Crônica: CHOQUE
CULTURAL
Luís Fernando Veríssimo
Todos ficaram preocupados quando o
Márcio e a Bete começaram a namorar porque cedo ou tarde haveria um choque
cultural. Márcio era louco por futebol, Bete só sabia que futebol se jogava com
os pés, ou aquilo era basquete? Avisaram a Bete que para acompanhar o Márcio
era preciso acompanhar a sua paixão e ela disse que não esquentassem, iria
todos os dias com o Márcio ao Beira Mar, se ele quisesse.
- Beira Rio, Bete...
Naquele domingo mesmo, Bete estava com
Márcio no Beira Rio, pronta para torcer ao seu lado, e quase provocou uma
síncope em Márcio quando tirou o casaco do abrigo.
- O que é isso?!
Estava com a camiseta do Grêmio, em
marcante contraste com o vermelho que Márcio e todos à sua volta vestiam.
Desculpou-se.
Disse que pensara que se pudesse
escolher uma camiseta que combinasse com a roupa e ...
Está bem, está bem – interrompeu o
Márcio. – Agora veste o casaco outra vez.
- Certo – disse Bete, obedecendo. E em
seguida gritou “Inter!”, depois virou-se para o Márcio e disse: - O nosso é o
Inter, não é?
- É, é.
- Inter! Olha, eu acho que foi gol!
- O jogo ainda não começou. Os times
estão entrando em campo.
Bete agarrou-se ao braço de Márcio.
- Você vai me explicar tudo, não vai?
Gol de longe também vale três pontos?
- Não. Vale dois. O que que eu estou
dizendo? Vale um.
Mas Bete não estava mais ouvindo.
Estava acompanhando um movimento no gramado com cara de incompreensão.
- Pensei que em futebol se levasse a
bola com o pé.
- É com o pé.
- Mas aquele lá está levando embaixo do
braço.
Márcio explicou que aquele era o juiz,
e que estava levando a bola embaixo do braço para o centro do campo, onde
iniciaria o jogo. Não, os outros dois não estavam ali para evitar que tirassem
a bola das mãos do juiz, como no futebol americano. Eles eram os auxiliares do
juiz. O que os auxiliares faziam?
- Bom, quando um dos auxiliares levanta
a bandeira, o juiz dá impedimento.
- E o que o auxiliar faz com o
impedimento?
Márcio suspirou. Foi o primeiro dos 117
suspiros que daria até o namoro acabar duas semanas depois. Explicou:
- Os auxiliares sinalizam para o juiz
que um jogador está em impedimento, isto é, está em posição irregular, impedido
de jogar, e o juiz apita.
- Meu Deus!
Márcio olhou para Bete. O que fora?
- O juiz apita?! – perguntou Bete, com
os olhos arregalados.
- É. O juiz sopra um apito. Aquilo que
ele tem pendurado no pescoço é um apito.
- Ah.
Bete sentiu-se aliviada. Por alguns
instantes, a ideia de um homem que apitava, sabia-se lá por que mecanismo
insólito, quando lhe acenavam uma bandeira, parecia sintetizar toda a
estranheza daquele ambiente em que se metera, por amor. Ele não apitava.
Soprava um apito. Era diferente.
Mas Bete notou, pela cara do Márcio
quando ela disse “Ah”, que estava tudo acabado.
VERÍSSIMO, L.F. A eterna privação do zagueiro absoluto.
Rio de Janeiro:
Objetiva, 1999.
Entendendo a crônica:
01 – Quem escreveu a crônica
Choque cultural?
Luís Fernando
Veríssimo.
02 – Quem seriam os
possíveis destinatários deste texto?
Público em geral.
03 – Que fato deu origem ao
texto que você leu?
Dificuldade de
relacionamento.
04 – Qual é o suporte desta
crônica?
Livro.
05 – A crônica é quase
sempre um texto curto, com poucas personagens, que se inicia quando os fatos
principais da narrativa estão por acontecer. Por essa razão, o tempo e o espaço
são limitados. Na crônica “Choque cultural”:
a) Quais são as personagens
envolvidas na história?
Márcio e Beth.
b) Onde acontecem os fatos
narrados?
Em um jogo de
futebol.
c) Qual é o tempo de duração
desses fatos?
