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terça-feira, 16 de janeiro de 2024

CRÔNICA: A PARTIDA - VIRIATO CORRÊA - COM GABARITO

 Crônica: A partida

              Viriato Corrêa

        Quem me deu a notícia foi o Ninico da Totonha, no dia em que lhe pedi o sabiá da mata que ele, pela manhã, apanhara no alçapão.

        — Este não pode ser. Mas eu lhe dou outro na véspera de sua partida para a vila.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj1A2MCPYpBl5a1MLN6fhvM-5_p-BJmTXQJnJhhUNxdkewHSDbwacCUz1qHQtGL4IqnwlZMDQcuSMD9ej2W4xtF3CphmRDH6SYtjzdydlWcTD0q3okb0yj0GHQ_y_SOnkilYr7A-nbKpEPX2Dfy_n_6wYgh_a5uz6zruxPQhBM9UYFizro5pBoJjbYnQRg/s320/SABIA-001.jpg


        — Que vila? perguntei.

        Ninico arregalou os olhos, espantado.

        — Você não vai para a vila, Cazuza?

        — Não sei disso.

        Seus olhos surpreenderam-se mais.

        — Então não sabe que a sua família vai mudar-se para a vila?! Não se fala noutra coisa.

        Lembrei-me da frase de minha mãe no dia da sabatina de tabuada: "Depois ele aprenderá na vila".

        Pareceu-me ter ouvido qualquer coisa sobre a mudança, mas, preocupado com os brinquedos, não prestei atenção nenhuma às conversas.

        Quando voltei para casa, minha mãe, no avarandado, amamentava o meu irmãozinho de mês e meio. Falei-lhe imediatamente:

        — O Ninico acabou de me dizer que nós vamos de mudança para a vila. É verdade?

        — É verdade.

        — Quando?

        — Breve.

        — Por que é que a gente vai para a vila? insisti.

        Mamãe não respondeu e, como eu de novo fizesse a pergunta, disse, evidentemente a disfarçar:

        — Porque precisas aprender e a escola da vila é melhor do que a daqui.

        E mudou de conversa.

        Nunca pude saber, ao certo, o motivo que levara minha família a deixar o povoado em que meu pai nascera e vira nascer os seus primeiros filhos. Mas não foi somente porque a escola da vila fosse melhor que a da povoação.

        Ao que percebi nesta frase, naquela, naquela outra, a causa da mudança foram os negócios comerciais de meu pai. Os negócios iam mal.

        Vovô Lucrécio, pai de minha mãe, morador da vila, já velho e cansado de trabalhar, oferecera a meu pai a sua casa de negócios.

        Para que a nossa casa no povoado não passasse a mãos estranhas, tio Olavo se mudaria para ela e ficaria gerindo os nossos pequenos bens.

        Mais de uma vez surpreendi minha gente de olhos molhados e vermelhos. Todos se doíam de deixar aquele cantinho de terra, até mesmo minha mãe, que ia para o seu cantinho natal.

        Eu não me doía de nada. À proporção que os dias passavam mais contente ia ficando.

        O que me contavam da vila enchia-me a cabeça de curiosidade. Havia muitas casas de telha, casas de sobrado, igreja, festas, muita gente e uma grande escola com duas ou três centenas de crianças.

        As visitas de despedidas começaram um mês antes de partirmos.

        Abalávamos a família inteira para a casa de um ou de outro parente, de um ou de outro amigo, e lá ficávamos de manhã à noite, trocando palavras de carinho.

        Passei uma tarde inteirinha em casa de Chiquitita; outra tarde em casa do Maneco; almocei com o Ioiô, jantei com o Manduca, com o Quincas, com a Rosa.

        Na Pedra Branca, passei dia e meio. Fui depois do almoço, dormi e só voltei no dia seguinte, ao anoitecer.

        Tia Mariquinhas permitiu que os meninos da minha roda fossem lá brincar comigo. Fartamo-nos de comer frutas, de trepar nas árvores e nos balanços, de andar nas águas do riacho, remando a jangadinha.

        Oito dias antes, os nossos trens começaram a ser enviados para a vila. A primeira igarité que seguiu, ia apinhadinha de baús, canastras e samburás.

        Não me ficou claramente gravado na memória o momento da partida. Três dias antes, amanheci, inesperadamente, ardendo em febre. Na véspera a febre voltou mais forte.

        E na manhã em que partimos, a febre era tanta que fui carregado até o porto nos braços do Jorge Carreiro. Não me recordo de quase nada.

        Lembro-me apenas de que abri os olhos cansados no momento em que a igarité ia largando.

        E vi uma aglomeração de gente na ribanceira do rio.

        Vi o lenço de Tia Mariquinhas, batendo...

        Vi, confusamente, outros lenços agitando-se...

        Vi o Vavá, o Manduca, o Chiquinho...

        Vi a Rosa chorando, a gritar pelo meu nome...

        E vi, quase à beira d’água, o velho Mirigido, de boca escancarada, muito vermelha, a gritar qualquer coisa aos remadores da igarité.

Viriato Corrêa. Cazuza. 27. ed. São Paulo: Nacional, 1997. p. 16-7.

