quarta-feira, 2 de abril de 2025

SONETO: QUANDO OLHO PARA MIM NÃO ME PERCEBO - ÁLVARO DE CAMPOS - COM GABARITO

 Soneto: Quando olho para mim não me percebo

             ÀLVARO DE CAMPOS

Quando olho para mim não me percebo.

Tenho tanto a mania de sentir

Que me extravio às vezes ao sair

Das próprias sensações que eu recebo.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYTbytuc6tk-KdWiGsgZuo09EkkCdxwF2IPTFfH6K44_a5P6oeY1ZpDJJJ45rsewKzEggdgD8RmI7aj3NQeWToyQRcqmeO_7ElXASMk8hIjzokpoDD7ThOwRoirrHeGReAoIL4NGcF8Z6nqhjFAtdjyEARaENR2ja-GSEC3AJdGAKZxYzfu8gP1duZcp0/s320/tumblr_n2vf62Z7if1sthf15o1_1280.jpg


 

O ar que respiro, este licor que bebo

Pertencem ao meu modo de existir,

E eu nunca sei como hei de concluir

As sensações que a meu pesar concebo.

 

Nem nunca, propriamente, reparei

Se na verdade sinto o que sinto. Eu

Serei tal qual pareço em mim? Serei.

 

Tal qual me julgo verdadeiramente?

Mesmo ante às sensações sou um pouco ateu,

Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.

PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro, Aguilar, 1974. p. 301.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 447.

Entendendo o soneto:

01 – Qual é a principal angústia expressa pelo eu lírico no poema?

      A principal angústia do eu lírico é a dificuldade em definir a própria identidade e a incerteza sobre a autenticidade de suas sensações. Ele questiona se o que sente é realmente verdadeiro e se a imagem que tem de si mesmo corresponde à realidade.

02 – Como o eu lírico descreve sua relação com as próprias sensações?

      O eu lírico se sente perdido em meio às próprias sensações, como se elas o desviassem de si mesmo. Ele menciona que o ar que respira e a bebida que consome fazem parte de seu modo de existir, mas não consegue concluir o que sente.

03 – Qual a metáfora utilizada no último verso do poema e qual o seu significado?

      No último verso, o eu lírico se compara a um "ateu" diante de suas próprias sensações. Essa metáfora expressa a descrença e a dúvida em relação à autenticidade do que sente, como se não acreditasse que as sensações realmente emanassem dele.

04 – Qual é o tema central abordado no soneto?

      O tema central do soneto é a busca pela identidade e a dificuldade em definir o "eu". O eu lírico questiona a própria existência e a veracidade de suas sensações, expressando uma profunda angústia existencial.

05 – Como a estrutura do soneto contribui para a expressão da angústia do eu lírico?

      A estrutura do soneto, com seus 14 versos e rimas precisas, cria um ritmo que intensifica a sensação de aprisionamento e reflexão introspectiva. A forma fixa do soneto contrasta com a fluidez das dúvidas existenciais do eu lírico, criando um efeito de tensão que ressalta a angústia expressa no poema.

 

 

CONTO: A HORA E VEZ DE AUGUSTO MATRAGA - FRAGMENTO - GUIMARÃES ROSA - COM GABARITO

 Conto: A hora e a vez de Augusto Matraga – Fragmento

           Guimarães Rosa

        Mas, afinal, as chuvas cessaram, e deu uma manhã em que Nhô Augusto saiu para o terreiro e desconheceu o mundo: um sol, talqualzinho a bola de enxofre do fundo do pote, marinhava céu acima, num azul de água sem praias, com luz jogada de um para o outro lado, e um desperdício de verdes cá embaixo – a manhã mais bonita que ele já pudera ver.

 Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEimtXtzrxY2ucsUMNmt5b95OMueUkTs8XGOuU5uZtLofNXYSeK8GL-AuRuOuVZXbzFksxg7rgzT5aZzSDbpg0g9D5axQuM7wvUCDaep0RMFY2zjsaW1Df0-uqC9hecVW51uZL-XV3gIvta6A35oPsEaFhZ8mpGPmj0ALf-V_gbNN4re9vSILtVDitAwmEg/s1600/images.jpg


        Estava capinando, na beira do rego.

        De repente, na altura, a manhã gargalhou: um bando de maitacas passava, tinindo guizos, partindo vidros, estralejando de rir. E outro. Mais outro. E ainda outro, mais baixo, com as maitacas verdinhas, grulhantes, gralhantes, incapazes de acertarem as vozes na disciplina de um coro.

        Depois, um grupo verde-azulado, mais sóbrio de gritos e em fileiras mais juntas.

        – Uai! Até as maracanãs!

