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domingo, 8 de setembro de 2019

CARTAS DE AMOR - MOACYR SCLIAR - COM GABARITO

 Cartas de amor
    
        Moacyr Scliar

        Eu era aluno do Júlio de Castilhos e estudava à tarde (as manhãs, naquela época, estavam reservadas às turmas femininas). Um dia cheguei para a aula, coloquei meus livros na carteira e ali estava, bem no fundo, um papel cuidadosamente dobrado. Era uma carta; dirigida não a mim, mas "ao colega da tarde". E era uma carta de amor. De amor não; de paixão. Paixão fogosa, incontida, transbordante, a carta de uma alma sequiosa de afeto. À qual o jovem escritor não teve a menor dificuldade de responder. 
        Iniciou-se assim uma correspondência que se prolongou pelo ano letivo, não se interrompendo nem com as provas, nem com as férias de julho. À medida que o ano ia chegando a seu fim, os arroubos epistolares iam crescendo. Cheguei à conclusão de que precisava conhecer a minha misteriosa correspondente, aquela bela da manhã que me encantava com suas frases. 
        Mas... Seria realmente bela? A julgar pela letra, sim; eu até a imaginava como uma moça esguia, morena, de belos olhos verdes. Contudo, nem mesmo os grandes especialistas em grafologia estão imunes ao erro, e um engano poderia ser trágico. Além disto, eu já tinha uma namorada que não escrevia, mas era igualmente fogosa.
        Optei, portanto, pelo mistério, pelo "nunca te vi, sempre te amei". A minha história de amor continuou somente na fantasia. Que é o melhor lugar para as grandes histórias de amor.

                    Moacyr Scliar. “Cartas de amor”. In: Minha mãe não entende nada. 2. ed. Porto Alegre, L&PM, 1996. p. 85-6.
                                                                   Fonte: Livro- Português – Série – Novo Ensino Médio – Vol. único. Ed. Ática – 2000- p. 10-11.
Entendendo o texto:
01 – De acordo com texto, qual o significado das palavras abaixo:
·        Fogoso: Ardente, caloroso.

·        Incontido: Que não pode ser contido.

·        Sequioso: Desejoso, ávido.

·        Arroubo: Arrebatamento, precipitação.

·        Epistolar: Relativo a epístola, carta.

·        Encantar: Enfeitiçar, seduzir.

·        Esguio: Alto e delgado, magro.

·        Grafologia: Análise da personalidade de um indivíduo por meio da sua escrita.

·        Imune: Isento, livre.

·        Fantasia: Imaginação.

02 – Destaque do primeiro período o verbo e a locução adverbial que indicam a distância temporal do narrador em relação ao fato narrado.
      Era; naquela época.

03 – Que sentimentos, manifestados na carta, faziam com que ela não fosse uma simples carta de amor?
      A carta revelava uma paixão fogosa e incontida, transbordante. Sua autora manifestava um grande desejo de afeto.

04 – Que argumento o jovem utilizou para desistir de tentar conhecer a sua misteriosa correspondente?
      Ela poderia não corresponder à sua fantasia. Além disso, ele já tinha namorada.

05 – Na sua opinião, por que o narrador afirma que a fantasia é o melhor lugar para as grandes histórias de amor?
      Resposta pessoal do aluno.

06 – Na sua opinião, o que é melhor: amar ou estar apaixonado?
      Resposta pessoal do aluno.


domingo, 4 de agosto de 2019

CARTA A UMA SENHORA - CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE - COM GABARITO

Texto: “Carta a uma senhora”
Carlos Drummond de Andrade
A garotinha fez esta redação no ginásio
“Mammy hoje é dia das Mães e eu desejo-lhe milhões de felicidades e tudo mais que a Sra. sabe. Sendo hoje o dia das Mães, data sublime conforme a professora explicou o sacrifício de ser Mãe que a gente não está na idade de entender mas um dia estaremos, resolvi lhe oferecer um presente bem bacaninha e fui ver as vitrinas e li as revistas pensei em dar à Sra. o radiofono Hi-Fi de som estereofônico e caixa acústica de 2 alto-falantes amplificador e transformador mas fiquei na dúvida se não era preferível uma TV legal de cinescópio multirreacionário som frontal antena telescópica embutida, mas o nosso apartamento é um ovo de tico - tico talvez a Sra. adorasse o transistor de 3 faixas de ondas e 4 pilhas de lanterna bem simplesinho, levava para a cozinha e se divertia enquanto faz comida. Mas a Sra. se queixa tanto de barulho e dor de cabeça, desisti desse projeto musical, é uma pena, enfim trata-se de um modesto sacrifício de sua filhinha em intenção da melhor Mãe do Brasil. [...] ."
Carlos Drummond de Andrade. Crônicas 5. 14. ed. São Paulo: Ática, 2002. p.14.
Fonte: Livro - Para Viver Juntos - Português - 9º ano - Ensino Fundamental- Anos Finais - Edições SM - p.77.
Entendendo o texto
1-       De acordo com as informações presentes no texto, em que contexto o texto foi escrito pela menina?
A garotinha fez uma texto para a sua mãe no seu ambiente escola! 

2-       Apesar de o texto ser uma carta para a mãe, provavelmente ela não será a primeira a lê - lo. Quem você supõe que lerá o texto antes dela? Explique.
Já na primeira linha do texto somos informados de que  se trata de uma redação escolar, o que faz supor que o professor lerá a carta antes da mãe.

3- Qual relação é possível estabelecer entre as duas formas que a menina usa para se referir a mãe e o contexto em que o texto foi escrito?
 Como o texto foi escrito na escola, a menina utiliza ora uma linguagem mais formal, o que normalmente é esperado nesse ambiente, ora usa termos comuns em uma linguagem mais afetiva e pessoal, portanto informal.

4- Cite dois trechos ou termos presentes no texto que indiquem níveis de formalidade diferentes. 
Informal = “milhões de felicidade”, “bacaninha”, “simplesinho”, “ovo de tico-tico”, “filhinha”.
Formal = “sendo hoje o dia das mães”, “data sublime”, “modesto sacrifício”, entre outros.

5- A linguagem utilizada no texto está de acordo com a situação de comunicação? Por quê?
A personagem mistura registros das linguagens formal e informal. Mesmo estando em uma situação de sala de aula, como o texto é relativo a uma data comemorativa familiar e tem como interlocutora principal a mãe, essa mistura de registros é adequada ao texto e à situação de comunicação.

6- No começo da carta, a menina usou a palavra Mammy para se referir à sua interlocutora. Que tipo de relação entre a menina e sua mãe o uso dessa palavra indica?
Indica uma relação de proximidade e carinho.