Entendendo a crônica:

01 – Por que Cazuza fica surpreso ao saber da mudança para a vila?

      Cazuza fica surpreso ao saber da mudança para a vila porque não tinha conhecimento dessa decisão da família.

02 – Qual é a justificativa inicial dada pela mãe de Cazuza para a mudança para a vila?

      Inicialmente, a mãe de Cazuza diz que a mudança é necessária porque a escola na vila é melhor e ele precisa aprender.

03 – Quais são as pistas dadas ao longo da crônica sobre o verdadeiro motivo da mudança da família de Cazuza para a vila?

      Há indícios de que o motivo da mudança é relacionado aos negócios comerciais do pai de Cazuza, que não estão indo bem.

04 – Como Cazuza reage à notícia da mudança?

      Cazuza inicialmente fica surpreso, mas ao longo do tempo ele se mostra cada vez mais contente com a ideia da mudança para a vila.

05 – Como são descritas as visitas de despedidas realizadas pela família de Cazuza antes da partida?

      As visitas de despedidas são descritas como momentos em que a família se desloca para casas de parentes e amigos, trocando palavras de carinho e compartilhando momentos especiais.

06 – O que acontece com Cazuza nos dias próximos à partida para a vila?

      Nos dias próximos à partida, Cazuza fica doente, com febre, e precisa ser carregado até o porto nos braços de Jorge Carreiro.

07 – Quais são as últimas imagens que Cazuza lembra no momento da partida?

      No momento da partida, Cazuza lembra-se de ver uma aglomeração de pessoas na ribanceira do rio, lenços sendo agitados, amigos chorando e o velho Mirigido gritando algo aos remadores da igarité.

 

CRÔNICA: A ESCOLA - VIRIATO CORRÊA - COM GABARITO

 Crônica: A escola

              Viriato Corrêa

        — Andas tão sem gosto, meu filhinho! Já perdeste o entusiasmo? disse-me, uma vez, minha mãe, quando me vestia para a escola.

        Era verdade.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEidUIJsbhWtZe2Z69q5NsgVRQlcoeEHeMZnSmmPtawJiKfaRK4SomWSA_jHcSkWfeGTbFzbcxVRTCYeRVnLF-phgU_IIs9Mlr3zaPwJmJZ_axwixPAL7qbne80W5UUR0d-2VuSB4iP9G3xZ3YZnROtcBptES-A5ZhWmlptp-R4fSitZyc2sYcfySlcLdDw/s320/ESCOLINHA.jpg


        Eu andava sem entusiasmo e sem gosto. À hora das aulas, ficava a remanchar para não me vestir, queixando-me de uma coisa, de outra, de uma dor de cabeça, de uma dor de dente.

        Desde o primeiro dia, a escola perdera o encanto para mim.

        Nada, nada havia lá que me despertasse o interesse ou me tocasse o coração. Ao contrário: como que tudo fora feito para me meter medo.

        A sala feia, o ar de tristeza, o ar de prisão, a cara feroz do professor, os castigos pelas menores faltas e pelos menores descuidos tinham-me deixado um grande desgosto na alma.

        E a verdade é que, na escola, nada mudava para me apagar aquela impressão.

        O quadro era sempre o mesmo quadro triste.

        Entrávamos às oito da manhã. O professor quase sempre já lá estava, na grande mesa, junto à parede, de cara amarrada, como se ali estivesse para receber criminosos.

        Quem chegava ia tomar-lhe a bênção e vinha sentar-se no seu lugar. Um silêncio de afligir. Era a hora do exercício de escrita e ninguém podia falar. Durante trinta minutos, só se ouvia o leve rumor das penas riscando o papel.

        O velho João Ricardo punha-se a passear entre os bancos, de régua na mão, fingindo-se desatento, mas, de fato, estava a vigiar a sala através dos vidros escuros dos óculos. Se um menino cochichava com outro, se segurava mal a caneta, se se distraía a olhar os maribondos do teto, ele, imediatamente, lhe vibrava a régua nas mãos e na cabeça. Ninguém conhecia o mata-borrão. Para enxugar a escrita, ia-se à parede, escavava-se o barro com a ponta da caneta e espalhava-se o pó na letra úmida.

        As paredes furadas pareciam respiradouros de formigueiro. Cada buraco tinha o seu dono e, quando alguém, por engano ou brincadeira, usava o alheio, o protesto surgia infalivelmente. — Esse não, esse é meu!

        Após o exercício de escrita ia-se "estudar a lição". O "estudo" era gritado, berrado. Cantava-se a lição o mais alto que se podia, numa toada enfadonha.

        Um inferno aquela barulheira. Trinta, quarenta, cinquenta meninos gritando coisas diferentes, cada qual esforçando-se em berrar mais alto. E quando, já cansados, íamos diminuindo a voz, o professor reclamava energicamente, da sua cadeira:

        — Estudem!

        E a algazarra recrudescia.

        Aquela mesma coisa, semanas inteiras, meses inteiros.

        Nada, nada que despertasse o gosto pelo estudo.

        Ao contrário. Tudo era motivo para castigo: uma lição mal sabida, uma escrita mal feita, uma palavra errada, um cochicho, um ar distraído, até um sorriso.

