Durante a epidemia de influenza (a
“gripe espanhola”) que grassou no país em 1918, as autoridades municipais de
Curitiba determinaram o fechamento de todas as casas de espetáculos e proibiram
aglomerações, inclusive o acompanhamento dos enterros e a frequência a templos
religiosos.
Ante os parcos recursos e conhecimentos médico-científicos de
então, estima-se que a epidemia tenha matado cerca de 50 milhões de pessoas no
mundo.
Agora, no século 21, nossas autoridades
estão permitindo a desinformação e o caos. Enquanto diversas escolas adiaram o
início das aulas do segundo semestre ou as suspenderam, e a Secretaria de Saúde
do Estado de São Paulo determinou a volta às aulas apenas no dia 17 de agosto,
o secretário de Saúde do Paraná inicialmente criticou as instituições
curitibanas pela atitude “precipitada” – depois, acabou cedendo, embora
argumentando que os motivos não são técnicos, e que aderiu à medida apenas para
tranquilizar as famílias. Várias vozes qualificadas classificaram o adiamento
como inútil e inócuo.
Os especialistas divergem. Uns dizem
que a gripe A tem gravidade e letalidade parecidas com a da gripe sazonal e que
bastam as ações preventivas que estão sendo tomadas para conter riscos maiores.
E garantem que adiar o início das aulas por uma ou duas semanas não terá nenhum
efeito. Outros especialistas, por sua vez, afirmam que a situação é mais grave
do que se noticia e que deveriam ser tomadas medidas mais drásticas, justificando
a suspensão das aulas.
O diretor de Vigilância Epidemiológica
do Ministério da Saúde, Eduardo Hage, afirmou categoricamente: “No Brasil,
adoecer pela gripe comum ou pela H1N1 é muito semelhante do ponto de vista da
gravidade dos casos. Isso indica que a abordagem clínica para diagnóstico,
tratamento e internação deve ser a mesma para ambos os vírus.” A única
recomendação do Ministério sobre a volta às aulas é que os alunos que tiverem
sintomas da gripe não retornem.
Quando nem as autoridades da saúde se
entendem, como o cidadão pode ter uma orientação segura? Se há uma pandemia,
trata-se de um problema de saúde pública – portanto, cabe ao Poder Público
orientar e inclusive baixar normas a respeito, determinando que atitudes devem
ser tomadas. Se não o faz, ou o faz de modo contraditório, continuamos nessa
situação absurda, com suspensão de algumas atividades e de outras não. A capa
da Gazeta do Povo de 30/07 é sintomática: ao mesmo tempo em que noticia em
grande manchete a suspensão de aulas, apresenta a chamada: “Férias e chuva
lotam shoppings de Curitiba”. O texto dessa chamada informa que “julho foi um
mês de ouro para os shoppings”, por causa das férias escolares e do clima frio
e chuvoso, capaz de encher lojas e cinemas. E o texto completa: “a previsão é
de um agosto ainda melhor”. Portanto, a suspensão das aulas provavelmente terá
como efeito a aglomeração de pessoas em outros ambientes, com riscos iguais ou
maiores que a frequência às aulas.
Quase todos os órgãos públicos
continuam funcionando, inclusive com enormes aglomerações de pessoas que
aguardam atendimento por horas em ambientes fechados. De que adianta, então,
suspender as aulas? Ou a epidemia é realmente grave e qualquer aglomeração deve
ser evitada, ou não é, e a vida de todos deve continuar normalmente, apenas com
a adoção das medidas preventivas já recomendadas.
Se o cidadão comum não tem como decidir
por si só, cabe ao Poder Público definir uma linha de ação, seja para combater
a epidemia com medidas drásticas, seja para acalmar a população e garantir a
normalidade no cotidiano de todos.
O que é inaceitável é a incrível falta
de unidade nas determinações das autoridades. Tal situação nos leva a imaginar:
se se tratasse de uma epidemia de alta letalidade e grande poder de propagação,
provavelmente estaríamos à beira do extermínio.