7- Ao longo do texto, a abreviação “Sra.” (senhora) é utilizada quatro vezes pela menina para se dirigir à mãe. O que esse uso sugere?
Apesar de a relação entre mãe e filha parecer próxima, quando a menina escreve a carta estabelece uma nova situação de comunicação, em que o registro escrito parece exigir mais formalidade. Por isso, o uso do tratamento senhora.





quinta-feira, 27 de junho de 2019

CARTAS - CLAVER, RONALD & VIANA, VIVINA DE ASSIS - COM GABARITO

Texto: Cartas
      
      Ana T.

        São Paulo, 28-06-89.

        Ah, Pedro, se eu não andasse triste nos últimos dias, sua carta teria me deixado nas nuvens.
        Li várias vezes, o coração batendo forte. E depois dei um beijo no seu nome, no fim. Acho que você também me beijou.
        Bem de noite, dormi com ela debaixo do travesseiro. Fiquei pensando que isso talvez me ajudasse a sonhar com você. Não aguento mais de vontade de te ver.
        Não te vi. Não sonhei com você de jeito nenhum. Nem de camisa azul. Seria legal, não seria?
        Guardei a carta na mochila e estou andando com ela pra lá e pra cá. Na escola, no ônibus, no supermercado onde fui comprar uns tomates pra minha mãe fazer os sanduíches preferidos do meu irmão. Acabei comprando caquis também. Você sabe por quê.
        Hoje á noite vou tirar a carta da mochila. Outro dia, minha professora de inglês foi assaltada e levaram tudo. Documentos, talões de cheque, dinheiro, agenda, fotos, bilhetes.
        Se levarem sua carta, fico mais triste do que já estou.
        Ando triste por muitos motivos. Nem sei se vou conseguir te falar tudo. Mas o principal você vai entender.
        Perdi um amigo, no último dia 10. Acidente de carro. Óleo na pista, abismo, hospital. Nada que pudesse ser feito.
        Todo mundo gostava dele. Era um cara legal, pra cima. Um cara que fazia bem pra gente. Meio poeta, assim como você. Um dia, sem mais nem menos, ele me disse: “Não há meio das coisas seguirem junto com o homem”.
        Quando ele me disse isso, não dei muita importância, nem entendi direito.
        Agora, depois que ele morreu, essa frase fica diferente, não fica? Parece que ele queria fazer outra coisa. O pior é que eu penso, penso e não adianta nada, porque não tem mais jeito de conversar com ele.
        Outra pessoa que morreu foi a mãe de uma amiga minha. Semana passada, dia 23. Ela morreu no interior, mas a minha amiga vai mandar celebrar uma missa aqui e eu vou. Eu gostava muito da mãe dela e ela também gostava de mim. Vivia dizendo que rezava pra mim um terço que eu tinha levado pra ela, há muito tempo. Agora a minha amiga trouxe o terço de volta, e eu lhe disse: “Fica pra você”.
        E tem também a Nara Leão, que o pessoal mais velho curte muito, não é? Lá em casa, meu pai e minha mãe só admitem tirar o disco de Nara da “radiola” (minha mãe fala assim, você acredita?) se for pra trocar por um do Paulinho da Viola: “as coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender”.
        A Nara morreu dia 7. Três dias antes do meu amigo, que também gostava dela.
        Meu pai disse várias vezes que esse mês de junho tá muito pesado.
        A professora de inglês também. Você sabe que, depois da bolsa, ela ainda ficou sem o relógio e um cordão de ouro? O pior é que foi aí em Belo Horizonte.
        Ela foi visitar uns parentes e roubaram o relógio dela na rua, à noite. Um cara passou correndo e, quando ela viu, o braço estava vazio.
        Poucos dias depois, num sábado de manhã, ela foi fazer compras (na praça Raul Soares, se é que eu entendi o nome direito) e ficou sem o cordão de ouro com um coraçãozinho muito legal, presente do namorado.
        Toma cuidado, viu? Guarda seu relógio e esconde o cordão, se você tiver. Outra coisa: você mora perto dessa praça Raul Soares?
        Eu estava pensando em ir até aí nas férias, mas tô perdendo a coragem. E se sumirem comigo?
        Minha turma vai fazer uma excursão nas cidades históricas, e talvez fosse uma boa, não?
        Preciso conversar em casa, ver se o dinheiro dá, essas coisas.
        Eu queria tanto te conhecer. Começar a trabalhar também. Já pensou que barato ter o próprio dinheiro? Viajar, comprar disco, livro, chicletes, o que te der na cabeça?
        Se eu for aí, como é que eu te encontro? Tenho o seu endereço, é claro, mas acho que me falta coragem de tocar a campainha da sua porta e dizer: “sou a Ana”.
        E se não for você do outro lado? E se perguntarem: “que Ana?” Se eu responder: “Ana Ternura”, fica pior ainda.
        Ninguém acredita que meu nome é de verdade. Quando eu era pequena e ia brincar de faz-de-conta, brincava de Ana T.. Todo mundo achava que eu era de mentira. Quer dizer, que a Ternura era de mentira.
        Ando querendo outras brincadeiras. Sei que sou de verdade, que sonho e que fico triste.
        Sei principalmente que também te amo.
                                                                  Muita ternura de
                                                                          Ana T.
    

        Querida Ana T.

        Faz tempo que não te escrevo. Não tivemos férias. Os professores fizeram greve e agora estamos correndo atrás do prejuízo. Isso é justo? Sei não. Neste Brasil todos saem perdendo. Todos, não. Os que provocam os baixos salários não. Será que estou certo? A única certeza que tenho é que morri de vontade de te ver. Melhor. Te conhecer inteira. Te conheço através da palavra. E palavra não tem corpo. Ou tem? Estou sempre perguntando e nunca respondendo. Sou de natureza inquiridora, daí as dúvidas e dívidas.
        Estou te devendo uma palavra pela morte de seu amigo. Mãe e amigo deveriam ser imortais. Já que são eternos. E o que é a morte? É o fim de tudo? Vou te contar uma história verdadeira: Vovô me levava para ver os aviões. As tardes eram bonitas e os aviões, passarinhos sem gaiolas. Um dia vovô não veio. No outro não apareceu. Passou uma semana. Passaram duas. Mas todas as tardes ia para a esquina esperar vovô e os aviões. Um dia, em vez de vovô, apareceu mamãe, que foi logo falando: “Levo você para ver os aviões, vovô não vem mais. Vovô morreu”. “E por que não me contaram antes?” “Queríamos de poupar”, falou minha mãe chorando. Aí chorei também. Pra me consolar ela disse que vovô hoje é um avião que se esconde atrás da Lua. Até hoje vou à esquina esperando que a Lua traga vovô de volta. Hoje sei que os aviões nunca fugiram da gaiola e que atrás da Lua não há aviões. E seu amigo gostava de aviões? Se gostava deve estar passeando com vovô no outro lado da Lua. Façamos um trato: eu espero vovô e você espera o amigo. Um dia eles aparecem. Esperemos.
        Agora, quando Nara morreu, papai suspirou e deixou escapar uma frase que fez ciúmes em mamãe: “Nara morre e com ela os mais belos joelhos da música popular brasileira”. É engraçado alguém achar joelho bonito. E os seus? São como os de Nara?
        Sei que estamos vivos e isso é ótimo. Sei que o mundo é redondo e nas voltas que ele dá podemos nos encontrar. E como será esse encontro? Será que haverá esse encontro? Perguntas, perguntas, perguntas. Hoje estou perguntador. E nas perguntas que faço, só há uma resposta, que se chama saudade.
                                                     Beijos
                                                                     Pedro
                                                                                    Belô, 8/8/89.

