quarta-feira, 29 de setembro de 2021

ARTIGO EXPOSITIVO: MAPA DA VIOLÊNCIA 2014: TAXA DE HOMICÍDIOS É A MAIOR DESDE 1980 - DEMETRIO WEBER E ODILON RIOS - COM GABARITO

 Artigo expositivo: Mapa da violência 2014: taxa de homicídios é a maior desde 1980

Número de assassinatos cresceu 7,9% no país entre 2011 e 2012

Por Demetrio Weber e Odilon Rios

27/05/2014 - 00:01

        BRASÍLIA E ALAGOAS – O Brasil registrou em 2012 o maior número absoluto de assassinatos e a taxa mais alta de homicídios desde 1980. Nada menos do que 56.337 pessoas foram mortas naquele ano, num acréscimo de 7,9% frente a 2011. A taxa de homicídios, que leva em conta o crescimento da população, também aumentou 7%, totalizando 29 vítimas fatais para cada 100 mil habitantes. É o que revela a mais nova versão do Mapa da Violência, que será lançada nas próximas semanas com dados que vão até 2012.

        O levantamento é baseado no Sistema de Informações de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, que tem como fonte os atestados de óbito emitidos em todo o país. O autor do mapa, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, diz que o sistema do Ministério da Saúde foi criado em 1979 e que produz dados confiáveis desde 1980. As estatísticas referentes a homicídios em 2012, portanto, são recordes dentro da série histórica do SIM.

        — Nossas taxas são 50 a 100 vezes maiores do que a de países como o Japão. Isso marca o quanto ainda temos que percorrer para chegar a uma taxa minimamente civilizada — destaca o sociólogo.

        Para Waiselfisz, o Brasil vive um “equilíbrio instável”, em que alguns estados obtêm avanços, mas outros tropeçam. Os dados mais recentes mostram que apenas cinco unidades da federação conseguiram reduzir suas taxas de homicídios de 2011 para 2012. Dois deles — Rio de Janeiro e Espírito Santo — se mantiveram praticamente estáveis, com quedas de 0,3% e 0,4%, respectivamente. Os outros três foram Alagoas, com retração de 10,4%; Paraíba, com 6,2%, e Pernambuco, com 5,1%. Ainda assim eles continuam entre os dez estados com maiores taxas de homicídio do país.

        São Paulo apareceu na outra ponta. Entre 2011 e 2012, registrou alta de 11,3%, mas segue ainda com a segunda menor taxa do país. Considerando um período maior, de dez anos entre 2002 e 2012, os dados de São Paulo ainda são positivos, pois houve queda de 60% em sua taxa. Nesse mesmo período, o índice do Rio caiu 50%. Na média brasileira, a alta nesses dez anos foi de 2,1%. Para o sociólogo, a análise desses dados comprova que esses dois estados tiveram êxito em suas ações de Segurança Pública, mas que ainda é preciso fazer ajustes.

        — Não se pode dizer que o ano de 2012 seja uma tendência, mas é preocupante. As ações pontuais na área de Segurança Pública estão mostrando seus limites. Sem reformas estruturais que mexam no sistema penitenciário e no modelo obsoleto de Polícia Civil e Militar, não conseguiremos resolver o problema. E aí, sim, a tendência vai ser de alta — afirma Waiselfisz.

        O sociólogo destaca ainda que a onda de violência migrou das capitais para o interior, na esteira de novos polos de crescimento econômico. Segundo Waiselfisz, as taxas de assassinatos em capitais e grandes municípios diminuíram 20,9%, no período de 2003 a 2012, enquanto as de municípios menores cresceram 23,6%.

        Líder em violência e cobaia do plano federal Brasil Mais Seguro, Alagoas acumula 64,6 assassinatos por 100 mil habitantes. De janeiro a abril deste ano, 820 pessoas foram assassinadas (contra 765 ano passado). O secretário de Defesa Social alagoano, Diógenes Tenório, informou que só comentará os dados após a publicação do Mapa. Uma das propostas para combater o crime é a parceria da Polícia Militar com projetos sociais de redução do consumo de drogas. Segundo a secretaria, 70% dos homicídios têm a droga como pano de fundo. Outra ação é o reforço no policiamento em áreas críticas.

        A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo também informou que não comentaria o estudo por não ter tido acesso aos dados. No entanto, lembra que, em 2012, sua taxa de homicídios foi de 11,53 para cada 100 mil habitantes, na época, a mais baixa do país.

WEBER, Demetrio; RIOS, Odilon. Mapa da Violência 2014: taxa de homicídios é a maior desde 1980. Disponível em: http://oglobo.globo.com/brasil/mapa-da-violencia-2014-taxa-de-homicidios-a-maior-desde-1980-12613765#ixzz3V1iHk9bL. Acesso em: 13 abr. 2015.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 9º ano – Ensino Fundamental – IBEP 4ª edição São Paulo 2015 p. 114-116.

Entendendo o artigo expositivo:

01 – O título da matéria menciona o “Mapa da Violência 2014”, entretanto, os dados apresentados vão até 2012. Explique por que isso acontece.

      Os dados que compõem o mapa vão até 2012, mas a pesquisa foi divulgada somente em 2014, provavelmente porque os dados precisaram ser analisados antes de sua publicação.

02 – Como foi feito o levantamento dos dados que compõem o “Mapa da Violência”?

      A partir dos atestados de óbito emitidos em todo o país, nos quais constam a causa da morte por homicídio.