        E mais maitacas. E outra vez as maracanãs fanhosas. E não se acabavam mais. Quase sem folga: era uma revoada estrilando bem por cima da gente, e outra brotando ao norte, como pontozinho preto, e outra – grão de verdura – se sumindo no sul.

        – Levou o diabo, que eu nunca pensei que tinha tantos!

        E agora os periquitos, os periquitos de guinchos timpânicos, uma esquadrilha sobrevoando outra ... E mesmo, de vez em quando, discutindo, brigando, um casal de papagaios ciumentos. Todos tinham muita pressa: os únicos que interromperam, por momentos, a viagem, foram os alegres tuins, os minúsculos de cabecinha amarela, que não levam nada a sério, e que choveram nos pés de mamão e fizeram recreio, aos pares, sem sustar o alarido — rrr!-rrri!! rrr!-rrri!! ...

        Mas o que não se interrompia era o trânsito das gárrulas maitacas. Um bando grazinava alto, risonho, para o que ia na frente:
— Me espera! Me espera!... — E o grito tremia e ficava nos ares, para o outro escalão, que avançava lá atrás.


        — Virgem! Estão todas assanha­das, pensando que já tem milho nas roças... Mas, também, como é que podia haver um de-manhã mesmo bonito, sem as maitacas?!...

        O sol ia subindo, por cima do voo verde das aves itinerantes. Do outro lado da cerca, passou uma rapariga. Bonita! Todas as mulheres eram boni­tas. Todo anjo do céu devia de ser mulher."

        [...]

João Guimarães Rosa, em “A hora e a vez de Augusto Matraga”.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 423-424.

Entendendo o conto:

01 – Qual a transformação na paisagem que Nhô Augusto observa após as chuvas?

      Após as chuvas, Nhô Augusto se depara com uma manhã ensolarada e vibrante, com um céu azul intenso e uma profusão de verde na vegetação, descrevendo a manhã como a mais bonita que já viu.

02 – Que elementos da natureza chamam a atenção de Nhô Augusto na manhã descrita?

      Nhô Augusto fica impressionado com a quantidade e variedade de aves que cruzam o céu, como maitacas, maracanãs, periquitos e papagaios, além da beleza do sol e da paisagem verdejante.

03 – Como as aves são descritas no texto?

      As aves são descritas com uma linguagem rica em sons e cores, com referências aos seus gritos, como "tinindo guizos" e "grulhantes, gralhantes", e às suas cores, como "verdinhos" e "verde-azulado".

04 – Qual a reação de Nhô Augusto ao observar a revoada de aves?

      Nhô Augusto expressa surpresa e admiração diante da quantidade de aves, exclamando: "Levou o diabo, que eu nunca pensei que tinha tantos!".

05 – Que reflexão Nhô Augusto faz sobre as maitacas?

      Nhô Augusto comenta que as maitacas parecem estar "assanhadas", como se estivessem ansiosas pela colheita de milho, e reconhece que a beleza da manhã está intrinsecamente ligada à presença delas.

06 – Como a figura da mulher é apresentada no final do fragmento?

      A figura da mulher é idealizada e associada à beleza da paisagem e à figura angelical, com a frase: "Todas as mulheres eram bonitas. Todo anjo do céu devia de ser mulher.".

07 – Qual a importância da descrição da natureza no fragmento?

      A descrição da natureza exuberante serve como um contraponto à aridez do sertão e à violência presente em outras partes do conto, além de revelar a sensibilidade de Nhô Augusto e sua capacidade de se maravilhar com a beleza do mundo.

 

NOTÍCIA: O CASAL, A MORTE E O JOGGING - FRAGMENTO - CLAUDIA CORBISIER - COM GABARITO

 Notícia: O casal, a morte e o jogging – Fragmento

        Este poderia ser o título da foto publicada no JB de quinta-feira, dia 122 de dezembro, página 26, Cidade Estarrecedora imagem. Reveladora da pouca importância dada à vida e à morte no mundo em que vivemos. Paulo [...] foi atropelado e morto em cima do calçadão da Avenida Senambetiba. Eram três e quinze da tarde. O responsável pelo acidente, Renan [...], tentou fugir, segundo o relato de transeuntes. Não conseguiu porque a roda de sua Parati ficou travada. Renan declarou que o atropelamento, seguindo de morte, do engenheiro Paulo, foi uma fatalidade. Seu carro teria sido fechado por um ônibus que o empurrou para o calçadão. Tendo sido assim, por que tentar fugir?

