cIjS4SU-uTaAf4rE5ATYXXowcsBtsKHH_Uui2tNQdGvK1SyDrD2V8Y65ihcPHjOVI6a4fcQ7nEKjHbRBQNs7AMcmyGP3wI/s1600/Capa_de_Feito_pra_Acabar.jpg


Quantas são
As dores e alegrias de uma vida
Jogadas na explosão de tanta vida
Vezes tudo que não cabe no querer

Vai saber
Se olhando bem no rosto do impossível
O véu, o vento o alvo invisível
Se desvenda o que nos une ainda assim

A gente é feito pra acabar
A gente é feito pra dizer que sim
A gente é feito pra caber no mar
E isso nunca vai ter fim.

Composição: Marcelo Jeneci / José Miguel Wisnik / Paulo Neves. Int.: Marcelo Jeneci. In: JENECI, Marcelo. Feito pra acabar. Rio de Janeiro: Som Livre, 2010. Faiaxa 13.

Fonte: Língua Portuguesa. Se liga na língua – Literatura – Produção de texto – Linguagem. Wilton Ormundo / Cristiane Siniscalchi. 1 Ensino Médio. Ed. Moderna. 1ª edição. São Paulo, 2016. p. 87.

Entendendo a música:

01 – Analisando a letra dessa canção, constatamos que ela apresenta uma estrutura paralelística. Extraia do texto exemplos de paralelismo, tanto em relação à forma quanto em relação ao conteúdo.

      As três primeiras estrofes são estruturadas de maneira semelhante, iniciando por versos curtos (forma), que sugerem um questionamento sobre a experiência humana (conteúdo). No último quarteto, repete-se a estrutura “A gente é feito pra” (forma), e ele é construído a partir de constatações sobre a condição humana (conteúdo).

02 – No primeiro quarteto, o eu lírico propõe reflexões sobre a vida. discuta com seus colegas e traduza algumas dessas reflexões. Atente para as metáforas presentes nos versos: estrada, luz, pergunta e coração.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestões: “estrada” como metáfora do percurso de uma vida, o qual, muitas vezes, é tão intenso que parece não caber numa só existência; “luz” como metáfora da intensidade, do desejo que, quando surge, pode cegar.

03 – O segundo quarteto é estruturado a partir de duas figuras de linguagem, a hipérbole (exagero na expressão) e a antítese (associação de ideias contrárias).

a)   Explique como elas foram construídas na estrofe.

A hipérbole é construída a partir da ideia de que as dores e alegrias que marcam a existência humana, quando multiplicadas pelas muitas vidas que existem, são infinitas. A antítese se constrói a partir da oposição entre “dores” e “alegrias”.

b)   Qual o efeito expressivo dessas figuras de linguagem no texto em estudo?

Utilizando uma hipérbole, o eu lírico mostra que são infinitas as dores e alegrias que caracterizam a existência de todo e qualquer ser humano. A antítese serve para sugerir que não existe vida humana em que predomine exclusivamente a dor ou a alegria. a experiência humana é ampla e nela cabem dores e delícias, vida e morte, amor e ódio, etc.

04 – O que o eu lírico “desvenda”? Se necessário, releia a terceira e a quarta estrofes.

      O eu lírico “desvenda” que a vida é finita e que se morre, mas afirma que é necessário viver com intensidade e não se furtar às experiências, além de defender que é preciso reservar espaço para o risco, para a poesia e para o desconhecido.

CARTA: QUINTA - FRAGMENTO - SÓROR MARIANA ALCOFORADO - COM GABARITO

 Carta: QUINTA – Fragmento

           Sóror Mariana Alcoforado

        Escrevo-lhe pela última vez e espero fazer-lhe sentir, na diferença de termos e modos desta carta, que finalmente acabou por me convencer de que já me não ama e que devo, portanto, deixar de o amar.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdrfCvhUF3D0hXUAIzRM1YVre8bYuIulaWIJSyes8Xiw8rmHXFjRwLurDIoOaTmRWFnf406FBzkJLnH2fT0Wt1yANAlIPk15teWoy790vkJN7BdNrA_mBPjCxeSV5ARaaqMrtiKWKm0-iY-Re54Cx_4zrPd5PqhtD3SFl2nbFJvMJk3B7KCHi_gV96KYs/s320/CARTA.jpg


        Mandar-lhe-ei, pelo primeiro meio, o que me resta ainda de si. Não receie que lhe volte a escrever, pois nem sequer porei o seu nome na encomenda. [...]