               Claver, Ronald & Viana, Vivina de Assis. Ana e Pedro; cartas.
São Paulo, Atual, 1990. p. 33-35 e 43-44.
Entendendo o texto:
01 – Na carta destinada a Pedro, Ana T. afirma: “... sua carta teria me deixado nas nuvens”.
a)   Explique o sentido da expressão em destaque.
Teria me deixado muito feliz.

b)   Relacione as colunas, identificando o sentido das expressões em destaque:
(1)  Quando ouviu a notícia, ele caiu das nuvens.
(2)  Em Belo Horizonte ele vivia em brancas nuvens.
(3) O professor punha nas nuvens as cartas de Ana.
     (2) Cercado de facilidade e conforto.
     (1) Ter grande surpresa.
     (3) Exaltar muito calorosamente.

02 – Nas cartas, há informações que nos permitem determinar se Ana e Pedro são crianças, adolescentes ou adultos. Transcreva uma passagem do texto situando os personagens na fase em que julgar correta:
      Adolescentes. “Minha turma vai fazer uma excursão nas cidades históricas”.

03 – Retire uma expressão da carta de Ana T. e outra de Pedro comprovando que eles se correspondem sem nunca se terem visto.
      Ana T.: “Eu queria tanto te conhecer”.
      Pedro: “E os seus? São como os de Nara?”.

04 – Observe: “As tardes eram bonitas e os aviões, passarinhos sem gaiolas”. O que há de comum entre as palavras em destaque?
      Os dois tem o poder de voar.

05 – Releia este trecho da carta de Ana. “Ando triste por muitos motivos. Nem sei se vou conseguir te falar tudo. Mas o principal você vai entender.” Pedro terá entendido o “principal” se tiver percebido que o motivo mais forte da tristeza de Ana é:
a)   O roubo de objetos importantes, estimados.
b)   O fato de não conhecer Pedro.
c)   A preocupação com os estudos.
d)   A dependência do dinheiro dos pais.
e)   A morte de pessoas amigas, admiradas.

06 – O personagem Pedro, em sua carta, recorre à fantasia e à realidade para explicar o desaparecimento do avô e do amigo de Ana. Assinale (R) para Realidade e (F) para Fantasia nas dalas de Pedro.
(R) “Hoje sei que os aviões nunca fugiram das gaiolas”.
(R) “E seu amigo gostava de aviões?”
(F) “Um dia eles aparecem”.
(R) “Que atrás da Lua não há aviões”.
(F) “Se gostava deve estar passeando com vovô no outro lado da Lua”.

07 – Pedro afirma: “Mãe e amigo deveriam ser imortais. Já que são eternos”. Observe:
·        Mãe e amigo não são imortais – morrem.
·        Mãe e amigo são eternos – duram para sempre.

Por que mãe e amigo são eternos, apesar de serem mortais?
      Porque são pessoas estimadas e lembradas sempre.


sábado, 18 de maio de 2019

CARTA: NUNCA ANTES, NESTE PAÍS... O ESTADO DE S.PAULO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Carta: Nunca antes, neste país...

        Vivendo em um país onde as pessoas parecem não mais se preocupar em cumprir suas obrigações, testemunho, aos 85 anos, que hoje a ética tem pouco valor e obter vantagens a qualquer custo passou a ser regra. Fui surpreendido por uma conta da [empresa]* [...] cobrando R$ 124,23, por uma ligação para Curitiba, em 21/12, com vencimento em 6/2. Não fizemos tal ligação nem conhecemos ninguém que more lá. Contatei 4 vezes a empresa, sem solução. Na última, o funcionário ameaçou protestar meu nome, se eu não pagar a conta, e que discutiria o ressarcimento após eu pagá-la. Pelo jeito, não são apenas os sequestradores que dão golpes pelo telefone. Não devo e não temo. Me recuso a pagar, já entrei no PROCON e peço ajuda ao jornal.
        A [empresa] responde:
        “Não identificamos irregularidades na cobrança. Os clientes podem nos contatar no [...] (telefonia fixa) e [...] (telefonia móvel). O site do fale conosco é [...]. Ou então devem ir à loja mais próxima.”
        O leitor comenta:
        Além de incompetentes e desonestos, são mentirosos. Até hoje dia (18), ninguém me contatou para esclarecer a cobrança descabida.
        A [empresa] enviou à coluna, no dia 20, resposta igual à enviada no dia 17, ratificando-a. No dia 23, o leitor confirmou que não recebeu telefonemas da empresa e que irá esperar a solução do PROCON. Ele também agradeceu à coluna o envio da queixa a empresa.

                                                (O Estado de S. Paulo, 27/06/2008)

        *Para preservar a identidade dos interlocutores, suprimimos a identificação do remetente e o nome da empresa.

Entendendo a carta:
01 – A carta argumentativa de reclamação, como o nome sugere, apresenta uma reclamação a respeito de algum problema, enquanto a carta argumentativa de solicitação pede a solução de um problema. Quando apresenta simultaneamente uma reclamação e uma solicitação é chamada de carta argumentativa de reclamação e de solicitação. Como você classifica a carta lida? Justifique sua resposta.
      É uma carta argumentativa e de solicitação, pois apresenta uma reclamação (cobrança indevida de ligação) e uma solicitação (pedido de ajuda ao jornal).

