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domingo, 22 de outubro de 2023

TEXTO: HOMENAGEM À LÍNGUA PORTUGUESA - EDUARDO AFFONSO - COM GABARITO

 Texto: Homenagem à Língua Portuguesa

           Eduardo Affonso

        Volta e meia alguém olha atravessado quando escrevo “leiaute”, “becape” ou “apigreide” – possivelmente uma pessoa que não se avexa de escrever “futebol”, “nocaute” e “sanduíche”.

Fonte:  https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj3LPZ4yaKbxi61Y4Zbu_rdkr0lGCTjTexCyGBF44b2wEmzEV-wkGDCrWvKLnm5YROr5KeclO8vJVpens404gdh9nz18N1spnMKdrDOlZCdzLDhZ6BnQTmVfKcDcJJshAJjT9jM5KbFbeIGHwdH4LcwqXNCCo1IMBT7lLkx9Yg5wwk5fKbJwkhrcRGFxBY/s320/LINGUA.jpg


        Deve se achar um craque no idioma, me esnobando sem saber que “craque” se escrevia “crack” no tempo em que “gol” era “goal”, “beque” era “back” e “pênalti” era “penalty”. E possivelmente ignorando que esnobar venha de “snob”.

        Quem é contra a invasão das palavras estrangeiras (ou do seu aportuguesamento) parece desconsiderar que todas as línguas do mundo se tocam, e que falar seja um enorme beijo planetário.

        As palavras saltam de uma língua para outra, gotículas de saliva circulando em beijos mais ou menos ardentes, dependendo da afinidade entre os falantes. E o português é uma língua que beija bem.

        Quando falamos “azul”, estamos falando árabe. E quando folheamos um almanaque, procuramos um alfaiate, subimos uma alvenaria, colocamos um fio de azeite, espetamos um alfinete na almofada, anotamos um algarismo.

        Falamos francês quando vamos ao balé usando um paletó marrom, quando fazemos um croqui ou uma maquete com vidro fumê; quando comemos uma omelete ou pedimos na boate um champanhe ao garçom; quando nos sentamos no bidê, viajamos na maionese, ou quando um sutiã (sob o edredom) provoca uma gafe – ou um frisson.

        Falamos tupi ao pedir um açaí, um suco de abacaxi ou de pitanga; quando vemos um urubu ou um sabiá, ficamos de tocaia, votamos no Tiririca, botamos o braço na tipoia, armamos um sururu, comemos mandioca (ou aipim), regamos uma samambaia, deixamos a peteca cair. Quando comemos moqueca capixaba, tocamos cuíca, cantamos a Garota de Ipanema.

        Dá pra imaginar a Bahia sem a capoeira, o acarajé, o dendê, o vatapá, o axé, o afoxé, os orixás, o agogô, os atabaques, os abadás, os babalorixás, as mandingas, os balangandãs? Tudo isso veio no coração dos infames “navios negreiros”.

        As palavras estrangeiras sempre entraram sem pedir licença, feito um tsunami. E muitas vezes nos pegando de surpresa, como numa blitz.

        Posso estar falando grego, e estou mesmo. Sou ateu, apoio a eutanásia, gosto de metáforas, adoro bibliotecas, detesto conversar ao telefone, já passei por várias cirurgias. E não consigo imaginar que palavras usaríamos para a pizza, a lasanha, o risoto, se a máfia da língua italiana não tivesse contrabandeado esse vocabulário junto com a sua culinária.

        Há, claro, os exageros. Ninguém precisa de um “delivery” se pode fazer uma “entrega”, ou anunciar uma “sale” se se trata de uma “liquidação”. Pra quê sair pra night de bike, se dava tranquilamente pra sair pra noite de bicicleta?

        Mas a língua portuguesa também se insinua dentro das bocas falantes de outros idiomas. Os japoneses chamam capitão de “kapitan”, copo de “koppu”, pão de “pan”, sabão de “shabon”. Tudo culpa nossa. Como o café, que deixou de ser apenas o grão e a bebida, para ser também o lugar onde é bebido. E a banana, tão fácil de pronunciar quanto de descascar, e que por isso foi incorporada tal e qual a um sem-fim de idiomas. E o caju, que virou “cashew” em inglês (eles nunca iam acertar a pronúncia mesmo).

        “Fetish” vem do nosso fetiche, e não o contrário. “Mandarim”, seja o idioma, seja o funcionário que manda, vem do portuguesíssimo verbo “mandar”. O americano chama melaço de “molasses”, mosquito de “mosquito” e piranha, de “piranha” – não chega a ser a conquista da América, mas é um começo.

        Tudo isso é a propósito do 5 de maio, Dia da Língua Portuguesa, cada vez mais inculta e nem por isso menos bela. Uma língua viva, vibrante, maleável, promíscua – vai de boca em boca, bebendo de todas as fontes, lambendo o que vê pela frente.

        Mais de oitocentos anos, e com um tesão de vinte e poucos.

Fonte: https://www.facebook.com/eduardo22affonso/

Entendendo o texto:

01 – Qual é o autor do texto?

      O autor do texto é Eduardo Affonso.

02 – O que o autor menciona sobre as palavras estrangeiras na língua portuguesa?

      O autor menciona que as palavras estrangeiras sempre entraram na língua portuguesa sem pedir licença, assim como um tsunami.

03 – De acordo com o autor, o que acontece quando as palavras saltam de uma língua para outra?

      O autor descreve esse processo como gotículas de saliva circulando em beijos mais ou menos ardentes, dependendo da afinidade entre os falantes.

04 – O que o autor destaca sobre a língua portuguesa no contexto de sua relação com outras línguas?

      O autor destaca que a língua portuguesa é uma língua que "beija bem" no sentido de absorver palavras de outras línguas e incorporá-las.

05 – Quais são alguns exemplos de palavras estrangeiras que foram incorporadas à língua portuguesa mencionadas no texto?