        Não conheci o desvario do meu amor senão quando me esforcei de todas as maneiras para me curar dele, e receio que nem ousasse tentá-lo se pudesse prever tanta dificuldade e tanta violência. Creio que me teria sido menos doloroso continuar a amá-lo, apesar da sua ingratidão, do que deixá-lo para sempre. Descobri que lhe queria menos do que à minha paixão, e sofri penosamente em combatê-la, depois que o seu indigno procedimento me tornou odioso todo o seu ser.

        O orgulho tão próprio das mulheres não me ajudou a tomar qualquer decisão contra si. Ai, suportei o seu desprezo, e teria suportado o ódio e o ciúme que me provocasse a sua inclinação por outra! Ao menos, teria qualquer paixão a combater. Mas a sua indiferença é intolerável.

        Os impertinentes protestos de amizade e a ridícula correção da sua última carta provaram-me ter recebido todas as que lhe escrevi e que, apesar de as ter lido, não perturbaram o seu coração.

        Ingrato! E a minha loucura é tanta ainda, que desespero por já não poder iludir-me com a ideia de não chegarem aí, ou de não lhe terem sido entregues.

        Detesto a sua franqueza. Pedi-lhe eu para me dizer pura e simplesmente a verdade? Porque me não deixou com a minha paixão? Bastava não me ter escrito: eu não procurava ser esclarecida. Não me chegava a desgraça de não ter conseguido de si o cuidado de me iludir? Era preciso não lhe poder perdoar? Saiba que acabei por ver quanto é indigno dos meus sentimentos; conheço agora todas as suas detestáveis qualidades. Mas, se tudo quanto fiz por si pode merecer-lhe qualquer pequena atenção para algum favor que lhe peça, suplico-lhe que não me escreva mais e me ajude a esquecê-lo completamente. Se me mostrasse, ao de leve que fosse, ter sentido algum desgosto ao ler esta carta, talvez eu acreditasse; talvez a sua confissão e o seu arrependimento me enchessem de cólera e de despeito; e tudo isso poderia de novo incendiar-me.

        Não se meta pois no meu caminho; destruiria, sem dúvida, todos os meus projetos, fosse qual fosse a maneira porque se intrometesse. Não me interessa saber o resultado desta carta; não perturbe o estado para que me estou preparando.

        Parece-me que pode estar satisfeito com o mal que me causa, qualquer que fosse a sua intenção de me desgraçar. Não me tire desta incerteza; com o tempo espero fazer dela qualquer coisa parecida com a tranquilidade. Prometo-lhe não o ficar a odiar: por de mais desconfio de sentimentos de sentimentos exaltados para me permitir intentá-lo. Estou convencida de que talvez encontrasse aqui um amante melhor e mais fiel; mas ai!, quem me poderá ter amor? Conseguirá a paixão de outro homem absorver-me? Que poder teve a minha sobre si? Não sei eu por experiência que um coração enternecido nunca mais esquece quem lhe revelou prazeres que não conhecia, e de que era suscetível?, que todos os seus impulsos estão ligados ao ídolo que criou? que os seus primeiros pensamentos e primeiras feridas não podem curar-se nem apagar-se?, que todas as paixões que se oferecem como auxílio, e se esforçam por o encher e apaziguar, lhe prometem em vão um sentimento que não voltará a encontrar? , que todas as distrações que procura, sem nenhuma vontade de as encontrar, apenas servem para o convencer que nada ama tanto como a lembrança do seu sofrimento? Porque me deu a conhecer a imperfeição e o desencanto de uma afeição que não deve durar eternamente, e a amargura que acompanha um amor violento, quando não é correspondido? E porque razão, uma cega inclinação e um cruel destino, persistem quase sempre em prender-nos àqueles que só a outros são sensíveis? [...].