03 – O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz afirma que o Brasil vive um “equilíbrio instável” no que se refere à taxa de homicídios. Considerando o contexto, esse equilíbrio é visto por ele como positivo ou negativo? Justifique.

      O sociólogo encara o equilíbrio como negativo, pois ele só existe porque, apesar de alguns estados terem melhorado, outros retrocederam. Além disso, a palavra “instável”, geralmente, denota algo negativo.

04 – Quais estados brasileiros conseguiram reduzir suas taxas de homicídios entre 2011 e 2012?

      Rio de Janeiro, Espírito Santo, Alagoas, Paraíba e Pernambuco.

05 – Sobre as taxas referentes a São Paulo, copie no caderno apenas a alternativa coerente com o texto:

a)   De 2011 a 2012, São Paulo esteve entre os estados com menor alta em homicídios.

b)   São Paulo, em dez anos, teve avanço na redução da taxa de homicídios. 

c)   São Paulo registrou queda de 60% na taxa de homicídios em dois anos.

06 – Segundo o sociólogo, o que deveria ser feito para resolver o problema na área da segurança pública?

      Segundo ele, é necessário reformar o sistema penitenciário e o modelo atrasado das políticas Civil e Militar.

07 – Releia as informações deste trecho e responda às questões seguintes:

        Líder em violência e cobaia do plano federal Brasil Mais Seguro, Alagoas acumula 64,6 assassinatos por 100 mil habitantes. De janeiro a abril deste ano, 820 pessoas foram assassinadas (contra 765 ano passado). O secretário de Defesa Social alagoano, Diógenes Tenório, informou que só comentará os dados após a publicação do Mapa. Uma das propostas para combater o crime é a parceria da Polícia Militar com projetos sociais de redução do consumo de drogas. Segundo a secretaria, 70% dos homicídios têm a droga como pano de fundo. Outra ação é o reforço no policiamento em áreas críticas.”

a)   O trecho informa que Alagoas foi usada como “cobaia” do plano federal Brasil Mais Seguro. Ao utilizar esse termo, fica implícito um posicionamento favorável ou contrário ao plano em questão?

A escolha do termo mostra que está implícito um posicionamento crítico ao plano, já que o termo “cobaia” é pejorativo, referindo-se a uma experiência e não à execução prática de um plano de resolução. 

b)   De acordo com o trecho, quais são as principais ações a serem seguidas para reduzir as mortes por homicídios em Alagoas?

Uma ação é a parceria entre a Polícia Militar e projetos sociais de redução do consumo de drogas, a outra é o reforço no policiamento em áreas críticas. 

c)   Qual é a importância de expor no texto o dado de que “70% dos homicídios têm a droga como pano de fundo”?

Esse número comprova a importância da parceria entre a PM e os projetos sociais, já que as drogas foram apontadas como uma das principais causas de assassinato.

08 – Em sua opinião, qual é a importância para a sociedade de pesquisas como o Mapa da Violência?

      Resposta pessoal do aluno.

09 – Após a leitura do texto deste capítulo, responda: Você se sente próximo ou distante de situações de violência?

      Resposta pessoal do aluno.

     

 

terça-feira, 28 de setembro de 2021

CRÔNICA: ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE - RACHEL DE QUEIROZ - COM GABARITO

 Crônica: Assim caminha a humanidade

            Rachel de Queiroz 

        Há muito que penso nisso e muitas pessoas devem ter pensado a mesma coisa. Mas ninguém fala, ninguém diz nada. Por que, não o sei. Trata-se do automóvel. Essa maravilha mecânica, o veículo revolucionário que acabou com os carros de tração animal e expulsou o trem urbano para os longos percursos.

        E agora esse totem da nossa era, o AUTOMÓVEL, também chega ao seu fim, transforma-se num veículo obsoleto. Não serve mais. A finalidade a que se destinava, nas áreas urbanas: transporte individual, rápido, seletivo, perdeu o sentido.

        Você, hoje, para transpor alguns poucos mil metros, da sua casa para o centro, leva o mesmo tempo que gastaria se fosse caminhando a pé. As ruas de todas as cidades do mundo [...] vivem atravancadas por essas tartarugas ninjas, andando a passo de – sim, de tartaruga mesmo, cada uma ocupando um espaço que vai de 10 a 12 metros quadrados e transporta na sua grande maioria só uma ou duas pessoas, no máximo três, se houver o motorista.

        Arrogante. Nas suas janelas de cristal, na pintura luzidia, nos metais polidos, o automóvel é, acima de tudo, um monstro de egoísmo. A área que ele exige para si, na via pública, em vez de dois personagens lhe ocupando os assentos, daria para, no mínimo, três bancos de três pessoas, folgadamente instaladas. [...]

        É, temos de livrar as ruas disso que Macunaíma chamava "a máquina veículo automóvel". O carro puxado a cavalos também não desapareceu, por obsoleto? Hoje nem a rainha da Inglaterra o emprega, prefere os seus reluzentes Rolls Royces. Tal como não se podia mais suportar o atropelo e sujeira dos cavalos, das lerdas carruagens do fim do século 19, assim também o automóvel acabou.

        Há que substituí-lo por um transporte coletivo de qualidade, rápido, limpo, confortável. Metrôs, ou mesmo grandes veículos de superfície, sei lá. A cabeça dos técnicos já deve estar trabalhando, a dos urbanistas, a dos chamados cientistas sociais.

        [...]

