Mostrando postagens classificadas por data para a consulta infância. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens classificadas por data para a consulta infância. Ordenar por relevância Mostrar todas as postagens

sexta-feira, 17 de outubro de 2025

CRÔNICA: O RISADINHA - FRAGMENTO - PAULO MENDES CAMPOS - COM GABARITO

 Crônica: O Risadinha – Fragmento

             Paulo Mendes Campos

        Seria melhor dizer que ele não teve infância. Mas não é verdade. Eu o conheci menino, trepando às árvores, armando alçapão para canários-da-terra, bodoqueando as rolinhas, rolando pneu velho pelas ruas, pegando traseira de bonde, chamando o professor Asdrúbal de Jaburu. Foi este último um dos mais divertidos e perigosos brinquedos da nossa infância: o velho corria atrás da gente brandindo a bengala, seus bastos bigodes amarelos fremindo sob as ventas vulcânicas.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiut5l2MVZjo_DhAr5QmuenvRHInUu1_Ol3wLqw4tmq2X-zgx0PhTUuNsDWEO9WyWi23-wYhAGdHHSsdwQjPZjxnz6KIZyUNUwQ8rHTEnwseBinXHKSmLI4yKT132NU7Jy15YXZf4b8UZYuj9Iyc7JYH-ywm3DQS4cdtW8pZ5FyXmdGTMIFPyCQtlO-HIk/s320/ARVORE.jpg


        Nestor, em suma, teve a meninice normal de um filho de funcionário público em nosso tempo, tempo incerto, pois os recursos da Fazenda na província eram magros, e os pagamentos se atrasavam, enervando a população.

        Seus companheiros talvez nem soubessem que se chamasse Nestor; era para todos o Risadinha. Falava pouco e ria muito, um riso de fato diminutivo, nascido de reservados solilóquios, quase sempre extemporâneo. Certa feita, na aula de francês, quando entoávamos em coro o presente do subjuntivo do verbo s`en aller, Risadinha pespegou uma bólide de papel bem na ponta do nariz do professor, que era muito branco, pedante a capricho e tinha o nome de Demóstenes. O rosto do mestre passou do pálido ao rubro das suas tremendas cóleras. Um dos seus prazeres, sendo-lhe vetado por lei castigar-nos com o bastão, era desfiar em cima do culpado uma série de insultos preciosos, que ele ia escandindo um por um, sem pressa e com ódio.

        − Levante-se, seu Nestor! Sa-cri-pan-ta! Ne-gli-gen-te! Si-co-fan-ta! Tu-nan-te! Man-dri-ão! Ca-la-cei-ro! Pan-di-lha! Bil-tre! Tram-po-lei-ro! Bar-gan-te! Es-troi-na! Val-de-vi-nos! Va-ga-bun-do!...

        Pegando a deixa da única palavra inteligível, Risadinha erguia o dedo no ar e protestava, com ar ofendido:

        − Vagabundo, não, professor.

        Era um artista do cinismo, e sua momice de inocência era de tal arte que até mesmo seu Demóstenes não conseguia conter o riso. Como também somente ele já arrancara uma gargalhada do padre-prefeito, um alemão da altura da catedral de Colônia, num dia em que vinha caminhando lento e distraído, fora de forma.

        − Por que o senhorrr não está na forma? − perguntou-lhe rosnando o padre, como se estivesse de promotor da Inquisição, diante de um herege horripilante.

        − É porque estou com meu pezinho machucado, respondeu com doçura o Risadinha.

        − E por que o senhorrr não está mancando?

        Risadinha olhou com espanto para os seus próprios pés, começando a mancar vistosamente:

        − Desculpe, seu padre, é porque eu tinha esquecido.

        Foi um precursor de Cantinflas e, a despeito da opinião do leitor, nós lhe achávamos uma graça de doer a barriga.

        [...]

CAMPOS, Paulo Mendes. Para gostar de ler.

Fonte: Gramática da Língua Portuguesa Uso e Abuso. Suzana d’Avila – Volume Único. Editora do Brasil S/A. Ensino de 1º grau. 1997. p. 281.

Entendendo a crônica:

01 – Qual era o nome verdadeiro do personagem principal e qual era seu apelido?

      O nome verdadeiro do personagem principal era Nestor, mas ele era conhecido por todos como Risadinha.

02 – Que tipo de infância o narrador descreve que Nestor (o Risadinha) teve?

      O narrador descreve que Nestor teve a meninice "normal de um filho de funcionário público em nosso tempo", embora a época fosse de recursos magros e pagamentos atrasados. A meninice era marcada por brincadeiras típicas, como trepar em árvores, armar alçapão, "bodoquear" rolinhas e rolar pneu.

03 – Qual era a característica principal do Risadinha que lhe rendeu o apelido, e como o narrador descreve esse traço?

      A principal característica era o riso. O narrador o descreve como alguém que "falava pouco e ria muito, um riso de fato diminutivo, nascido de reservados solilóquios, quase sempre extemporâneo."

04 – Que travessura o Risadinha cometeu durante a aula de francês e qual foi a reação imediata do professor Demóstenes?

      Risadinha atirou uma "bólide de papel" (bolinha) bem na ponta do nariz do professor Demóstenes. A reação do professor foi passar do pálido ao rubro de cólera.

05 – Como o professor Demóstenes, impedido por lei de usar o bastão, punia o Risadinha verbalmente?

      Ele punia o Risadinha proferindo "uma série de insultos preciosos", que ia escandindo (falando pausadamente) um por um, sem pressa e com ódio. A lista de insultos incluía "Sacripanta", "Sicofanta", "Trampoleiro", "Vagabundo", entre outros.

06 – Qual foi a "jogada" de cinismo e inocência do Risadinha que conseguiu arrancar o riso até do professor Demóstenes?

      Ao ser xingado com a lista de insultos, Risadinha interrompeu o professor na única palavra que considerou ofensiva e inteligível ("Vagabundo") e protestou com ar ofendido: "Vagabundo, não, professor." Sua "momice de inocência" era tão perfeita que o professor não conseguiu conter o riso.

07 – Que estratagema o Risadinha usou para convencer o padre-prefeito de que seu pé estava machucado?

      Ao ser questionado pelo padre ("E por que o senhorrr não está mancando?"), Risadinha olhou para os próprios pés, começou a mancar vistosamente e pediu desculpas, dizendo: "Desculpe, seu padre, é porque eu tinha esquecido." Essa resposta também arrancou uma gargalhada do padre.

 

 

sexta-feira, 19 de setembro de 2025

POESIA: O PASSO NA ESCADA - MARIA EUGÊNIA CELSO - COM GABARITO

 Poesia: O passo na escada

            Maria Eugênia Celso

        Depois... muito depois... o ruído de um passo. Um passo forte, límpido, vivo, familiar.