      Alguns exemplos mencionados no texto incluem "delivery", "sale", "pizza", "risoto", "lasanha", "café", "banana", e "caju".

06 – Que evento o autor menciona no texto em relação à língua portuguesa?

      O autor menciona o "5 de maio" como o "Dia da Língua Portuguesa".

07 – Como o autor descreve a língua portuguesa no texto?

      O autor descreve a língua portuguesa como "uma língua viva, vibrante, maleável, promíscua", com mais de oitocentos anos de história e com um grande vigor.

 

 

sexta-feira, 20 de outubro de 2023

TEXTO: MINIMALISMO - DOCUMENTÁRIO - COM GABARITO

 Texto: Minimalismo – Documentário

           Quando menos é mais ou Quando mais é menos: um texto sobre as coisas importantes da vida

        No último final de semana a Netflix disponibilizou um documentário que eu queria assistir há algum tempo: “Minimalism: A Documentary About the Important Things“.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgiz5ms8LgdAdobIYQfkc8ELnWPoKlWBoQ_-gHy8C1hQuv2aCdOGqTA_WF4RPKakoPChWqRa2J8PuJjjQR2ccCq79gVlREfGw2AgajZ05dXVO-MFedym_Weswb4JwFyD0wC3M8MhdEPpbdfF3MTBYY4mzqh77TeYToLqbbLIr36gachNNGjewZqVfqVfaY/s320/MINIMALISMO.jpg


        Eu sou um grande fã de documentários. Assim como os livros biográficos, eles são uma grande fonte de inspiração. Como o título adequadamente afirma, “Minimalism” é sobre as coisas importantes na vida. Joshua Millburn e Ryan Nicodemus, Os Minimalistas — não confunda com Os Tribalistas —, cresceram perseguindo o Sonho Americano. Dinheiro, prestígio e coisas. E eles conseguiram. Se tornaram executivos bem-sucedidos. Pelo menos, no sentido tradicional e aplaudido pela sociedade.

        Mas, quem são os Minimalistas e o que é o minimalismo?

        Dois caras que viveram no mundo corporativo presos na mentalidade de acumular dinheiro, posses e prestígio. No entanto, apesar de ambos serem bem-sucedidos no que faziam, nenhum deles era verdadeiramente feliz. Eles tinham os gadgets do momento, casas enormes e carros luxuosos, mas trabalhavam de forma insana e se sentiam constantemente estressados.

        Quando sua mãe faleceu e seu casamento terminou em divórcio, ambos no mesmo mês, Joshua teve uma epifania. Percebeu que a maioria de suas posses materiais não estavam agregando valor à sua vida ou ajudando-o a se tornar mais feliz. Foi então que se livrou de boa parte dos seus pertences a fim de se concentrar nas coisas que realmente importavam para ele.

        Ryan, que estava se sentindo mal por ter treinado sua equipe para vender celulares a crianças de 5 anos, percebeu que o semblante de Joshua havia mudado. Ele estava sereno, parecia feliz. Ao descobrir que o motivo era a mudança radical em seu estilo de vida, fez o mesmo que o amigo: encaixotou suas coisas e se livrou de 80% do que tinha. Sentiu um peso sair de suas costas.

        Os amigos criaram um blog sobre sua nova filosofia de vida. Logo veio um podcast, palestras e, mais recentemente, o documentário. O minimalismo é um estilo de vida onde você reduz suas posses de tal forma que tenha apenas itens que realmente tragam valor à sua vida. Trata-se de remover o excesso de sua vida, de modo que você seja capaz de se concentrar no que é mais importante. Não há limite de itens ou restrições específicas. E, eles não estão dizendo que todo o tipo de consumo é prejudicial. É apenas uma maneira mais simples de viver para reduzir o estresse e ter mais liberdade.

        “Imagine uma vida com menos: menos coisas, menos desordem, menos estresse e descontentamento… Agora imagine uma vida com mais: mais tempo, mais relações significativas, mais crescimento, contribuição e contentamento “.

        Isso é útil? Me traz alegria?

        Dan Harris, autor do ótimo “10% Mais Feliz“, é um dos entrevistados do documentário. Ele compartilha sua experiência sobre estresse e ansiedade. Em 2004, Harris teve um ataque de pânico em rede nacional enquanto apresentava o “Good Morning America” da rede ABC.

        Durante a entrevista, menciona que o melhor conselho que recebeu até hoje, no contexto da ansiedade, foi sobre perguntar a si mesmo se “Isso é útil?”. A pergunta lembra o conceito de “Isso me traz alegria?” da autora japonesa Marie Kondo.

        Desde que li pela primeira vez a frase “menos é mais”, num artigo sobre a obsessão de Steve Jobs com designs minimalistas, resolvi seguir essa filosofia. Eu recém tinha completado 20 anos, era um jovem comum que adorava comprar roupas de marcas famosas e sonhava em ter um carro importado. Afinal, pra mim isso era sinônimo de status pessoal.

        O que percebi, com o tempo, é que nenhuma daquelas coisas me traria alegria. Quem segue um estilo de vida consumista, geralmente, compra itens apenas para seguir modismos e fazer parte de um grupo. Me dei conta de que as pessoas com as quais eu me importava de verdade não estavam nem aí se eu andava de Corolla ou Fusca. Se vestia uma camisa da Tommy Hilfiger ou da Renner.

        Quando deixei de ter um comportamento consumista, passei a ser menos ansioso. Ao invés de juntar dinheiro para ter coisas, percebi que seria mais feliz utilizando minhas economias para viajar, por exemplo. Troquei o carro por uma bicicleta e logo me sobrou grana para um mochilão pela Europa. Enquanto alguns conhecidos me mostravam seus novos iPhones ou Galaxys, eu e meu velho BlackBerry embarcávamos para Nova York.

        E veja que não existe certo ou errado nessa história. São escolhas. Mas, nunca estive tão bem comigo mesmo. E sereno, como Joshua.

