terça-feira, 4 de junho de 2019

TEXTO: VIAGEM AO CENTRO DA TERRA - CAP.VI - (FRAGMENTO) JULIO VERNE - COM GABARITO

Texto: Viagem ao centro da Terra 
          

       Capítulo VI – Fragmento
              Júlio Verne                  
                    
     Ao ouvir essas palavras, senti um arrepio percorrer todo o meu corpo, mas me contive. Resolvi até parecer tranquilo. Somente argumentos científicos poderiam deter o professor Lidenbrock. Ora, havia muitos e bons contra a possibilidade de tal viagem. Ir ao centro da Terra! Que loucura! Guardei minha dialética para o momento oportuno e tratei de comer.
        Inútil mencionar as imprecações de meu tio contra a refeição pobre, mas acabou acatando as explicações. A boa Marta foi libertada. Ela correu ao mercado e abasteceu tão bem a casa que uma hora depois, já sem fome, voltei e consegui pensar em todas as implicações da situação.
        Meu tio estava quase alegre durante a refeição; soltava algumas piadinhas de cientista que nunca são demasiadamente perigosas. Após a sobremesa, fez-me um sinal para que o acompanhasse ao gabinete.
        Obedeci. Ele sentou-se numa ponta de sua mesa de trabalho, eu na outra.
        --- Axel – disse-me, numa voz bastante suave –, você é um rapaz muito esperto. Prestou-me um grande favor quando eu, extenuado, ia abandonar as pesquisas. Para onde eu seria levado? Ninguém sabe! Nunca me esquecerei disso, meu filho, e você terá sua parte em nossa glória.
        "Vamos!", pensei, "ele está de bom humor. Está na hora de discutirmos essa glória".
        --- Antes de mais nada – continuou meu tio –, peço-lhe que guarde segredo de nossa descoberta. Não faltam invejosos no mundo da ciência, e muitos deles gostariam de fazer essa viagem, da qual só tomarão conhecimento após nosso retorno.
        --- O senhor acha que o número de audaciosos é tão grande assim? - perguntei.
        --- Claro, quem hesitaria em conquistar tamanha celebridade? Se esse documento fosse divulgado, todo um exército de geólogos correria para seguir os rastros de Arne Saknussemm!
        --- Não estou tão certo disso, meu tio, pois nada comprova a autenticidade do documento.
        --- O quê! E o livro em que o descobrimos?
        --- Bom, concordo que Saknussemm tenha escrito essas linhas, mas será que realmente fez essa viagem? Quem sabe se esse documento não passa de uma mistificação?
        Quase lamentei ter pronunciado a última palavra, um tanto arriscada. O professor franziu suas espessas sobrancelhas e temi ter comprometido o resto da conversa. Mas não. Meu severo interlocutor esboçou uma espécie de sorriso e respondeu:
        --- É o que veremos.
        --- Ah – balbuciei, um tanto melindrado –, permita-me esgotar a série de objeções relativas ao documento.
        --- Fale, meu filho, à vontade. Dou-lhe toda a liberdade de exprimir sua opinião. Você não é mais meu sobrinho, mas meu colega. Fale.
        --- Antes de mais nada, gostaria de saber o que são esses Yocul, Sneffels e Scartaris, dos quais nunca ouvi falar.
        --- Nada mais simples. Por coincidência, recebi há algum tempo um mapa de meu amigo Augustos Peterman de Leipzig, que vem a calhar. Pegue o terceiro atlas na segunda prateleira da biblioteca grande, série Z, prancha 4.
        Levantei-me e, graças às indicações precisas, encontrei rapidamente o atlas. Meu tio abriu-o e disse:
        --- Esse é um dos melhores mapas da Islândia, o de Handerson, e creio que poderá resolver todas as suas dúvidas.
        Debrucei-me sobre o mapa.
        --- Veja essa linha formada de vulcões - disse o professor - e observe que todos têm o nome de Yocul, palavra que significa "geleira" em islandês. Sob a latitude alta da Islândia, a maioria das erupções atravessa camadas de gelo. Daí o nome de Yokul, comum a todos os vulcões da ilha.
        --- Bem – respondi –, e o que é Sneffels?
        Achei que ele não teria resposta a essa pergunta, no que estava enganado. Meu tio continuou:
        --- Acompanhe-me pela costa ocidental da Islândia. Está vendo Reykjavik, a capital? Muito bem, suba pelos inúmeros fiordes dessa região corroída pelo mar e pare um pouco abaixo do sexagésimo quinto grau de latitude. O que você vê ali?
        --- Uma espécie de península parecida com um osso descarnado, arrematado por uma rótula enorme.
        --- É uma comparação bastante correta, meu filho; e o que há nessa rótula?
        --- Um monte que parece ter brotado do mar.
        --- É o Sneffels.
        --- O Sneffels?
        --- O próprio, uma montanha de cinco mil pés de altura, uma das mais notáveis da ilha e, com certeza, a mais célebre do mundo se a sua cratera terminar no centro do globo.
        --- Mas é impossível! – exclamei, erguendo os ombros e revoltado com tal suposição. –
        --- Impossível? – retorquiu o professor Lidenbrock num tom severo. – E por quê?
        --- Porque com certeza essa cratera está obstruída por lavas, rochas incandescentes e então...
        --- E se for uma cratera extinta?
        --- Extinta?
        --- Exatamente. Atualmente só há trezentos vulcões em atividade na superfície do globo, mas há uma quantidade bem maior de vulcões extintos. Ora, inclui-se o Sneffels nessa última categoria, e desde os tempos históricos só entrou em erupção uma única vez, em 1219. A partir de então, foi acalmando-se e não é mais um vulcão em atividade.
        Não me era possível contestar tais afirmações; lancei-me então nas outras dúvidas levantadas pelo documento.
        --- O que significa a palavra Scartaris - perguntei - e o que tem tudo isso a ver com as calendas de julho?
        Meu tio refletiu por alguns instantes. Tive um momento de esperança, mas só um, pois logo ele me respondeu nestes termos:
        --- O que você chama de dúvidas, para mim são soluções, que provam os cuidados engenhosos com os quais Saknussemm quis precisar sua descoberta. O Sneffels é formado por muitas crateras; era, portanto, necessário indicar qual delas leva ao centro do globo. O que fez o sábio islandês? Observou que próximo às calendas de julho, ou seja, nos últimos dias de junho, um dos picos da montanha, o Scartaris, projetava a sua sombra na abertura da cratera em questão e anotou o fato em seu documento. Que indicação poderia ser mais exata? E, assim que chegarmos ao topo do Sneffels, creio que não hesitaremos quanto à direção a seguir.
        Decididamente, meu tio tinha resposta para tudo. Percebi que seria impossível atacá-lo com as palavras do velho pergaminho. Parei, portanto, de atormentá-lo a esse respeito, e como era preciso, antes de mais nada, demovê-lo da ideia da viagem, passei às objeções científicas que achava bem mais graves.
        --- Tudo bem – disse –, a frase de Saknussemm é clara e não deixa qualquer dúvida. Concordo até que o documento pareça autêntico. Esse cientista foi ao fundo do Sneffels, viu a sombra do Scartaris acariciar as bordas da cratera antes das calendas de julho; até ouviu lendas de seu tempo que afirmavam a cratera dar no centro da Terra, mas que ele próprio tenha ido ao centro da Terra e voltado, não acredito, não acredito mesmo!
        --- E por quê? – quis saber meu tio num tom de mofa.
        --- Todas as teorias da ciência demonstram que tal aventura é impraticável!
        --- As teorias provam isso? – respondeu o professor com um ar de benevolência. – Ah, que teorias malvadas! Como essas teorias nos atrapalham!
        Percebi que estava zombando de mim, mas assim mesmo continuei:
        --- Claro! Está provado que o calor aumenta em um grau a cada setenta pés de profundidade da superfície do globo; admitindo-se essa proporcionalidade constante, e sendo o raio terrestre de mil e quinhentas léguas', a temperatura no centro passa de duzentos mil graus. As matérias do interior da Terra estão, portanto, em estado de gás incandescente, pois os metais, o ouro, a platina, as rochas mais duras, não resistem a tamanho calor. Tenho então motivos para questionar a possibilidade de penetrar-se em tal ambiente!
        --- Então o seu problema é o calor, Axel?
        --- Claro, chegando a uma profundidade de apenas dez léguas, já teríamos alcançado o limite da crosta terrestre, e a temperatura já seria superior a mil e trezentos graus.
        --- E você tem medo de entrar em fusão?
        --- Cabe ao senhor resolver esse problema – respondi com humor.
        --- Resolvo da seguinte forma – replicou o professor Lidenbrock, assumindo ares de grande sábio: nem você, nem ninguém tem certeza do que acontece no interior do globo, já que se conhece apenas doze milésimos de seu raio; a ciência é eminentemente perfectível e cada nova teoria destrói uma velha. Não se acreditou até Fourier que a temperatura dos espaços planetários diminuía todo o tempo, e hoje está provado que a temperatura das regiões etéreas não ultrapassa quarenta ou cinquenta graus abaixo de zero? Por que não aconteceria o mesmo com o calor interno? Por que, numa determinada profundidade, não atingiria um limite intransponível em vez de aumentar até o grau de fusão dos minerais mais refratários?
        Como meu tio colocou a questão no campo das hipóteses, não tive o que responder.
        --- Muito bem, digo-lhe que verdadeiros sábios, entre outros, Poisson, provaram que, se existisse um calor de duzentos mil graus no interior do globo, o gás incandescente das matérias fundidas adquiriria tamanha elasticidade que a crosta terrestre não resistiria e estouraria como as paredes de uma caldeira sob a pressão do vapor.
        --- É apenas a opinião de Poisson, meu tio...
        --- Está certo, mas outros geólogos célebres também acreditam que o interior do globo não é formado nem de gases, nem de água, nem das pedras mais pesadas que conhecemos, pois, nesse caso, o peso da Terra seria duas vezes menor.
        --- Ora, com números podemos provar tudo o que quisermos!
        --- E com fatos não? O número dos vulcões não diminuiu consideravelmente desde os primeiros dias do mundo numa proporção constante? E se é que existe esse calor central, será que não tende a diminuir?
        --- Meu tio, se o senhor entrar no campo das suposições, não teremos mais como discutir.
        --- Mas eu digo que gente muito competente é da mesma opinião que eu. Lembra-se de quando o célebre químico inglês Humphry Davy me visitou em 1825?
        --- Não posso lembrar, só nasci dezenove anos depois.
        --- Bem, Humphry Davy veio me visitar quando passou por Hamburgo. Ficamos conversando por um bom tempo e, entre outros problemas, discutimos a hipótese da liquidez do interior da Terra. Ambos concordávamos que essa liquidez não podia existir por uma razão que a ciência nunca conseguiu encontrar.
        --- Qual?
        --- Essa massa líquida estaria sujeita, como o oceano, à atração da Lua, e, consequentemente, duas vezes por dia existiriam marés internas que, ao erguerem a crosta terrestre, provocariam terremotos periódicos!
        --- É, no entanto, certo que a superfície do globo foi submetida à combustão, e é possível supor que a crosta exterior resfriou antes, enquanto o calor se refugiou no centro.
        --- Errado – respondeu meu tio, – a Terra foi aquecida pela combustão de sua superfície e não por qualquer outro meio. Sua superfície era composta de uma grande quantidade de metais, como o potássio e o sódio, que têm a propriedade de incendiar-se apenas ao contato com a terra e a água; esses metais pegaram fogo quando os vapores atmosféricos precipitaram-se como chuva no solo; pouco a pouco, quando as águas penetraram nas fissuras da crosta terrestre, determinaram novos incêndios com explosões e erupções. Daí os inúmeros vulcões dos primeiros dias do mundo.
        --- Que hipótese engenhosa! – Exclamei um pouco contra a minha vontade.
        --- Que Humphry Davy comprovou, aqui mesmo com uma experiência muito simples. Fez uma bola metálica, que representava nosso globo, com os metais que acabei de falar: quando vertíamos um pouco de orvalho em sua superfície, ela se dilatava, oxidava e formava uma pequena montanha, com uma cratera em cima; ocorria uma erupção que transmitia à bola inteira tanto calor que se tornava impossível segurá-la com as mãos.
        Eu estava começando a convencer-me com os argumentos do professor, temperados, aliás, por seu ardor e entusiasmo habituais.
        --- Como você vê, Axel – acrescentou –, o estado do núcleo central inspirou muitas hipóteses aos geólogos; nada menos comprovado que o calor interno; eu acho que não existe, nem poderia; é o que veremos, e, como Arne Saknussemm, saberemos em que nos basear a respeito desse grande problema.
        --- É claro – respondi, sentindo-me atingido pelo entusiasmo - veremos se enxergarmos...
        --- Por que não enxergaríamos? Podemos contar com fenômenos elétricos para iluminar nosso caminho e até com a atmosfera que sua pressão pode tornar luminosa à aproximação do centro.
        --- Claro, Claro! – concordei – Afinal, isso bem pode ser possível.
        --- É mais do que certo! – respondeu triunfalmente meu tio. – Mas silêncio, entendeu? Silêncio sobre tudo isso para que ninguém tenha a ideia de descobrir o centro da Terra antes de nós.
        [...]
      Júlio Verne. Viagem ao centro da Terra. Trad. Cid Knipel Moreira. São Paulo: Ática, 1998.