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjszRlcFGQpfaN4e2KMCFWyFbT_WBstEcZOUA_3cv7-4lS63LjDdATb221pzn3-fQ2WAHqZGdGo2U7WRU1Kl982GdZMIlxX2H7iY_ap40Hpmzsd12ZSufOry7_EiGIkxuiIO9KPzlYhEdXUtlapxCMN2nbYPT1raIhwpfPq1WTM2d05WRwGgyG0JQrqXms/s320/4422647-colisao-envolvendo-pedestre-rgb-color-icon-roadway-crash-batendo-andador-de-carro-pedestre-lesoes-risco-bater-e-correr-acidente-isolado-ilustracao-simples-cheio-linha-desenhando-vetor.jpg 


        Eram seis horas da tarde e o corpo de Paulo continuava lá. Coberto por um plástico que alguém, certamente algum tipo de ser humano em extinção, teve a compaixão de estender para proteger a exposição do corpo, morto e machucado. A matéria do jornal não explica. Por que Paulo, além de ter sido roubado de sua vida ao ir buscar cigarros com sabor de canela num quiosque conhecido, ficou ali exposto à visitação pública durante quase três horas? Por que, além da vida, roubaram também a Paulo o direito de ser socorrido e, morto, de ser levado dali, onde tornou-se um objeto de curiosidade dos passantes? Adriana Calcanhoto, no seu CD Senhas, na canção “Milagres/misérias”, diz: “E eu pergunto e acho que precisaríamos perguntar em coro: que mundo é este?” Que mundo é este em que estão se transformando as pessoas que conseguem conversar naturalmente diante de um morto, como se nada estivesse acontecendo?

        Conseguem continuar a sua corrida sem pensar que na frente, ao lado, havia um homem morto? Na minha infância me lembro que, quando morria algum cachorro atropelado, a primeira preocupação era a de enterrar o bicho morto. Preocupação de crianças. De um outro tempo. Não tão longínquo assim. Escrevo para falar publicamente do meu choque, da minha indignação, por um lado. E, por outro lado, de minha vergonha, da minha tristeza enquanto cidadã deste país, moradora desta cidade onde tanta beleza tem se contrastado com tanta feiura. Dia 11 foi Paulo. Amanhã pode ser qualquer um de nós. Dá para viver assim?

Claudia Corbisier é psicanalista, coordenadora da Recepção Integrada do Instituto Philippe Pinel. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21 dez. 1996, Caderno Ideias, p. 6.

Fonte: Português. Uma proposta para o letramento. Magda Soares – 8º ano – 1ª edição. Impressão revista – São Paulo, 2002. Moderna. p. 105.

Entendendo a notícia:

01 – Qual é o evento central relatado na notícia?

      A notícia relata o atropelamento e a morte de Paulo, um engenheiro, no calçadão da Avenida Senambetiba, no Rio de Janeiro.

02 – Quais são os detalhes sobre o responsável pelo acidente?

      O responsável pelo acidente é Renan, que tentou fugir do local, mas foi impedido pela roda travada de seu carro. Ele alegou que o atropelamento foi uma fatalidade, causada por um ônibus que o teria empurrado para o calçadão.

03 – Qual é a crítica principal feita pela autora da notícia?

      A autora critica a indiferença das pessoas diante da morte, destacando o fato de que o corpo de Paulo permaneceu no local por quase três horas, coberto apenas por um plástico, enquanto as pessoas continuavam suas atividades normalmente.

04 – Como a autora expressa seu choque e indignação?

      A autora utiliza uma linguagem forte e emotiva para expressar seu choque e indignação, questionando a falta de compaixão e respeito pela vida e pela morte. Ela também expressa vergonha como cidadã diante da situação.

05 – Qual é a reflexão da autora sobre a mudança no comportamento das pessoas?

      A autora compara o comportamento atual das pessoas com o de sua infância, quando a preocupação era enterrar até mesmo um cachorro atropelado. Ela lamenta a aparente perda de sensibilidade e empatia na sociedade contemporânea.

06 – Qual a relação da citação de Adriana Calcanhoto para o texto?

      A citação da música "Milagres/misérias" de Adriana Calcanhoto, é utilizado para reforçar o sentimento de descrença e questionamento da autora em relação ao mundo em que vivemos.

07 – Qual é a mensagem final da autora da notícia?

      A mensagem final da autora é um alerta sobre a fragilidade da vida e a necessidade de reflexão sobre os valores da sociedade. Ela questiona se é possível viver em um mundo onde a morte é tratada com tanta indiferença.

 

POEMA: EU - FLORBELA ESPANCA - COM GABARITO

 Poema: Eu

             Florbela Espanca

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEioIgOoDomQkHm8HuaE6hGA2vWOOtq67KvkxE5YrcFBbz9xTEmaElqz-kneN5SfHASsPqNTERzXFjjTZUEMHnTde40XrtA2Opdd50V9mdidgwPnN6r8IK_gYyOlTaCbOGAimRUic3uXM7KaBtuXYTyfNkGb50wwOxZCEjV0BWMhuXt2At09n4fabUVed2I/s320/hqdefault.jpg



Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

ESPANCA, Florbela. Apud MOISÉS< Massaud. A literatura portuguesa através dos textos. 9. ed. São Paulo, Cultrix, 1980. p. 470.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 450.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a principal característica da identidade que o eu lírico constrói ao longo do poema?