Tomás
Barreiros é jornalista e professor universitário.
Entendendo
o texto:
01 – De acordo
com o texto, as autoridades, no que diz respeito às questões de saúde pública
em Curitiba,
A) têm
uma visão muito mais clara do problema e das ações emergenciais a serem
tomadas, o que se deve à experiência vivida no passado com a gripe espanhola.
B)
mostram-se pouco familiarizadas com esse tipo de problema, o que pode ser comparado
com a negligência vivenciada no passado, ao se tratar da gripe espanhola.
C) têm
sido alvo de críticas pelas informações contraditórias que veiculam na mídia,
mas agem acertadamente quando se trata das ações efetivas de combate à gripe A.
D) apresentam
muita dificuldade para lidar com o problema, uma vez que hoje, assim como no
passado, a escassez de recursos impede a tomada de ações eficazes.
E) atuaram
de forma mais diligente no passado, havendo, no momento atual, atitudes pouco
consistentes face à gravidade do problema representado pela gripe A.
02 – O texto
deixa claro que o cidadão de hoje.
A) não é
afetado pelas opiniões contraditórias dos especialistas.
B)
consegue diferenciar a gripe comum da gripe A.
C) carece
de informações mais claras e pontuais sobre a gripe A.
D) tem
informações suficientes para resguardar-se das doenças.
E) age de
forma precipitada por qualquer problema de saúde.
03
– O último parágrafo retoma a ideia contida no título do texto, mostrando
A) falta
de bom senso das pessoas num momento de crise da saúde, pois gastam
inadvertidamente, sem poupar recursos para cuidados médicos.
B)
contradição no comportamento das pessoas, pois os alunos não vão à escola, mas
acabam lotando os shoppings, onde se expõem à gripe da mesma forma.
C) falta
de políticas públicas mais coercitivas, que deveriam proibir a exploração
comercial decorrente de um problema de saúde pública.
D) falta
de bom senso da população, que não se mobiliza para exigir das autoridades
maior empenho e agilidade para eliminar os focos da gripe.
E)
contradição nas decisões dos governos, que baixam normas para a população sem
levar em consideração os riscos a que se expõe a maioria das pessoas.
04 – No primeiro
parágrafo do texto, a palavra então
A) indica
a causa de uma informação.
B)
expressa circunstância de modo.
C) tem
valor conclusivo.
D) pode
ser substituída por agora.
E) reporta
ao sentido de época.
05 – No texto,
a informação — … nossas autoridades estão permitindo a desinformação e o caos…
— é exemplificada por
A) …as
autoridades municipais de Curitiba determinaram o fechamento de todas as casas
de espetáculos e proibiram aglomerações...
B) … a
Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo determinou a volta às aulas apenas
no dia 17 de agosto…
C) Se há
uma pandemia, trata-se de um problema de saúde pública — portanto, cabe ao
Poder Público orientar…
D) Se não o
faz, ou o faz de modo contraditório, continuamos nessa situação absurda, com
suspensão de algumas atividades e de outras não.
E) O
texto dessa chamada informa que “julho foi um mês de ouro para os shoppings”,
por causa das férias escolares e do clima frio e chuvoso, capaz de encher lojas
e cinemas.
06 – A frase
que reproduz uma ideia do texto de maneira gramaticalmente correta é:
A) Em
1918, com a gripe espanhola, em Curitiba, ficou proibidas as aglomerações,
inclusive o acompanhamento dos enterros e a frequência a templos religiosos.
B)
Estimam-se que cerca de 50 milhões de pessoas no mundo tenham sido vítima da
gripe espanhola no início do século.
C) Evidentemente
cabem ao Poder Público a orientação e a publicação de normas, determinando que
atitudes devem ser tomadas.
D) Não
seria de se espantar se muitos jornais trouxessem a seguinte manchete: “Férias
lota shoppings de Curitiba”.
E) Existe
divergências entre os especialistas: uns dizem que a gripe A têm gravidade e
letalidade parecidas com a da gripe sazonal, outros afirmam que a situação é
mais grave.