        Steve Jobs em sua casa em 1982. “Isso era típico da época. Eu era solteiro. Tudo o que você precisava era de uma xícara de chá, uma luz, você sabe, e era tudo o que eu tinha”. Foto: Diana Walker

        Ame as pessoas e use as coisas — porque o oposto nunca funciona

        Se eu sou minimalista? Não no nível de Joshua ou Ryan. Eu continuo comprando coisas. E eles também, na verdade. O objetivo do documentário não é fazer com que as pessoas joguem fora todas as suas posses e se mudem para um bangalô. O ponto central é simplesmente perguntar-se por que você possui as coisas que possui, o que elas acrescentam à sua vida e se você pode viver tranquilamente sem elas.

        Essa ideia de desapego material me lembrou dois fatos recentes.

        O primeiro é sobre o Serafín (70) e a Shirley (69), um casal de idosos casados há 40 anos. Em maio eles partem para uma viagem de volta ao mundo. De moto! Numa Honda CG 160 Titan — o único bem material dos dois.

        Eles entenderam qual o verdadeiro patrimônio em nossa passagem por esta vida e o porquê ela vale a pena ser vivida. Quando escrevi aquele artigo, o Serafín me contou que eles finalmente compreenderam que o que realmente vale é o ser — e não o ter. E que, por sinal, isso é a única coisa que levamos para o outro lado junto com as nossas escolhas. Todo o resto fica aqui. Por mais que, na teoria, saibamos disso desde muito jovens, é apenas “quando a água bate na bunda” que entendemos o sentido real por trás de frases clichês que circulam por aí.

        Já o segundo fato tem a ver com algo que comprei. Recentemente adquiri um Kindle, o leitor digital da Amazon. O interessante nisso é que uma compra feita por impulso (sou um ser humano, afinal de contas), fez com que eu deixasse de amar meus livros físicos — ou 90% deles. Ao olhar minha estante repleta de volumes empoeirados, pensei comigo mesmo: “isso é útil?”. Não. Eu não preciso mais deles. Já posso me desapegar. Percebem como a compra de um item gerou o desapego de uma centena de outros?

         Fonte: https://www.linkedin.com/pulse/minimalismo-um-texto-sobre-coisas-importantes-da-vida-de-souza.

Entendendo o texto:

01 – Qual é o título do documentário mencionado no texto?

      O título do documentário é "Minimalism: A Documentary About the Important Things".

02 – Quem são os protagonistas do documentário?

      Os protagonistas do documentário são Joshua Millburn e Ryan Nicodemus, conhecidos como Os Minimalistas.

03 – O que é o minimalismo, de acordo com o texto?

      O minimalismo é um estilo de vida que envolve reduzir a quantidade de pertences para se concentrar apenas naquilo que realmente agrega valor à vida.

04 – O que motivou Joshua a adotar o minimalismo?

      Joshua adotou o minimalismo após a morte de sua mãe e o divórcio, quando percebeu que a maioria de suas posses materiais não contribuía para sua felicidade.

05 – Por que Ryan decidiu se tornar um minimalista?

      Ryan se tornou um minimalista após notar a mudança positiva na vida de Joshua e o alívio que ele experimentou ao se livrar de suas posses.

06 – Qual é a ideia central do minimalismo, de acordo com os protagonistas do documentário?

      A ideia central do minimalismo é eliminar o excesso de coisas na vida para reduzir o estresse e focar no que realmente importa.

07 – Quais são os benefícios do minimalismo, conforme mencionados no texto?

      Os benefícios do minimalismo incluem menos estresse, mais tempo, relacionamentos significativos, crescimento pessoal e contentamento.

08 – Como o autor do texto relaciona o minimalismo à sua própria vida?

      O autor do texto relata que, ao adotar o minimalismo e abandonar um estilo de vida consumista, ele se tornou menos ansioso e mais feliz.

09 – Qual é a pergunta-chave associada ao minimalismo, mencionada no texto?

      A pergunta-chave associada ao minimalismo é "Isso é útil?" para avaliar se as coisas que possuímos realmente acrescentam valor à nossa vida.

10 – Qual é a mensagem final do texto em relação ao minimalismo?

      A mensagem final é que o minimalismo não exige que as pessoas se livrem de todas as suas posses, mas sim que questionem por que possuem as coisas e se elas são verdadeiramente necessárias. É um convite à reflexão sobre o que realmente importa na vida.

 

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

TEXTO: TRÊS GÊNIOS DE SECRETÁRIA - LIMA BARRETO - COM GABARITO

 Texto: Três Gênios de Secretária

           Lima Barreto

        O meu amigo Augusto Machado, de quem acabo de publicar uma pequena brochura aliteratada — Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá — mandou-me algumas notas herdadas por ele desse seu amigo, que, como se sabe, foi oficial da Secretaria dos Cultos. Coordenadas por mim, sem nada pôr de meu, eu as dou aqui, para a meditação dos leitores:

Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhC-DB_jTUWb3TBXNUEkWdRnjfem8KimbDuowdqCujIFdMZlu86pbRQvFBK0UgMhVMRmE7YgO_A9RXDXO3JcYiRNbtqwgvuorD-d3TVud6FKI1TYJgyBBVz8w90wRaWVJ6IO0cC6-QwOPFr0-v_whEQFs3Bo7CUqVwTL1KFaAz7BThDJDN84XKum_uqsUA/s320/BRAS.jpg


        "Estas minhas memórias que há dias tento começar, são deveras difíceis de executar, pois se imaginarem que a minha secretaria é de pequeno pessoal e pouco nela se passa de notável, bem avaliarão em que apuros me encontro para dar volume às minhas recordações de velho funcionário. Entretanto, sem recorrer a dificuldade, mas ladeando-a, irei sem preocupar-me com datas nem tampouco me incomodando com a ordem das cousas e fatos, narrando o que me acudir de importante, à proporção de escrevê-las. Ponho-me à obra.