        Por uma falta pequenina ficava-se de pé, no centro da sala ou à porta da rua. Se a falta era maior, punha-se a criança de joelhos no meio da sala.

        A escola inteira falava horrorizada de dois suplícios que eu ainda não tinha tido ocasião de presenciar.

        Um deles era ficar o aluno de joelhos sobre grãos de milho.

        O outro, a "orelha de burro". À cabeça do menino colocavam-se duas enormes orelhas de papelão e fazia-se o desgraçado passear pelas ruas, vaiado pelos companheiros.

Viriato Corrêa. Cazuza. 27. ed. São Paulo: Nacional, 1997. p. 16-7.

Entendendo a crônica:

01 – Por que o narrador afirma que andava sem entusiasmo e sem gosto para ir à escola?

      O narrador afirma que perdeu o entusiasmo e o gosto pela escola devido à falta de interesse e ao ambiente desagradável que encontrava lá.

02 – Quais são alguns dos elementos que contribuíram para a aversão do narrador à escola?

      A sala feia, o ar de tristeza, a sensação de prisão, a expressão severa do professor e os castigos frequentes pelas menores faltas e descuidos contribuíram para a aversão do narrador à escola.

03 – Como o narrador descreve o ambiente da sala de aula?

      O narrador descreve a sala de aula como feia, com um ar de tristeza e prisão, destacando a aparência ameaçadora do professor e a atmosfera pouco acolhedora.

04 – Qual é a reação do professor em relação às faltas dos alunos durante a aula de escrita?

      O professor reage com rigor às faltas dos alunos durante a aula de escrita, utilizando uma régua para punir imediatamente aqueles que cochicham, seguram mal a caneta, se distraem ou cometem qualquer descuido.

05 – Como é o processo de "estudo da lição" na escola descrita na crônica?

      O "estudo da lição" é descrito como uma barulheira ensurdecedora, com os alunos gritando as lições o mais alto possível em uma toada enfadonha. Mesmo quando diminuíam a voz, o professor insistia para que continuassem estudando, intensificando o tumulto na sala.

06 – Quais são alguns dos motivos pelos quais os alunos são castigados na escola?

      Os alunos são castigados por uma série de motivos, incluindo lições mal sabidas, escrita mal feita, palavras erradas, cochichos, ar distraído e até mesmo sorrisos durante as aulas.

07 – Quais são os dois suplícios mencionados no final da crônica que causam horror aos alunos?

      Os dois suplícios mencionados são ficar de joelhos sobre grãos de milho e a "orelha de burro". No segundo, as crianças colocam duas enormes orelhas de papelão na cabeça e são vaiadas pelos colegas enquanto passeiam pelas ruas.

 

CRÔNICA: FIGURAS DO POVOADO - VIRIATO CORRÊA - COM GABARITO

 Crônica: Figuras do povoado

              Viriato Corrêa

        Tenho bem vivas na memória as crianças de minha idade e de meu tamanho que brincaram comigo no povoado. Mas são poucas as criaturas grandes que me ficaram na lembrança.

        Uma delas é o Jorge Carreiro. Alto como um gigante, forte como um novilho, possuía, no entanto, alma de criançola.

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhXLdmsNBC5LUMPr9Qh0JvdX3jI1btkIDVMzHl4UkspakshlSP3RowEeu4EftU7uVmf2aiZLXt6F9k0DxwjF3kImjbAUkDh8DGKykdL61I5dfzuIy4ZLPE-htC8ZFIIvasJ2CWvKgpU18nddLHSn8NJa9HA92TSwiyD8CKcmzz67dpW07X2tM_dfVQxgLc/s1600/POVOADO.jpg


        Brincava conosco como se fosse também menino; carregava-nos aos ombros, escanchava-nos no cogote e fazia de cavalo para que lhe montássemos nas costas.

        Era nosso melhor amigo. Quando zoava, ao longe, a cantiga do seu carro de bois, havia, nas casas, uma algazarra estouvada de crianças. Corríamos todos para a estrada. Enquanto os outros carreiros não se cansavam de nos ralhar, o Jorge consentia que trepássemos no seu carro. Ele próprio nos apanhava no chão e nos ajeitava entre a carga.

        Era uma cena encantadora de ruído e de alegria, a entrada do carro do Jorge no povoado. Sobre rumas de cana, melancias, espigas de milho ou sacos de feijão, vinham dezenas de meninos gritando festivamente.

        Os bois que puxavam o carro tinham a alma do dono. Não houve bois mais mansos e mais pacientes no mundo. A natureza como que os fez de propósito para aturar as traquinadas da infância. Dávamos-lhes de comer, na mão, como se eles fossem carneiros; trepávamos-lhes nas pernas, nos chifres, no pescoço, sem que fizessem o menor movimento de irritação.

        Outra figura é a do professor João Ricardo. Homem velho, bigode branco, óculos escuros, pigarro de quem sofre de asma.

        Nunca lhe vi um sorriso no rosto. Vivia sempre zangado, com o ar de quem está a ralhar com o mundo, cara amarrada, rugas na testa.

        Para as criancinhas do meu tamanho, representava o papel de lobisomem. Tínhamos-lhe um medo louco. Se estávamos a brincar num terreiro e o percebíamos ao longe, ficávamos silenciosos e quem podia esconder-se — escondia-se; quem podia fugir — fugia.