Entendendo o texto:
01 – Você conseguiu identificar como foi a conversa e como o tio de Axel reagiu?
      Resposta pessoal do aluno.

02 – Você já conhecia essa história? Em caso negativo, como você acha que ela termina?
      Resposta pessoal do aluno.

03 – Axel disse que o tio estava animado durante a refeição, tanto que fazia gracejos de cientista que, para ele, não eram engraçados. Que tipo de comentários você acha que o professor fazia? Comente.
      O professor devia fazer piadas com termos da área. Dessa forma, nem todas as pessoas entendiam e, consequentemente, não achavam graça.

04 – Ao longo do texto, Lidenbrock discutia com o sobrinho de forma a tentar provar que suas teorias tinham fundamento e estavam corretas. Em sua opinião, os argumentos usados pelo professor para convencer Axel são satisfatórios? Por quê?
      Resposta pessoal do aluno.

05 – O trecho desse romance é narrado em 1ª pessoa. Que personagem narra essa história e que efeito de sentido a escolha do foco narrativo causa ao texto?
      A história é narrada por Axel, em 1ª pessoa. Isso demonstra que o narrador não apenas apresenta os fatos, mas também os vivencia e, por esse motivo, tudo o que é narrado é a visão que ele tem dos fatos.

06 – No início do texto, Axel se mostra inseguro diante das atitudes do tio após a descoberta do que tinha no manuscrito.
a)   A partir da leitura do texto, é possível saber o que havia no manuscrito? Explique.
Sim, no manuscrito estava escrito como se chegaria ao centro da terra.

b)   O que Axel temia acontecer?
Ele sabia que o tio iria querer embarcar em uma aventura imediatamente após a descoberta do significado do manuscrito.

07 – O sobrinho de Lidenbrock acreditava que a única maneira de fazer o tia desistir da aventura era por meio de argumentos científicos.
a)   Por que Axel acreditava nisso?
Como o tio era cientista, Axel sabia que só conseguiria convencê-lo se tivesse argumentos fundamentados cientificamente.

b)   Que argumentos ele utilizou para convencer o tio?
Primeiro tentou fazer-lhe questionamentos a respeito das informações contidas no pergaminho, imaginando que em algum momento o tio não conseguiria responder e desistiria da viagem. Após fracassado o plano, partiu para objeções científicas que pudessem mostrar ao tio como a aventura era absurda.

08 – O professor queria manter absoluto sigilo sobre a descoberta, pois acreditava que muitas pessoas desejariam realizar tal viagem. O que Lidenbrock almejava conquistar com essa aventura?
      Ele buscava conquistar a fama.

09 – Releia o seguinte trecho do texto: “Pegue o terceiro atlas na segunda prateleira da estante maior, série Z, mapa 4.”. A partir desse trecho, é possível identificar algumas características psicológicas do cientista? Explique.
      Sim, o professor se mostra muito sistemático, pois tem tudo organizado e de forma bem detalhada.

10 – Axel sofre uma mudança de comportamento ao longo do texto, passando de contestador para uma atitude de empolgação. Explique o que o levou a ter essa postura.
      As explicações e o entusiasmo do tio instigaram Axel.

11 – Por que, mesmo havendo muitos obstáculos científicos que impediam essa viagem, Lidenbrock ainda insistia em realiza-la? Explique.
      Por ser um cientista, tinha a necessidade de descobrir e entender as situações novas que surgiam.

12 – Leia o trecho a seguir em que o narrador opõe-se às ideias de seu tio:
        “--- Meu tio, se o senhor entrar no campo das suposições, não teremos mais como discutir.
        --- Mas eu digo que gente muito competente é da mesma opinião que eu.”

        Explique em que consiste o conflito entre Axel e seu tio.
      A partir do trecho, percebe-se que Axel procurava se pautar em pesquisas e dados científicos, enquanto seu tio pautava-se em suposições.

13 – Releia o trecho a seguir: “[...] o importante é que a ciência se aperfeiçoa e toda teoria é sempre destruída por uma nova teoria”. Em sua opinião, o que Lidenbrock quis dizer com essa afirmação?
      Novas descobertas estão sempre surgindo e, consequentemente, as teorias podem ser aperfeiçoadas, complementando as anteriores e, muitas vezes, dando lugar a outras.

