Texto: Homenagem
à Língua Portuguesa
Eduardo Affonso
Volta e meia alguém olha atravessado
quando escrevo “leiaute”, “becape” ou “apigreide” – possivelmente uma pessoa
que não se avexa de escrever “futebol”, “nocaute” e “sanduíche”.
Fonte: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj3LPZ4yaKbxi61Y4Zbu_rdkr0lGCTjTexCyGBF44b2wEmzEV-wkGDCrWvKLnm5YROr5KeclO8vJVpens404gdh9nz18N1spnMKdrDOlZCdzLDhZ6BnQTmVfKcDcJJshAJjT9jM5KbFbeIGHwdH4LcwqXNCCo1IMBT7lLkx9Yg5wwk5fKbJwkhrcRGFxBY/s320/LINGUA.jpg
Deve se achar um craque no idioma, me
esnobando sem saber que “craque” se escrevia “crack” no tempo em que “gol” era
“goal”, “beque” era “back” e “pênalti” era “penalty”. E possivelmente ignorando
que esnobar venha de “snob”.
Quem é contra a invasão das palavras
estrangeiras (ou do seu aportuguesamento) parece desconsiderar que todas as
línguas do mundo se tocam, e que falar seja um enorme beijo planetário.
As palavras saltam de uma língua para
outra, gotículas de saliva circulando em beijos mais ou menos ardentes,
dependendo da afinidade entre os falantes. E o português é uma língua que beija
bem.
Quando falamos “azul”, estamos falando
árabe. E quando folheamos um almanaque, procuramos um alfaiate, subimos uma alvenaria,
colocamos um fio de azeite, espetamos um alfinete na almofada, anotamos um
algarismo.
Falamos francês quando vamos ao balé
usando um paletó marrom, quando fazemos um croqui ou uma maquete com vidro
fumê; quando comemos uma omelete ou pedimos na boate um champanhe ao garçom;
quando nos sentamos no bidê, viajamos na maionese, ou quando um sutiã (sob o
edredom) provoca uma gafe – ou um frisson.
Falamos tupi ao pedir um açaí, um suco
de abacaxi ou de pitanga; quando vemos um urubu ou um sabiá, ficamos de tocaia,
votamos no Tiririca, botamos o braço na tipoia, armamos um sururu, comemos
mandioca (ou aipim), regamos uma samambaia, deixamos a peteca cair. Quando
comemos moqueca capixaba, tocamos cuíca, cantamos a Garota de Ipanema.
Dá pra imaginar a Bahia sem a capoeira,
o acarajé, o dendê, o vatapá, o axé, o afoxé, os orixás, o agogô, os atabaques,
os abadás, os babalorixás, as mandingas, os balangandãs? Tudo isso veio no
coração dos infames “navios negreiros”.
As palavras estrangeiras sempre
entraram sem pedir licença, feito um tsunami. E muitas vezes nos pegando de
surpresa, como numa blitz.
Posso estar falando grego, e estou
mesmo. Sou ateu, apoio a eutanásia, gosto de metáforas, adoro bibliotecas,
detesto conversar ao telefone, já passei por várias cirurgias. E não consigo
imaginar que palavras usaríamos para a pizza, a lasanha, o risoto, se a máfia
da língua italiana não tivesse contrabandeado esse vocabulário junto com a sua
culinária.
Há, claro, os exageros. Ninguém precisa
de um “delivery” se pode fazer uma “entrega”, ou anunciar uma “sale” se se
trata de uma “liquidação”. Pra quê sair pra night de bike, se dava
tranquilamente pra sair pra noite de bicicleta?
Mas a língua portuguesa também se insinua
dentro das bocas falantes de outros idiomas. Os japoneses chamam capitão de
“kapitan”, copo de “koppu”, pão de “pan”, sabão de “shabon”. Tudo culpa nossa.
Como o café, que deixou de ser apenas o grão e a bebida, para ser também o
lugar onde é bebido. E a banana, tão fácil de pronunciar quanto de descascar, e
que por isso foi incorporada tal e qual a um sem-fim de idiomas. E o caju, que
virou “cashew” em inglês (eles nunca iam acertar a pronúncia mesmo).
“Fetish” vem do nosso fetiche, e não o
contrário. “Mandarim”, seja o idioma, seja o funcionário que manda, vem do
portuguesíssimo verbo “mandar”. O americano chama melaço de “molasses”,
mosquito de “mosquito” e piranha, de “piranha” – não chega a ser a conquista da
América, mas é um começo.
Tudo
isso é a propósito do 5 de maio, Dia da Língua Portuguesa, cada vez mais
inculta e nem por isso menos bela. Uma língua viva, vibrante, maleável,
promíscua – vai de boca em boca, bebendo de todas as fontes, lambendo o que vê
pela frente.
Mais de oitocentos anos, e com um tesão
de vinte e poucos.
Fonte: https://www.facebook.com/eduardo22affonso/
Entendendo o texto:
01 – Qual é o autor do texto?
O autor do texto
é Eduardo Affonso.
02 – O que o autor menciona
sobre as palavras estrangeiras na língua portuguesa?
O autor menciona
que as palavras estrangeiras sempre entraram na língua portuguesa sem pedir
licença, assim como um tsunami.
03 – De acordo com o autor, o
que acontece quando as palavras saltam de uma língua para outra?
O autor descreve
esse processo como gotículas de saliva circulando em beijos mais ou menos
ardentes, dependendo da afinidade entre os falantes.
04 – O que o autor destaca
sobre a língua portuguesa no contexto de sua relação com outras línguas?
O autor destaca
que a língua portuguesa é uma língua que "beija bem" no sentido de
absorver palavras de outras línguas e incorporá-las.
05 – Quais são alguns exemplos
de palavras estrangeiras que foram incorporadas à língua portuguesa mencionadas
no texto?
Alguns exemplos
mencionados no texto incluem "delivery", "sale",
"pizza", "risoto", "lasanha", "café",
"banana", e "caju".
06 – Que evento o autor
menciona no texto em relação à língua portuguesa?
O autor menciona
o "5 de maio" como o "Dia da Língua Portuguesa".
07 – Como o autor descreve a
língua portuguesa no texto?
O autor descreve
a língua portuguesa como "uma língua viva, vibrante, maleável,
promíscua", com mais de oitocentos anos de história e com um grande vigor.