        Só depois que ele passava e quando já não lhe víamos mais a sombra, é que o brinquedo recomeçava.

        O velho Mirigido é também outra criatura de quem nunca me esqueci.

        Não me lembro qual a sua ocupação no povoado, mas me parece que não tinha outro ofício senão o de meter medo às crianças.

        Era um pretalhão comprido, magro, cabeludo, tão velho que já vivia curvado para a frente, em forma de arco.

        Andava pelos caminhos de saco às costas, resmungando cantigas esquisitas que ninguém entendia.

        Nem um dente na boca, boca muito vermelha, que ele escancarava horrendamente quando queria assustar algum menino.

        Corria como verdade, entre as crianças, que o preto velho, na última sexta-feira de cada mês, virava bicho. O bicho, dizia-se, era a "cobra chifruda" — cobra estranha, fantástica, diferente das outras cobras, de cabeça de onça, chifres de veado, mais grossa que um tronco de árvore.

        E o pior de tudo é que era perna de criança o petisco que a cobra mais gostava de comer.

        O Mirigido enchia-nos a cabeça de pavor e o sono de pesadelos. Mais de uma vez acordei, aos gritos, sonhando que ele me estava roendo a canela.

        Para as mães, o preto velho tinha uma utilidade: ajudava-as a curar a doença dos filhinhos.

        Não havia remédio que mais repugnássemos do que o óleo de rícino e o quinino. Conseguir que os engolíssemos era a dificuldade das nossas mães.

        O Mirigido resolvia facilmente a dificuldade. Quando se queria aplicar quinino ou óleo de rícino a alguma criança, mandava-se chamar o preto-velho. Ele vinha pontualmente. E ia entrando no quarto a roncar como um bicho, de facão desembainhado, dizendo aterradoramente:

        — Que barulho é esse aí? Vou comer esse menino! Vou comer esse menino, agora mesmo!

        E batia com os pés no chão e dançava e se mexia desengonçadamente. Um verdadeiro demônio.

        — Vou virar a cobra chifruda! berrava. Vou virar a cobra chifruda!

        E, fingindo amolar o grande facão no braço, repetia com voz rouquenha:

        — Vou comer a perna desse menino! Vou chupar os ossinhos desse menino!

        Ficávamos geladinhos da cabeça aos pés.

        E de um trago, de um trago só, engolíamos o remédio.

Viriato Corrêa. Cazuza. 27. ed. São Paulo: Nacional, 1997. p. 16-7.

Entendendo a crônica:

01 – Quem é Jorge Carreiro na crônica "Figuras do povoado" de Viriato Corrêa?

      Jorge Carreiro é um homem alto e forte, mas com alma de criança, que brincava com as crianças do povoado, carregando-as nos ombros e fazendo-as montar em seu carro de bois.

02 – Como as crianças do povoado reagiam à chegada do carro de Jorge Carreiro?

      Ao ouvirem a cantiga do carro de bois de Jorge Carreiro ao longe, as crianças corriam para a estrada, criando uma algazarra festiva. Ele permitia que as crianças subissem em seu carro, tornando a cena encantadora.

03 – Qual é a impressão que o professor João Ricardo causa nas crianças do povoado?

      O professor João Ricardo é visto como uma figura amedrontadora pelas crianças, sendo comparado a um lobisomem. Elas tinham medo dele e se escondiam quando o avistavam, só retomando suas brincadeiras depois que ele passava.

04 – Descreva a figura do velho Mirigido na crônica.

      O velho Mirigido é um homem preto, comprido, magro, cabeludo e muito velho, que anda pelos caminhos do povoado com um saco às costas. Ele resmunga cantigas estranhas, tem uma boca sem dentes e é associado à lenda de se transformar em uma cobra chifruda.

05 – Qual é a história associada ao Mirigido que causa medo nas crianças?

      Corre entre as crianças a história de que o Mirigido se transforma em uma cobra chifruda na última sexta-feira de cada mês. Dizem que essa cobra é diferente e fantástica, com cabeça de onça e chifres de veado, e que gosta de comer pernas de crianças.

06 – Como o Mirigido ajudava as mães a administrar remédios às crianças?

      O Mirigido ajudava as mães a fazer as crianças engolirem remédios desagradáveis, como óleo de rícino e quinino. Ele entrava no quarto ameaçando virar uma cobra chifruda e assustava as crianças, fazendo-as engolir o remédio de uma só vez.

07 – Qual era a reação das crianças diante das encenações assustadoras do Mirigido?

      As crianças ficavam geladas da cabeça aos pés diante das encenações aterrorizantes do Mirigido. Ele as assustava ameaçando comer suas pernas e chupar seus ossinhos, levando as crianças a engolirem rapidamente o remédio para evitar tal destino assustador.

 

CRÔNICA: A ESCOLA DA VILA - VIRIATO CORRÊA - COM GABARITO

 Crônica: A escola da vila

             Viriato Corrêa

        Para quem já tivesse visto o mundo, a vila do Coroatá devia ser feia, atrasada e pobre. Mas, para mim, que tinha vindo da pequeninice do povoado, foi um verdadeiro deslumbramento.

Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEghDYAgrrfZFy5rgc_kwLI_-63w_rJhR3gy1qvaNxhA4A3SkxcNb5bgh_lyDR-N6t3jjwnODKedIP2lJOfw2zduKuMZS6CHpoNznWR7bVaww4EnXunyobVhOEqr_hsNf9nVxe9E9OHmbwKo4FqUpdqJX_GSswRvhdnH5oOe15-_o1eIVpHV41APCMWeVMY/s320/ESCOLA%20ANTIGA.jpg


        As quatro ou cinco ruas, com a maioria de casas de telha; os três ou quatro sobradinhos; as casas comerciais sempre cheias de mercadorias e de gente; as missas aos domingos; a banda de música de dez figuras; as procissões de raro em raro, eram novidades que me deixaram maravilhado.

        A igreja acanhadinha e velha, onde os morcegos voejavam, tinha aos meus olhos um esplendor estonteante.

        A Casa da Câmara, acaçapada e pesadona, com o vasto salão onde, às vezes, se realizavam festas, parecia-me um palácio.

        O que mais me encantou foi a escola.

        Quando chegamos à vila, já haviam acabado as férias. Durante os quinze dias em que fiquei em casa curando-me das febres, eu via, da janela, as crianças passarem em grandes bandos, à hora em que terminavam as aulas. A vontade de ficar bom para misturar-me com aquela meninada alegre apressou a minha cura.

        A escola funcionava num velho casarão de vastas salas, que devia ter mais de meio século.

        Quando lá entrei, no primeiro dia, levado pela mão de meu pai, senti no peito o coração bater jubilosamente.

        Dona Janoca, a diretora, recebeu-me com o carinho com que se recebe um filho. Os meninos e as meninas, que me viram chegar, olharam-me risonhamente, como se já tivessem brincado comigo.

        Eu, que vinha do duro rigor da escola do povoado, de alunos tristes e de professor carrancudo, tive um imenso consolo na alma.

        A escola da vila era diferente da escolinha da povoação como o dia o é da noite.

        Dona Janoca tinha vindo da capital, onde aprendera a ensinar crianças.

        Era uma senhora de trinta e cinco anos, cheia de corpo, simpática, dessas simpatias que nos invadem o coração sem pedir licença.

        Havia nas suas maneiras suaves um quê de tanta ternura que nós, às vezes, a julgávamos nossa mãe.

        A sua voz era doce, dessas vozes que nunca se alteram e que mais doces se tornam quando fazem alguma censura.

        Mostrava, sem querer, um grande entusiasmo pela profissão de educadora: ensinava meninos porque isso constituía o prazer de sua vida.

        Se um aluno adoecia, ela, apesar dos afazeres, encontrava tempo para lhe levar uma fruta, um biscoito, um remédio.

        Vivia arranjando livros, papel e lápis nas casas comerciais para os meninos paupérrimos. Se um pai se recusava a mandar o filho à escola, corria a convencê-lo de que o pequeno nada seria na vida se não tivesse instrução.

        Quando chegou da capital para dirigir o grupo escolar da vila, o prédio em que as aulas funcionavam estava em ruínas e o mobiliário, de tão velho e maltratado, já não servia para nada.

        Era preciso dar àquilo um jeito de coisa decente. Mas não havia vintém.

        Ela trazia, como auxiliares, as suas irmãs Rosinha e Nenén, ambas moças.

        E as três deixaram o povo surpreendido: saíram de casa em casa a pedir auxílio para as obras, fizeram rifas, organizaram festas, leilões, bazares de sorte, tudo enfim que pudesse render dinheiro.

        E a vila, cochilona e desacostumada a novidades, viu, com pasmo, Dona Janoca e as irmãs, de broxa e pincel nas mãos, caiando e pintando paredes.

        E a velha casa, de mais de meio século, ressuscitou maravilhosamente, como os palácios surgem nos contos de fada.

        Os salões, amplos e claros, abriam-se de um lado e de outro do vasto corredor, com filas de carteiras escolares, vasos de plantas, aqui e ali, e jarras de flores sobre as mesas.

        As paredes, por si sós, faziam as delícias da pequenada. De alto a baixo uma infinidade de quadros, bandeiras, mapas, fotografias, figuras recortadas de revistas, retratos de grandes homens, coleções de insetos, vistas de cidades, cantos e cantinhos do Brasil e do mundo.

        E tudo aquilo me encantava de tal maneira que eu, às vezes, deixava de brincar todo o tempo do recreio, para ficar revendo paisagem por paisagem, mapa por mapa, figurinha por figurinha.

Viriato Corrêa. Cazuza. 27. ed. São Paulo: Nacional, 1997. p. 16-7.

Entendendo a crônica:

01 – O que encantou o narrador ao chegar à vila de Coroatá?

      A escola da vila foi o que mais encantou o narrador.

02 – Como o narrador descreve a escola da vila em comparação com a escola do povoado de onde ele veio?

      O narrador descreve a escola da vila como muito diferente da escola do povoado, destacando a diferença entre a alegria e suavidade da escola da vila em comparação com o rigor e tristeza da escola do povoado.