        Um passo que vem vindo e que sobe depressa os degraus de uma escada. Um passo que ouço extasiada e espero numa ânsia sem palavras, reconhecendo entre todos os outros o seu pisar, ágil e diferente; que a tudo, como a mim, enche de segurança.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgzY3CjgJogMZsMWrssaLYErGwgYc9ChJ-T6Le3weDRNKTu07daauUI-r4AMXpQxjKvyWTlZQom5KsP2RKcAfegV7L6e02hShL2NCaF3nJdcah2GmAM5fRvPehXP0cxLsEk-D3UWQ5FfqlpQEWdJFSUVQMKmxbp-gfSy0ZIZTMLEVUIrp3WxtvU0Ght2cw/s320/capa-escadas.jpg


        Sei que para chegar não encontra embaraços; pula os degraus de dois em dois, correndo. Sinto-o ao longe, ouço vir, quero-lhe bem. Subindo, escuto-o definir-se, aproximar-se, entrar...

        É um passo que me encontra, me conforta e me atrai. É de súbito, o passo toma corpo, tornam-se dois braços que me arrebatam do chão, faz-se um rosto de homem, sorridente, belo, moço, um rosto de carinho e de alegria que eu não canso de ver e rever todo o dia, um rosto que se inclina sobre a minha pequenez com  adoração. Um rosto que resume todas as minhas ideiazinhas de força e de confiança, o símbolo de toda proteção: PAPAI!

Maria Eugênia Celso, Poesia para a infância. Lisboa, Ulisséia, 1983.

Fonte: Português – 1º grau – Descobrindo a gramática 8. Gilio Giacomozzi; Gildete Valério; Cláudia Reda Fenga. São Paulo. FTD, 1992. p. 115.

Entendendo a poesia:

01 – O que o eu lírico ouve no início do poema e como ele descreve esse som?

      O eu lírico ouve o ruído de um passo, que é descrito como "forte, límpido, vivo, familiar".

02 – Qual a sensação que o som do passo causa no eu lírico?

      O eu lírico sente-se extasiado e espera o som com uma "ânsia sem palavras". Ele o reconhece entre todos os outros, e o som "enche [a ele] de segurança".

03 – Como o eu lírico descreve a velocidade e a agilidade do passo?

      Ele descreve o passo como vindo "depressa", subindo a escada, sem encontrar embaraços e pulando "os degraus de dois em dois, correndo".

04 – Em que momento o passo se transforma em uma pessoa, e quais são as características dessa pessoa?

      De repente, o passo "toma corpo" e se transforma em uma pessoa com dois braços que a arrebatam do chão. Essa pessoa tem um rosto "sorridente, belo, moço, um rosto de carinho e de alegria".

05 – Qual é a revelação final do poema e o que essa pessoa representa para o eu lírico?

      A revelação final é que a pessoa que subia a escada é o papai. Ele representa para o eu lírico o símbolo de "força e de confiança" e de "toda proteção".

 

 

quinta-feira, 14 de agosto de 2025

ENTREVISTA: CAETANO VELOSO - CONCEDIDA A MONIQUE DEHEINZELIN - COM GABARITO

 Entrevista: Caetano Veloso

 

        Monique — Caetano, a ideia central desta proposta de educação infantil — tratada no livro “A fome com a vontade de comer” — é que as transformações têm a chave do saber e que essas transformações se dão quando existe uma interação entre o que a pessoa é, o que ela sabe, os seus conhecimentos prévios, e aquilo que é ensinado a ela. Essa é a função da escola, ensinar algumas coisas para as pessoas, não é? Aqui no estado da Bahia a gente tem uma diversidade enorme de modos de vida e cultura, e essa diversidade está, me parece, mais fundada atualmente nas coisas de uma cultura popular que se mantém pela preservação das tradições, do que uma cultura popular que se transforma. Algumas pessoas acreditam que não se pode, ao mesmo tempo, ser um ouvinte de rock and roll e preservar a tradição dos ternos de Reis, por exemplo. Como é que você vê essa questão, dessa diversidade do estado em relação a essa questão da cultura popular e daquilo que pode ser trazido como contribuição pela educação? Eu fico pensando que educação é exatamente o lugar de acesso ao conhecimento, aos bens culturais que são daquele lugar, mas que também dão acesso às pessoas que são daquele lugar a qualquer outra coisa, de qualquer outro lugar do mundo. Como é que você vê essa questão?

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi6UqYzdjwoxZBiAnmYlv0CsVl1huefg_Aj6tGtQ5EHvllZzqUG_uJ2XI5cmv2h1cFez26E0kSDIc7-Eh2nv3vWTD7HcAcDOao-aOA2kJgsLWfL1nwk5IrPDdpqxV5rnME-Vqdfqq4q-KQQVGgJIx4Ax0ujtG-G4nzysaOlerIB3aQxHmWBV3u_e3QsoH0/s320/Caetano_Veloso.jpg


        Caetano — Bom, até onde a minha cabeça pode chegar, eu concordo sobretudo com a sua conclusão, esta última parte do que você falou, o conhecimento local como meio de acesso para o conhecimento universal, não sendo uma defesa contra o contato com o conhecimento exterior àquela área, mas como na verdade uma instrumentação maior para você entrar em contato, para fazer conexões com os outros círculos de saber, eu concordo sobretudo com isso. Quando você menciona a posição de algumas pessoas que creem que o fato de as pessoas ouvirem rock and roll impede que elas mantenham contato com tradições como um terno de Reis, ou um samba de roda, que essas coisas não podem conviver, eu tenho a experiência pessoal que essas coisas convivem. Agora, não sei por quanto tempo, nem em que termos, qual dessas duas expressões culturais, digamos o rock and roll e o samba de roda, vai ser dominante, ou estar mais ligada ao futuro das pessoas que participam dela e qual a que ficaria com apenas um resíduo do passado; se é assim que o rock and roll e o samba de roda se contrapõem em sociedades onde essas duas coisas podem conviver, ou se pelo contrário uma ou outra coisa vai nascer da audição de rock and roll por pessoas que cresceram praticando samba de roda e que não deixaram, por ouvir rock and roll, ou fox-trot, ou boleros mexicanos, ou tangos, não deixaram de praticar samba de roda. É o caso do Recôncavo da Bahia: em Santo Amaro, por exemplo, o samba de roda continua sendo uma prática normal, não uma prática assim programada por grupos de preservação do folclore: é uma prática normal. Quando tem uma festa na minha casa em Santo Amaro, tem samba de roda, e assim em muitas outras casas em Santo Amaro.

        Monique — Pois é exatamente isso, e você eu acho que é um excelente exemplo que responde essa questão, porque você traz, conserva no sentido de guardar, todas essas tradições e ao mesmo tempo cria sempre novas coisas. Mas você foi uma pessoa que teve dentro de casa uma situação muito especial, de acesso a uma série de informações sobre o mundo. Quando você diz que lia a revista Senhor, ou que você tinha uma professora de português que te sugeriu a leitura de poemas de João Cabral de Melo Neto, isso deu a você possibilidades, que talvez você não tivesse, se permanecesse na situação estrita do samba de roda.

        Caetano — É claro.

        Monique — Então o que eu acho é que a escola é o lugar de acesso ao João Cabral, ao que é o existencialismo...

        Caetano — É, eu acho.

        Monique — Enfim, que a escola é o lugar...

        Caetano — A escola é o lugar de acesso democrático ao conhecimento universal, quer dizer, que tem valor em qualquer lugar. Agora, eu não sei o que é que preocupa você propriamente nisso. Essa definição me parece muito boa, e a sua posição me parece boa e nesse exemplo do rock and roll com as coisas tradicionais eu pude falar alguma coisa. Em trechos da sua conversa eu poderia ter pensado em alguma outra coisa, mas não sei assim no todo o que é que preocupa você, o que é que une essas coisas todas.