      A principal característica é a de uma alma solitária e incompreendida, que se sente perdida no mundo e na vida. Ela se define como alguém que vaga sem rumo, irmã do sonho e portadora de uma dor profunda.

02 – Que imagens o eu lírico utiliza para descrever a própria existência?

      O eu lírico utiliza imagens como "sombra de névoa tênue e esvaecida" e "alma de luto" para descrever a própria existência, transmitindo uma sensação de fragilidade, melancolia e incompreensão.

03 – Qual a relação do eu lírico com a tristeza no poema?

      A tristeza é uma constante na vida do eu lírico, que se identifica como alguém que "chora sem saber por quê". Essa tristeza parece ser intrínseca à sua natureza, algo que a acompanha constantemente.

04 – Qual a reflexão final do eu lírico sobre a própria existência?

      No final do poema, o eu lírico questiona se não seria apenas uma "visão que Alguém sonhou", alguém que nunca a encontrou na vida. Essa reflexão final revela uma profunda solidão e a sensação de não pertencer ao mundo real.

05 – Como o poema reflete a subjetividade e o sentimentalismo característicos da poesia de Florbela Espanca?

      O poema é marcado por uma forte carga emocional e pela expressão de sentimentos íntimos, como a solidão, a tristeza e a incompreensão. A linguagem é carregada de imagens que evocam melancolia e sofrimento, características marcantes da poesia de Florbela Espanca.

 

 

POEMA: MANUCURE - FRAGMENTO - MÁRIO DE SÁ-CARNEIRO - COM GABARITO

 Poema: Manucure – Fragmento

            Mário de Sá-Carneiro

[...]

Ah! mas que inflexões de precipício, estridentes, cegantes,
Que vértices brutais a divergir, a ranger,
Se facas de apache se entrecruzam
Altas madrugadas frias...
E pelas estações e cais de embarque,
Os grandes caixotes acumulados,
As malas, os fardos – pêle-mêle...
Tudo inserto em Ar,
Afeiçoado por ele, separado por ele
Em múltiplos interstícios
Por onde eu sinto a minh'Alma a divagar!...

– Ó beleza futurista das mercadorias!

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvG_aMNHjTgOjZLnHm3SxTFObwtVpefdOLqKAWDXPgW1ww1cAbPiY_sgIDmC167rYCy04IPQbT-o8i1Oy6u0xK75qUEncZ5Bz4ZlSkFuEB8DbwfIcKrbnIPFEoPGaAv2r1si0R3m0n3s94r2WyAKvP67mi3Xqkz8ySF2UuMCL-_NxqXQph_redASGUsLU/s1600/images.jpg



– Serapilheira dos fardos,
Como eu quisera togar-me de Ti!
– Madeira dos caixotes,
Como eu ansiara cravar os dentes em Ti!
E os pregos, as cordas, os aros... –
Mas, acima de tudo,
como bailam faiscantes,
A meus olhos audazes de beleza,
As inscrições de todos esses fardos –
Negras, vermelhas, azuis ou verdes –
Gritos de atual e Comércio & Indústria
Em trânsito cosmopolita.

SÁ-CARNEIRO, Mário de. Manucure. In: MORNA, Fátima Freitas. A poesia de Orpheu. Lisboa, Editorial Comunicação, 1982. p. 156.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 449.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a atmosfera geral criada pelos primeiros versos do poema?

      Os primeiros versos criam uma atmosfera de vertigem e intensidade, com imagens de "precipício", "vértices brutais" e "facas de apache". Essa linguagem busca transmitir uma sensação de estranhamento e choque, característica da estética futurista.

02 – Como o poeta descreve os objetos presentes nas estações e cais de embarque?

      Os objetos, como "grandes caixotes", "malas" e "fardos", são descritos de forma caótica e desordenada ("pêle-mêle"). No entanto, o poeta encontra beleza nessa desordem, destacando a "beleza futurista das mercadorias".

03 – Qual a relação do eu lírico com os materiais dos objetos, como a "serapilheira dos fardos" e a "madeira dos caixotes"?

      O eu lírico expressa um desejo intenso de se conectar com esses materiais, como se quisesse se fundir com eles. Ele usa verbos como "tocar-me" e "cravar os dentes" para transmitir essa vontade de interação física e sensorial.

04 – Qual o fascínio do poeta pelas inscrições nos fardos?