         Quem sabe vai-se recorrer ao transporte aéreo, grandes helicópteros que seriam como ônibus voadores, pousando em heliportos arranjados nos tetos dos grandes edifícios? Não sei… Porque logo apareceriam helicópteros particulares, cada executivo teria o seu, de luxo, importado. O que, aliás, já está acontecendo. Eu mesma já viajei num desses, a convite de um amigo.

        Ou será que os engarrafamentos vão continuar por mais anos e anos, como os assaltos, os sequestros, os meninos de rua, as favelas e demais desgraças dos grandes ajuntamentos urbanos? Então a solução seria acabar mesmo com os próprios grandes ajuntamentos urbanos. Voltar todo mundo a se espalhar pelo campo, só procurando os centros quando a natureza do seu trabalho o exigisse.

        Até que o campo se deteriorasse também – já que esse é o destino do homem sobre a terra: acabar com tudo de bom e bonito que a natureza para ele criou.

 QUEIROZ, Rachel. Deixa que eu conto. São Paulo: Global, 2003.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 9º ano – Ensino Fundamental – IBEP 4ª edição São Paulo 2015 p. 108-10.

Entendendo a crônica:

01 – O título do texto é “Assim caminha a humanidade”. A que se refere o texto?

      Provavelmente a alguma coisa que faz parte do dia a dia dos seres humanos, mas em direção ao futuro.

02 – Lendo apenas os trechos destacados no texto e associando-os à leitura do título, pense e responda:

a)   Provavelmente, o texto é predominantemente descritivo, narrativo ou argumentativo? Como você chegou a essa resposta?

Predominantemente argumentativo, pois se desenvolve defendendo uma ideia.

b)   O tom do texto em relação às atitudes humanas deve ser mais otimista ou pessimista? O que o fez pensar assim?

Pessimista. Sugestão: Foi escrito nos trechos destacados, por exemplo: “Mas ninguém fala, ninguém diz nada”.

03 – A cronista afirma que o automóvel não serve mais à finalidade a que se destinava. Por quê? Qual era a finalidade original do automóvel?

      Porque ele devia ser um transporte prático e rápido para distâncias maiores, urbanas. Como as ruas estão cheias demais, congestionadas, o automóvel não consegue mais se deslocar com rapidez.

04 – Observe que o texto tem dez parágrafos:

·        No primeiro parágrafo, apresenta-se o assunto da crônica: o automóvel e o trânsito caótico dos centros urbanos.

·        No segundo parágrafo, a crônica apresenta uma opinião: o automóvel vai acabar.

·        No terceiro e no quarto parágrafos, comenta-se o que é o carro, hoje, e o enorme problema do trânsito urbano.  

            a)   De que tratam os parágrafos quinto ao oitavo? Explique resumidamente.

Nesses parágrafos, a cronista discute alternativas e possibilidades, em contraste com a situação atual, para que se escape ao caos que os carros trouxeram aos grandes centros urbanos.

b)   A que conclusão a cronista chega nos dois últimos parágrafos?

Ela constata o que pode acontecer se não se fizer nada a respeito desse problema, assim como se não se fizer nada com relação aos estragos que os seres humanos provocam no mundo em que vivem.

05 – Releia o último parágrafo e identifique qual é a opinião da cronista sobre as ações humanas, de maneira geral.

      Ela acha que o ser humano não sabe conservar o que é bom e viver bem, porque cada um pensa apenas em si mesmo e não no planeta, no seu ambiente.

06 – Você concorda com a opinião da cronista? Justifique sua resposta de maneira convincente, dando pelo menos dois argumentos que confirmem sua opinião.

      Resposta pessoal do aluno.

07 – Qual é a ideia central do texto? Resuma, em apenas um parágrafo, a mensagem principal da crônica.

      A ideia central é a situação incoerente em que se encontra o ser humano: o desenvolvimento tecnológico, que deveria beneficiar a todos, traz prejuízos à natureza e às pessoas. Como é o caso do automóvel, que veio para facilitar o transporte, por ser mais rápido e mais confortável para longas distâncias, mas se tornou um empecilho urbano, pois ocupa muito espaço, leva poucas pessoas e, em vez de facilitar, dificulta a locomoção dentro dos grandes centros urbanos.

08 – Que sentimentos a crônica desperta no leitor? Em seu caderno, copie dois trechos que justifiquem sua resposta.

      Possibilidades: amargura, decepção, pessimismo. “[...] este é o destino do homem sobre a Terra: acabar com tudo de bom e bonito que a natureza para ele criou”; “Ou será que os engarrafamentos vão continuar por mais anos e anos, como os assaltos, os sequestros, os meninos de rua, as favelas e demais desgraças dos grandes ajuntamentos urbanos? Então a solução seria acabar mesmo com os próprios grandes ajuntamentos urbanos.”

09 – Justifique o título da crônica, explicando que sentidos podemos atribuir a ele.

      O título exprime ironicamente certo conformismo ao constatar que o destino da humanidade é caminhar para uma situação pior que a que tinha antes, porque destrói seu ambiente. O título também se refere ao modo como “se caminha” nas grandes cidades: os carros, que deveriam agilizar a locomoção das pessoas, congestionam as ruas e por isso todos andam muito devagar.

 

CONTO: O VAGABUNDO NA ESPLANADA - MANUEL DA FONSECA - COM GABARITO

 CONTO: O Vagabundo na Esplanada

              Manuel da Fonseca

        A surpresa, de mistura com um indefinido receio e o imediato desejo de mais acautelada perspectiva de observação, levava os transeuntes a afastarem-se de esguelha para os lados do passeio.