        Monique — É o seguinte: a chamada educação tradicional, que vem sendo revista e criticada, ela dava acesso aos bens culturais, não é? Então, quando você diz "para a escola pública eu ia, não só porque em casa não teríamos condições de ir a outra...

        Caetano — Porque eram melhores, é.

        Monique — ...mas porque era a melhor que tinha". A escola pública ensinava os objetos do conhecimento, os elementos da cultura. Houve, nos últimos 25 anos, um movimento de crítica à escola tradicional no que se refere ao comportamento, às normas, de ser uma escola muito restritiva, de propor uma aprendizagem mecânica, repetitiva. Essa crítica, me parece, tem sua razão de ser por aí. Mas foi uma crítica que fez com que muitos educadores passassem a descartar o ensino intencional dos objetos de conhecimento. Assim, a escola chamada nova, renovada, ela não tem a intenção de transmitir o conhecimento. Então, você tem crianças que podem ser muito espontâneas, muito criativas, muito alegres...

        Caetano — ...e pouco informadas, é.

        Monique — ...mas muito pouco informadas! E paralelamente a isso houve um movimento de recuperação da cultura local, uma intenção de trabalhar a partir das realidades dos sujeitos. Propõe-se então um trabalho gerado pelos interesses dos alunos, por temas geradores vinculados a determinados modos de vida e cultura das pessoas envolvidas. Essa forma de trabalho pedagógico é extremamente interessante, mas existe a ideia que só se pode trabalhar a partir desses elementos. Então, a rigor, aqui no estado da Bahia, o pessoal do Recôncavo só teria acesso à cultura local, o do sertão idem, e assim por diante. O que me preocupa é que dessa forma a escola não seja o lugar de acesso democrático ao conhecimento, que haja uma intenção, consciente ou não, de impedir esse acesso.

        Caetano — É uma reação contra a verdadeira democratização do conhecimento, da educação, da própria alfabetização no Brasil. Agora, pelo que você está dizendo aí, essa reação se mostra como uma atitude mais ou menos consciente, em pessoas que nos querem preservar a injustiça social que é muito gritante no Brasil. Por outro lado, pessoas de muito boas intenções terminam contribuindo para isso também, não é, com a ideia de renovação da escola e de uma educação mais espontaneísta, isto é, com menos conhecimento do que seja disciplina. Eu tive uma experiência pessoal que talvez lhe sirva um pouco. Quando Moreno, meu filho mais velho foi se matricular numa escola do Rio, ele saiu de uma escola primária e foi para um ginásio. Então eu fui na reunião de pais e mestres, a primeira para a entrada dos alunos. Os professores explicando como era a escola, davam muita ênfase à diferença entre o que eles faziam nessa escola e o que as escolas tradicionais faziam. Eles demonstravam — o diretor e algumas professoras enfatizavam muito o fato de que eles faziam do aprendizado uma coisa muito agradável, divertida, que aquela ideia que estudar era uma coisa maçante, difícil, era ultrapassada, era uma ideia antiga. Eu acompanhava com simpatia aquilo, mas cresceu demais nessa direção e todos, os professores e os pais, pareciam concordar que a escola deveria ser algo agradável, divertida e atraente para a criança. Eu não discordava disso, mas comecei a temer que estivesse faltando ali uma noção de disciplina. Aí eu me levantei e disse assim: "eu fico um pouco preocupado porque tenho a impressão que vocês estão querendo negar que alguma coisa no ensino e no estudo, e tem que ser chata". Eles ficaram um pouco chocados e as pessoas também, alguns pais. Moreno ficou até meio duvidoso, ele estava com onze anos de idade, dez para onze anos, e veio falar comigo: "pai, algumas pessoas falaram que você foi careta na reunião", ... e eu contei a ele...

        Monique — É muito difícil você procurar conhecer as coisas, custa muito esforço, não é? Não tem outro jeito e é bom que seja assim...

        Caetano — Não, eu disse o seguinte: "para vocês, disciplina tem um aspecto que tem que ser maçante? Em algum momento a escola dá ideia de disciplina? Estou falando assim até por ciúme, porque não quero que meu filho ache que a escola é mais divertida do que o parque de diversão e nem mais amorosa do que a minha casa. A escola é uma outra coisa na vida dele, não pode ser tão amorosa quanto os pais e tão divertida quanto o Tivoli Park! Eu acho que justamente na escola é que deve haver alguma coisa onde... em casa também se aprende isso, mas na escola sobretudo, onde se aprende mais que você tem que passar por coisas em princípio maçantes para chegar a ter capacidade de ter prazeres superiores". Eu disse assim, "até pra tocar pandeiro, que é uma coisa muito difícil", e ficaram aqueles professores me olhando, "tocar pandeiro é uma das coisas mais difíceis que existem? Então, você vê um cara tocando pandeiro, se divertindo na esquina, se ele está tocando bem, o que ele passou de maçada, para chegar àquela técnica mínima de tocar pandeiro, de treinamento, de autodisciplina, é incomensurável; é isso que vocês devem ensinar na escola, mais do que a criança ser espontânea ou a escola ser divertida". É claro que quanto mais divertida a escola puder ser, melhor, quanto mais atraente, mais amorosa, melhor, quanto menos repressiva precise ser, melhor. Porém, que não se perca de vista que a escola é que deve ensinar pessoas a aceitar o lado chato da vida, entendeu? É o lugar, de todos os lugares onde uma criança vai, frequentemente, até crescer, onde mais se deve ensinar como enfrentar o chato, ou seja, ficar horas diante de um livro estudando, obedecer ordens, ter tarefas a cumprir, tarefas que são difíceis, que ele deve treinar para ser capaz de executar, isso de alguma forma, em algum momento é, ou tem que ser, ou parecer chato para a criança e a escola tem que reconhecer que é também o seu papel, não é? Então a escola tradicional que era repetitiva e repressiva, que tinha hipertrofiado, digamos assim, mas tinha isso, não é? A escola deve ensinar a estudar também, não apenas ensinar o que já é sabido. Eu acho que deve, eu estou dizendo isso como opinião de um pai que viu essa questão no processo de educação do filho, na minha história com Moreno nessa escola. Onde aliás ele se deu até bem, aprendeu até algumas coisas, mas era toda uma série de negações das repressões e da disciplina sem uma nova formulação da ideia de disciplina, entendeu? Agora, não sei se já é a sua segunda pergunta, mas saiu um pouco da primeira. Porque a primeira era mais essa questão da área cultural e acesso à cultura universal. Mas eu acho que você tem a resposta melhor. A formulação conclusiva da sua pergunta traz a melhor resposta a ela. Você ouça de novo gravada, você vai ver: eu concordo com aquilo, essa é minha opinião. A formulação conclusiva da sua pergunta traz a melhor resposta à sua pergunta.

        Monique — Então, diante dessa questão que a gente não está nomeando, e que está no final da minha pergunta, a gente tem a seguinte situação: a educação infantil é uma profissão quase estritamente feminina: são raríssimos os homens que estão nesta profissão.