      O poeta se encanta com as inscrições coloridas nos fardos, que ele descreve como "gritos de atual e Comércio & Indústria / Em trânsito cosmopolita". Essas inscrições representam a modernidade, o dinamismo e a globalização, temas centrais da estética futurista.

05 – Como o poema reflete a estética futurista?

      O poema reflete a estética futurista ao exaltar a velocidade, a modernidade e a industrialização. A linguagem é dinâmica e sensorial, com imagens que evocam movimento, ruído e cor. Além disso, o poema celebra a beleza dos objetos industriais e comerciais, como os fardos e as inscrições, que se tornam símbolos do progresso e da vida moderna.

 




POEMA: CRUZ NA PORTA DA TABACARIA! ÁLVARO DE CAMPOS - COM GABARITO

 Poema: Cruz na porta da tabacaria!

             Álvaro de Campos

Cruz na porta da tabacaria!

Quem morreu? O próprio Alves? Dou

Ao diabo o bem-estar que trazia.

Desde ontem a cidade mudou.

 
Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjSLLJ1UAHDHDDJ6JZaLSU7XVJTpaZfibGcS-TJL-eHYeUMUCj_5ExJyPVF679MPgIezYQLXeqhqERtTGwHwUUFm7pbcr5MKt-RPP1CL4eKFc7-Ylo0FQogttr0qMi9BKHXFclaPSTunOEo60sGRx4SKuv7SOALEOTZmTbO45cEC9iOn5RKTkUvnWWMtmQ/s320/f605a9f693c66fa73837231c3291d40d.jpeg



 

Quem era? Ora, era quem eu via.

Todos os dias o via. Estou

Agora sem essa monotonia.

Desde ontem a cidade mudou.

 

Ele era o dono da tabacaria.

Um ponto de referência de quem sou

Eu passava ali de noite e de dia.

Desde ontem a cidade mudou.

 

Meu coração tem pouca alegria,

E isto diz que é morte aquilo onde estou.

Horror fechado da tabacaria!

Desde ontem a cidade mudou.

 

Mas ao menos a ele alguém o via,

Ele era fixo, eu, o que vou,

Se morrer, não falto, e ninguém diria.

Desde ontem a cidade mudou.

Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa. Lisboa: Ática, 1944 (imp. 1993) - 46.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. Faraco & Moura – 1ª edição – 4ª impressão. Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 460.

Entendendo o poema:

01 – Qual é a reação do eu lírico à morte do dono da tabacaria?

      O eu lírico expressa uma mistura de indiferença e estranhamento. Ele questiona quem morreu e menciona que a cidade mudou desde a morte, indicando uma perturbação na sua rotina e percepção do mundo.

02 – Como o eu lírico descreve a sua relação com o dono da tabacaria?

      A relação é de pura rotina e observação. O dono da tabacaria era uma figura constante no cotidiano do eu lírico, um "ponto de referência". A morte do homem quebra essa rotina, causando um sentimento de desorientação.

03 – Qual a reflexão do eu lírico sobre a própria existência em contraste com a do dono da tabacaria?

      O eu lírico contrasta a fixidez do dono da tabacaria, que era "fixo" e visto por todos, com a sua própria natureza errante. Ele reconhece que, se morresse, sua ausência seria menos notada, evidenciando um sentimento de insignificância.

04 – Qual o significado da repetição do verso "Desde ontem a cidade mudou"?

      A repetição do verso enfatiza o impacto da morte na percepção do eu lírico. A mudança na cidade simboliza a alteração na sua própria realidade, quebra da sua rotina e a sensação de que o mundo não é mais o mesmo.

05 – Como o poema reflete a angústia existencial característica de Álvaro de Campos?

      O poema reflete a angústia existencial de Campos ao explorar temas como a solidão, a insignificância da vida e a falta de sentido. A morte do dono da tabacaria serve como um gatilho para reflexões sobre a própria mortalidade e a natureza transitória da existência.

 

POESIA: PLENA NUDEZ - RAIMUNDO CORREIA - COM GABARITO

 Poesia: Plena nudez

             Raimundo Correia

Eu amo os gregos tipos de escultura:
Pagãs nuas no mármore entalhadas;
Não essas produções que a estufa escura
Das modas cria, tortas e enfezadas.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjinLTTNofp1tSO1rvfzgLvW5CJfRgqXh0SfWqDk9-EmzPH91Ka_HQR2KhlDU0R3jU1Ahp-LX2eo-LL8mHZssTaJN9nb2R7aTba3ChR6Q9bboNlRgcF-MvS_m07axzaPFXdXkhcrw2vqxYD5JKg4DXJKPEyyhBetF9zKpMPxrgmauJfHliKpHPk9JqfPTY/s320/png-transparent-statue-figurine-classical-sculpture-ancient-greek-sculpture-woman-people-stone-stone-carving-thumbnail.png



Quero um pleno esplendor, viço e frescura
Os corpos nus; as linhas onduladas
Livres: de carne exuberante e pura
Todas as saliências destacadas...