        Pela clareira que se abria, o vagabundo, de mãos nos bolsos das calças, vinha, despreocupadamente, avenida abaixo.

        Cerca de cinquenta anos, atarracado, magro, tudo nele era limpo, mas velho e cheio de remendos. Sobre a esburacada camisola interior, o casaco, puído nos cotovelos e demasiado grande, caía-lhe dos ombros em largas pregas, que ondulavam atrás das costas ao ritmo lento da passada. Desfiadas nos joelhos, muito curtas, as calças deixavam à mostra as canelas, nuas, finas de osso e nervo, saídas como duas ripas dos sapatos cambados. Caído para a nuca, copa achatada, aba às ondas, o chapéu semelhava uma auréola alvacenta.

        Apesar de tudo isso, o rosto largo e anguloso do homem, de onde uns olhos azuis-claros irradiavam como que um sorriso de luminosa ironia e compreensivo perdão, erguia-se, intacto e distante, numa serena dignidade.

        Era assim, ao que se via, o seu natural comportamento de caminhar pela cidade.

        Alheado, mas condescendente, seguia pelo centro do passeio com a distraída segurança de um milionário que obviamente se está nas tintas para quem passa. Não só por educação mas também pelo simples motivo de ter mais e melhor em que pensar.

        O que não sucedia aos transeuntes. Os quais, incrédulos ao primeiro relance, se desviavam, oblíquos, deambulante causa do seu espanto. E à vista do que lhes parecia um homem livre de sujeições, senhor de si próprio em qualquer circunstância e lugar, logo, por contraste, lhes ocorriam todos os problemas, todos os compadrios, todas as obrigações que os enrodilhavam. E sempre submersos de prepotências, sempre humilhados e sempre a fingir que nada disso lhes acontecia.

        Num instante, embora se desconhecessem, aliava-os a unânime má vontade contra quem tão vincadamente os afrontava em plena rua. Pronta, a vingança surgia. Falavam dos sapatos cambados, do fato de remendos, do ridículo chapéu. Consolava-os imaginar os frios, as chuvas e as fomes que o homem havia de sofrer. No entanto, alguém disse:

        -- Vê-se com cada sujeito.

        Um senhor vestido de escuro, de pasta negra e luzidia, colocada ostensivamente ao alto e bem segura sobre o braço arqueado, murmurou azedamente:

        -- Que benefício trará tal criatura à sociedade?

        -- Devia ser proibido que gente desta [classe] andasse pelas ruas da cidade – murmurou, escandalizada, uma velha senhora a outra velha senhora de igual modo escandalizada. E assim, resmungando, se dispersavam, cada um às suas obrigações, aos seus problemas. Sem dar por tal, o homem seguia adiante.

        Junto dos Restauradores, a esplanada atraiu-lhe a atenção. De cabeça inclinada para trás, pálpebras baixas, catou pelos bolsos umas tantas moedas, que pôs na palma da mão. Com o dedo esticado, separou-as, contando-as conscienciosamente. Aguardou o sinal de passagem, e saiu da sombra dos prédios para o Sol da tarde quente de Verão.

        A meio da esplanada havia uma mesa livre. Com o à vontade de um frequentador habitual, o homem sentou-se.

        Após acomodar-se o melhor que o feitio da cadeira de ferro consentia, tirou os pés dos sapatos, espalmou-os contra a frescura do empedrado, sob o toldo. As rugas abriram-lhe no rosto curtido pelas soalheiras um sorriso de bem-estar.

        Mas o fato e os modos da sua chegada haviam despertado nos ocupantes da esplanada, mulheres e homens, uma turbulência de expressões desaprovadoras. Ao desassossego de semelhante atrevimento sucedera a indignação.

        Ausente, o homem entregava-se ao prazer de refrescar os pés cansados, quando um inesperado golpe de vento ergueu do chão a folha inteira de um jornal, e enrolou-lha nas canelas. O homem apanhou-a, abriu-a. Estendeu as pernas, cruzou um pé sobre o outro.

Céptico, mas curioso, pôs-se a ler.

        O facto, de si tão discreto, pareceu constituir a máxima ofensa para os presentes. Franzidos, empertigaram-se, circunvagando os olhos, como se gritassem: “Pois, não há um empregado que venha expulsar daqui este tipo!”. Nas caras, descompostas pelo desorbitado melindre, havia o que quer que fosse de recalcada, hedionda raiva contra o homem mal vestido e tranquilo, que lia o jornal na esplanada.

        Um rapaz aproximou-se. Casaco branco, bandeja sob o braço, muito senhor do seu dever. Mas, ao reparar no rosto do homem, tartamudeou:

        -- Não pode...

        E calou-se. O homem olhava-o com benevolência.

        -- Disse?

        -- É reservado o direito de admissão – tornou o rapaz, hesitando. – Está além escrito.

        Depois de ler o dístico, o homem, com a placidez de quem, por mera distração, se dispõe a aprender mais um dos confusos costumes da cidade, perguntou:

        -- Que direito vem a ser esse?

        -- Bem... – volveu o empregado. – A gerência não admite... Não podem vir aqui certas pessoas.

        -- E é a mim que vem dizer isso?