        Caetano — É verdade, é engraçado isso não é?

        Monique — Então, eu fico pensando o seguinte: as mulheres, ou esse aspecto mais feminino nelas, ele é maternal, tem como possibilidade uma tentativa de quase substituir a casa, e essa coisa que você falou que não queria ser substituído...

        Caetano — É eu não quero mesmo.

        Monique — ...no seu amor de pai. Tanto é assim, que as professoras de educação infantil são chamadas de tias, como se fossem não uma profissional, mas uma pessoa da família. Então você tem nessas profissionais uma coisa ao mesmo tempo de uma dedicação que às vezes é espantosa, isso que Dolores nos dizia de professoras que têm um amor a essa causa e a esse trabalho com as crianças, uma dedicação, um ânimo pra coisa que é extraordinário, sobretudo se você for pensar nas condições de trabalho, que são muito ruins.

        Caetano — Eu fico espantado como ainda há professores no Brasil. É um gosto mesmo, porque não há estímulo não é verdade?

        Monique — Exatamente...

        Caetano — Eu fico apaixonado quando uma pessoa diz que é professora, ou professor, de escola primária, é inacreditável. Porque a pessoa deveria ser muito bem assistida. Deveria ter um bom salário, e muitas regalias na sociedade brasileira para estimular a educação, o ensino. Mas os professores não têm isso, ao contrário.

        Dolores — A Monique coloca um exemplo que eu acho vital: a gente vai ao médico, a gente confia no médico, não pode dar palpite. Mas quando chega a hora das professoras, ela não pode fazer o que acredita, porque diretor, pai, mãe, todo mundo dá palpite. É aí que ela insiste na coisa de a gente poder se profissionalizar.

        Caetano — É, eu acho. Olha, isso daí eu acho importante.

        Monique — É exatamente minha segunda pergunta. Porque você tem uma profissão feminina que tem essa dedicação, tem esse desvelo, mas tem uma precariedade imensa de conhecimento de ofício: as pessoas são, no máximo, muito boas reprodutoras de procedimentos que já vêm de muitos e muitos anos, com aqueles mesmos textos: essas são as boas professoras. Mas a educação é um terreno, assim, maravilhoso de investigações. Se formos pensar como um ser humano aprende, por exemplo, só por aí você tem coisas extraordinárias; toda questão da arte, toda questão da constituição das linguagens. Raríssimos são os professores que têm acesso a essas coisas e que se preocupam com elas, que buscam se profissionalizar nesse sentido. Quero dizer que se perguntam: "que base científica eu preciso para exercer essa profissão, o que é que eu preciso saber?". Então, eu queria saber como é que você vê essa questão, eu pergunto, por ser uma profissão feminina é que existe na educação essa dificuldade de tomar o ofício mais a sério?

        Caetano — Eu não sei, eu não sei. Talvez o fato de ser predominantemente feminino o contingente de professores de crianças pequenas contribua, ou seja, mesmo uma condição para que essa função seja exercida de uma maneira muito menos profissional, de uma maneira quase pessoal, familiar. Em vez de profissional, e sem muita tendência profissionalizante. Talvez seja porque junto com várias coisas arcaicas tem aí também a própria ideia de que a mulher não é, nem deve, nem precisa ser muito intelectualmente desenvolvida. Eu acho que está embutido aí, talvez, uma velha visão da mulher, também, talvez esteja. Eu vejo, quando você descreve essas questões...

        Monique — Que visão da mulher você tem em relação a isso? Porque você é bem ambíguo, muitas vezes, assim, publicamente...

        Caetano — Ah! Sou, sou, intimamente mais ambíguo ainda! Intimamente mais ambíguo ainda. Eu acho que evidentemente tem coisas boas nesse fato de ser sobretudo mulheres que ensinam as crianças, tem coisas boas no fato de as mulheres não serem muito boas profissionais também, não terem uma tendência, ou um convite da sociedade para que elas sejam intelectualmente muito responsáveis. Isso leva coisas boas também no trato das professoras de crianças na primeira fase.

        Monique — Que tipo de coisas?

        Caetano — Eu não sei, talvez esse próprio calor personalizado, maternal, confundido com a família, tenha em si mesmo algumas vantagens que se a gente...

        Monique — Mas você disse na escola do Moreno que você não queria...

        Caetano — Não queria e não quero... eu estou dizendo apenas que embora..., eu não quero, mas eu acho que deve ter coisas boas, que é o que mantém isso. Eu acho que deve ter, porque eu vejo que tem. Eu acho o seguinte: essas pessoas que se desvelam nessa profissão são pessoas maravilhosas e não é o fato de haver um equívoco dessa natureza em relação a isso que diminui aos meus olhos a beleza do perfil psicológico da professora da criança pequena, entendeu? Eu digo assim, a ideia geral que eu faço da moça que ensina as crianças na primeira fase é uma ideia benigna, em primeiro lugar, uma ideia boa. Essas características pouco profissionais devem conter alguma coisa de muito boa, eu acho, porque tudo isso, a mera existência de professoras já é uma coisa muito boa, entendeu, quando não há estímulo profissional para que haja professoras. Então eu queria apenas estar dizendo uma coisa carinhosa que elas merecem. O que não quer dizer que eu ache que as coisas devam permanecer assim, ao contrário: eu acho que quanto maior desenvolvimento intelectual e consciência do que elas estão fazendo por essas pessoas, sobretudo mulheres, puderem ganhar, melhor será para elas e para a profissão e melhor será para o ensino no Brasil. Até mesmo para aquela visão mais geral de que a gente estava falando sobre a necessidade de democratização do ensino público no Brasil...

        Monique — Exatamente.

        Caetano — Então, a minha posição é nitidamente favorável a uma superação de uma fase amadorística, embrionária do ensino para crianças pequenas. Mas, quando eu disse que deve haver coisas boas é porque eu suponho que há alguma coisa muito delicada, muito profunda nessa questão da ambição moderna de equiparar o homem à mulher nas suas potencialidades como sujeitos sociais, entendeu? Eu acho que esse é um assunto que me interessou desde a minha primeira infância, uma coisa que me interessa desde que eu era criança, que os assuntos que são assuntos do feminismo são assuntos meus...

        Monique — A terceira pergunta é a seguinte: você, como pai do Zeca, se você pudesse fazer uma escola dos seus sonhos, o que você gostaria que a escola oferecesse?