02 – As cartas de reclamação ou de solicitação são, normalmente, endereçada a órgãos públicos, como ministérios, secretarias do município, PROCON, etc. Considerando que a carta lida foi publicada em um jornal, que o jornal também publicou a carta da empresa e, ainda, o comentário do leitor à resposta dada, levante hipóteses:

a)   Por que o jornal publica esse tipo de carta e exerce o papel de intermediador entre as partes?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Como forma de tornar públicos problemas que os cidadãos comuns enfrentam no dia-a-dia e que nem sempre são alvo de notícias ou reportagens jornalísticas e/ou para fazer valer os direitos de seus leitores. É exercer o papel de intermediador talvez por conhecer as formas de fazer chegar as cartas aos destinatários e como forma de prestar um serviço aos seus clientes.

b)   Qual a intenção do locutor desse tipo de carta ao se servir do jornal para publicar sua reclamação e/ ou solicitação?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Tornar público um problema que atinge não só a ele mesmo, mas também a outras pessoas; porque confia no jornal e sabe que ele se encarregará de fazer sua reclamação e/ou solicitação chegar ao órgão público para a qual dirige sua carta e que, assim, há possibilidade de receber resposta ou uma solução para seu problema.

c)   No caso da carta lida, por que a parte criticada, a empresa, respondeu ao remetente da carta usando o mesmo veículo que o leitor, isto é, o jornal?
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: Como forma de retratação perante o público, mostrando que é uma empresa confiável, que atende a seus clientes, que está aberta a críticas, que toma providências, etc.

03 – Para ser atendido, o remetente de uma carta argumentativa de reclamação ou de solicitação necessita apresentar argumentos convincentes. Na carta lida:
a)   De que argumentos o remetente se serve para convencer seu interlocutor?
Ele afirma que vive em um país onde as pessoas não se preocupam com o cumprimento de suas obrigações e onde a ética tem pouco valor; argumenta não ter feito a ligação telefônica cobrada, porque não conhece ninguém em Curitiba, cidade para onde a ligação foi feita; argumenta que não são apenas os sequestradores que dão golpes por telefone; e, ainda, diz que se recusa a pagar a conta porque não teme a cobrança, já que ela é indevida.

b)   Releia a resposta dada pela empresa. A argumentação do remetente foi suficiente para que a carta atingisse seu objetivo?
Não, pois a empresa responde que não há irregularidade na conta.

04 – Considerando o comentário que o remetente fez à resposta da empresa, responda: A resposta satisfez o remetente? Justifique sua resposta.
      Não. Ele diz que a empresa, além de incompetente, é desonesta e mentirosa, pois até a data da carta de resposta do leitor não havia entrado em contato com ele para prestar esclarecimentos.

05 – A carta de reclamação ou de solicitação tem estrutura semelhante à da carta pessoal. A carta lida, porém, não se mostra de acordo com esse padrão Por que algumas dessas partes das cartas foram suprimidas?
      Porque não há no jornal espaço para publicação integral da carta e, por isso, publica-se somente o essencial.

06 – Observe a linguagem empregada no texto:
a)   Que variedade linguística predomina?
A variedade padrão.

b)   Em que pessoa se coloca o autor da carta?
Na 1ª pessoa do singular.

07 – Agora conclua: Quais são as principais características das cartas argumentativas de reclamação e de solicitação? Responda, levando em conta os critérios a seguir: finalidade do gênero, perfil dos interlocutores, suporte/veículo, tema, estrutura, linguagem.
      Apresentar a autoridades uma reclamação e/ou solicitar a solução de um problema, empregando argumentos com intenção persuasiva. O locutor são os cidadãos m gral; o destinatário são os órgãos públicos e autoridades em geral. Normalmente são veiculadas m papel e sites da internet; às vezes são publicadas em jornais e revistas. Os temas são problemas que dizem respeito a uma pessoa, a um grupo de pessoas ou à população em geral. Apresentam estrutura semelhante à das cartas em geral, com local e data, vocativo, corpo de texto (assunto) despedida e assinatura. Apresentam um ou mais argumentos. Predomina a variedade padrão da língua. Há emprego de pronomes e verbos na 1ª pessoa e formas verbos do presente do indicativo.

domingo, 20 de janeiro de 2019

CARTA: CONTRA A DOUTRINA GRAMATICAL TRADICIONAL - MARCOS BAGNO - COM QUESTÕES GABARITADAS

Carta: Contra a doutrina gramatical tradicional
        
   São Paulo, 04 de novembro de 2001.
           Sr. Editor;
        (…) 