        O homem estava deveras surpreendido. Encolhendo os ombros, como quem se presta a um sacrifício, deu uma mirada pelas caras dos circunstantes. O azul-claro dos olhos embaciou-se-lhe. – Talvez que a gerência tenha razão – concluiu ele, em tom baixo e magoado. – Aqui para nós, também me não parecem lá grande coisa. – O empregado nem podia falar.

        Conciliador, já a preparar-se para continuar a leitura do jornal, o homem colocou as moedas sobre a mesa, e pediu, delicadamente:

        -- Traga-me uma cerveja fresca, se faz favor. E diga à gerência que os deixe ficar. Por mim, não me importo.

FONSECA, Manuel da. Tempo de Solidão. Lisboa: Editorial Caminho, 1985.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 9º ano – Ensino Fundamental – IBEP 5ª edição – São Paulo, 2018, p. 15-18.

Entendendo o conto:

01 – De acordo com o texto, quais são os significados das palavras abaixo:

·        Alvacento: esbranquiçado, quase branco.

·        Cambado: gasto de forma desigual na sola e no salto.

·        Deambulante: que caminha sem direção determinada.

·        Dístico: letreiro, placa.

·        Embaciar: obscurecer, embaçar.

·        Enrodilhar: envolver.

·        Esplanada: terreno plano, largo, extenso, situado em frente a um edifício importante.

·        Estar nas tintas: assumir uma atitude de despreocupação, indiferença.

·        Melindre: sentimento de vergonha; pudor, recato, escrúpulo.

·        Soalheira: exposição aos raios solares.

02 – Em quanto tempo você acha que a história se desenvolve? Justifique sua resposta.

      A história pode ter durado entre 20 minutos e 1 hora, pois o homem desce a rua, entra no estabelecimento e logo um empregado se aproxima para falar com ele.

03 – Qual é o ambiente em que a história acontece?

      A história inicia-se em uma rua do centro da cidade e, depois, o personagem principal entra em um estabelecimento, que parece ser um restaurante ou um bar.

04 – Como podemos caracterizar o narrador de “O vagabundo na esplanada”? Justifique sua resposta.

      A narração é feita em terceira pessoa e o narrador não participa da história, é narrador-observador, mas mostra total adesão ao protagonista da história.

05 – Identifique o conflito do conto “O Vagabundo na Esplanada” e explique de que maneira ele foi solucionado. Você pode transcrever trechos do texto para justificar sua resposta.

      O conflito contrapõe o comportamento do vagabundo e a reação das pessoas que o julgam indigno de conviver com elas pela aparência e pelo comportamento que ostenta. A solução para o conflito vem do próprio vagabundo, que, em vez de se sentir constrangido com a abordagem do garçom, se porta como se coubesse a ele a decisão sobre a permanência das pessoas no local. Assim, mesmo assustado com as condições morais daquela gente, ele as perdoa e concede a elas a permissão de lá ficarem.

06 – Releia o trecho a seguir:

        “Alheado, mas condescendente, seguia pelo centro do passeio com a distraída segurança de um milionário que obviamente se está nas tintas para quem passa. Não só por educação mas também pelo simples motivo de ter mais e melhor em que pensar.

        O que não sucedia aos transeuntes. Os quais, incrédulos ao primeiro relance, se desviavam, oblíquos, deambulante causa do seu espanto. [...]”.

a)   O que esse trecho revela a respeito do personagem?

O personagem não percebe nem se incomoda com os comentários alheios a seu respeito.

b)   É possível afirmar que há ironia quando o narrador diz que o personagem tinha “mais e melhor em que pensar”. Por quê?

A ironia é do próprio narrador em relação à postura dos transeuntes. O narrador acaba tomando uma posição a favor do vagabundo ao sugerir que os outros transeuntes não tinham nada de muito importante em que pensar, além de manifestar o preconceito, o que torna o vagabundo superior em relação aos demais.

07 – No que diz respeito à descrição que o narrador faz dos transeuntes, transcreva o trecho que revela o preconceito destes em relação ao personagem.

        “Num instante, embora se desconhecessem, aliava-os a unânime má vontade contra quem tão vincadamente os afrontava em plena rua. Pronta, a vingança surgia. Falavam dos sapatos cambados, do fato de remendos, do ridículo chapéu. Consolava-os imaginar os frios, as chuvas e as fomes que o homem havia de sofrer.”

08 – Releia este outro trecho.

        “A meio da esplanada havia uma mesa livre. Com o à vontade de um frequentador habitual, o homem sentou-se.”

a)   O que o comportamento do personagem revela sobre o modo como ele mesmo se via?

O trecho revela que o personagem se via como qualquer outro frequentador da esplanada, não tendo nenhum receio de se sentar com aqueles que se julgam superiores a ele.

b)   A expressão “à vontade” é geralmente empregada como adjunto adverbial. Qual é a novidade quanto ao uso dessa expressão nesse texto?

Ela foi empregada como substantivo, para nomear os modos do personagem.

09 – No desfecho do conto, acontece a inclusão ou a exclusão do personagem? Quem é responsável por isso?

      Acontece a inclusão do personagem. O próprio vagabundo é responsável por sua inclusão, pois se considera digno de frequentar um restaurante ou bar que, aparentemente, é frequentado por pessoas de nível social diferenciado.