        Caetano — Olha, uma escola dos meus sonhos não teria dificuldade de ser posta em funcionamento, é muito simples: uma escola que ensinasse, fosse limpa, organizada... Não achei basicamente muito difícil educar o meu primeiro filho em escolas, aquela questão que eu enfrentei, eu a descrevi, mais não cheguei a ter grandes dificuldades, nem quando ele foi para uma escola muito careta, ele chegou a ter dificuldades, serviu para ele de complementação, de experiência, de aprendizado também de como as coisas são. Então, não posso dizer que eu particularmente tenha tido dificuldades com escolas, e não penso que venha a ter com o Zeca, necessariamente, porque eu acho, se não houver problemas sérios, as escolas são basicamente fáceis em me satisfazer. É verdade, é fácil para uma escola me satisfazer como pai, porque para mim basta que haja um nível razoável de informação, que os professores se comportem bem, ensinem. Eu não tenho uma ideia muito criativa de como uma escola deve ser, nem preciso ter como pai. O que me preocupa mais é a possibilidade de muitas outras crianças, que nasceram nessa mesma altura que o Zeca nasceu, poderem ter acesso a um ensino razoável, a algum ensino, não é? O maior problema de Zeca para mim não está nem com ele, nem na escola que ele poderá encontrar, eu acho que está mais no número imenso de companheiros de geração dele que não chegarão a nenhuma escola, ou chegarão apenas a frequentar uma sub-escola por um ano e meio ou dois, e depois terem que sair, ou terminarem saindo. Eu acho que esse é que vai ser o maior problema para Zeca, porque a escola em si, para uma pessoa com os meus meios, no Brasil, eu acho que dificilmente chega propriamente a ser um problema: eu não senti isso com meu primeiro filho e não vejo que eu venha a sentir com o segundo. Eu ouço muito dizer entre pessoas da minha área, quer dizer, até entre pessoas da classe artística, mas sobretudo entre pessoas de alto poder aquisitivo no Brasil, ouço dizer, e tenho visto eles se decidirem por isso, que preferem botar os filhos para estudar em escolas estrangeiras. Então uns estudam em escolas alemãs, outros na americana, outros na escola inglesa. Eu não tenho desejo nenhum de fazer isso, eu até reajo um pouco contra isso. Primeiro porque não sinto problema — como se houvesse uma deficiência nas escolas em que meu filho mais velho estudou —, e depois porque eu tenho um pouco de desconfiança, e até de repulsa mesmo por essa atitude. É mais um agravante da disparidade social brasileira e econômica, esses atos das pessoas de alto poder aquisitivo no Brasil, praticamente só usarem o Brasil para sugar o dinheiro dele, para sugar posses, para poder gastar em outros países e ainda por cima botar os filhos em escolas de outros países. Então, parece que o Brasil como país não existe, gradativamente vai se tornando apenas um lugar que algumas pessoas, muito poucas, sugam de onde as pessoas retiram tudo para gastar em outros lugares. Então eu tenho esse problema; mas a escola, é claro que eu quero, por exemplo, que o Zeca tenha uma escola não muito repressiva, com uma capacidade de permitir que ele desenvolva a individualidade dele, que expresse a personalidade individual dele, mas não acho que isso seja muito difícil de encontrar hoje em dia. Eu gostei das escolas que eu frequentei. Sei que houve uma queda muito grande na questão da qualidade de ensino e de manutenção de escolas públicas no Brasil — o que eu acho uma tragédia —, e porque eu estudei em escolas públicas, se pudesse haver uma reversão desse quadro eu adoraria; se Zeca já pudesse se beneficiar disso, para mim isso sim seria um sonho.

        Monique — Eu tenho até um sonho...

        Caetano — Mas eu espero até que você tenha, porque é da sua profissão. Eu estou falando com você porque eu adoro esse assunto e para estimular seu próprio pensamento. É por isso que eu estou falando, para você também, eu acho que vale a pena. Mas eu acho que eu próprio não posso contribuir com ideia nenhuma para essas coisas. Eu acho que talvez a nossa conversa sirva a você, mas eu não posso trazer ideias novas a uma atividade à qual eu não estou ligado.

        Monique — Assim como eu não poderia trazer ideias novas para uma canção sua...

        Caetano — É, talvez. Mas você sabe que eu queria ser professor, eu queria ser professor. Eu já lhe disse isso, não é? Se eu não fosse artista, eu ia ser professor. Está bom?

        Monique — Está ótimo!

Concedida a Monique Deheinzelin em Salvador, em 18 de janeiro de 1993. Extraída de Trilha: educação, construtivismo, de Monique Deheinzelin, Petrópolis/RJ: Vozes, 1996. Participou da entrevista a educadora baiana Maria Dolores Coni Campos. Petrópolis, Editora Vozes, 1994.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 239-245.

Entendendo a entrevista:

01 – Qual é a ideia central da proposta de educação infantil que Monique menciona, baseada no livro "A fome com a vontade de comer"?

      A ideia central é que as transformações têm a chave do saber e que essas transformações ocorrem por meio da interação entre o que a pessoa é, o que ela sabe (conhecimentos prévios) e aquilo que lhe é ensinado.

02 – Como Caetano Veloso se posiciona em relação à convivência entre a cultura local (ex.: samba de roda) e influências externas (ex.: rock and roll)?

      Caetano Veloso afirma que, por sua experiência pessoal, essas coisas convivem sim. Ele não sabe por quanto tempo ou em que termos, mas cita o Recôncavo da Bahia, em Santo Amaro, onde o samba de roda continua sendo uma prática normal, mesmo para pessoas que ouvem outros gêneros musicais.

03 – Qual é o papel principal da escola, segundo a conclusão de Monique e a concordância de Caetano Veloso?

      A escola é o lugar de acesso democrático ao conhecimento universal, onde o conhecimento local serve como meio para acessar e fazer conexões com outros círculos de saber, não como uma defesa contra o que é exterior.

04 – Que crítica Monique faz à "escola nova" ou "renovada" em contraste com a escola tradicional?

      Monique critica que, ao descartar o ensino intencional dos objetos de conhecimento, a escola nova, apesar de formar crianças espontâneas, criativas e alegres, as deixa "muito pouco informadas". Além disso, a ênfase excessiva na cultura local pode impedir o acesso democrático ao conhecimento universal.

05 – Qual foi a experiência pessoal de Caetano Veloso com a escola de seu filho Moreno que o fez questionar a "escola divertida"?

      Em uma reunião de pais e mestres, a escola de Moreno enfatizava demais o quão agradável e divertida a aprendizagem deveria ser. Caetano se levantou e expressou sua preocupação de que a escola estivesse negando que "alguma coisa no ensino e no estudo, e tem que ser chata", defendendo a importância da disciplina e do esforço para alcançar prazeres superiores.

06 – Como Caetano Veloso justifica a necessidade de aceitar o "lado chato da vida" na educação, usando o exemplo de tocar pandeiro?

      Ele explica que, para tocar pandeiro bem e se divertir na esquina, é preciso um "maçada incomensurável" de treinamento e autodisciplina. A escola, portanto, deve ensinar a criança a enfrentar o que é difícil e chato para adquirir capacidades e habilidades, mais do que apenas ser espontânea ou divertida.

07 – Qual a visão de Monique sobre a profissão de educador infantil no Brasil, especialmente por ser predominantemente feminina?

      Monique observa que é uma profissão com grande dedicação e desvelo, mas com uma imensa precariedade de conhecimento de ofício. Ela questiona se o fato de ser uma profissão feminina contribui para essa dificuldade em levá-la mais a sério, com menor busca por base científica e profissionalização.

08 – Como Caetano Veloso interpreta o fato de a educação infantil ser predominantemente feminina e ter um aspecto "pouco profissional"?

      Ele sugere que, talvez, isso contribua para que a função seja exercida de uma maneira menos profissional, mais pessoal/familiar, e que isso pode estar relacionado a uma "velha visão da mulher" que não a vê como intelectualmente desenvolvida. No entanto, ele também acredita que esse "calor personalizado, maternal" tem suas vantagens que mantêm a beleza do perfil psicológico dessas professoras.