       Em 1990, o linguista e educador britânico Michael Stubbs escrevia que “toda a área da língua na educação está impregnada de superstições, mitos e estereótipos, muitos dos quais têm persistido por séculos e, às vezes, com distorções deliberadas dos fatos linguísticos e pedagógicos por parte da mídia”. É triste constatar que essas palavras, publicadas há mais de uma década, se aplicam com precisão impressionante ao que ainda ocorre hoje em dia no Brasil. Afinal, de que outro modo qualificar a reportagem de capa do número 1725 de Veja senão como uma série de “distorções deliberadas dos fatos linguísticos e pedagógicos por parte da mídia”?
        O texto assinado pelo Sr. João Gabriel de Lima demonstra o quanto nossos meios de comunicação de massa se encontram, perdoe-me o lugar-comum, na contramão da História quando o assunto é língua. Há um absoluto despreparo de jornalistas e comunicadores para tratar do tema (um exemplo gritante disso veio a público em outra edição recente de Veja, a de número 1710, com a reportagem “Todo mundo fala assim”). 
        Se falo de contramão é porque — passados mais de cem anos de surgimento, crescimento e afirmação da Linguística moderna como ciência autônoma —, a mídia continua a dar as costas à investigação científica da linguagem, preferindo consagrar-se à divulgação e sustentação das “superstições, mitos e estereótipos” que circulam na sociedade ocidental há mais de dois mil anos. Isso é ainda mais surpreendente quando se verifica que, na abordagem de outros campos científicos, os meios de comunicação se mostram muito mais cuidadosos e atenciosos para com os especialistas da área. Quando o assunto é língua, porém, o espaço maior é invariavelmente ocupado por alguns oportunistas que, apoderando-se inteligentemente dessas “superstições, mitos e estereótipos”, conseguem transformar esse folclore linguístico em bens de consumo que lhes rendem muito lucro financeiro, além de fama e destaque na mídia. Basta comparar o espaço dedicado, no último número de Veja, ao Prof. Luiz Antônio Marcuschi (reconhecido quase unanimemente hoje no Brasil como o nome mais importante da ciência linguística entre nós) e aos atuais pregadores da tradição gramatical que infestam o quotidiano dos brasileiros com suas quinquilharias multimidiáticas sobre o que é "certo" e "errado" na língua. 
        Seria espantoso ver uma matéria de Veja em que aparecessem zoólogos falando mal da Biologia, ou engenheiros criticando a Física, ou cirurgiões maldizendo da Medicina. No entanto, ninguém se espanta (e muitos até aplaudem) quando o Sr. João Gabriel de Lima, fazendo eco aos detratores da Linguística (como o Sr. Pasquale Cipro Neto), fala da existência de “certa corrente relativista” e escreve absurdos como “trata-se de um raciocínio torto, baseado num esquerdismo de meia-pataca, que idealiza tudo o que é popular — inclusive a ignorância, como se ela fosse atributo, e não problema, do ‘povo’. O que esses acadêmicos preconizam é que os ignorantes continuem a sê-lo”. Seria muito fácil retrucar que estamos aqui diante de um “direitismo de meia-pataca” que acredita na existência de uma “ignorância popular”, mas, como cientista, prefiro recorrer a outro tipo de argumento, baseado na reflexão teórica serena e na experiência conjunta de muitas pessoas que há anos se dedicam ao estudo e ao ensino da língua portuguesa no Brasil. 
        Segundo a reportagem, as críticas que o Sr. Pasquale Cipro Neto recebe dessa “corrente relativista” deixam-no “irritado”. Ora, o que parece realmente irritar o Sr. Pasquale é o fato de que, apesar de obter tanto sucesso entre os leigos, nada do que ele diz ou escreve é levado a sério nos centros de pesquisa científica sobre a linguagem, sediados na mais importantes universidades do Brasil — centros de pesquisa linguística, diga-se de passagem, reconhecidos internacionalmente como entre alguns dos melhores do mundo (Unicamp, USP, Unesp, UFRGS, UFPE entre outras). Muito pelo contrário, se o nome do Sr. Pasquale é mencionado nas nossas universidades, é sempre como exemplo de uma atitude anticientífica dogmática e até obscurantista no que diz respeito à língua e seu ensino (em vários de seus artigos em jornais e revistas ele já chamou os linguistas de "idiotas", "ociosos", "defensores do vale-tudo" e "deslumbrados").
        Se o Sr. Pasquale se irrita com os cientistas da linguagem, é porque sabe que não tem como responder às críticas que recebe por parte dos pesquisadores, dos teóricos e dos educadores empenhados num conhecimento maior e melhor da realidade linguística do nosso país. Digo isso com base na experiência de já ter participado de três debates junto com o Sr. Pasquale e ter conhecido sua estratégia de nunca responder com argumentos consistentes às críticas a ele dirigidas, preferindo sempre retrucar com arrogância, prepotência, grosserias e ataques pessoais (chamando os linguistas de "ortodoxos" — seja isso lá o que for — e de "bichos-grilos") ou fazendo-se de vítima de alguma perseguição (num desses encontros ele declarou sentir-se como um "boi de piranha"). 
        A razão para essa falta de argumentos consistentes é muita simples: o Sr. Pasquale não tem formação científica para tratar dos assuntos de que trata. Suas opiniões se baseiam exclusivamente na arcaica doutrina gramatical normativo-prescritiva, cuja inconsistência teórica e cujos problemas epistemológicos graves vêm sendo demonstrados e criticados pela Linguística moderna desde pelo menos o final do século XIX. As concepções do Sr. Pasquale de "certo" e de "errado" estão em franca oposição, não só com as teorias científicas mais atuais, mas até mesmo com a postura investigativa dos gramáticos profissionais de sólida formação filológica (coisa que ele definitivamente não é), para não mencionar as diretrizes pedagógicas das instâncias superiores da Educação nacional. O documento do Ministério da Educação chamado Parâmetros Curriculares Nacionais, por exemplo, é bem explícito em seu volume dedicado ao ensino da língua portuguesa: 
        A imagem de uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da linguagem, subjacente às prescrições normativas da gramática escolar, dos manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre 'o que se deve e o que não se deve falar e escrever', não se sustenta na análise empírica dos usos da língua. 
        E este mesmo documento é enfático ao afirmar que: há muitos preconceitos decorrentes do valor social relativo que é atribuído aos diferentes modos de falar: é muito comum se considerarem as variedades linguísticas de menor prestígio como inferiores ou erradas. O problema do preconceito disseminado na sociedade em relação às falas dialetais deve ser enfrentado, na escola, como parte do objetivo educacional mais amplo de educação para o respeito à diferença. Para isso, e também para poder ensinar Língua Portuguesa, a escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma 'certa' de falar — a que se parece com a escrita — e o de que a escrita é o espelho da fala — e, sendo assim, seria preciso 'consertar' a fala do aluno para evitar que ele escreva errado. Essas duas crenças produziram uma prática de mutilação cultural que, além de desvalorizar a forma de falar do aluno, tratando sua comunidade como se fosse formada por incapazes, denota desconhecimento de que a escrita de uma língua não corresponde inteiramente a nenhum de seus dialetos, por mais prestígio que um deles tenha em um dado momento histórico. 
        É provável, no entanto, que o Sr. Pasquale Cipro Neto e o Sr. João Gabriel de Lima acreditem que os Parâmetros Curriculares Nacionais sejam obra de membros daquela "corrente relativista" que conseguiram se infiltrar no Ministério da Educação e se apoderar da redação do documento oficial. Vamos, então, deixar de lado as propostas oficiais de ensino e lançar um olhar sobre a própria prática normativo-prescritiva de pessoas como o Sr. Pasquale — assim ficará mais fácil descobrir por que ele não encontra argumentos para reagir às críticas bem-fundadas dos linguistas e educadores sérios e por que só consegue fazer sucesso entre os leigos e os que se recusam (certamente por motivações ideológicas) a aceitar uma concepção de língua mais democrática. 
        Consultando a gramática que Pasquale Cipro Neto assina em parceria com Ulisses Infante (Gramática da Língua Portuguesa, Editora Scipione, São Paulo, 1998), encontra-se, à p. 521-522, a seguinte explicação para o uso supostamente "correto" do verbo custar:
        Custar, no sentido de "ser custoso", "ser penoso", "ser difícil" tem como sujeito uma oração subordinada substantiva reduzida. Observe: 
        Ainda me custa aceitar sua ausência. 
        Custou-nos encontrar sua casa. 
        Custou-lhe entender a regência do verbo custar. 