03 – Quem era Dona Janoca e qual era a sua importância na escola?

      Dona Janoca era a diretora da escola da vila, uma senhora simpática de trinta e cinco anos, cheia de entusiasmo pela profissão de educadora. Ela desempenhava um papel fundamental na transformação da escola.

04 – Quais eram as características marcantes de Dona Janoca que conquistaram o narrador e os alunos?

      Dona Janoca era descrita como uma mulher simpática, cheia de ternura, com uma voz doce que nunca se alterava, e demonstrava grande entusiasmo pela profissão de educadora. Sua preocupação com os alunos ia além da sala de aula, incluindo gestos como levar frutas, biscoitos e remédios para alunos doentes.

05 – Como Dona Janoca e suas irmãs conseguiram melhorar as condições da escola, mesmo com recursos limitados?

      Dona Janoca e suas irmãs conseguiram melhorar as condições da escola através de atividades como rifas, festas, leilões, bazares de sorte, entre outras, para arrecadar dinheiro. Elas também realizaram obras físicas, caiando e pintando as paredes da escola.

06 – Como a velha casa da escola foi transformada pela iniciativa de Dona Janoca e suas irmãs?

      A velha casa da escola, que estava em ruínas, foi transformada através do esforço de Dona Janoca e suas irmãs. Elas realizaram trabalhos de caiar e pintar as paredes, organizaram eventos para arrecadar fundos e conseguiram revitalizar o prédio, tornando-o mais apropriado para o ambiente educacional.

07 – Quais elementos decoravam as salas da escola e como esses elementos afetavam o narrador?

      As salas da escola eram decoradas com uma variedade de elementos, como quadros, bandeiras, mapas, fotografias, figuras recortadas de revistas, retratos de grandes homens, coleções de insetos, vistas de cidades, cantos e cantinhos do Brasil e do mundo. Esses elementos encantavam o narrador, a ponto de ele deixar de brincar durante o recreio para apreciá-los.

 

CRÔNICA: TIA MARIQUINHAS - VIRIATO CORRÊA - COM GABARITO

 Crônica: Tia Mariquinhas

               Viriato Corrêa

        Criatura que vive bem clara na minha lembrança é a tia Mariquinhas, viúva de um parente afastado de minha mãe.

        Morava a um quarto de légua do povoado, na Pedra Branca, o mais lindo sítio que por ali havia.

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        A Pedra Branca tinha o condão de atrair as crianças.

        Era uma casa pequenina, caiadinha, muito limpa, num terreiro alvo, bem varrido, com laranjeiras plantadas em derredor.

        Em certas épocas, duzentos metros antes de avistar-se a casa, sentia-se no ar o cheiro finíssimo do laranjal em flor. No quintal — mangueiras imensas com sombras frescas e balanços tentadores amarrados nos galhos.

        Mas, a doidice da meninada era o riacho que ficava atrás da casa. Não vi, no mundo, cantinho mais suave e mais doce e que tanto bem me fizesse à alma. Eu ali ficava horas inteiras, saboreando, sem saber, a poesia simples daquele pedaço amável da natureza.

        Gravou-se-me na vista, para toda a vida, o quadro maravilhoso. O riacho, que vinha de longe, torcendo-se pelas profundezas da mata, ali se alargava preguiçosamente, como que para repousar as águas cansadas de rolar entre as pedras.

        As árvores — velhos ingazeiros e paineiras que deviam ter séculos de existência — estendiam sobre o leito a empanada dos galhos floridos. Aqui, acolá — toiças de açaizeiros. Quase que não se sentia o deslizar da corrente e as águas eram tão claras que se viam a areia alvíssima e os peixinhos nadando no fundo.

        No meio, como ilha surpreendente, surgia uma laje muito grande e muito branca. Era a pedra que dava nome ao sítio.

        À flor da correnteza, boiavam patos e marrecos mansos. Pássaros enchiam de música a ramada das árvores.

        Tia Mariquinhas era uma senhora de cabeça branca, magrinha, risonha, que ficava com ares de moça quando sorria, porque o riso lhe cavava duas covinhas no rosto.

        Nunca vi criatura mais alegre e que mais gostasse de presentear.

        Havia de tudo no sítio: araçás, goiabas, sapotis, jacas, tangerinas, jenipapos, atas, abius, umbus, cambucás, todo um mundo de gulodices que endoidecem as crianças.

        Quando eu lhe entrava em casa ela me enchia de frutas e não sabia em quantas se virasse para me ser agradável. Pegava-me pela mão, ia comigo pelos cantos e cantinhos do terreiro e do quintal, deixava-me subir às mangueiras e laçar periquitos.

        Mas, o que mais me tentava era o riacho. Além dos patos, dos marrecos, dos peixinhos, havia lá uma jangadinha como que feita de propósito para criaturas do meu tamanho. Tia Mariquinhas punha-me na jangada e ela própria a remava para a outra margem.

        Eu ficava horas esquecidas atirando pedacinhos de carne e migalhas de angu aos peixes que se agitavam no fundo das águas.

        O sítio de tia Mariquinhas foi o maior encanto da meninice das minhas calcinhas curtas. Sempre que eu apanhava a minha gente distraída, escapava correndo para aquele recanto de sombra e frutos, em que a vida parecia ser mais bela do que em outra parte qualquer.