09 – Qual seria a "escola dos sonhos" de Caetano Veloso para seu filho Zeca?

      Ele descreve uma escola simples, limpa, organizada e que ensinasse com um "nível razoável de informação", onde os professores se comportassem bem. Para ele, o maior problema não está na escola para seu filho, mas sim no acesso de muitas outras crianças à educação de qualidade no Brasil.

10 – Por que Caetano Veloso reage à atitude de pais de alta poder aquisitivo que mandam seus filhos para escolas estrangeiras?

      Ele vê essa atitude como um agravante da disparidade social e econômica brasileira, onde o país é "sugado" para que o dinheiro seja gasto em outros lugares e os filhos estudem no exterior. Ele sente "desconfiança e até repulsa" por essa prática, pois parece que "o Brasil como país não existe" para essas pessoas.

 

CRÔNICA: MEMÓRIA DO LIVROS - JOÃO UBALDO RIBEIRO - COM GABARITO

 Crônica: Memória de Livros

              João Ubaldo Ribeiro

        Aracaju, a cidade onde nós morávamos no fim da década de 40, começo da de 50, era a orgulhosa capital de Sergipe, o menor Estado brasileiro (mais ou menos do tamanho da Suíça). Essa distinção, contudo, não lhe tirava o caráter de cidade pequena, provinciana e calma, à boca de um rio e a pouca distância de praias muito bonitas. Sabíamos do mundo pelo rádio, pelos cinejornais que acompanhavam todos os filmes e pelas revistas nacionais. A televisão era tida por muitos como mentira de viajantes, só alguns loucos andavam de avião, comprávamos galinhas vivas e verduras trazidas à nossa porta nas costas de mulas, tínhamos grandes quintais e jardins, meninos não discutiam com adultos, mulheres não usavam calças compridas nem dirigiam automóveis e vivíamos tão longe de tudo que se dizia que, quando o mundo acabasse, só íamos saber uns cinco dias depois.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgv7-kb8Z4nDYXVSQnHnSvOqtictbxQ7wC5T5mSkvYLo01JFRDjAp59k2W3BsSEOMf00drccGSm78W7Iq1hxTSfXoHH5IZ2qcGoMpM1sh6hQrCkJYgnIVTAwmlGO9-BqOoaU-N0sEsiQW4n7lded6E1i7gP4FAwnJshx9ReB2SvctNCfpQgxSBY7HRdYPE/s1600/images.jpg


        Mas vivíamos bem. Morávamos sempre em casarões enormes, de grandes portas, varandas e tetos altíssimos, e meu pai, que sempre gostou das últimas novidades tecnológicas, trazia para casa quanto era tipo de geringonça moderna que aparecia. Fomos a primeira família da vizinhança a ter uma geladeira e recebemos visitas para examinar o impressionante armário branco que esfriava tudo. Quando surgiram os primeiros discos long-play, já tínhamos a vitrola apropriada e meu pai comprava montanhas de gravações dos clássicos, que ele próprio se recusava a ouvir, mas nos obrigava a escutar e comentar.

        Nada, porém, era como os livros. Toda a família sempre foi obcecada por livros e às vezes ainda arma brigas ferozes por causa de livros, entre acusações mútuas de furto ou apropriação indébita. Meu avô furtava livros de meu pai, meu pai furtava livros de meu avô, eu furtava livros de meu pai e minha irmã até hoje furta livros de todos nós. A maior casa onde moramos, mais ou menos a partir da época em que aprendi a ler, tinha uma sala reservada para a biblioteca e gabinete de meu pai, mas os livros não cabiam nela — na verdade, mal cabiam na casa. E, embora os interesses básicos dele fossem Direito e História, os livros eram sobre todos os assuntos e de todos os tipos. Até mesmo ciências ocultas, assunto que fascinava meu pai e fazia com que ele às vezes se trancasse na companhia de uns desenhos esotéricos, para depois sair e dirigir olhares magnéticos aos circunstantes, só que ninguém ligava e ele desistia temporariamente.

        Havia uns livros sobre hipnotismo e, depois de ler um deles, hipnotizei um peru que nos tinha sido dado para um Natal e que, como jamais ninguém lembrou de assá-lo, passou a residir no quintal e, não sei por que, era conhecido como Lúcio. Minha mãe se impressionou porque, assim que comecei meus passes hipnóticos, Lúcio estacou, pareceu engolir em seco e ficou paralisado, mas meu pai — talvez porque ele próprio nunca tenha conseguido hipnotizar nada, apesar de inúmeras tentativas — declarou que aquilo não tinha nada com hipnotismo, era porque Lúcio era na verdade uma perua e tinha pensado que eu era o peru. Não sei bem dizer como aprendi a ler. A circulação entre os livros era livre (tinha que ser, pensando bem, porque eles estavam pela casa toda, inclusive na cozinha e no banheiro), de maneira que eu convivia com eles todas as horas do dia, a ponto de passar tempos enormes com um deles aberto no colo, fingindo que estava lendo e, na verdade, se não me trai a vã memória, de certa forma lendo, porque quando havia figuras, eu inventava as histórias que elas ilustravam e, ao olhar para as letras, tinha a sensação de que entendia nelas o que inventara. Segundo a crônica familiar, meu pai interpretava aquilo como uma grande sede de saber cruelmente insatisfeita e queria que eu aprendesse a ler já aos quatros anos, sendo demovido a muito custo, por uma pedagoga amiga nossa. Mas, depois que completei seis anos, ele não aguentou, fez um discurso dizendo que eu já conhecia todas as letras e agora era só uma questão de juntá-las e, além de tudo, ele não suportava mais ter um filho analfabeto. Em seguida, mandou que eu vestisse uma roupa de sair, foi comigo a uma livraria, comprou uma cartilha, uma tabuada e um caderno e me levou à casa de D. Gilete.

        — D. Gilete — disse ele, apresentando-me a uma senhora de cabelos presos na nuca, óculos redondos e ar severo —, este rapaz já está um homem e ainda não sabe ler. Aplique as regras.

        "Aplicar as regras", soube eu muito depois, com um susto retardado, significava, entre outras coisas, usar a palmatória para vencer qualquer manifestação de falta de empenho ou burrice por parte do aluno. Felizmente D. Gilete nunca precisou me aplicar as regras, mesmo porque eu de fato já conhecia a maior parte das letras e juntá-las me pareceu facílimo, de maneira que, quando voltei para casa nesse mesmo dia, já estava começando a poder ler. Fui a uma das estantes do corredor para selecionar um daqueles livrões com retratos de homens carrancudos e cenas de batalhas, mas meu pai apareceu subitamente à porta do gabinete, carregando uma pilha de mais de vinte livros infantis.

        — Esses daí agora não — disse ele. — Primeiro estes, para treinar. Estas livrarias daqui são umas porcarias, só achei estes. Mas já encomendei mais, esses daí devem durar uns dias. Duraram bem pouco, sim, porque de repente o mundo mudou e aquelas paredes cobertas de livros começaram a se tornar vivas, frequentadas por um número estonteante de maravilhas, escritas de todos os jeitos e capazes de me transportar a todos os cantos do mundo e a todos os tipos de vida possíveis. Um pouco febril às vezes, chegava a ler dois ou três livros num só dia, sem querer dormir e sem querer comer porque não me deixavam ler à mesa — e, pela primeira vez em muitas, minha mãe disse a meu pai que eu estava maluco, preocupação que até hoje volta e meia ela manifesta.