O tempo de
duração do jogo.
06 – Por que Bete dava
tantos “foras”?
Falta de
conhecimento sobre futebol.
07 – Releia o trecho do
texto: “Márcio suspirou. Foi o primeiro
dos 117 suspiros que daria até o namoro acabar duas semanas depois.”
Explique a causa de tantos suspiros do personagem Márcio.
Ele já não
suportava responder perguntas sem sentido.
08 – Na crônica, os fatos
podem ser narrados por um narrador-observador ou por um narrador-personagem.
Qual é o tipo de narrador na crônica lida? Justifique com um trecho do texto.
Narrador observador – “Todos ficaram
preocupados quando o Márcio e a Bete começaram a namorar porque cedo ou tarde
haveria um choque cultural”.
09 – Partindo de notícias
veiculadas em jornais falados ou escritos ou em situações do dia-a-dia, o
cronista pode representá-las com humor, reflexão crítica e sensibilidade.
a) Existe uma relação entre
a situação vivida pelas personagens da crônica e a de nosso dia-a-dia?
Justifique.
Resposta pessoal.
b) Que objetivos o autor tem
em vista:
( ) Criar humor e divertir.
(x) levar o leitor
a refletir criticamente sobre a vida e comportamentos humanos.
10 – Observe a linguagem
empregada na crônica em estudo.
a) Os fatos são narrados:
(x) de forma
pessoal, subjetiva de acordo com a visão do cronista.
( ) são narrados de forma
impessoal, objetiva.
b) Que tipo de variedade
linguística é adotado na crônica:
( ) a variedade padrão
formal
(x) variedade
padrão informal.
11 - Sabendo que a crônica
fotografa um momento e a sensibilidade do cronista funciona como um “filtro”,
que imprime singularidade ao retrato do fato. Se você tivesse de escolher um
sentimento predominante nesta crônica, qual seria ele?
Resposta pessoal.
12 – Qual é o tema do texto?
Fala da diferença de gosto entre duas
pessoas.
13 – Qual é a relação desse
tema com o título?
É o gosto e o
conhecimento sobre um determinado assunto.
14 – Segundo os amigos, o
que Beth deveria fazer para conquistar o namorado?
Deveria
acompanhar a sua paixão.
15 – O que significa a
expressão “esquentassem” quando Bete diz para os amigos “que não esquentassem”.
Que ela iria
acompanhar o namorado sempre.
16 – Bete conseguiu atingir
o seu propósito de conquistar o Márcio? Por quê?
Não. Porque não
conseguiu aprender nada.
17 – Durante a partida, Bete
não “dava uma dentro”. Para você, quais foram os “foras” que a Bete deu.
Resposta pessoal
do aluno.
18 – Use a sua criatividade
e crie um diálogo no qual Bete dá um novo fora com relação ao jogo de futebol.
Resposta pessoal
do aluno.
19 – Abaixo existem dois
trechos do texto onde aparece a expressão tudo. Explique o que cada um a
quer dizer. Em outras palavras: a que essas expressões se referem?
"- Você vai me explicar tudo,
não vai? Gol de longe também vale três pontos?"
Que era para o
Márcio explicar todos os acontecimentos dentro da partida de futebol.
"Mas Bete notou, pela cara do Márcio quando ela disse “Ah”, que estava tudo acabado."
Ela achava que
tinha acabado a partida.
20 – Marque a resposta
correta. Após a leitura do texto, podemos concluir que:
( ) Bete não tinha
conhecimento nenhum sobre futebol e Márcio nem tentou ensinar tudo a ela. Nas
entrelinhas pode-se entender que o namoro acabou porque Márcio pensa que
conhecimento de mundo só se aprende na escola.
(X) Bete
demonstrou boa vontade em aprender tudo sobre futebol. Márcio também estava
disposto a ajudar, mas os questionamentos eram tantos que Márcio acabou
desistindo do namoro. Faltou à Bete um tipo de conhecimento que se chama
conhecimento de mundo.
( ) Para que o namoro desse
certo, seria preciso que Bete se esforçasse mais para adquirir um conhecimento
sobre futebol, coisa que Márcio não estava nem um pouco a fim de ensinar a ela.