14 – No trecho “Sentou-se a uma ponta de sua mesa de trabalho e eu à outra.”, há a omissão de uma expressão. Identifique-a e explique por que isso ocorreu.
      Omissão do verbo sentar e da expressão ponta de sua mesa de trabalho. A omissão ocorreu para evitar uma repetição desnecessária, já que por meio do contexto é possível identificar os termos suprimidos.

15 – Releia o seguinte trecho: “Jamais esquecerei aquilo, meu rapaz, e você terá sua parte na glória que iremos conquistar.” Qual é a classificação morfológica da palavra destacada e que sentido ela expressa no contexto em que foi empregada?
      A palavra é um pronome possessivo. Ela expressa afetividade.

16 – Por que foram usadas as aspas no trecho: “É agora”, pensei. “Ele está de bom humor; chegou a hora de discutir essa glória.”?
      Para indicar um pensamento do personagem, como se ele estivesse conversando consigo mesmo.

17 – Em um momento do texto o professor pede a Axel que diga o que pensa sobre o assunto e diz o seguinte: “--- Fale, meu rapaz, não faça cerimônia.”
a)   O que a expressão em destaque significa?
Significa falar sem receio.

b)   Ela foi utilizada em sentido conotativo ou denotativo? Explique.
Conotativo. Pois o sentido literal de cerimônia é uma solenidade.

segunda-feira, 3 de junho de 2019

MÚSICA: ROSEBUD (O VERBO E A VERBA) - LENINE - COM QUESTÕES GABARITADAS


Música: Rosebud (O verbo e a verba)
                                                      Lenine
Dolores, dólares...
                   
O verbo saiu com os amigos
Pra bater um papo na esquina.
A verba pagava as despesas,
Porque ela era tudo o que ele tinha.
O verbo não soube explicar depois,
Porque foi que a verba sumiu.
Nos braços de outras palavras
O verbo afagou sua mágoa e dormiu.

O verbo gastou saliva,
De tanto falar pro nada.
A verba era fria e calada,
Mas ele sabia, lhe dava valor.
O verbo tentou se matar em silêncio,
E depois quando a verba chegou,
Era tarde demais
O cadáver jazia,
A verba caiu aos seus pés a chorar
Lágrimas de hipocrisia.

Dolores e dólares...
Que dolor que me da los dólares
Dólares, dólares
Que dolor, que dolor que me da.
                                                Composição: Lenine / Lula Queiroga.
Entendendo a canção:
01 – Cite quatro coisas que o Verbo fez.
      “O verbo saiu...”
      “O verbo não soube explicar...”
      “O verbo afagou sua mágoa...”
      “O verbo gastou saliva...”

02 – Que união pode haver nas palavras Verbo e Verba?
      Um representa a essência na profundidade da palavra e a outra exprime materialidade financeira.

03 – Explique o primeiro verso da música, com as palavras "Dolores" e "Doláres".
      O autor brinca com a sonoridade versus significado das palavras, imprimindo um tipo de poesia moderna. Usando Verbo versus Verba, ele mostra uma união impensável.

04 – Qual foi o assunto abordado na canção?
      Uma crítica a sociedade capitalista, onde a Verba vale mais que o Verbo.

05 – Transcreva o verso em que mostra quando a Verba chegou tarde demais, por quê?
      “O cadáver jazia / A verba caiu aos seus pés a chorar / Lágrimas de hipocrisia.”

06 – Qual a tradução da palavra escrita em inglês: Rosebud?
      Botão de rosa.



FÁBULA: O LEÃO MORIBUNDO - ESOPO - COM GABARITO

Fábula: O Leão Moribundo
           Esopo


Leão morto, lebre insultante... 

        Um Leão havia chegado ao fim de seus dias e adoentado à morte, deitou-se à abertura de sua caverna, ofegante. Os animais, subordinados a ele, vieram em volta, mais e mais próximos, na medida de sua impotência. Quando viram a ponto de morrer, pensaram:
        -- "Agora é hora de pagar por todos antigos rancores.".
        Assim, surgiu o Javali e atacou-o com suas presas; veio o Touro golpeando-o com seus chifres; e ali, numa posição desamparada, o Leão prostrado diante deles, quando surgiu o Asno que sentindo totalmente seguro do perigo, virou o seu rabo ao Leão e escoiceou-o na sua face. O último rosnado do Leão foi:
        -- "Isto é morrer duplamente".

        Moral: "Só os covardes insultam a majestade agonizante."

                                                                    Fábula de ESOPO.
Entendendo a fábula:
01 – Quais são os personagens dessa fábula?
      O leão, o javali, o touro e o asno.

02 – Para que serve uma fábula?
(   ) Divertimento.
(   ) Informação.
(X) Ensinamento.

03 – Numa fábula há sempre uma crítica a determinado tipo de comportamento, que se deveria evitar. Na fábula O Leão Moribundo, a crítica refere-se a que tipo de atitude?
      Que as pessoas deveriam respeitar os doentes, independente se no passado te causaram algum tipo de sofrimento.

04 – Qual o desfecho (situação final) da fábula?
      Por último o Asno escoiceou o leão na face, e o leão rosnou: “Isto é morrer duplamente”.

05 – Qual a moral da fábula?
      “Só os covardes insultam a majestade agonizante”.

06 – Do seu ponto de vista, você seria capaz de lembrar de alguma situação da vida real onde o contexto da fábula se aplicaria?
      Resposta pessoal do aluno.

07 – Que outro título você daria a fábula?
      Resposta pessoal do aluno.



HISTÓRIA EM QUADRINHOS - ORAÇÃO SUBORDINADA ADVERBIAL PROPORCIONAL - COM GABARITO


HQ - ORAÇÃO SUBORDINADA ADVERBIAL PROPORCIONAL
Adão Iturrusgarai. Folha de São Paulo. 1/6/2004.

Entendendo a tira:

01 – A oração do 1° quadrinho relaciona-se coma 2° por meio da locução conjuntiva à medida que. Qual é o valor semântico dessa locução nesse período?
·        Consequência.
·        Comparação.
·        Proporção.
·        Conformidade.

02 – Classifique a oração À medida que vamos ficando mais velhos.
      Oração subordinada adverbial proporcional.