        O que acontecia comigo, acontecia com os outros meninos. Quando numa casa se notava a ausência de um garotinho, podia-se imediatamente correr à Pedra Branca, que o garotinho lá estava esquecido de tudo, preso à tentação dos balanços, das frutas, dos periquitos e da jangadinha.

        Dava-se todos os dias, entre aquelas laranjeiras floridas, um espetáculo que conservo na cabeça como uma das lembranças mais gratas de minha infância.

        Tia Mariquinhas tinha paixão pelas galinhas, pelos patos, pelos pombos. E, logo que amanhecia, vinha ela própria para o terreiro distribuir às aves a ração de milho e farelo.

        Era uma cena impressionante.

        Primeiro havia um bater de sineta lá dentro, na casa. Ouvia-se imediatamente aqui fora um rumor de asas no chão, um rumor de asas nas árvores e nos ares.

        E quando a velha aparecia à porta, sobraçando um samburá de milho quebrado, de toda a parte surgiam multidões de galinhas, frangos, gaios, pintos, pombos, marrecos e paturis.

        — Pi-pi-pi-pi punha-se ela a gritar no meio do terreiro, atirando punhados de grãos à direita e à esquerda.

        O pedaço de céu que ficava por cima do terreiro cobria-se de asas agitadas. Centenas, milhares de aves desciam para disputar na areia os grãos de farelo e de milho. Agora, não eram só as aves domésticas; eram as do mato: toda uma onda incrível de rolas, juritis, perdizes, jaçanãs, saracuras, graúnas, periquitos, patativas, maracanãs e corrupiões.

        — Pi-pi-pi-pi...

        Atirando punhados à direita, punhados à esquerda, tia Mariquinhas desaparecia no meio daquela nuvem tremulante de asas. Tico-ticos e pipiras vinham-lhe roubar migalhas das mãos; cambaxirras, xexéus e pecoapas, sem a menor cerimônia, lhe pousavam nos ombros.

        Como se dava aquilo? Tia Mariquinhas explicava, sorrindo:

        — Um dia desceu uma pomba do mato. Atirei-lhe um punhado de milho. Ela comeu e foi dizer às companheiras. No outro dia veio outra. Deixei. Mais outra, mais outra, outras mais. Fui deixando. E, agora, tudo quanto é passarinho destas redondezas vem comer aqui em casa.

Viriato Corrêa. Cazuza. 27. ed. São Paulo: Nacional, 1997. p. 16-7.

Entendendo a crônica:

01 – Como é descrito o cenário da casa de Tia Mariquinhas na crônica?

      A casa é descrita como pequena, caiadinha, muito limpa, com laranjeiras ao redor, em um terreiro alvo e bem varrido.

02 – O que tornava a Pedra Branca, onde Tia Mariquinhas morava, especial para as crianças?

      A Pedra Branca tinha o condão de atrair as crianças devido ao cheiro finíssimo do laranjal em flor, mangueiras com sombras frescas, balanços tentadores, e um riacho suave e doce.

03 – Quais frutas e gulodices eram encontradas no sítio de Tia Mariquinhas?

      Havia araçás, goiabas, sapotis, jacas, tangerinas, jenipapos, atas, abius, umbus, entre outras gulodices.

04 – O que mais atraía o narrador na casa de Tia Mariquinhas, além das frutas e dos balanços?

      O riacho era o que mais atraía o narrador, especialmente a jangadinha na qual Tia Mariquinhas o colocava para remar.

05 – Como Tia Mariquinhas se relacionava com as aves em seu terreiro?

      Tia Mariquinhas tinha paixão pelas galinhas, patos, pombos, e distribuía ração de milho e farelo todas as manhãs, atraindo uma grande quantidade de aves domésticas e do mato.

06 – Descreva a cena impressionante que ocorria no terreiro quando Tia Mariquinhas alimentava as aves.

      Ao soar uma sineta, todas as aves, incluindo as do mato, se aglomeravam no terreiro para receber os grãos de milho e farelo que Tia Mariquinhas distribuía, cobrindo o céu de asas agitadas.

07 – Qual é a explicação dada por Tia Mariquinhas sobre a presença de tantas aves em seu terreiro?

      Tia Mariquinhas explica que um dia desceu uma pomba do mato, ela atirou um punhado de milho, a pomba comeu e foi contar às companheiras. Gradualmente, mais pássaros começaram a visitar e agora todos os passarinhos das redondezas vêm comer em sua casa.

 

CRÔNICA: PASSEM TODOS PARA O "BOLO"! VIRIATO CORRÊA - COM GABARITO

 Crônica: Passem todos para o “bolo”!

              Viriato Corrêa            

        Em meados de fevereiro a frequência à escola começou a diminuir. E quando março entrou, com as suas imensas cargas d’água, não passavam de doze ou quinze os meninos que compareciam às aulas.

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        O velho João Ricardo cada vez ficava mais mal-humorado. E, ao lançar os olhos para os bancos vazios, resmungava ameaçadoramente:

        — Que luxo é esse? Porque chove mais um pouquinho ninguém sai de casa! Eu acabo tomando medidas rigorosas.