        Logo no primeiro dia em que funcionei na secretaria, senti bem que todos nós nascemos para empregado público. Foi a reflexão que fiz, ao me Julgar tão em mim, quando, após a posse e o compromisso ou juramento, sentei-me perfeitamente à vontade na mesa que me determinaram. Nada houve que fosse surpresa, nem tive o mínimo acanhamento. Eu tinha vinte e um para vinte e dois anos; e nela me abanquei como se de há muito já o fizesse. Tão depressa foi a minha adaptação que me julguei nascido para ofício de auxiliar o Estado, com a minha reduzida gramática e o meu péssimo cursivo, na sua missão de regular a marcha e a atividade da nação.

        Com familiaridade e convicção, manuseava os livros – grandes montões de papel espesso e capas de couro, que estavam destinados a durar tanto quanto as pirâmides do Egito. Eu sentia muito menos aquele registro de decretos e portarias e eles pareciam olhar-me respeitosamente e pedir-me sempre a carícia das minhas mãos e a doce violência da minha escrita.

        Puseram-me também a copiar ofícios e a minha letra tão má e o meu desleixo tão meu, muito papel fizeram-me gastar, sem que isso redundasse em grande perturbação no desenrolar das cousas governamentais.

        Mas, como dizia, todos nós nascemos para funcionário publico. Aquela placidez do ofício, sem atritos, nem desconjuntamentos violentos; aquele deslizar macio durante cinco horas por dia; aquela mediania de posição e fortuna, garantindo inabalavelmente uma vida medíocre – tudo isso vai muito bem com as nossas vistas e os nossos temperamentos. Os dias no emprego do Estado nada têm de imprevisto, não pedem qualquer espécie de esforço a mais, para viver o dia seguinte. Tudo corre calma e suavemente, sem colisões, nem sobressaltos, escrevendo-se os mesmos papéis e avisos, os mesmos decretos e portarias, da mesma maneira, durante todo o ano, exceto os dias feriados, santificados e os de ponto facultativo, invenção das melhores da nossa República.

        De resto, tudo nele é sossego e quietude. O corpo fica em cômodo jeito; o espírito aquieta-se, não tem efervescência nem angústias; as praxes estão fixas e as fórmulas já sabidas. Pensei até em casar, não só para ter uns bate-bocas com a mulher mas, também, para ficar mais burro, ter preocupações de "pistolões", para ser promovido. Não o fiz; e agora, já que não digo a ente humano, mas ao discreto papel, posso confessar porque. Casar-me no meu nível social, seria abusar-me com a mulher, pela sua falta de instrução e cultura intelectual; casar-me acima, seria fazer-me lacaio dos figurões, para darem-me cargos, propinas, gratificações, que satisfizessem às exigências da esposa. Não queria uma nem outra cousa. Houve uma ocasião em que tentei solver a dificuldade, casando-me. ou cousa que o valha, abaixo da minha situação. É a tal história da criada... Aí foram a minha dignidade pessoal e o meu cavalheirismo que me impediram.

        Não podia, nem devia ocultar a ninguém e de nenhuma forma, a mulher com quem eu dormia e era mãe dos meus filhos. Eu ia citar Santo Agostinho, mas deixo de fazê-lo para continuar a minha narração...

        Quando, de manhã, novo ou velho no emprego, a gente se senta na sua mesa oficial, não há novidade de espécie alguma e, já da pena, escreve devagarinho: "Tenho a honra", etc., etc.; ou, republicanamente, "Declaro-vos. Para os fins convenientes", etc.

        Se há mudança, é pequena e o começo é já bem sabido: "Tenho em vistas"... – ou "Na forma do disposto"...

        Às vezes o papel oficial fica semelhante a um estranho mosaico de fórmulas e chapas; e são os mais difíceis, nos quais o doutor Xisto Rodrigues brilhava como mestre inigualável.

        O doutor Xisto já é conhecido dos senhores, mas não é dos outros gênios da Secretaria dos Cultos. Xisto é estilo antigo. Entrou honestamente, fazendo um concurso decente e sem padrinhos. Apesar da sua pulhice bacharelesca e a sua limitação intelectual, merece respeito pela honestidade que põe em todos os atos de sua vida, mesmo como funcionário. Sai à hora regulamentar e entra à hora regulamentar. Não bajula. Nem recebe gratificações.

        Os dois outros, porém, são mais modernizados. Um é "charadista", o homem que o diretor. consulta, que dá as informações confidenciais, para o presidente e o ministro promoverem os amanuenses. Este ninguém sabe como entrou para a secretaria; mas logo ganhou a confiança de todos, de todos se fez amigo e, em pouco, subiu três passos na hierarquia e arranjou quatro gratificações mensais ou extraordinárias. Não é má pessoa, ninguém se pode aborrecer com ele: é uma criação do ofício que só amofina os outros, assim mesmo sem nada estes saberem ao certo, quando se trata de promoções.

        Há casos muito interessantes; mas deixo as proezas dessa inferência burocrática, em que o seu amor primitivo a charadas, ao logogrifo e aos enigmas pitorescos pôs lhe sempre na alma uma caligem de mistério e uma necessidade de impor aos outros adivinhação sobre ele mesmo. Deixo-a, dizia, para tratar do "auxiliar de gabinete". É este a figura mais curiosa do funcionalismo moderno. É sempre doutor em qualquer cousa; pode ser mesmo engenheiro hidráulico ou eletricista. Veio de qualquer parte do Brasil, da Bahia ou de Santa Catarina, estudou no Rio qualquer cousa; mas não veio estudar, veio arranjar um emprego seguro que o levasse maciamente para o fundo da terra. donde deveria ter saído em planta, em animal e, se fosse possível, em mineral qualquer. É inútil, vadio, mau e pedante, ou antes, pernóstico.