HISTÓRIA EM QUADRINHOS - APOSTO - COM GABARITO


APOSTO -  HQ MUKETA E BWANA



Folha de São Paulo, 01/04/2003.

Entendendo a tira:

01 – No 1° quadrinho:
a)   Tanto na dala de Muketa quanto na de Bwana, que termo da oração aparece isolado por vírgula?
O vocativo: Muketa, no 1° balão; Bwana, no 2°.

b)   Observe o contexto e responda: Por que foi empregado o ponto e vírgula depois da frase “Vocês são pobres porque são atrasados”?
Para separar a enumeração que a personagem está fazendo sobre as causas da pobreza do interlocutor: ...são atrasados; vocês são pobres porque não praticam a democracia...

c)   O que o emprego das reticências sugere depois da palavra Muketa?
Que a personagem interrompeu seu pensamento ou que talvez fosse continuar enumerando outras causas da pobreza do interlocutor.

02 – No enunciado do 2° quadrinho, há dois termos implícitos. Veja: “(A democracia) é simples: um homem, um voto – e a maioria decide”. Considerando essa informação, justifique o emprego dos sinais de pontuação nesse enunciado.

      O dois pontos foi empregado para introduzir o aposto, esclarecendo o que é democracia; a vírgula, para indicar que, entre os termos um homem e um voto, está implícito um verbo; e o travessão, para destacar o que foi dito anteriormente, ou seja, numa democracia, os votos da maioria vencem.