        No Brasil, na linguagem cotidiana, são comuns construções como "Zico custou a chutar" ou "Custei para entender o problema" [...]
        Na língua culta, essas construções em que custar apresenta um sujeito indicativo de pessoa são rejeitadas. Em seu lugar, devem-se utilizar construções em que surja objeto indireto de pessoa: "Custou a Zico chutar" (= Custou-lhe chutar").
        Quero chamar a atenção, aqui, para a seguinte afirmação dos autores: "Na língua culta, essas construções [...] são rejeitadas". Aqui está um exemplo claro e nítido de uma concepção abstrata da língua, tratada como uma espécie de entidade viva, de sujeito animado, capaz de "rejeitar" alguma coisa. Ora, que língua culta é essa que supostamente rejeita essas construções? Será a língua dos nossos grandes escritores, que sempre serviu de material para o trabalho dos gramáticos normativistas? Fui investigar e descobri que não é, porque os exemplos de uso do verbo custar com sujeito são mais do que abundantes na nossa melhor literatura: 

(1) "Seixas custou a conter-se" (José de Alencar)
(2) "... as moças custavam a se separar" (Clarice Lispector) 
(3) "Renato custou a acordar" (Carlos Drummond de Andrade) 
(4) "Felicidade, custas a vir e, quando vens, não te demoras" (Cecília Meireles)" 
        Será que Alencar, Clarice Lispector, Drummond e Cecília Meireles não são bons exemplos de usuários da "língua culta"? Se não é na literatura, quem sabe, então, se recorrermos à imprensa contemporânea? Será que é lá que mora a famosa "língua culta" que rejeita essas construções? Ora, consultando o jornal onde o próprio Pasquale Cipro Neto escreve (Folha de S. Paulo) e onde presta serviços de "consultor de português" (seja isso lá o que for), encontramos: 
(6) Quem foi ao show de Maria Bethânia, anteontem à noite, depois de assistir o sóbrio concerto de João Gilberto, custou a crer que estivesse na mesma cidade (22/6/1998, p. 5-10). 
(7) O técnico colombiano, Hernán Darío Gómez, [...] custou a admitir a superioridade rival (16/6/1998, p. 4-14). 
(8) O nome Kubitschek era complicado de pronunciar, custou a ser assimilado pela fonética eleitoral (21/11/1997, p. 4-3). 

        Se lembrarmos que José de Alencar morreu em 1877, fica muitíssimo claro que essa construção está viva e presente na nossa língua há muito mais de um século! Os autores da gramática estão proferindo uma inverdade ao dizer que essa construção é típica do "Brasil quotidiano". Os Srs. Pasquale e Ulisses, em vez de se curvar à realidade concreta dos fatos, tentam nos convencer de que a opção que eles preferem, só porque é a tradicional, é que deve ser considerada "a melhor". É uma atitude essencialmente dogmática, que se recusa a empreender a pesquisa empírica mínima necessária para afirmações sobre o que existe e o que não existe na língua. Além disso, essa atitude é ainda mais conservadora do que a posição assumida por gramáticos de gerações anteriores à deles, como Celso Pedro Luft e Domingos Paschoal Cegalla, que reconhecem a vitória da construção "eu custo a crer que"... 
        Esse é apenas um pequeno exemplo de como é fácil, para um pesquisador munido de instrumental teórico consistente e de metodologia científica adequada, desautorizar uma a uma, e de modo convincente, as afirmações presentes no trabalho do Sr. Pasquale Cipro Neto e de outros atuais defensores da doutrina gramatical tradicional mais normativa e mais prescritiva possível. Por causa de tudo isso é que a estreia do Sr. Pasquale no programa Fantástico da Rede Globo representa, para a grande maioria dos cientistas da linguagem e dos educadores conscientes, mais um exemplo de como o nosso trabalho ainda está no começo, apesar de tudo o que já temos dito e feito. O quadro do Sr. Pasquale no Fantástico faz regredir em pelo menos 25 anos os grandes avanços já obtidos pela Linguística na renovação do ensino de língua na escola brasileira. Não consigo, portanto, deixar de repetir o chavão: ele se encontra na contramão da História. 
        Como já enfatizei acima, pessoas como o Sr. Pasquale só conseguem fazer sucesso entre os leigos, porque dizem exatamente o que as pessoas desejam ouvir: os mitos, as superstições e as crenças infundadas que, há mais de dois mil anos, guiam o senso-comum ocidental no que diz respeito à língua. Refiro-me ao senso-comum ocidental porque essa situação de embate entre uma ciência linguística moderna e uma doutrina gramatical arcaica também se verifica em outros países – basta ler os livros Language Myths, publicado na Inglaterra sob organização de L. Bauer e P. Trudgill, e o Catalogue des idées reçues sur le langage, publicado na França por Marina Yaguello. É por isso que escrevi, acima, que nossa luta ainda está no começo. É uma pena que não possamos contar com a ajuda dos meios de comunicação para dissipar todos esses mitos e preconceitos, que impedem a formação, no Brasil em particular, de uma autoestima linguística, uma vez que tudo o que os brasileiros ouvem e leem são os mesmos chavões, repetidos há séculos, de que "brasileiro não sabe português" e que a língua que falamos é "português estropiado". (O pesquisador canadense Christophe Hopper localizou lamúrias e queixas sobre a "ruína" e a "decadência" do francês em textos publicados em 1933, 1905, 1730 e 1689, o que prova a antiguidade desse discurso alarmista e preconceituoso sobre o fenômeno da mudança das línguas ao longo do tempo!) 
        Outro fato lamentável, na reportagem de VEJA, é que seu autor não tenha prestado o grande favor à sociedade de identificar quem são os membros dessa "certa corrente relativista", para que todos, público leitor em geral e linguistas profissionais em particular, pudéssemos nos precaver contra o suposto "raciocínio torto" de um "esquerdismo de meia-pataca" dos que acreditam que ensinar a norma-padrão não seria útil para as classes sociais desfavorecidas. Minha curiosidade ficou especialmente aguçada porque, como pesquisador dedicado há muitos anos ao estudo das relações entre língua, ensino de língua e fenômenos sociais, até hoje não encontrei uma única obra - assinada por linguista de formação ou por educador profissional - que negasse a importância do ensino da norma-padrão na escola brasileira, que pregasse a ideia torpe de que não se deve ensinar as formas prestigiosas da língua, ou que "preconizam que os ignorantes continuem a sê-lo", para citar as palavras infelizes da reportagem de VEJA.
        Entre os membros da comunidade acadêmico-científica que não se intimidam diante da pressão esmagadora das "superstições, mitos e estereótipos" sobre a língua podemos citar a Profa. Magda Soares (reconhecida como uma das mais importantes educadoras brasileiras de todos os tempos) e o Prof. Sírio Possenti (que nunca teve papas na língua para denunciar e demolir cientificamente os absurdos proferidos por gente como Pasquale Cipro Neto). Ora, já em 1986, Magda Soares, em seu livro (um clássico da educação brasileira) Linguagem e Escola (Editora Ática), escrevia, sem hesitação (p. 78): 
        Um ensino de língua materna comprometido com a luta contra as desigualdades sociais e econômicas reconhece, no quadro dessas relações entre a escola e a sociedade, o direito que têm as camadas populares de apropriar-se do dialeto de prestígio, e fixa-se como objetivo levar os alunos pertencentes a essas camadas a dominá-lo, não para que se adaptem às exigências de uma sociedade que divide e discrimina, mas para que adquiram um instrumento fundamental para a participação política e a luta contra as desigualdades sociais. 
        Também em seu muito divulgado livro Por que (não) ensinar gramática na escola (Ed. Mercado de Letras, 1996), Sírio Possenti faz questão de enfatizar (p. 17-18): 