        Instalado no Rio, com fumaças de estudante, sonhou logo arranjar um casamento, não para conseguir uma mulher, mas, para arranjar um sogro influente, que o empregasse em qualquer cousa, solidamente. Quem como ele faz de sua vida, tão-somente caminho para o cemitério, não quer muito: um lugar em uma secretaria qualquer serve. Há os que veem mais alto e se servem do mesmo meio; mas são a quintessência da espécie.

        Na Secretaria dos Cultos, o seu típico e célebre "auxiliar de gabinete", arranjou o sogro dos seus sonhos, num antigo professor do seminário, pessoa muito relacionada com padres, frades, sacristãos, irmãs de caridade, doutores em cânones, definidores, fabriqueiros, fornecedores e mais pessoal eclesiástico.

        O sogro ideal, o antigo professor, ensinava no seminário uma física muito própria aos fins do estabelecimento, mas que havia de horripilar o mais medíocre aluno de qualquer estabelecimento leigo.

        Tinha ele uma filha a casar e o "auxiliar de gabinete", logo viu no seu casamento com ela, o mais fácil caminho para arranjar uma barrigazinha estufadinha e uma bengala com castão de ouro.

        Houve exame na Secretaria dos Cultos, e o "sogro", sem escrúpulo algum, fez-se nomear examinador do concurso para o provimento do lugar e meter nele "o noivo".

        Que se havia de fazer? O rapaz precisava.

        O rapaz foi posto em primeiro lugar, nomeado e o velho sogro (já o era de fato) arranjou-lhe o lugar de "auxiliar de gabinete" do ministro. Nunca mais saiu dele e, certa vez, quando foi, pro formula se despedir do novo ministro, chegou a levantar o reposteiro para sair; mas, nisto, o ministro bateu na testa e gritou:

        — Quem é aí o doutor Mata-Borrão?

        O homenzinho voltou-se e respondeu, com algum tremor na voz e esperança nos olhos:

        — Sou eu, excelência.

        — O senhor fica. O seu "sogro" já me disse que o senhor precisa muito.

        É ele assim, no gabinete, entre os poderosos; mas, quando fala a seus iguais, é de uma prosápia de Napoleão, de quem se não conhecesse a Josefina.

        A todos em que ele vê um concorrente, traiçoeiramente desacredita: é bêbedo, joga, abandona a mulher, não sabe escrever "comissão", etc. Adquiriu títulos literários, publicando a Relação dos Padroeiros das Principais Cidades do Brasil; e sua mulher quando fala nele, não se esquece de dizer: "Como Rui Barbosa, o Chico..." ou "Como Machado de Assis, meu marido só bebe água."

        Gênio doméstico e burocrático, Mata-Borrão, não chegará, apesar da sua maledicência interesseira, a entrar nem no inferno. A vida não é unicamente um caminho para o cemitério; é mais alguma cousa e quem a enche assim, nem Belzebu o aceita. Seria desmoralizar o seu império; mas a burocracia quer desses amorfos, pois ela é das criações sociais aquela que mais atrozmente tende a anular a alma, a inteligência, e os influxos naturais e físicos ao indivíduo. É um expressivo documento de seleção inversa que caracteriza toda a nossa sociedade burguesa, permitindo no seu campo especial, com a anulação dos melhores da inteligência, de saber, de caráter e criação, o triunfo inexplicável de um Mata-Borrão por aí".

        Pela cópia, conforme.

Brás Cubas, Rio, 10-4-1919.

Entendendo o texto:

01 – Quem é o autor do texto?

      O autor do texto é Lima Barreto.

02 – O que o autor descreveu sobre sua experiência ao ingressar na Secretaria dos Cultos?

      O autor descreveu que se sentiu naturalmente à vontade e adaptado ao seu papel de funcionário público ao ingressar na Secretaria dos Cultos.

03 – Qual é a opinião do autor sobre a vida de funcionário público?

      O autor tem uma visão positiva da vida de funcionário público, descrevendo-a como calma, suave e sem sobressaltos, adequada às suas inclinações pessoais.

04 – Quais são os três personagens destacados na Secretaria dos Cultos?

      Os três personagens destacados na Secretaria dos Cultos são: Doutor Xisto Rodrigues, o "charadista" e o "auxiliar de gabinete".

05 – Como o autor descreve o Doutor Xisto Rodrigues?

      O autor descreve o Doutor Xisto Rodrigues como um funcionário honesto, que não faz bajulações nem recebe gratificações.

06 – Qual é a característica principal do "auxiliar de gabinete" na Secretaria dos Cultos?

      O "auxiliar de gabinete" é descrito como alguém que veio de fora do Rio, arranjou um casamento para obter um sogro influente, e busca um emprego seguro no governo.

07 – Como o "auxiliar de gabinete" conseguiu o emprego na Secretaria dos Cultos?

      O "auxiliar de gabinete" conseguiu o emprego na Secretaria dos Cultos através do seu sogro, que era examinador do concurso e o nomeou para o cargo.

08 – Qual é a atitude do "auxiliar de gabinete" em relação aos seus concorrentes?

      O "auxiliar de gabinete" desacredita traiçoeiramente seus concorrentes, espalhando informações negativas sobre eles.

09 – Como o autor descreve a burocracia?

      O autor descreve a burocracia como uma instituição que tende a anular a inteligência, o caráter e os influxos naturais e físicos do indivíduo, criando uma seleção inversa.

10 – O que o autor critica em relação à sociedade burguesa no texto?

      O autor critica a seleção inversa que ocorre na sociedade burguesa, permitindo o triunfo de indivíduos como o "auxiliar de gabinete" em detrimento dos mais talentosos em inteligência, saber e caráter.

 

TEXTO: CÓDIGO DE MENORES X ECA - MUDANÇAS DE PARADÍGMAS - COM GABARITO

 Texto: Código de Menores x ECA

           Mudanças de Paradigmas – 02 de dezembro de 2016

        Lembrando o início da década de 90, veremos um período em que as organizações sociais, o MNMMR e vários profissionais engajados na luta pelos direitos da criança, comemorarem conquistas. A inclusão desses direitos na Constituição Federal Brasileira (1988) e a promulgação do ECA (1990). Quem pôde presenciar (mesmo que em filme, como eu) a participação de crianças e adolescentes num voto simbólico que ocorreu na Câmara Federal, dizendo sim ao ECA, sabe o quanto essa experiência foi gratificante.