CONTO: HOMEM AO MAR - DOMINGOS PELLEGRINI - COM QUESTÕES GABARITADAS


Conto: Homem ao mar
        
    Domingos Pellegrini

        Olhando o filho na praia, o pai diz você parece eu com meu pai na primeira vez que vim à praia pulava pra lá e para cá feito cabrito. Se tem diferença é que naquele tempo pai não falava tanto com filho. O filho mal ouve, corre peitar as ondas, volta correndo. [...]
        Você está começando a virar homem, diz o pai quando ele volta a andar junto.
        O filho olha sério o rochedo, e acerta o passo com o pai até a areia encontrar com a rocha. Amarre bem o tênis, o pai manda e o menino amarra justo e firme cada cordão. Sobem no rochedo e o pai diz cuidado, hem, muito cuidado, senão tua mãe me mata. Agacham no rochedo olhando o mar que bate lá adiante nas rochas cobertas de mariscos. O pai tira do bolso uma lata de cerveja com linha enrolada; e, enquanto fica arrumando o anzol e a chumbada, o filho começa com as perguntas.
        Por que camarão tem tanta perna se vive na água? O que é que faz as ondas e por que tem umas maiores que as outras? Marisco come o que se não tem boca? Quando é que o bicho do caramujo sai lá de dentro? Por que siri anda de lado? Por que o mar é salgado?
        O pai diz que existiu um tempo quando o mar não era salgado, os continentes eram de rocha coberta de sal e as chuvas levaram o sal pro mar. O filho pergunta se antes de ser salgado o mar já era mar, e antes do pai responder pergunta se o mar salgou antes ou depois do tempo dos dinossauros.
        O tempo, pai resmunga arrumando a chumbada, o tempo perguntou pro tempo quanto tempo o tempo tem, enfia o camarão no anzol, e o tempo respondeu pro tempo que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem. Gira a linhada acima da cabeça, com a mão direita, a esquerda segurando a lata. Lança o corpo pra frente quando lança a linhada lá adiante das rochas; olha se o filho prestou atenção. O filho pergunta por que os continentes eram de rocha salgada, e quem é que salgou?
        Estão ali faz hora dando banho nos camarões, o anzol sempre volta vazio mas o pai diz que não são os peixes comendo, não estão nem beliscando, os camarões ficam presos nos mariscos. Cada vez que puxa a linha o pai fala ainda bem que não enroscou, até que enrosca e o filho diz puxa, pensei que nunca fosse enroscar. Riem a mesma risada, o pai corta a linha nos dentes, tira mais um anzol do bolso das bermudas, embrulhado num papelzinho; e só tem mais um camarão no saquinho plástico.
        Começa a ventar e lá na vila dos pescadores os homens vão amarrar os barcos, as mulheres recolhem roupa de varal; o pai vê tudo isso, mas tão longe que não liga. O filho pergunta por que se chama Praia da Saudade. Porque antigamente, o pai chupa o dedo picado pelo anzol, diz que morria muito pescador no mar, deixava saudade, esse mar aí é bravo.
        Na varanda, o mar deixa ver mariscos grandes nas rochas, e o pai avança pra jogar a linha dizendo fica aí, aquilo ali corta que nem navalha, cair lá é o mesmo que passar um tomate num ralador. Avança devagar pra lançar a linhada e volta com cuidado, vendo que tem menos de uma hora de claridade, quase ninguém na praia, os últimos surfistas lagarteando na arrebentação. O filho pergunta que hora um peixe vai morder o anzol.
        O pai senta no rochedo com a lata no meio das pernas, diz que peixe não tem relógio, vai morder na hora que quiser, geralmente quando a gente menos espera. Então, o filho vira de costas pro mar, não vou esperar mais.
        O pai olha a praia deserta, no mar só dois surfistas, e já venta bem. Uma onda lambe um castelo de areia. Nas rochas já não aparecem os mariscos grandes; o mar está enchendo, diz o pai, quem sabe traz um peixe. Ficam olhando o mar escurecer, as ondas batendo e espirrando espuma até ali, e de repente a lata quase pula das mãos do pai. Fisgou, ele diz com uma voz que o filho não conhece, fisgou, e o filho começa a gritar você pegou, pai, você pegou!
        Ainda não, guri, ainda não – o pai geme lutando com o peixe, dando linha com cuidado para não folgar demais nem esticar muito. Deve ser um sargo dos grandes, fala com voz saindo do peito, a puxada é de sargo. O menino pergunta se sargo tem muita espinha. O peixe leva a linha pra lá, pra cá, e o pai diz desse jeito vai cortar a linha nos mariscos; mas aí o mar ajuda com uma onda que traz o peixe e bate água no rochedo até ali onde eles estão, o filho assusta. O pai grita cuidado, mas o vento já limpa a espumarada do ar e veem que o peixe está ali perto se debatendo, prateado e grande de três palmos, maior que todos que o filho já viu e o pai já pescou. A boca é maior que uma maçã, abrindo e fechando pra roer o girador do anzol. A linha está ali solta pelas rochas.
        O filho olha aflito o pai. Vamos esperar outra onda pra puxar ele, o pai sussurra e o filho pergunta por que ele está falando assim, peixe escuta fora d’água? O pai quase ri mas vê a onda vindo, crescendo e espumando, e manda o filho ir pra trás, o mar está enchendo, mas o menino continua ali e a onda bate nas rochas, o pai agarra o filho com um braço e agacha debaixo duma concha enorme de espumas borrificadas. A água escorre pelo rochedo e veem que ainda estão ali e o peixe agora está mais perto, brilhando na última claridade do dia, um peixe lindo de dar dó.
        Dá pra pegar, grita o filho, e o pai diz você fica aqui. Enfia a lata numa fenda do rochedo, olha se vem vindo onda, vem mais ainda longe, então vai pé ante pé, agachando um pouco mais a cada passo, até quase tocar no peixe, esquecido da onda – e então, ao ouvir a onda quebrando nas rochas, olha a parede de água quase ali e volta correndo, vendo que o filho vem ao encontro. É daquelas ondas maiores que vem depois duma série de ondas, arrebenta nas rochas e invade o rochedo espumante e pegando o menino pela cintura, enquanto o pai perde a visão com tanta água esborrifando pelo ar. Quando consegue enxergar de novo, a água está escorrendo de volta para o mar, com a força de um riacho bravo, e ele sente alguma coisa bater na barriga, é o peixe também voltando para o mar.
        Só aí vê que a onda levou também o filho, lá está ele se batendo no meio das rochas, por onde o mar recua entre paredes de mariscos. O filho grita pai, aqui, pai, começando a nadar de peito pra voltar ao rochedo. Ele grita que não, não volte, nada em frente! O filho para, com a cabeça acima da água, e o pai dá graças por ter ensinado o filho a nadar desde criancinha; mas vê a estranheza e o medo aparecendo no olhar do menino, e sabe que em seguida pode vir o pânico. Depois vai explicar ao filho que não se deve voltar a um rochedo na arrebentação, para não acabar jogado nas rochas e navalhado pelos mariscos. Agora, o pai sabe que não tem tempo de explicar nada, sabe o que deve fazer e faz: dá alguns passos até a borda do rochedo e ali se descalça, pulando no mar e deixando as sandálias.