10 – Transcreva a afirmativa que caracteriza adequadamente o conto “O vagabundo na esplanada”.   

a)   Narrativa longa, em prosa, com muitos capítulos. Em cada capítulo, surgem personagens secundários que giram em torno de um personagem principal.

b)   Narrativa breve, em prosa. Apresenta linguagem em que estão condensadas a força da expressão e a pluralidade de significados. Permite que o leitor faça a própria interpretação dos fatos narrados.

c)   Texto poético, do tipo geralmente publicado em jornais e revistas. Mistura linguagem verbal e visual e conta uma história real, cotidiana.

 

CONTO: O GATO PRETO - EDGAR ALLAN POE - COM GABARITO

 Conto: O Gato Preto

          Edgar Allan Poe

        Não espero nem peço que se dê crédito à história sumamente extraordinária e, no entanto, bastante doméstica que vou narrar. Louco seria eu se esperasse tal coisa, tratando-se de um caso que os meus próprios sentidos se negam a aceitar. Não obstante, não estou louco e, com toda a certeza, não sonho. Mas amanhã posso morrer e, por isso, gostaria, hoje, de aliviar o meu espírito. [...]

        Desde a infância, tornaram-se patentes a docilidade e o sentido humano de meu caráter. A ternura de meu coração era tão evidente, que me tornava alvo dos gracejos de meus companheiros. Gostava, especialmente, de animais, e meus pais me permitiam possuir grande variedade deles. [...]

        Casei cedo, e tive a sorte de encontrar em minha mulher disposição semelhante à minha. Notando o meu amor pelos animais domésticos, não perdia a oportunidade de arranjar as espécies mais agradáveis de bichos. Tínhamos pássaros, peixes-dourados, um cão, coelhos, um macaquinho e um gato.

        Este último era um animal extraordinariamente grande e belo, todo negro e de espantosa sagacidade. Ao referir-se à sua inteligência, minha mulher, que, no íntimo de seu coração, era um tanto supersticiosa, fazia frequentes alusões à antiga crença popular de que todos os gatos pretos são feiticeiras disfarçadas. [...]. Pluto assim se chamava o gato era o meu preferido, com o qual eu mais me distraía. [...]

        Nossa amizade durou, desse modo, vários anos, durante os quais não só o meu caráter como o meu temperamento enrubesço ao confessá-lo sofreram, devido ao demônio da intemperança, uma modificação radical para pior. Tornava-me, dia a dia, mais taciturno, mais irritadiço, mais indiferente aos sentimentos dos outros. Sofria ao empregar linguagem desabrida ao dirigir-me à minha mulher. No fim, cheguei mesmo a tratá-la com violência. Meus animais, certamente, sentiam a mudança operada em meu caráter. Não apenas não lhes dava atenção alguma, como, ainda, os maltratava. Quanto a Pluto, porém, ainda despertava em mim consideração suficiente que me impedia de maltratá-lo [...]. Meu mal, porém, ia tomando conta de mim que outro mal pode se comparar ao álcool? e, no fim, até Pluto, que começava agora a envelhecer e, por conseguinte, se tornara um tanto rabugento, até mesmo Pluto começou a sentir os efeitos de meu mau humor.

        Certa noite, ao voltar a casa, muito embriagado, de uma de minhas andanças pela cidade, tive a impressão de que o gato evitava a minha presença. Apanhei-o, e ele, assustado ante a minha violência, me feriu a mão, levemente, com os dentes. Uma fúria demoníaca apoderou-se, instantaneamente, de mim. Já não sabia mais o que estava fazendo. [...] Tirei do bolso um canivete, abri-o, agarrei o pobre animal pela garganta e, friamente, arranquei de sua órbita um dos olhos! [...]

        Entrementes, o gato se restabeleceu, lentamente. A órbita do olho perdido apresentava, é certo, um aspecto horrendo, mas não parecia mais sofrer qualquer dor. Passeava pela casa como de costume, mas, como bem se poderia esperar, fugia, tomado de extremo terror, à minha aproximação. Restava-me ainda o bastante de meu antigo coração para que, a princípio, sofresse com aquela evidente aversão por parte de um animal que, antes, me amara tanto. Mas esse sentimento logo se transformou em irritação. [...] Uma manhã, a sangue-frio, meti-lhe um nó corredio em torno do pescoço e enforquei-o no galho de uma árvore. Fi-lo com os olhos cheios de lágrimas, com o coração transbordante do mais amargo remorso. Enforquei-o porque sabia que ele me amara, e porque reconhecia que não me dera motivo algum para que me voltasse contra ele. [...]

        Na noite do dia em que foi cometida essa ação tão cruel, fui despertado pelo grito de fogo!. As cortinas de minha cama estavam em chamas. Toda a casa ardia. Foi com grande dificuldade que minha mulher, uma criada e eu conseguimos escapar do incêndio. [...]

        [...] No dia seguinte ao do incêndio, visitei as ruínas. As paredes, com exceção de uma apenas, tinham desmoronado. [...] Aproximei-me e vi, como se gravada em baixo-relevo sobre a superfície branca, a figura de um gato gigantesco. A imagem era de uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Havia uma corda em torno do pescoço do animal. [...]

        Uma noite, em que me achava sentado, meio aturdido, num antro mais do que infame, tive a atenção despertada, subitamente, por um objeto negro que jazia no alto de um dos enormes barris, de genebra ou rum, que constituíam quase que o único mobiliário do recinto. Fazia já alguns minutos que olhava fixamente o alto do barril, e o que então me surpreendeu foi não ter visto antes o que havia sobre o mesmo. Aproximei-me e toquei-o com a mão. Era um gato preto, enorme tão grande quanto Pluto e que, sob todos os aspectos, salvo um, se assemelhava a ele. Pluto não tinha um único pelo branco em todo o corpo e o bichano que ali estava possuía uma mancha larga e branca, embora de forma indefinida, a cobrir-lhe quase toda a região do peito. Ao acariciar-lhe o dorso, ergueu-se imediatamente, ronronando com força e esfregando-se em minha mão, como se a minha atenção lhe causasse prazer. [...]