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjE1-Rw9Xmh8_V6DyMww4UcR9-f-EfLOLFULSEHGdN6sB1h6wFH5ECNWoRt7UdRZDw14G7UhGkCfxnLfeEfv4cd1bPz1I7eZAtYW2xJf3kye-VkXTAxX1jfswUaBzlTu_39K_Py3sv13NAS7cBqEeSW_jur-RjuycwI6dCsbbGN5YV-8kjmBMTQGPFUZ-A/s1600/ECA.jpg


        Já refletindo sobre as mudanças entre o Código de Menores e o ECA, podemos afirmar que o ECA foi elaborado com a participação dos movimentos sociais. O caráter participativo deste processo é uma primeira e importante diferença. O protagonismo da sociedade se impõe pela expressão de seus interesses. É a democracia, também recentemente conquistada, se revelando pela prática da participação popular. É a proposição de nova ordem jurídica a partir da proposta de mudança de mentalidade da sociedade em relação às suas crianças e adolescentes.

        Uma segunda mudança que merece destaque é o caráter universal dos direitos conferidos. Reside no reconhecimento legal do direito de todas as crianças e adolescentes à cidadania independentemente da classe social (Pino, 1990). Enquanto o antigo CM destinava-se somente àqueles em “situação irregular” ou inadaptados, a nova Lei diz que TODAS as crianças e adolescentes são sujeitos de direitos. Eis, no meu ponto de vista, uma mudança de paradigma.

        No Código, havia um caráter discriminatório, que associava a pobreza à “delinquência”, encobrindo as reais causas das dificuldades vividas por esse público, a enorme desigualdade de renda e a falta de alternativas de vida. Essa inferiorização das classes populares continha a ideia de norma, à qual todos deveriam se enquadrar. Como se os mais pobres tivessem um comportamento desviante e uma certa “tendência natural à desordem”. Portanto, inaptos a conviver em sociedade. Natural que fossem condenados à segregação. Os meninos que pertenciam a esse segmento da população, considerados “carentes, infratores ou abandonados” eram, na verdade, vítimas da falta de proteção. Mas, a norma lhes impunha vigilância.

        Além disso, o antigo Código funcionava como instrumento de controle, transferindo para o Estado a tutela dos “menores inadaptados” e assim, justificava a ação dos aparelhos repressivos. Ao contrário, o ECA serve como instrumento de exigibilidade de direitos àqueles que estão vulnerabilizados pela sua violação.

        O reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, e não mais como simples portadores de carências (Costa,1990), despersonaliza o fenômeno, e principalmente, responsabiliza toda sociedade pela criação das condições necessárias ao cumprimento do novo direito.

        Isso não significa negar a relação de dependência das crianças aos adultos e nem a responsabilidade que os últimos têm quanto ao desenvolvimento dos primeiros. Contudo, significa impedir a ocorrência daquilo que, nesta relação, traz a marca do autoritarismo, da violência e do sofrimento (Teixeira, 1991). Ao assumir que a criança e o adolescente são “pessoas em desenvolvimento”, a nova Lei deixa de responsabilizar algumas crianças pela irresponsabilidade dos adultos. Agora, são TODOS os adultos que devem assumir a responsabilidade pelos seus atos em relação às TODAS as crianças e aos adolescentes.

        A mudança na referência nominal também contém uma diferença de paradigma. A expressão “menor” é substituída por “criança ou adolescente” para negar o conceito de incapacidade na infância. O conceito de infância ligado à expressão “menoridade” contém em si a ideia de não ter. Ser “menor” significa não ter dezoito anos e, portanto, não ter capacidades, não ter atingido um estágio de plenitude e não ter, inclusive, direitos (Volpi, 2000). O paradigma evolucionista aqui revelado, fundamentava a teoria de desenvolvimento infantil desenvolvida a partir das competências específicas dos adultos.

        Com a formulação do ECA, inicia-se um debate para compreender as competências e capacidades da população infanto-juvenil. O paradigma muda, os menores passam a ser denominados crianças e adolescentes em situação peculiar de desenvolvimento. As crianças e adolescentes passam a ser vistos pelo seu presente, pelas possibilidades que têm nessa idade e não pelo futuro, pela esperança do que virão a ser. Isto significa trazer à tona a positividade do conceito de infância, que é marcada pela PROVISORIEDADE E SINGULARIDADE. Uma constante metamorfose. Um ser que é processual.

        Insisto na ideia da SINGULARIDADE vivida pelas crianças e adolescentes. São seres sócio-históricos que não apenas reagem às determinações sociais, mas são também SUJEITOS de ações. Participam de um momento histórico em que criam e transformam sua existência, a partir de suas experiências cotidianas, que são vividas de forma singular.

        Neste sentido, o que define a adolescência não é uma crise inerente à uma idade. Nem uma essência biológica universal. É um conjunto de características, que inscreve uma qualidade de pensamento que é diferente na infância e na idade considerada adulta. Uma qualidade de pensamento que possibilita a reflexão sobre os significados e sentidos de seus interesses.

        Ressalto com isso, que a adolescência não pode ser considerada como uma fase propícia à transgressão. A atuação do adolescente depende das relações que ele vive e das que ele conhece no meio social. Ele atribui SENTIDOS a estas vivências e estes vão servir como parâmetros para suas futuras relações. Sabemos que quanto mais amplo e diversificado for o universo cultural do indivíduo, maior a possibilidade de seu desenvolvimento, conhecimento do mundo, de seus próprios interesses e de sua capacidade de criação.