        Pulou de ponta, sai perto do filho, vê que outra onda já vem vindo lá atrás. Nada pra frente! – grita apontando – Vamos furar a onda! Lê o pensamento no olhar do filho: será que ficou louco? O pai aponta a onda e berra – Nada! – e o filho olha a onda, abre a boca entendendo e respirando, e começam a nadar de peito encarando a onda que cresce. A última onda que arrebentamos ainda está recuando e eles vão rápidos levados por ela, de encontro à onda que vem. Já fizeram isso muitas vezes brincando, e o menino não vacila, continua nadando firme e encarando a onda, que agora se curva levantando, e chegam ao pé dela quando começa a espumar na crista. Mergulham juntos, passam por baixo do turbilhão para não ser arrastados de volta, e então o pai, bracejando de olhos fechados e ouvindo o ribombo da onda, pensa nos tênis do filho.
        Quando aflora a cabeça e vê o filho, fala tira os tênis, e agora o menino obedece logo, a cabeça afunda enquanto arranca um tênis, aflora, respira com um olhar onde o pai lê: você mesmo quem me mandou amarrar bem, pai; e afunda de novo para arrancar o outro tênis. A cabeça volta e o pai diz fique calmo, temos de nadar em frente e depois até a praia, entendeu? O filho balança a cabeça e o pai diz então vamos.
        Lá já vem outra onda, e vão nadando contra ela. Calma, fala o pai, não se canse. Essa já alcançam antes de começar a espumar, a parede curva de água azul escura, com reflexos dourados do poente atrás deles. Mergulham, a onda passa e voltam a encarar o céu já escuro adiante. Voltando a nadar o pai pergunta se o filho está cansado, e o menino diz não, o pai diz não canse, vá com calma.
        Furam mais uma onda e, ao aflorar o pai não vê o filho. Gira o corpo na água, e o filho aflora, o pergunta tudo bem, o filho balança a cabeça olhando a próxima onda. Furam mais uma, duas, três, perdem a conta. Chegam a um ponto em que não precisam mais furar as ondas mergulhando, são ondas sem crista, mansas, água que passa subindo e descendo, e então o pai diz pronto – arfando – daqui voltamos pra praia – toma fôlego – nadando de viés, entende? O filho diz tá, mas antes que comece a nadar, o pai vê o medo no olhar dele.
        Nadam olhando as luzes das casas lá adiante, e conforme estão no alto duma onda ou no baixio entre duas ondas, ou veem as casas e até a praia ou apenas céu dourado no horizonte. Mas de repente o pai não vê mais o filho. Grita. Ouve gritos do filho. Quando voltam a se achar, estão arfando assustados, e o pai quase não consegue pedir calma. O filho olha as luzes, diz é muito longe, pai. Você tem de aguentar, diz o pai se esforçando pra não arfar, você não nada mil metros na piscina?
        Na piscina, diz o filho, com um olhar de medo e dor.
        Já mal se veem na quase escuridão entre as ondas, mas o pai procura os olhos do filho para dizer calma, continua com calma. O menino continua a nadar, agora nado livre, e o pai continua em nado de peito, para não perder o filho de vista. Às vezes perde, na passagem duma onda, mas logo voltam a nadar juntos, o pai arfando tanto que pensa meu Deus, eu é que não vou aguentar, e começa a repetir mentalmente meu Deus, meu Deus, meu Deus. Nunca esteve tão fora de forma na vida, tanto vinho, tanta cerveja; então promete que, se saírem dessa, não bebe durante um ano. Passa mais uma onda, o menino para, respira olhando para ele com um olhar que é um borrão, a boca aberta é outro borrão, e o pai promete nunca mais beber na vida. Fala arquejando, quase sem voz – Estamos quase na arrebentação! – e voltam a nadar na escuridão. Quanto mais cansado fica, mais o pai pensa em tirar as bermudas, os bolsos enchem de água, até que decide e grita pro filho esperar, afunda lutando com a roupa. Quando se livra das bermudas, a bunda toca na areia e leva um susto, firma as pernas e se lança para cima, aflora sem fôlego ao lado do filho, continuam a nadar.
        O filho vai com braçadas moles, lentas, cada uma parece que vai ser a última, e de vez em quando geme ai, pai, e ele fala vai, vai! Na arrebentação se perdem, uma onda arrastando o menino, e depois o pai se vê sozinho com os pés na areia e água pelo peito. A onda vazante puxa de volta para o mar e ele sabe que tem de nadar forte agora pra sair logo dali, não tem outra coisa a fazer, então enfia a cabeça na água e vai em nado livre, batendo no mar com braçadas duras. Nada até não aguentar mais e aí fica de pé, seja o que Deus quiser, se o mar quiser levar agora, que leve, ele não tem mais força pra nada; mas se vê com água pela cintura, está salvo. Olha em volta, só água e espuma, vira-se para o mar mas sabe que não vai conseguir voltar pra buscar o filho. Grita o nome do filho contra o vento, grita sabendo que o filho não pode se agarrar num grito, mas grita até ficar rouco e aí vai pra praia.
        Mal consegue chegar na praia, arrastando as pernas, os braços caídos, e vê o menino deitado na areia, tossindo; deita junto. Ficam ali tossindo enquanto as ondas vêm lamber as pernas. Depois o pai perguntará como ele chegou tão depressa ali, e o filho dirá que pegou jacaré numa onda, ué, e rirão muito disso, mas agora o pai só pergunta se ele está bem, e uma onda cobre os dois deitados, o menino corre engatinhando até a areia seca. O pai diz bem, pra uma coisa valeu: finalmente você pegou medo do mar.
        Andam meio se arrastando na direção das casas.
        Um homem de bermudas floridas rega a grama – e uma mulher, varrendo folhas secas, quando vê os dois, fala meu Deus! Só aí o pai lembra que está pelado.
        No dia seguinte, de noitinha, o médico diz que amanhã já podem ir pra casa, e depois eles ficam no quarto ouvindo os grilos no jardim do hospital. Então o filho começa de novo a fazer perguntas. Por que não tem sanduiche em hospital? Não era bom se em casa também tivesse cama com manivela? Não podia ter ao menos mostarda em hospital? E grilo canta só de noitinha por que, e por que é que falam que grilo canta se só faz cri-cri?
        O pai fala que não vai responder porque o médico falou que ele tem de descansar. Isso foi ontem, diz o menino, hoje ele disse que você está muito bem. Chega de pergunta por um tempo, tá, o pai pede mandando. Uma copeira deixa na mesinha a bandeja com dois pratos e a sopeira, o menino destampa e diz hum, que nojo, é canja. O pai diz hum, que bom, é canja, e enche os dois pratos. O filho mexe que mexe no prato com colher, mas começa a comer e o pai diz que pra isso também valeu aquele passeio no mar, só mesmo em hospital pro filho comer sopa. Comem, e o filho pergunta se ele vai contar pra mãe. O pai diz que é melhor não contar, ela se preocupa demais.
        O filho pergunta e você, pai, ficou preocupado?
        O pai pensa um pouco e diz que ficou preocupado sim, quando a mulher começou a bater com a vassoura.
        Riem, depois o pai fala que vai ligar pra mãe, dizendo que está no hotel, e depois vão dormir. E se ela ligar pro hotel? – o filho pergunta e o pai diz que não quer nem pensar, e chega de tanta pergunta.
        O filho pergunta se pode fazer só mais uma pergunta, e pergunta por que você falou que eu estou começando a virar homem? Quando cresce pelo na gente é que vira homem? Então homem sem pelo não é homem?
        O pai diz você disse que ia ser uma pergunta só. Pena que a gente perdeu o peixe, diz o filho com o olhar perdido na sopa. Mas a gente sempre ganha alguma coisa, o pai também olha a sopa.
        E o que é que a gente ganhou, pai?
        O pai diz você já é um homem, meu filho, você é um homem já.