        — Seu filho está doido — disse ela, de noite, na varanda, sem saber que eu estava escutando.

        — Ele não larga os livros. Hoje ele estava abrindo os livros daquela estante que vai cair para cheirar.

        — Que é que tem isso? É normal, eu também cheiro muito os livros daquela estante. São livros velhos, alguns têm um cheiro ótimo.

        — Ele ontem passou a tarde inteira lendo um dicionário.

        — Normalíssimo. Eu também leio dicionários, distrai muito. Que dicionário ele estava lendo?

        — O Lello.

        — Ah, isso é que não pode. Ele tem que ler o Laudelino Freire, que é muito melhor. Eu vou ter uma conversa com esse rapaz, ele não entende nada de dicionários. Ele está cheirando os livros certos, mas lendo o dicionário errado, precisa de orientação.

        Sim, tínhamos muitas conversas sobre livros. Durante toda a minha infância, havia dois tipos básicos de leitura lá em casa: a compulsória e a livre, esta última dividida em dois subtipos — a livre propriamente dita e a incerta. A compulsória variava conforme a disposição de meu pai. Havia a leitura em voz alta de poemas, trechos de peças de teatro e discursos clássicos, em que nossa dicção e entonação eram invariavelmente descritas como o pior desgosto que ele tinha na vida. Líamos Homero, Camões, Horácio, Jorge de Lima, Sófocles, Shakespeare, Euclides da Cunha, dezenas de outros. Muitas vezes não entendíamos nada do que líamos, mas gostávamos daquelas palavras sonoras, daqueles conflitos estranhos entre gente de nomes exóticos, e da expressão comovida de minha mãe, com pena de Antígona e torcendo por Heitor na Ilíada. Depois de cada leitura, meu pai fazia sua palestra de rotina sobre nossa ignorância e, andando para cima e para baixo de pijama na varanda, dava uma aula grandiloquente sobre o assunto da leitura, ou sobre o autor do texto, aula esta a que os vizinhos muitas vezes vinham assistir. Também tínhamos os resumos — escritos ou orais — das leituras, as cópias (começadas quando ele, com grande escândalo, descobriu que eu não entendia direito o ponto-e-vírgula e me obrigou a copiar sermões do Padre Antônio Vieira, para aprender a usar o ponto-e-vírgula) e os trechos a decorar. No que certamente é um mistério para os psicanalistas, até hoje não só os sermões de Vieira como muitos desses autores forçados pela goela abaixo estão entre minhas leituras favoritas. (Em compensação, continuo ruim de ponto-e-vírgula).

        Mas o bom mesmo era a leitura livre, inclusive porque oferecia seus perigos. Meu pai usava uma técnica maquiavélica para me convencer a me interessar por certas leituras. A circulação entre os livros permanecia absolutamente livre, mas, de vez em quando, ele brandia um volume no ar e anunciava com veemência:

        — Este não pode! Está proibido! Arranco as orelhas do primeiro que chegar perto deste daqui!

        O problema era que não só ele deixava o livro proibido bem à vista, no mesmo lugar de onde o tirara subitamente, como às vezes a proibição era para valer. A incerteza era inevitável e então tínhamos momentos de suspense arrasador (meu pai nunca arrancou as orelhas de ninguém, mas todo mundo achava que, se fosse por uma questão de princípios, ele arrancaria), nos quais lemos Nossa vida sexual do Dr. Fritz Kahn, Romeu e Julieta; O livro de San Michèle, Crônica escandalosa dos doze Césares, Salambô, O crime do Padre Amaro — enfim, dezenas de títulos de uma coleção estapafúrdia, cujo único ponto em comum era o medo de passarmos o resto da vida sem orelhas — e hoje penso que li tudo o que ele queria disfarçadamente que eu lesse, embora à custa de sobressaltos e suores frios.

        Na área proibida, não pode deixar de ser feita uma menção aos pais de meu pai, meus avós João e Amália. João era português, leitor anticlerical de Guerra Junqueiro e não levava o filho muito a sério intelectualmente, porque os livros que meu pai escrevia eram finos e não ficavam em pé sozinhos. "Isto é merda", dizia ele, sopesando com desdém uma das monografias jurídicas de meu pai. "Estas tripinhas que não se sustentam em pé não são livros, são uns folhetos". Já minha avó tinha mais respeito pela produção de meu pai, mas achava que, de tanto estudar altas ciências, ele havia ficado um pouco abobalhado, não entendia nada da vida. Isto foi muito bom para a expansão dos meus horizontes culturais, porque ela não só lia como deixava que eu lesse tudo o que ele não deixava, inclusive revistas policiais oficialmente proibidas para menores. Nas férias escolares, ela ia me buscar para que eu as passasse com ela, e meu pai ficava preocupado.

        — D. Amália — dizia ele, tratando-a com cerimônia na esperança de que ela se imbuísse da necessidade de atendê-lo —, o menino vai com a senhora, mas sob uma condição. A senhora não vai deixar que ele fique o dia inteiro deitado, cercado de bolachinhas e docinhos e lendo essas coisas que a senhora lê.

        — Senhor doutor — respondia minha avó —, sou avó deste menino e tua mãe. Se te criei mal, Deus me perdoe, foi a inexperiência da juventude. Mas este cá ainda pode ser salvo e não vou deixar que tuas maluquices o infelicitem. Levo o menino sem condição nenhuma e, se insistes, digo-te muito bem o que podes fazer com tuas condições e vê lá se não me respondes, que hoje acordei com a ciática e não vejo a hora de deitar a sombrinha ao lombo de um que se atreva a chatear-me. Passar bem, Senhor doutor.

        E assim eu ia para a casa de minha avó Amália, onde ela comentava mais uma vez com meu avô como o filho estudara demais e ficara abestalhado para a vida, e meu avô, que queria que ela saísse para poder beber em paz a cerveja que o médico proibira, tirava um bolo de dinheiro do bolso e nos mandava comprar umas coisitas de ler — Amália tinha razão, se o menino queria ler que lesse, não havia mal nas leituras, havia em certos leitores. E então saíamos gloriosamente, minha avó e eu, para a maior banca de revistas da cidade, que ficava num parque perto da casa dela e cujo dono já estava acostumado àquela dupla excêntrica. Nós íamos chegando e ele perguntava:

        — Uma de cada?

        — Uma de cada — confirmava minha avó, passando a superintender, com os olhos brilhando, a colheita de um exemplar de cada revista, proibida ou não-proibida, que ia formar uma montanha colorida deslumbrante, num carrinho de mão que talvez o homem tivesse comprado para atender a fregueses como nós.

        — Mande levar. E agora aos livros!