        Continuei a acariciá-lo e, quando me dispunha a voltar para casa, o animal demonstrou disposição de acompanhar-me. Permiti que o fizesse detendo-me, de vez em quando, no caminho, para acariciá-lo. Ao chegar, sentiu-se imediatamente à vontade, como se pertencesse à casa, tornando-se, logo, um dos bichanos preferidos de minha mulher.

        De minha parte, passei a sentir logo aversão por ele. Acontecia, pois, justamente o contrário do que eu esperava. Mas a verdade é que não sei como nem por quê seu evidente amor por mim me desgostava e aborrecia. Lentamente, tais sentimentos de desgosto e fastio se converteram no mais amargo ódio. Evitava o animal. [...]

        Sem dúvida, o que aumentou o meu horror pelo animal foi a descoberta, na manhã do dia seguinte ao que o levei para casa, que, como Pluto, também havia sido privado de um dos olhos. [...]

        Sob a pressão de tais tormentos, sucumbiu o pouco que restava em mim de bom. [...] Minha rabugice habitual se transformou em ódio por todas as coisas e por toda a humanidade e enquanto eu, agora, me entregava cegamente a súbitos, frequentes e irreprimíveis acessos de cólera, minha mulher pobre dela! não se queixava nunca, convertendo-se na mais paciente e sofredora das vítimas.

        Um dia, acompanhou-me, para ajudar-me numa das tarefas domésticas, até o porão do velho edifício em que nossa pobreza nos obrigava a morar, o gato seguiu-nos e, quase fazendo-me rolar escada abaixo, me exasperou a ponto de perder o juízo. Apanhando uma machadinha e esquecendo o terror pueril que até então contivera minha mão, dirigi ao animal um golpe que teria sido mortal, se atingisse o alvo. Mas minha mulher segurou-me o braço, detendo o golpe. Tomado, então, de fúria demoníaca, livrei o braço do obstáculo que o detinha e cravei-lhe a machadinha no cérebro. Minha mulher caiu morta instantaneamente, sem lançar um gemido.

        Realizado o terrível assassínio, procurei, movido por súbita resolução, esconder o corpo. Sabia que não poderia retirá-lo da casa, nem de dia nem de noite, sem correr o risco de ser visto pelos vizinhos. [...] Finalmente, tive uma ideia que me pareceu muito mais prática: resolvi emparedá-lo na adega, como faziam os monges da Idade Média com as suas vítimas. [...]

        O passo seguinte foi procurar o animal que havia sido a causa de tão grande desgraça, pois resolvera, finalmente, matá-lo. Se, naquele momento, tivesse podido encontrá-lo, não haveria dúvida quanto à sua sorte: mas parece que o esperto animal se alarmara ante a violência de minha cólera, e procurava não aparecer diante de mim enquanto me encontrasse naquele estado de espírito. Impossível descrever ou imaginar o profundo e abençoado alívio que me causava a ausência de tão detestável felino. [...] Transcorreram o segundo e o terceiro dia e o meu algoz não apareceu. Pude respirar, novamente, como homem livre. O monstro fugira para sempre de casa.

        Foram feitas algumas investigações, mas respondi prontamente a todas as perguntas. Procedeu-se, também, a uma vistoria em minha casa, mas, naturalmente, nada podia ser descoberto. Eu considerava já como coisa certa a minha felicidade futura.

        No quarto dia após o assassinato, uma caravana policial chegou, inesperadamente, a casa, e realizou, de novo, rigorosa investigação. Seguro, no entanto, de que ninguém descobriria jamais o lugar em que eu ocultara o cadáver, não experimentei a menor perturbação. [...]

        -- Senhores – disse, por fim, quando os policiais já subiam a escada – é para mim motivo de grande satisfação haver desfeito qualquer suspeita. Desejo a todos os senhores ótima saúde e um pouco mais de cortesia. Diga-se de passagem, senhores, que esta é uma casa muito bem construída... (Quase não sabia o que dizia, em meu insopitável desejo de falar com naturalidade.) Poderia, mesmo, dizer que é uma casa excelentemente construída. Estas paredes – os senhores já se vão? –, estas paredes são de grande solidez.

        Nessa altura, movido por pura e frenética fanfarronada, bati com força, com a bengala que tinha na mão, justamente na parte da parede atrás da qual se achava o corpo da esposa de meu coração.

        Que Deus me guarde e livre das garras de Satanás! Mal o eco das batidas mergulhou no silêncio, uma voz me respondeu do fundo da tumba, primeiro com um choro entrecortado e abafado, como os soluços de uma criança; depois, de repente, com um grito prolongado, estridente, contínuo, completamente anormal e inumano. Um uivo, um grito agudo, metade de horror, metade de triunfo, como somente poderia ter surgido do inferno, da garganta dos condenados, em sua agonia, e dos demônios exultantes com a sua condenação.