                Domingos Pellegrini. Homem ao mar. In: José Paulo Paes (coord.) Histórias de aventuras. São Paulo: Ática. 1998. p. 57-60. v. 25.
Entendendo o conto:

01 – De acordo com o texto, de o significado das palavras abaixo:
·        Chumbada: linha de pesca.
·        Sargo: tipo de peixe.
·        Borrificadas: irrigados, molhados.
·        Ribombo: estrondo, barulho.
·        Aflorar: emergir, vir à superfície.
·        Arquejando: ofegante.

02 – A aventura está presente em nossas vidas e ela nos ajuda a conhecer novas situações e aprender a lidar com fatos inusitados. Que aventuras os personagens do conto vivenciaram?
      Durante uma pescaria, o filho foi arrastado para dentro do mar e o pai tenta salvá-lo.

03 – O narrador dessa história exerce um papel muito importante no texto, pois é ele quem apresenta os fatos para o leitor. Nesse conto, o narrador participa da história ou ele apenas a observa e expõe os fatos? Explique.
      O narrador expõe os fatos que observa; trata-se do foco narrativo de 3ª pessoa.

04 – O elemento espaço é sempre muito importante em uma narrativa, pois permite que o leitor se localize e imagine a ação com mais facilidade. Qual é o espaço principal utilizado nesse conto e qual é a importância dele no texto?
      O espaço principal é o mar, lugar onde as aventuras se desenrolam.