        Depois da banca, naturalmente, vinham os livros. Ela acompanhava certas coleções, histórias de Raffles, o ladrão de casaca, Ponson du Terrail, Sir Walter Scott, Edgar Wallace, Michel Zevaco, Emil Salgari, os Dumas e mais uma porção de outros, em edições de sobrecapas extravagantemente coloridas que me deixavam quase sem fôlego. Na livraria, ela não só se servia dos últimos lançamentos de seus favoritos, como se dirigia imperiosamente à seção de literatura para jovens e escolhia livros para mim, geralmente sem ouvir minha opinião — e foi assim que li Karl May, Edgar Rice Burroughs, Robert Louis Stevenson, Swift e tantos mais, num sofá enorme, soterrado por revistas, livros e latas de docinhos e bolachinhas, sem querer fazer mais nada, absolutamente nada, neste mundo encantado. De vez em quando, minha avó e eu mantínhamos tertúlias literárias na sala, comentando nossos vilões favoritos e nosso herói predileto, o Conde de Monte Cristo — Edmond de Nantès! como dizia ela, fremindo num gesto dramático. E meu avô, bebendo cerveja escondido lá dentro, dizia "ai, ai, esses dois se acham letrados, mas nunca leram o Guerra Junqueiro".

        De volta à casa de meus pais, depois das férias, o problema das leituras compulsórias às vezes se agravava, porque meu pai, na certeza (embora nunca desse ousadia de me perguntar), de que minha avó me tinha dado para ler tudo o que ele proibia, entrava numa programação delirante, destinada a limpar os efeitos deletérios das revistas policiais. Sei que parece mentira e não me aborreço com quem não acreditar (quem conheceu meu pai acredita), mas a verdade é que, aos doze anos, eu já tinha lido, com efeitos às vezes surpreendentes, a maior parte da obra traduzida de Shakespeare, O elogio da loucura, As décadas de Tito Lívio, D. Quixote (uma das ilustrações de Gustave Doré, mostrando monstros e personagens saindo dos livros de cavalaria do fidalgo me fez mal, porque eu passei a ver as mesmas coisas saindo dos livros da casa), adaptações especiais do Fausto e da Divina comédia, a Ilíada, a Odisséia, vários ensaios de Montaigne, Poe, Alexandre Herculano, José de Alencar, Machado de Assis, Monteiro Lobato, Dickens, Dostoievski, Suetônio, os Exercícios espirituais de Santo Inácio de Loyola e mais não sei quantos outros clássicos, muitos deles resumidos, discutidos ou simplesmente lembrados em conversas inflamadas, dos quais nunca me esqueço e a maior parte dos quais faz parte íntima de minha vida.

        Fico pensando nisso e me pergunto: não estou imaginando coisas, tudo isso poderia ter realmente acontecido? Terei tido uma infância normal? Acho que sim, também joguei bola, tomei banho nu no rio, subi em árvores e acreditei em Papai Noel. Os livros eram brincadeira como outra qualquer, embora certamente a melhor de todas. Quando tenho saudades da infância, as saudades são daquele universo que nunca volta, dos meus olhos de criança vendo tanto que se entonteciam, dos cheiros dos livros velhos, da navegação infinita pela palavra, de meu pai, de meus avós, do velho casarão mágico de Aracaju.

Extraído de: Um brasileiro em Berlim. Editora Nova Fronteira, 1995.

Fonte: Programa de Formação de Professores Alfabetizadores. Coletânea de textos – Módulo 1. p. 70-74.

Entendendo a crônica:

01 – Como o narrador descreve Aracaju no final da década de 40 e começo da de 50?

      Aracaju é descrita como a orgulhosa capital de Sergipe, o menor estado brasileiro, mas com o caráter de cidade pequena, provinciana e calma, localizada à boca de um rio e perto de praias bonitas. O narrador enfatiza que o mundo era conhecido principalmente pelo rádio, cinejornais e revistas nacionais, com a televisão sendo vista com ceticismo e a vida sendo muito menos acelerada.

02 – O que diferenciava a família do narrador em termos de novidades tecnológicas?

      A família do narrador estava sempre à frente em termos de tecnologia. Eles foram a primeira família da vizinhança a ter uma geladeira e possuíam a vitrola apropriada para os primeiros discos long-play, mesmo que o pai não ouvisse os clássicos que comprava para os filhos.

03 – Qual era a grande paixão e causa de "brigas ferozes" na família do narrador?

      A grande paixão e causa de brigas na família era a obsessão por livros. Membros da família "furtavam" livros uns dos outros, incluindo avô, pai, narrador e irmã, em um ciclo contínuo de apropriação indébita de volumes.

04 – Descreva a organização e a quantidade de livros na casa do narrador.

      A maior casa onde moraram tinha uma sala reservada para a biblioteca e o gabinete do pai, mas os livros não cabiam nela, mal cabiam na casa. Eles estavam espalhados por todos os cômodos, inclusive na cozinha e no banheiro, cobrindo todos os assuntos, desde Direito e História até ciências ocultas.

05 – Qual foi a experiência do narrador com o hipnotismo e como seu pai reagiu a isso?

      Após ler um livro sobre hipnotismo, o narrador hipnotizou um peru chamado Lúcio que morava no quintal. Sua mãe ficou impressionada com a paralisia do peru, mas seu pai, que nunca havia conseguido hipnotizar nada, declarou que não era hipnotismo, e sim que Lúcio, sendo uma perua, pensou que o narrador era um peru.

06 – Como o narrador aprendeu a ler e qual a intervenção de seu pai nesse processo?

      O narrador convivia com os livros o tempo todo, fingindo ler e inventando histórias a partir das figuras. Aos seis anos, seu pai, cansado de ter um "filho analfabeto", levou-o a uma livraria para comprar material de estudo e o encaminhou a Dona Gilete, uma professora com fama de "aplicar as regras" (usar a palmatória). Felizmente, o narrador achou fácil juntar as letras e começou a ler rapidamente.

07 – Quais eram os dois tipos básicos de leitura praticados na casa do narrador durante sua infância?

      Havia a leitura compulsória e a leitura livre. A leitura livre era subdividida em "livre propriamente dita" e "incerta".

08 – Explique a "técnica maquiavélica" que o pai usava para incentivar certas leituras no filho.

      O pai usava uma técnica de proibição estratégica. Ele brandia um livro no ar, declarava-o proibido ("Este não pode! Está proibido! Arranco as orelhas do primeiro que chegar perto deste daqui!") e o deixava à vista, sabendo que a proibição despertaria a curiosidade do filho e o levaria a ler o livro, muitas vezes à custa de "sobressaltos e suores frios".

09 – Qual era a visão dos avós paternos do narrador sobre o conhecimento e os livros?

      O avô João, português e leitor anticlerical, não levava a sério os livros finos do pai do narrador, chamando-os de "folhetos". Já a avó Amália, embora respeitasse a produção do filho, achava que ele havia ficado "abobalhado" por tanto estudar. Ela, por outro lado, deixava o narrador ler tudo o que o pai proibia, incluindo revistas policiais, e o levava para comprar "uma de cada" revista e muitos livros.

10 – Como o narrador resume sua infância e qual o seu sentimento de saudade?

      O narrador reflete que teve uma infância normal, brincando de bola, nadando no rio e subindo em árvores, e que os livros eram a "melhor de todas" as brincadeiras. Sua saudade da infância é do universo que nunca volta, dos cheiros dos livros velhos, da navegação infinita pela palavra, e das lembranças de seus pais, avós e do "velho casarão mágico de Aracaju".