        Ao devolver-lhe as suas cartas, guardarei, cuidadosamente, as duas últimas que me escreveu; hei de lê-las ainda mais do que li as primeiras, para não voltar a cair nas minhas fraquezas. Ah, quanto me custam e como teria sido feliz se tivesse consentido que o amasse sempre! Reconheço que me preocupo ainda muito com as minhas queixas e a sua infidelidade, mas lembre-se que a mim própria prometi um estado mais tranquilo, que espero atingir, eu então tomarei uma resolução extrema, que virá a conhecer sem grande desgosto. De si nada mais quero.

        Sou uma doida, passo o tempo a dizer a mesma coisa. É preciso deixá-lo e não pensar mais em si. Creio mesmo que não voltarei a escrever-lhe.

        Que obrigação tenho eu de lhe dar conta de todos os meus sentimentos?

        FIM

ALCOFORADO, Sóror Mariana. Quinta carta. In: MAGALHÃES, Isabel Allegro de. História e antologia da literatura portuguesa – Século XVII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005. p. 80-81.

Fonte: Língua Portuguesa. Se liga na língua – Literatura – Produção de texto – Linguagem. Wilton Ormundo / Cristiane Siniscalchi. 1 Ensino Médio. Ed. Moderna. 1ª edição. São Paulo, 2016. p. 93-95.

Entendendo a carta:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Desvario: loucura.

·        Impertinentes: inadequados.

·        Correcção: cuidado.

·        Cólera: ira.

·        Intentá-lo: tenta-lo.

·        Suscetível: capaz de receber.

02 – Qual o objetivo da quinta carta de Alcoforado?

      Registrar sua indignação com o amante e pedir a ele que não escreva mais para ela.

03 – Que tipo de sentimento você identificou nela?

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Raiva, mágoa, indignação, desprezo, etc.

04 – A carta de Alcoforado nos permite inferir, de acordo com o ponto de vista da remetente, algumas características morais de seu amante. Quais seriam elas?

      Pode-se inferir, pela leitura da carta, que o amante de Alcoforado é um homem ingrato, indigno, indiferente e franco.

05 – Qual é o tema central da carta "Quinta" de Sóror Mariana Alcoforado?

      O tema central é o desgosto e a desilusão amorosa da autora em relação a alguém que não corresponde ao seu amor, expressando sua dor e tentativas de superação.

06 – Como a autora descreve a sua reação diante da indiferença da pessoa amada?

      A autora descreve a indiferença como intolerável e mais dolorosa do que qualquer desprezo, ódio ou ciúme que poderia ter enfrentado.

07 – Quais são os sentimentos predominantes expressos pela autora em relação ao seu amor não correspondido?

      A autora expressa sentimentos de desgosto, desilusão, tristeza e incredulidade diante da indiferença e da falta de reciprocidade do seu amor.

08 – Como a autora percebe a franqueza da pessoa amada?

      A autora detesta a franqueza da pessoa amada, questionando por que a verdade foi revelada se não havia intenção de buscar esclarecimentos, preferindo viver na ilusão da paixão.

09 – Qual é o pedido final da autora para a pessoa amada ao final da carta?

      A autora suplica que a pessoa amada não lhe escreva mais e a ajude a esquecê-lo completamente, prometendo não odiá-lo e buscando alcançar um estado de tranquilidade emocional.

10 – Como a autora espera lidar com suas emoções futuras em relação ao amor não correspondido?

      A autora espera alcançar um estado mais tranquilo e promete tomar uma "resolução extrema" quando atingir esse estado, sugerindo um distanciamento definitivo.

11 – Qual é a atitude que a autora decide tomar em relação ao seu amor não correspondido no desfecho da carta?

      A autora decide que é necessário deixar de amar essa pessoa e não pensar mais nela, expressando resignação e aceitação da situação.