        Não podemos encarar as crises vividas na adolescência como patológicas e nem criar um modelo único de adolescência. Algumas concepções de adolescência negam os aspectos culturais e políticos. Descontextualizam a adolescência, criando estereótipos que impedem a compreensão mais ampla deste fenômeno. Aí veremos as crises como desarranjos, já que a harmonia é “pressuposto natural” (Vygotsky, 1998). O desenvolvimento de um indivíduo não é movido pela harmonia, mas pelas contradições, pelos confrontos. Essas contradições são próprias do desenvolvimento humano em qualquer momento da vida, não se limitam à adolescência. Esta forma de compreensão deve afastar a ideia de transgressão ligada à adolescência. Se pensarmos a adolescência como fenômeno psicossocial, não devemos considerá-los como potenciais agressores. A forma como a adolescência será vivida por cada indivíduo vai depender das condições dadas para seu desenvolvimento. Vai depender do respeito ao seu direito de sobreviver, da garantia de sua integridade física, psicológica e moral.

        Neste ponto, o ECA propõe um reordenamento institucional. Rompe com práticas fundadas na filantropia ou caridade (Pino, 1990) e institui uma nova ordem onde os direitos das crianças geram responsabilidades para a família, para o Estado e para a sociedade. Responsabilidades pela criação e implementação das políticas sociais relativas a esses direitos.

        Neste campo, o Estatuto introduz um elemento novo que é a constituição de Conselhos de direitos e dos tutelares. Elementos fundamentais para as novas políticas de atendimento, os conselhos também são espaços de participação da sociedade organizada. Governo e sociedade, juntos, assumem responsabilidade pela formulação e controle das ações relativas aos direitos da Criança e do Adolescente.

        Apesar das importantes mudanças de paradigma, sabemos que, olhando para a prática, o saldo destes 12 anos não é muito positivo. Sejamos mais claros/as: o ECA não foi implementado. É fato que algumas políticas públicas passaram por reformulações, mas, infelizmente, nem todos atendem às concepções expressas na legislação vigente.

        Destacamos aqui, o atendimento aos adolescentes autores de ato infracional. O próprio Ministério da Justiça fez, em 1997, um levantamento nacional do atendimento às medidas sócio educativas que mostrava a não implementação do ECA (Apud, Teixeira, 2002).

        No caso da privação de liberdade aqui em São Paulo, o problema está na persistência de uma prática repressiva e no descumprimento das garantias e prerrogativas legais. Estamos há doze anos transcorridos da promulgação do ECA e ainda não foram realizadas, na Febem Paulista, as necessárias adequações à nova legislação. Num rápido panorama deste quadro, vemos a omissão das autoridades responsáveis e a “preferência” pela aplicação de medidas de privação de liberdade nos casos em que caberiam medidas sócio educativas em meio aberto . Também é fato que os adolescentes autores de ato infracional que estão privados de liberdade, vivem esta situação sob a lógica da “Tranca e couro”, quer dizer, estão sendo TORTURADOS cotidianamente.

        As inúmeras rebeliões são um duro emblema da negligência aos direitos conquistados com a nova legislação, dita aliás, pelos próprios adolescentes que encontram-se encarcerados. No último sábado (13/07/02), assistimos a mais uma: Franco da Rocha com a entrada da Tropa de Choque para contê-la.

        A desumanidade e crueldade vão desnudando variadas formas e métodos de humilhação e agressão. A imagem vinda do relato de adolescentes que apanham com ferros/tacos que trazem inscritas as palavras Direitos Humanos e ECA, entre outras, é o próprio retrato/desenho esculpido do reverso da lei.

        Vemos ainda, projetos retrógrados de propostas de redução da idade de imputabilidade penal, além do discurso de pessoas que acreditam ainda que o ECA serve apenas para encobrir atos delituosos de adolescentes, protegê-los, retirando-lhes a responsabilidade. Aqui temos também um outro problema, o da mudança de mentalidade, tarefa esta que depende também de um processo histórico e da vontade política de educadores e profissionais na discussão do ECA.

        Mas como nos mostra Chauí (1994):

        “Se nascemos numa sociedade que nos ensina certos valores morais -justiça, igualdade, veracidade, generosidade, coragem, amizade, direito à felicidade – e, no entanto, impede a concretização deles porque está organizada e estruturada de modo a impedi-los, o reconhecimento da contradição entre o ideal e a realidade é o primeiro momento da liberdade e da vida ética como recusa da violência. O segundo momento é a busca de brechas pelas quais possa passar o possível, isto é, uma outra sociedade, que concretize no real aquilo que a nossa propõe no ideal…O terceiro momento é o da nossa decisão de agir e da escolha dos meios para a ação. O último momento da liberdade é a realização da ação para transformar um possível num real, uma possibilidade numa realidade” (Chauí, p.365).

        E essas últimas tarefas, se fazem, para nós, muito urgentes… não temos mais tempo a perder.

       É preciso comemorar os doze anos do ECA, com a certeza, de que, se ainda não conseguimos implementá-lo, buscamos caminhos. É preciso ousar sonhar e ousar transformar. É necessário uma maior e melhor organização de todos os setores da sociedade com a força e felicidade humanas, compartilhando a ideia de que a diferença e o outro são importantes para o desenvolvimento de cada um de nós…A lei já nos fortalece…

Referências bibliográficas

COSTA, A. C.  G. da, O novo direito da infância e da juventude do Brasil: 10 anos do EFA – Avaliando conquistas e projetando metas. Cad.1- Unicef, 1990.

PINO, A. Direitos e realidade social da criança no Brasil. A propósito do “Estatuto da Criança e do Adolescente”. Revista Educação & Sociedade, ano XI, n.36, p.61-79, ago., 1990.

TEIXIEIRA, M.L.T. O estudo da criança e do adolescente   e a questão do delito.  Cadernos Populares/n.3, Sitraemfa, 1991.

TEIXIEIRA, M.L.T. Adolescência – violência: uma ferida de nosso tempo. São Paulo, 2002. . Tese (Doutorado). Serviço Social, PUC/SP.