Não quero, a Vênus opulenta e bela
De luxuriantes formas, entrevê-la
De transparente túnica através:

Quero vê-la, sem pejo, sem receios,
Os braços nus, o dorso nu, os seios
Nus... toda nua, da cabeça aos pés!

CORREIA, Raimundo. Plena nudez. In: Poesia. 4. ed. Rio de Janeiro, Agir, 1976. p. 24. (Col. Nossos clássicos).

 Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. João Domingues Maia – Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 276.

Entendendo a poesia:

01 – Qual a principal característica da nudez que o eu lírico exalta no poema?

      O eu lírico exalta a nudez plena, sem artifícios ou disfarces, inspirada nas esculturas gregas clássicas. Ele valoriza a beleza natural do corpo humano, com suas linhas e formas exuberantes.

02 – Qual a crítica presente nos primeiros versos do poema?

      O eu lírico critica as produções artísticas da época, que ele considera "tortas e enfezadas", influenciadas pelas "modas" e pela "estufa escura" (possivelmente referindo-se aos padrões estéticos artificiais).

03 – Qual o ideal de beleza feminina que o eu lírico busca no poema?

      O eu lírico busca um ideal de beleza feminina que se manifeste em "pleno esplendor, viço e frescura", com "carne exuberante e pura" e "todas as saliências destacadas". Ele deseja contemplar a nudez feminina em sua totalidade, sem pudores ou restrições.

04 – Como a referência à Vênus contribui para a construção do poema?

      A referência à Vênus, deusa da beleza e do amor, reforça o ideal de perfeição e exuberância que o eu lírico busca. Ele não deseja ver a deusa através de uma "transparente túnica", mas em sua plena nudez, sem véus ou artifícios.

05 – Qual a importância da forma poética (o soneto) para a expressão do tema no poema?

      A forma do soneto, com seus versos decassílabos e rimas precisas, confere um tom solene e clássico ao poema, aproximando-o da estética greco-romana que o eu lírico exalta. A estrutura fixa do soneto também contribui para a intensidade da expressão do desejo do eu lírico pela contemplação da nudez plena.

 

 

POESIA: O ACENDEDOR DE LAMPIÕES - JORGE DE LIMA - COM GABARITO

 Poesia: O ACENDEDOR DE LAMPIOES

             Jorge de Lima

Lá vem o acendedor de lampiões da rua!

Este mesmo que vem infatigavelmente,

Parodiar o sol e associar-se à lua

Quando a sombra da noite enegrece o poente!

 Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjMCt6FccCsDuh0gL-i1rVumYczqS8S-nd6sKj3xHIXg8Ku0F3qZdfhU76Zqchy8RZhyphenhyphenVjRqv4l-x-TD40SUR-khCjqze55FwUZF0FYdA3pcE9aofLbTHBK7OgUpddMsTS8vY1eZeVjaGlnWk2dmly4gA0xOvADW4LTNgWWBPsE1U-DfuSmGY9vfmxOjJE/s320/hqdefault.jpg


 

Um, dois, três lampiões, acende e continua

Outros mais a acender imperturbavelmente,

À medida que a noite aos poucos se acentua

E a palidez da lua apenas se presente.

 

Triste ironia atroz o senso humano irrita:-

Ele que doira a noite ilumina a cidade,

Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

 

Tanta gente também nos outros insinua

Crenças, religiões, amor, felicidade,

Como este acendedor de lampiões da rua!

LIMA, Jorge de. Acendedor de lampiões. In: Poesias completas. Rio de Janeiro, Aguilar, 1974. v. 1. p. 62.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. João Domingues Maia – Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 358.

Entendendo a poesia:

01 – Qual é a principal ironia presente no poema?

      A principal ironia é a de que o acendedor de lampiões, que ilumina a cidade, possivelmente vive na escuridão de sua própria casa. Essa ironia serve para criticar a hipocrisia e a desigualdade social.

02 – Como o trabalho do acendedor de lampiões é descrito no poema?

      O trabalho do acendedor é descrito como algo constante e infatigável. Ele acende os lampiões à medida que a noite cai, parodiando o sol e associando-se à lua, em um ciclo repetitivo.

03 – Qual a comparação feita no último verso do poema?

      O eu lírico compara o acendedor de lampiões àqueles que "insinuam crenças, religiões, amor, felicidade" aos outros, sugerindo que muitas vezes oferecemos aos outros o que nós mesmos não possuímos.

04 – Que tom o poema utiliza para descrever a realidade do acendedor de lampiões?