05 – Após a calmaria da pesca, pai e filho passaram por apuros no mar que os levaram a ter problemas.
a)   O que aconteceu com eles?
Eles acabaram sendo arrastados pelo mar e tiveram que enfrenta-lo para sobreviver.

b)   De que forma eles conseguiram sair dessa situação?
Por meio da superação do medo, buscando manter a calma.

c)   Essa situação pode ser considerada o clímax do conto? Explique.
Sim, pois é o momento em que acontece algo fora da normalidade no texto, fazendo a história passar por uma transformação.

06 – Assim que conseguiram sair salvos do mar, os dois passaram por uma situação vexatória.
a)   Que situação foi essa?
O pai estava nu e assustou uma mulher na praia.

b)   Por que em uma situação como essa as pessoas são capazes de esquecer que estão nus?
Porque as pessoas passam por um estresse tão grande que só conseguem preocupar-se em saírem ilesas das situações de perigo.

07 – Quando estavam no hospital, o filho perguntou ao pai se em algum momento ele teve medo.
a)   O que o pai respondeu?
Que teve medo quando a mulher começou a correr atrás dele com a vassoura.

b)   Você acha que a resposta do pai foi sincera? Com que intenção ele deu essa resposta ao filho?
Não, o pai teve muito medo quando estava no mar, no entanto, ao falar para o filho que teve medo da mulher que corria atrás dele com a vassoura, encontrou uma forma de suavizar os perigos pelos quais haviam passado.

08 – No início do texto, o pai diz que o filho estava virando homem e, no final, afirma que ele já é um homem. Interprete a fala do pai em relação às mudanças do filho.
      No início, o filho demonstrava mudanças físicas, ao passo que, por meio do problema enfrentado, ele adquiriu também maturidade, tendo um comportamento e uma atitude mais responsável.

09 – Enquanto enfrentavam o mar, pai e filho estavam aflitos e com medo. No entanto, o pai não queria demonstrar isso para o filho. Por que ele agiu dessa forma?
      Porque não queria que o filho entendesse que eles estavam passando por uma situação muito perigosa, conseguindo, assim, que o filho não ficasse nervoso e entrasse em desespero.

10 – As aventuras pelas quais o filho passou acabaram sendo um marco na vida dele: tornou-se “homem”, isto é, passou a ter maturidade, responsabilidade.
a)   Em sua opinião, que outras situações vividas pelo ser humano podem representar uma transformação tão significativa?
Resposta pessoal do aluno.

b)   E você, já viveu alguma aventura que representou uma transformação significativa? Conte para seus colegas.
Resposta pessoal do aluno.

11 – Ao falar da relação entre pai e filho, o narrador diz que há diferenças entre antigamente e hoje em dia.
a)   Em sua opinião, de que diferenças o narrador estava falando?
As diferenças referem-se ao fato de que a aproximação e o diálogo entre pais e filhos sofreram mudanças ao longo dos tempos.

b)   Por que você acha que esse comportamento mudou? Discuta com os colegas.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Porque a educação de antigamente era muito diferente de hoje. Não havia diálogo entre pais e filhos.

12 – Em vários momentos do texto, o narrador expõe as falas dos personagens de forma direta, sem indicar as marcações do discurso, como as aspas ou os travessões.
a)   Retire do texto exemplos que comprovem essa afirmação?
“Olhando o filho na praia, o pai diz você parece eu com meu pai na primeira vez que vim à praia pulava pra lá e para cá feito cabrito.”; “Você está começando a virar homem...”.

b)   Como é possível identificar de quem são essas falas? Explique.
Por meio da leitura atenta do texto, que permite conhecer o contexto e saber quem é o personagem que fala.

c)   Que efeito essa ausência de marcações do discurso acarreta na narrativa?
A narrativa torna-se mais dinâmica e envolvente, com menos pausas.

13 – No trecho “Se tem diferença é que naquele tempo pai não falava tanto com filho.”, há um marcação de tempo. Identifique-a e explique que sentido ela adquire ao ser empregada dessa maneira.
      Naquele tempo. A expressão dá ideia de passado, de algo que já aconteceu em um outro momento.

14 – O texto apresenta um registro oral, mas especificamente no 3° parágrafo, em que há uma expressão típica e característica da oralidade. Identifique-a e explique o sentido dessa expressão.
      Hem, que apresenta a função de testar a comunicação, de modo a indagar alguém se entendeu o que se estava falando.

15 – Releia os seguintes trechos, atentando para as palavras em destaque.
        “Sobem no rochedo e o pai diz cuidado, hem, muito cuidado, senão tua mãe me mata.”
        “Marisco come o que se não tem boca?”

Mesmo sendo semelhantes na pronúncia, os termos destacados nos trechos são escritos de formas diferentes. Explique por que isso ocorre.
      Senão significa “do contrário”, podendo ser substituído pelas expressões caso contrário, de outro modo. Já a expressão se não é a junção da conjunção se mais o advérbio não, e indica uma condição, uma alternativa, incerteza, dúvida.

16 – Ao falar dos mariscos, o pai faz duas comparações. Identifique-as e explique com que intenção elas foram criadas.
      O pai compara os ferimentos feitos pelos mariscos com os feitos por uma navalha e por um ralador de tomate. A intenção do pai foi alertar o filho do perigo, pois os mariscos podiam causar graves machucados.

17 – Quando algum navegante cai no mar, a tripulação costuma usar a expressão homem ao mar para que todos a bordo ajudem a efetuar o resgate. Correlacione essa informação ao título da narrativa e à última fala do pai, comentando o efeito de sentido do uso dessa expressão.
      O título “Homem ao mar” na narrativa condiz com a expressão usada pelos navegantes, pois o filho cai no mar, e depois o pai pula para salvá-lo. A expressão usada no título também pode ser interpretada no sentido de o menino tornar-se homem, na opinião do pai, pois, ao cair no mar e enfrenta-lo sem medo, por isso, tornou-se homem ao mar.