VOLPI, M. (UNICEF) I Encontro Estadual de Educação Social na rua. São Paulo, jul,2000 (Palestra).

VYGOTSKY, L. S. Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 5ªed., 1998.

Ana Silvia Ariza de Souza é psicóloga e mestre em Psicologia Social pela PUC-SP

Publicado em 20/04/2004

Entendendo o texto:

01 – Quando ocorreu a promulgação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente)?

      O ECA foi promulgado em 1990.

02 – Qual é a primeira diferença mencionada no texto entre o Código de Menores e o ECA?

      A primeira diferença destacada é o caráter participativo do processo de elaboração do ECA, com a participação dos movimentos sociais.

03 – O que o antigo Código de Menores associava à pobreza?

      O antigo Código de Menores associava a pobreza à "delinquência".

04 – Qual é a mudança de paradigma mencionada no texto em relação à infância?

      A mudança de paradigma envolve o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, não mais como simples portadores de carências.

05 – Como o ECA se relaciona com a responsabilidade em relação às crianças e adolescentes?

      O ECA torna todos os adultos responsáveis por seus atos em relação a todas as crianças e adolescentes.

06 – Qual é a mudança na referência nominal destacada no texto?

      A expressão "menor" foi substituída por "criança ou adolescente" para negar o conceito de incapacidade na infância.

07 – Como o ECA vê a adolescência em comparação com o Código de Menores?

      O ECA vê a adolescência como uma fase de singularidade e possibilidades no presente, não como uma fase propícia à transgressão.

08 – Que elementos institucionais o ECA introduz para promover os direitos das crianças?

      O ECA introduz a constituição de Conselhos de direitos e dos tutelares como elementos fundamentais para as novas políticas de atendimento.

09 – Como o texto descreve a implementação do ECA na prática?

      O texto afirma que, na prática, o ECA não foi totalmente implementado, especialmente no que diz respeito ao atendimento aos adolescentes autores de ato infracional.

10 – Quais são os desafios mencionados no texto em relação ao ECA?

      Os desafios incluem a necessidade de mudar a mentalidade, garantir o respeito aos direitos das crianças e adolescentes, e superar a persistência de práticas repressivas e desumanas, especialmente na privação de liberdade.

quinta-feira, 12 de outubro de 2023

TEXTO: SAUDADE DE ESCREVER - JULIANA TOURRUCCO - COM GABARITO

 Texto: Saudade de escrever

           Juliana Tourrucco

        Apesar da concorrência (internet, celular), a carta continua firme e forte. Basta uma folha de papel, selo, caneta e envelope para que uma pessoa do Rio Grande do Norte, por exemplo, fique por dentro das fofocas registradas por um amigo em São Paulo, dois dias depois. “Adoro receber cartas, fico super ansiosa para descobrir o que está escrito”, conta Lívia Maria, de 9 anos. Mas ela admite que faz tempo que não escreve nenhuma cartinha. “As últimas foram para a Angélica e para um dos programas do Gugu.”

 Fonte:https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjl63E3o9uawwJ5vVfSf3MxdT8cdBgN8M-wug86g4tAsAZus3PjIZe0XuIQSMFq3MRLj1sTMYwmshncyq5fIa8y3-05ncpfwZ8LafSFDGrDTfWAQjpaZLONVkpxQ4WM1b_vmlbq69Zj6ESUChhrD_vryczdXZt-6QbfkzpcmPLt-i7IESimPG8bXp9EZmU/s1600/CARTA.jpg



        Isabela, de 9 anos, lembra que, quando morava em Curitiba, no Paraná, trocava correspondência com sua amiga Raquel, que vive em Belo Horizonte, Minas Gerais.  “Eu ficava sabendo das novidades e não gastava dinheiro com telefonemas.”

        Já Amanda, de 10 anos, também gosta de receber cartinhas, mas prefere enviar e-mails. “Atualmente estou conversando com meu primo que está nos Estados Unidos via computador, já que a mensagem chega mais rápido e não pago interurbano.”

TOURRUCCO, Juliana. Saudade de escrever. O Estado de São Paulo, p.5, 25 jul.1998. Suplemento infantil. 

Entendendo o texto:

01 – Analise a alternativa correta:

a)   O título “Saudade de escrever”, indica que as cartas:

(X) Vêm sendo substituídas por outras formas de comunicação;

(   ) Continuam sendo tão usadas como antigamente;

(   ) Jamais deixarão de ser utilizadas na comunicação cotidiana;

(   ) Tem sido mais utilizadas do que anos atrás.

b)   Podemos entender, a partir das pistas que o texto nos dá, qual (is) são verdadeira(s) e qual (is) são falsa(s):

(V) As crianças geralmente gostam de receber cartas e ficam ansiosas para descobrir o que elas trazem escrito;

(V) Apesar da concorrência de outras formas de comunicação, as cartas continuam sendo usadas, porém, menos do que antes;

(V) Embora algumas crianças gostem de receber cartas, preferem enviar e-mails aos amigos;

(V) Por meio de uma carta, pessoas que moram distantes umas das outras ficam por dentro até de fofocas.

02 – Para que servem as cartas, além de serem usadas por algumas pessoas para ficarem por dentro das fofocas?

      As cartas servem para manter o contato e compartilhar notícias entre amigos e pessoas que moram distante.

03 – Ao seu ver, por que faz tempo que a garota Lívia Maria não escreve nenhuma cartinha?

      Resposta pessoal do aluno.

04 – Segundo o texto, em quantos dias uma pessoa do Rio Grande do Norte fica sabendo das fofocas contadas na carta enviada por um amigo de São Paulo? Você considera que esses dias constituem pouco ou muito tempo? Por quê?

      Em dois dias. Resposta pessoal do aluno.

05 – Qual é o tema central abordado no texto "Saudade de escrever" de Juliana Tourrucco?

      O texto aborda a temática da saudade de escrever, sugerindo que a autora sente falta da prática da escrita.