O PAPEL DA ESCOLA É ENSINAR LÍNGUA PADRÃO 

        [...] adoto sem qualquer dúvida o princípio (quase evidente) de que o objetivo da escola é ensinar o português padrão, ou, talvez mais exatamente, o de criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um equívoco político e ideológico. 
        E eu mesmo, que não tenho hesitado em combater abertamente a manutenção das concepções arcaicas e preconceituosas de língua, escrevi em meu mais recente livro publicado (Português ou Brasileiro? Um convite à pesquisa, Parábola Editorial, 2001): 
        [...] como responder a pergunta (invariavelmente presente na fala dos professores de língua): qual o objeto de ensino nas aulas de português? O que devemos ensinar a nossos alunos em sala de aula? 
        Uma resposta concisa e rápida seria: devemos ensinar a norma-padrão. Já que só se pode ensinar algo que o aprendiz ainda não conhece, cabe à escola ensinar a norma-padrão, que não é língua materna de ninguém, que nem sequer é língua, nem dialeto, nem variedade, como enfatizei acima. Ensinar o padrão se justificaria pelo fato dele ter valores que não podem ser negados - em sua estreita associação com a escrita, ele é o repositório dos conhecimentos acumulados ao longo da história. Esses conhecimentos, assim armazenados, constituiriam a cultura mais valorizada e prestigiada, de que todos os falantes devem se apoderar para se integrar de pleno direito na produção/condução/transformação da sociedade de que fazem parte. 
        Tenho, portanto, a consciência muito tranquila (como decerto também a têm Magda Soares, Sírio Possenti e, de fato, a maioria dos linguistas e educadores brasileiros comprometidos com a democratização de nossa sociedade) de não fazer parte daquela "corrente relativista" e de não poder ser acusado de ter um "raciocínio torto". Por isso, volto a lamentar que o Sr. João Gabriel de Lima não tenha dado nome aos bois, para que, juntos, pudéssemos combater esse suposto "esquerdismo de meia-pataca". Não nomear seus adversários no plano intelectual, no entanto, é prática corrente de pessoas como Pasquale Cipro Neto que, embora alegando referir-se a "alguns" linguistas, nunca se dá ao trabalho de dizer quem são os "idiotas", "ociosos" e "deslumbrados" a que se refere.
        A grande diferença entre os linguistas e educadores que defendem o ensino da norma-padrão e os apregoadores da doutrina gramatical arcaica está no fato de que já se sabe hoje em dia que, para aprender as formas mais padronizadas e prestigiosas da língua, não é necessário conhecer a nomenclatura gramatical tradicional, as definições tradicionais, nem praticar a velha e mecânica análise lexical e muito menos a torturante análise sintática. Em seu depoimento a VEJA, o Sr. Pasquale Cipro Neto lamenta que ninguém mais saiba diferenciar "sujeito" de "predicado", nem mesmo os professores. Ora, todo um longo trabalho de investigação teórica e de pesquisa em sala de aula - no Brasil e no resto do mundo -, trabalho que se faz há pelo menos trinta anos, já deixou muito claro que não é decorando as páginas da gramática normativa que uma pessoa será capaz de falar, ler e escrever adequadamente às diversas situações. O já citado M. Stubbs escrevia, em 1987, que [...]
        Muita gente lamenta o fim do ensino da gramática formal (análise sintática e coisas assim), alegando que ele ajudava as crianças a escrever melhor, com mais precisão e assim por diante. [...] é duvidoso que aquele ensino jamais tenha ajudado muita gente a escrever melhor, e é nítido que ele afugentou um grande número de pessoas. A relação entre análise e compreensão, e entre compreensão consciente e produção de linguagem efetiva, é difícil de demonstrar. 
        E o pedagogo canadense Gilles Gagné, em 1983, já dizia: "O uso da língua procede da intenção para a convenção", conclui McShane (1981), ao passo que a escola procede infelizmente ao contrário, isto é, das convenções linguísticas para as intenções de comunicação; intenções, além disso, quase sempre artificiais e impostas ou sugeridas pelo mestre.
        E aquele que é considerado hoje, inclusive internacionalmente, como o nome mais importante da pesquisa científica sobre o português brasileiro contemporâneo – o Prof. Ataliba T. de Castilho, da USP, atual presidente da Associação de Linguística e Filologia da América Latina e coordenador do grande Projeto da Gramática do Português Falado (projeto apresentado de maneira distorcida e preconceituosa no número 1710 de VEJA) – escreve com toda clareza em seu livro A língua falada e o ensino de português (Ed. Contexto, 1998, p. 21-22): 
        [...] os recortes linguísticos devem ilustrar as variedades sócio culturais da Língua Portuguesa, sem discriminações contra a fala vernácula do aluno, isto é, de sua fala familiar. A escola é o primeiro contato do cidadão com o Estado, e seria bom que ela não se assemelhasse a um "bicho estranho", a um lugar onde se cuida de coisas fora da realidade cotidiana. Com o tempo o aluno entenderá que para cada situação se requer uma variedade linguística, e será assim iniciado no padrão culto, caso já não o tenha trazido de casa. 
        Desse modo, prossegue o autor (p. 23), a gramática deixará de ser vista pelos alunos como a disciplina do certo e do errado, reassumindo sua verdadeira dimensão, que é a de esquadrinhar através dos materiais linguísticos o funcionamento da mente humana. 
        Afinal, o que aconteceu, ao longo dos séculos, segundo Castilho, foi que a gramática, que não era uma disciplina autônoma, assumiu na escola uma vida própria, desgarrada de suas origens, e concentrada apenas na sentença, na palavra e no som, obscurecendo-se sua argumentação e empobrecendo-se seu alcance.