        Quanto aos meus pensamentos, é loucura falar. Sentindo-me desfalecer, cambaleei até à parede oposta. Durante um instante, o grupo de policiais deteve-se na escada, imobilizado pelo terror. Decorrido um momento, doze braços vigorosos atacaram a parede, que caiu por terra. O cadáver, já em adiantado estado de decomposição, e coberto de sangue coagulado, apareceu, ereto, aos olhos dos presentes.

        Sobre sua cabeça, com a boca vermelha dilatada e o único olho chamejante, achava-se pousado o animal odioso, cuja astúcia me levou ao assassínio e cuja voz reveladora me entregava ao carrasco.

        Eu havia emparedado o monstro dentro da tumba! 

POE, Edgar Allan. Histórias extraordinárias. São Paulo: Martin Claret, 2000.

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 7º ano – Ensino Fundamental – IBEP 4ª edição São Paulo 2015 p. 189-192.

Entendendo o conto:

01 – O narrador-personagem anuncia que vai contar uma história “sumamente extraordinária e, no entanto, bastante doméstica.” Que expectativa é criada no leitor devido ao uso desses dois adjetivos?

      O leitor espera que a história seja um acontecimento inesperado entre a rotina e os elementos cotidianos.

02 – Releia o primeiro parágrafo e responda: Por que razão ele decidiu tornar pública sua história?

      Porque pode morrer em breve e quer desabafar, aliviar o espírito.

03 – A partir do segundo parágrafo, o narrador-personagem conta um pouco de sua infância e do início do seu casamento. Que mudança podemos perceber em sua personalidade no decorrer da história?

      Na infância, a personagem era dócil e de bom caráter. Aos poucos, foi se tornando uma pessoa cada vez mais irritadiça e violenta. Primeiro, maltratava apenas os animais, com exceção do gato preto. Depois, passou a agredir o gato a ponto de matá-lo. Por fim, acabou assassinando a esposa.

04 – Por duas vezes, a personagem maltrata o gato preto. Releia os trechos que relatam esses dois episódios. De que maneira esses relatos contribuem para o clima de tensão da narrativa?

      Os trechos mostram a mudança no caráter do narrador e acentuam o caráter de terror do conto.

05 – O conto sugere que o gato encontrado pela personagem, em uma de suas saídas à noite, num antro mais do que infame, era o mesmo gato que havia sido enforcado. Que semelhanças entre ambos foram apontadas?

      “Ambos eram pretos, enormes, não tinham um olho e eram afeiçoados ao casal. Acima disso, contudo, há o relato do narrador: [...] tão grande quanto Pluto e que, sob todos os aspectos, salvo um, se assemelhava a ele.”

06 – A quem, principalmente, o narrador atribui a culpa por sua mudança de caráter, incluindo o assassinato de sua esposa? Justifique com trechos do texto.

      Ao gato preto: “seu evidente amor por mim me desgostava e aborrecia. Lentamente, tais sentimentos de desgosto e fastio se converteram no mais amargo ódio. Evitava o animal. [...] Sob a pressão de tais tormentos, sucumbiu o pouco que restava em mim de bom.”; “O gato seguiu-nos e, quase fazendo-me rolar escada abaixo, me exasperou a ponto de perder o juízo.”; “O passo seguinte foi procurar o animal que havia sido a causa de tão grande desgraça, pois resolvera, finalmente, matá-lo.”; “Transcorreram o segundo e o terceiro dia e o meu algoz não apareceu.”; “[...] achava-se pousado o animal odioso, cuja astúcia me levou ao assassínio e cuja voz reveladora me entregava ao carrasco.”

07 – A que outro fator poderíamos atribuir a mudança de caráter do narrador? Justifique com um trecho do texto.

      À bebida: “Nossa amizade durou, desse modo, vários anos, durante os quais não só o meu caráter como o meu temperamento – enrubesço ao confessá-lo – sofreram, devido ao demônio da intemperança, uma modificação radical para pior.”; “Meu mal, porém, ia tomando conta de mim – que outro mal pode se comparar ao álcool?”.

08 – Copie no caderno a alternativa que melhor justifica a presença do foco narrativo em primeira pessoa nesse conto:

a)   O narrador-personagem tem conhecimento dos fatos e os narra com total isenção de envolvimento, deixando claro ao leitor sua culpa no crime que praticou.

b)   O narrador-personagem, devido à sua aproximação com os fatos narrados, seleciona situações para convencer o leitor de que uma força sobrenatural o obrigou a praticar os atos de violência.

09 – Que recurso o narrador utiliza para tentar convencer o leitor de que a história de fato aconteceu?

      No primeiro parágrafo, o narrador conversa com os leitores e afirma que não espera que acreditem em sua história, já que até mesmo seus sentidos se negam a acreditar, mas que vai conta-la mesmo assim.

10 – De que maneira os substantivos e os adjetivos contribuem para criar um clima de terror e mistério? Cite exemplos retirados do texto.

      Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Muitos dos adjetivos e substantivos do texto procuram descrever o ambiente e os seres, além de narrar os fatos de uma forma que provoque medo nos leitores.

      “Sobre sua cabeça, com a boca vermelha dilatada e o único olho chamejante, achava-se pousado o animal odioso, cuja astúcia me levou ao assassínio e cuja voz reveladora me entregava ao carrasco.

        Eu havia emparedado o monstro dentro da tumba!”

11 – Que diferenças poderíamos apontar entre uma narrativa de enigma e uma narrativa de terror?

      A narrativa de enigma trabalha com um mistério a ser desvendado, enquanto a narrativa de terror trabalha com um fato sobrenatural.