        Depois, com dois ou três pigarros de asmático, se sentava, repetindo:

        — Escola é escola! Não é pilhéria, não é brincadeira!

        Não era por brincadeira que os alunos não iam às aulas, mas pelos obstáculos das enchentes naquela aguda quadra das chuvas.

        No Norte, a estação das águas, que o povo chama de inverno, apresenta aspectos que vão da alegria ao desespero.

        É em dezembro que começa a chover.

        Antes disso o que existe é o inferno do calor que arruína os homens e as coisas.

        Os campos estão secos; os morros, tristes; não há viço no arvoredo e as fontes têm um ar de pobreza e de velhice.

        Parece que a natureza está cansada de viver. A alegria desaparece de toda a parte. Há lugares em que não se encontra, sequer, uma folha verde.

        As primeiras chuvas caem quando novembro vai terminando. E imediatamente se produz o milagre da ressurreição. Em três semanas tudo fica verde e fica novo.

        É a primavera matuta.

        A terra, como que atingida pela varinha de condão de alguma fada, floresce maravilhosamente. Ê flor em tapete nos campos; flor em ramalhete nas árvores; flor em grinaldas nos cipós. Tem-se a impressão surpreendente de que as plantas que vão nascendo já nascem floridas.

        Mas as chuvas continuam a desabar.

        Em janeiro, não se vê a cara do sol. Em meados de fevereiro, os riachos e os rios começam a transbordar arruinadoramente.

        Todo aquele esplendor de natureza, que dava a ideia de milagre, desaparece em poucos dias.

        Em março os campos estão alagados. Basta que chova três dias seguidos para que ninguém possa atravessar os caminhos. É a inundação inquietadora que vem ameaçando com o seu cortejo de desgraças.

        Naquele ano, março entrou mais rigoroso que nos anteriores. Chovia semanas inteiras, de manhã à noite.

        Os caminhos estavam debaixo d’água.

        A escola, dia a dia, tornava-se deserta.

        A maioria dos alunos era dos arredores, alguns de dois, três, até quatro quilômetros distantes. Se saíssem de casa, com os caminhos inundados, corriam até perigo de vida.

        Só nós, ali da povoação, podíamos comparecer às aulas e, assim mesmo, molhadinhos e com as chinelas ou os sapatos encharcados.

        O professor tornava-se cada vez mais áspero, mais azedo, mais ameaçador. E dizia repentinamente, no meio da sala quase deserta:

        — Eu não me canso de prevenir. Escola é coisa séria. Eu acabo tomando medidas rigorosas.

        Um dia, a chuva começou a cair de madrugada. Chuva brutal, dessas que paralisam o trabalho e impedem a gente de sair de casa.

        Quase ninguém pôde ir à escola. Éramos seis meninos apenas.

        O Adão, que chegou por último, entrou assustado, descalço, as chinelas metidas nos dedos. O Doca troçou:

        — Xi! O Adão está com uma cara! O outro sentou-se.

        — A minha cara, a minha cara! Cara traz o professor, que não tarda aí. Passei por ele.

        Minutos depois, o velho João Ricardo entrava debaixo de um grande guarda-chuva. Não se sentou como de costume. Em pé, junto à grande mesa, lançou os olhos pela sala, contando:

        — Um, dois, três, quatro, cinco, seis. Só seis? Então porque chove, ninguém vem à escola?

        E empunhando a palmatória:

        — Passem todos para o "bolo"!

Viriato Corrêa. Cazuza. 27. ed. São Paulo: Nacional, 1997. p. 16-7.

Entendendo a crônica:

01 – Por que a frequência à escola começou a diminuir em meados de fevereiro?

      A frequência à escola diminuiu devido aos obstáculos das enchentes durante a quadra das chuvas.

02 – Como o velho João Ricardo reagia diante da baixa presença dos alunos?

      O velho João Ricardo ficava mal-humorado e resmungava ameaçadoramente. Ele ameaçava tomar medidas rigorosas e enfatizava a seriedade da escola.

03 – O que caracteriza a estação das águas, também conhecida como inverno, no Norte?

      A estação das águas, que o povo chama de inverno, no Norte apresenta aspectos que vão da alegria ao desespero, começando em dezembro com chuvas intensas.

04 – Como a natureza reage ao início das chuvas em novembro na região descrita na crônica?

      A natureza reage com um milagre da ressurreição, transformando-se em poucas semanas, com campos verdes, árvores florescendo e um novo vigor.

05 – Como é descrito o período de janeiro na região afetada pelas chuvas?

      Em janeiro, não se vê a cara do sol, indicando um período chuvoso persistente.

06 – Quais eram os desafios enfrentados pelos alunos que moravam nos arredores durante as chuvas em março?

      Os caminhos estavam alagados, tornando perigoso para os alunos que moravam a alguns quilômetros de distância comparecerem às aulas.

07 – O que aconteceu quando a chuva foi particularmente intensa, deixando apenas seis alunos na escola?

      Diante da baixa presença, o velho João Ricardo, empunhando a palmatória, ordenou: "Passem todos para o 'bolo'!", indicando uma ação disciplinar a ser tomada.