      Se existe, porém, uma grande resistência contra o redimensionamento do lugar do ensino da gramática na escola é porque todos sabemos que, ao longo do tempo, o conhecimento mecânico da doutrina gramatical se transformou num instrumento de discriminação e de exclusão social. "Saber português", na verdade, sempre significou "saber gramática", isto é, ser capaz de identificar - por meio de uma terminologia falha e incoerente - o "sujeito" e o "predicado" de uma frase, pouco importando o que essa frase queria dizer, os efeitos de sentido que podia provocar etc. Transformada num saber esotérico, reservado a uns poucos "iluminados", a "gramática" passou a ser reverenciada como algo misterioso e inacessível - daí surgiu a necessidade de "mestres" e "guias", capazes de levar o "ignorante" a atravessar o abismo que separa os que sabem dos que não sabem português... 
        Em conclusão, Sr. Editor, gostaria de lhe pedir que, uma vez que tão amplo espaço foi concedido aos defensores da ideia medieval de que "os brasileiros não sabem falar bem", caberia agora a VEJA conceder igual espaço aos verdadeiros especialistas, às pessoas que dedicam toda sua energia, toda sua inteligência, toda sua vida, enfim, ao estudo dos fenômenos da linguagem humana e à proposição de novos métodos de ensino, capazes de dar voz aos que, por força de tantas estruturas sociais injustas, sempre foram mantidos no silêncio. Talvez assim Veja possa se livrar do risco de ser acusada de promover "distorções deliberadas dos fatos linguísticos e pedagógicos". 
                                                                 Atenciosamente,
                                                                   Marcos Bagno
Entendendo a carta:
01 – O primeiro parágrafo contém a tese a ser desenvolvida no decorrer do texto. Qual é essa tese?
      A de que a reportagem da Veja pode ser qualificada como “uma série de distorções deliberadas dos fatos linguísticos e pedagógicos por parte da mídia”.

02 – No segundo parágrafo, o autor da carta explica a causa principal das distorções linguísticas e pedagógicas por parte da mídia. Qual seria?
      A falta de preparo de jornalistas e comunicadores para tratar do tema.

03 – Pasquale questiona: “Como o aluno vai aprender a diferença entre sujeito e predicado se nem o professor entende direito? Por que, segundo Bagno, essa questão constitui uma distorção pedagógica?
      É uma distorção pedagógica porque a questão de Pasquale tem como pressuposto a falsa ideia de que aprender a classificar termos gramaticais (como sujeito e predicado) signifique aprender Língua Portuguesa.

04 – Marcos Bagno usa um recurso argumentativo bastante eficiente para defender sua posição: desautoriza aqueles que defendem ideias contrárias. Explique essa afirmação e localize o recurso na carta reproduzida.
      Pasquale e o jornalista João Gabriel de Lima não seriam as pessoas mais adequadas para falar sobre a língua, já que não possuem formação para isso. O terceiro e o quarto parágrafos exemplificam o recurso.

05 – Qual seria a estratégia de Pasquale, segundo Marcos Bagno, para falta de argumentos consistentes?
      Ofender seus supostos “adversários”: os linguistas de formação teórica consistente.

06 – O que seria um argumento consistente, segundo Marcos Bagno?
      Aquele baseado em pesquisa sistemática, em dados empíricos, em trabalhos científicos de especialistas.

07 – O autor se refere ao embasamento teórico de Pasquale como sendo ultrapassado e não válido. Comente.
      No quinto parágrafo, o autor comenta que as opiniões de Pasquale estão baseadas na “arcaica doutrina gramatical normativo-prescritiva, cuja inconsistência teórica e cujos problemas epistemológicos graves vêm sendo demonstrados e criticados pela Linguística moderna desde pelo menos o final do século XIX”.

08 – Observe que o autor da carta faz várias citações no decorrer de seu texto. Qual é a função dessas citações?
      As citações comprovam e/ou endossam o que diz o autor da carta. Assim, conferem credibilidade ao texto.

09 – Releia: “É provável, no entanto, que o Sr. Pasquale Cipro Neto e o Sr. João Gabriel de Lima acreditem que os Parâmetros Curriculares Nacionais sejam obra de membros daquela "corrente relativista" que conseguiram se infiltrar no Ministério da Educação e se apoderar da redação do documento oficial.”

        A ironia não é um argumento, mas pode ser um excelente recurso persuasivo, ou seja, uma forma de seduzir o leitor. Que palavras constituem ironia? Explique.
      A expressão “membros daquela corrente relativista” e as palavras “infiltrar” e “apoderar” são relativas aos linguistas, mas sugerem, de forma irônica, obscurantismo e marginalidade.

10 – Releia o seguinte trecho da revista Veja.
        (As críticas) ecoam o pensamento de uma certa corrente relativista, que acha que os gramáticos preocupados com as regras da norma culta prestam um desserviço à língua. De acordo com essa tendência, o certo e o errado em português não são conceitos absolutos. Quem aponta incorreções na fala popular estaria, na verdade, solapando a inventividade e a autoestima das classes menos abastadas. Isso configuraria uma postura elitista. Trata-se de um raciocínio torto, baseado num esquerdismo de meia-pataca, que idealiza tudo o que é popular – inclusive a ignorância, como se ela fosse atributo, e não problema, do “povo”. O que esses acadêmicos preconizam é que os ignorantes continuem a sê-lo. Que percam oportunidades de emprego e consequente chance de subir na vida por falar errado.

a)   Aponte as premissas sobre as quais se fundamenta esse trecho.
·        A língua portuguesa é única e invariável.
·        Existe aquilo que é certo e aquilo que é errado falar.
·        A fala “errada” deve ser corrigida.
·        A fala popular possui incorreções, próprias de gente ignorante.
Todas as premissas são verdadeiras.

b)   As premissas, segundo Marcos Bagno, são falsas ou verdadeiras?
São todas falsas.

c)   O argumento mais apelativo do trecho afirma que não ensinar a língua padrão é limitar as possibilidades de ascensão social e profissional do estudante. Como isso é refutado na carta de Marcos Bagno?
Marcos Bagno afirma que, em hipótese alguma, nenhum linguista ou educador jamais defendeu em obra científica tal absurdo. Muito pelo contrário, defende-se que o ensino da norma culta seja o objetivo da escola. Entretanto, o que se deve erradicar é o preconceito em relação às falas populares e a ideia de que a norma culta se aprende com regras gramaticais.

11 – No texto, são utilizadas diferentes palavras e expressões para se referir a Pasquale e a outros profissionais do mesmo ramo.
a)   Faça uma lista dessas palavras e expressões.
Oportunistas; pregadores da tradição gramatical, detratores da Linguística, apregoadores da doutrina gramatical arcaica, defensores da ideia medieval de que “os brasileiros não sabem falar bem”.

b)   O que todas as palavras e expressões têm em comum?
Todas são depreciativas e enfatizam o caráter e falta de atualização desses profissionais.