      O poema utiliza um tom de melancolia e ironia para descrever a realidade do acendedor. Há uma tristeza implícita na constatação da desigualdade e da hipocrisia presentes na sociedade.

05 – Qual a relevância do acendedor de lampiões como figura poética?

      O acendedor de lampiões simboliza a figura do trabalhador anônimo, que cumpre sua função sem reconhecimento, e ao mesmo tempo representa a contradição entre a aparência e a realidade, entre o que se oferece e o que se possui.

 

POESIA: A CAMÕES - MANUEL BANDEIRA - COM GABARITO

 

Poesia: A Camões

            Manuel Bandeira

Quando n’alma pesar de tua raça
A névoa da apagada e vil tristeza,
Busque ela sempre a glória que não passa,
Em teu poema de heroísmo e de beleza.

 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgkaOU3GkUZhk2TX6xkvzjAQdWu3HpEZEm6ZfFh4mSOuyJh196kpSbALahibjWWjec1F8gG20HMFNXE82blp5yD8tE-UnAtSckFJH3w7mEu4dq0wqL2lqZWBh7_-v1_M1tNkTbOih6lxz-Z5ACz4KhSnXDkBsumzrw9YBkUAEvfRJkTTzYH8RqBHJRoDOA/s320/maxresdefault.jpg

Gênio purificado na desgraça,
Tu resumiste em ti toda a grandeza:
Poeta e soldado… Em ti brilhou sem jaça
O amor da grande pátria portuguesa.

E enquanto o fero canto ecoar na mente
Da estirpe que em perigos sublimados
Plantou a cruz em cada continente,

Não morrerá, sem poetas nem soldados,
A língua em que cantaste rudemente
As armas e os barões assinalados.

BANDEIRA, Manuel. “A Camões”. In: Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro, José Olympio, 1970. p. 7.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. João Domingues Maia – Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 16 (Apresentação).

Entendendo a poesia:

01 – Qual é o tema central do poema "A Camões" de Manuel Bandeira?

      O poema é uma homenagem a Luís de Camões, o grande poeta português, e exalta sua figura como símbolo da grandeza da língua portuguesa e do espírito heroico de Portugal.

02 – Como Manuel Bandeira descreve Camões no poema?

      Bandeira descreve Camões como um "gênio purificado na desgraça", um poeta e soldado que personificou a grandeza e o amor à pátria portuguesa. Ele destaca a força e a beleza da poesia de Camões, capaz de inspirar a alma portuguesa mesmo em momentos de tristeza.

03 – Qual é a importância da língua portuguesa no poema?

      A língua portuguesa é celebrada como um elo entre o passado heroico de Portugal e o presente. Bandeira afirma que, enquanto a poesia de Camões ecoar na mente dos portugueses, a língua permanecerá viva e forte.

04 – O que o poema sugere sobre o legado de Camões para a cultura portuguesa?

      O poema sugere que o legado de Camões transcende o tempo, servindo como fonte de inspiração e orgulho para as futuras gerações de portugueses. Sua poesia é vista como um símbolo da identidade nacional e da capacidade de superação diante das adversidades.

05 – Qual é o significado da expressão "as armas e os barões assinalados" no poema?

      Essa expressão é uma referência direta à obra-prima de Camões, "Os Lusíadas", que narra os feitos heroicos dos navegadores portugueses. No poema de Bandeira, ela simboliza a grandiosidade da epopeia portuguesa e a importância da obra de Camões como um marco da literatura em língua portuguesa.

 

 


POESIA: SONETO DO MAIOR AMOR - VINÍCIUS DE MORAES - COM GABARITO

 Poesia: Soneto do maior amor

             Vinicius de Moraes

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh7nRHijxSJcuFb2j2OWTUVANJgOdeTBSZX1kTUCAt9T0t4TtMoDW9qaCT2uGtWaILi7aftiVglNtlp08q_PA0R_iW49tDB0RHNgwRFP8FslJydu80874mKi6PTJuuk7uueuC95EYovb05D381VqEcKwCpi89ofEPUzeMZhjqrSZvaQZDAH1gbn520kjeM/s320/hqdefault.jpg



E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal-aventurada.

Louco amor meu que quando toca, fere
E quando fere, vibra, mas prefere
Ferir a fenecer — e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

MORAES, Vinícius de. Soneto do maior amor. In: Poesia completa e prosa. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1985. p. 202.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. João Domingues Maia – Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 362.

Entendendo a poesia:

01 – Qual a principal característica do amor descrito no poema?

      O amor descrito no poema é paradoxal e contraditório. O eu lírico expressa um amor que se manifesta de forma incomum, onde a alegria do amado causa tristeza e a tristeza, alegria.

02 – Como o eu lírico descreve a relação entre o amor e a dor?

      O eu lírico descreve uma relação intensa entre amor e dor. Ele afirma que seu amor fere quando toca, mas que essa ferida gera uma vibração, e que prefere ferir a definhar.

03 – Qual a importância da contradição na expressão do amor no poema?

      A contradição é essencial para expressar a complexidade do amor descrito. Ela revela um amor que não se encaixa em padrões convencionais, um amor que desafia a lógica e se manifesta de forma intensa e paradoxal.

04 – Como o eu lírico se sente em relação à "eterna aventura" do amor?

      O eu lírico se agrada mais da "eterna aventura" do amor, mesmo com suas dores e contradições, do que de uma vida sem essa paixão. Ele valoriza a intensidade do amor, mesmo que essa intensidade traga sofrimento.

05 – Qual a imagem final que o poema constrói do amor?

      A imagem final é de um amor "desassombrado, doido, delirante", que vive "numa paixão de tudo e de si mesmo". Essa imagem reforça a ideia de um amor intenso, avassalador e que se basta em sua própria complexidade.

POESIA: LI HOJE QUASE DUAS PÁGINAS - XXVIII - FERNANDO PESSOA - COM GABARITO

 Poesia: Li hoje quase duas páginas – XXVIII

             Fernando Pessoa 

Li hoje quase duas páginas

Do livro dum poeta místico,

E ri como quem tem chorado muito.

 

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjs-3aqZa2yr-CLlWZwai6-_cqMoviDg41K2VXLVt_PgcclRx3cfIRdcNc2Fd7baGOUxkt7JhXyy9s8-zMDdgnr_JeksPU_aIVgeRlAyKbnAbN92erKQKxS5O6Vzj8Qz51_7UyOyKaAlXp2RzSTZ-ngurY15JsKqSfV_d6m5YaJ-CV93IjdY1OGxFT8NsU/s320/maomc3a9-e-o-anjo-gabriel.jpg

Os poetas místicos são filósofos doentes,

E os filósofos são homens doidos.

 

Porque os poetas místicos dizem que as flores sentem

E dizem que as pedras têm alma

E que os rios têm êxtases ao luar.

 

Mas as flores, se sentissem, não eram flores,

Eram gente;

E se as pedras tivessem alma, eram coisas vivas, não eram pedras;

E se os rios tivessem êxtases ao luar,

Os rios seriam homens doentes.

 

É preciso não saber o que são flores e pedras e rios

Para falar dos sentimentos deles.

Falar da alma das pedras, das flores, dos rios,

É falar de si próprio e dos seus falsos pensamentos.

Graças a Deus que as pedras são só pedras,

E que os rios não são senão rios,

E que as flores são apenas flores.

 

Por mim, escrevo a prosa dos meus versos

E fico contente,

Porque sei que compreendo a Natureza por fora;

E não a compreendo por dentro

Porque a Natureza não tem dentro;

Senão não era a Natureza.

PESSOA, Fernando. Obra poética. Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1986. p. 153.

Fonte: Português. Série novo ensino médio. Volume único. João Domingues Maia – Editora Ática – 2000. São Paulo. p. 422.

Entendendo a poesia:

01 – Qual a crítica central do poema em relação aos poetas místicos?

      A crítica central é que os poetas místicos antropomorfizam a natureza, atribuindo sentimentos e características humanas a elementos como flores, pedras e rios. Para Caeiro, essa visão é uma "doença filosófica" que distorce a realidade.

02 – Como o eu lírico define a sua relação com a natureza?

      O eu lírico afirma que compreende a natureza "por fora", ou seja, de forma objetiva e factual. Ele rejeita a ideia de uma natureza com "dentro", com sentimentos ou alma, defendendo uma visão concreta e imediata do mundo.

03 – Qual o significado da frase "Graças a Deus que as pedras são só pedras"?

      Essa frase expressa a satisfação do eu lírico com a realidade objetiva das coisas. Ele celebra a simplicidade e a concretude da natureza, livre de interpretações místicas ou sentimentais.

04 – Como a linguagem do poema contribui para a expressão da visão do eu lírico?

      A linguagem do poema é direta, clara e concisa, refletindo a objetividade e a racionalidade do eu lírico. Ele utiliza frases curtas e afirmativas, evitando metáforas complexas ou ambiguidades.

05 – Qual a importância deste poema dentro da obra de Fernando Pessoa?

      Este poema é fundamental para compreender a visão de mundo de Alberto Caeiro, um dos heterônimos mais importantes de Fernando Pessoa. Caeiro representa uma filosofia da objetividade e da simplicidade, em contraste com a complexidade e a introspecção de outros heterônimos como Ricardo Reis e Álvaro de Campos.