Fábula: Urubus e sabiás
Rubem Alves
“Tudo aconteceu numa terra distante, no
tempo em que os bichos falavam... Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem
grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza eles haveriam
de se tornar grandes cantores.
E para isto fundaram escolas e importaram
professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram imprimir diplomas, e fizeram
competições entre si, para ver quais deles seriam os mais importantes e teriam
a permissão para mandar nos outros. Foi assim que eles organizaram concursos e
se deram nomes pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de
carreira, era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamam de
Vossa Excelência. Tudo ia muito bem até que a doce tranquilidade da hierarquia
dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos de pintassilgos
tagarelas, que brincavam com os canários e faziam serenatas para os sabiás...
Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor encrespou a testa, e eles
convocaram pintassilgos, sabiás e canários para um inquérito.
— Onde estão os documentos dos seus
concursos? E as pobres aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado
que tais coisas houvessem. Não haviam passado por escolas de canto, porque o
canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar que sabiam
cantar, mas cantavam simplesmente...
— Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.
— Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um desrespeito à ordem.
E os urubus, em uníssono, expulsaram da
floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás...”.
MORAL:
Em terra de urubus diplomados não se houve canto de sabiá.
O texto acima foi
extraído do livro "Estórias de quem gosta de ensinar — O fim dos
Vestibulares", editora Ars Poética — São Paulo, 1995, pág. 81.
Entendendo a fábula:
01 – Identifique o fato que
motivou a fábula.
Foi motivado pelo
interesse dos urubus em se tornarem cantores, apesar de se tratar de algo que
não faz parte da sua natureza.
02 – No trecho: “Os urubus,
aves por natureza becadas, mas
sem grandes dotes para canto,
decidiram que, mesmo contra a
natureza, eles haveriam de se tornar grandes cantores”.
As palavras e a passagem em destaque
exprimem, respectivamente, relações de:
a)
Oposição, finalidade e consequência.
b)
Adversidade, finalidade e
concessão.
c)
Adição, lugar e exceção.
d)
Oposição, local e condição.
e)
Adversidade, objetividade e exclusão.
Considere
o trecho a seguir par responder:
“E as pobres aves se olharam perplexas,
porque nunca haviam imaginado que tais coisas houvessem”.
03 – Não mudaria o sentido
da frase, se substituíssemos a palavra “perplexas” por:
a)
Tristes.
b)
Magoadas.
c)
Felizes.
d)
Comprometidas.
e)
Hesitantes.
04 – Sobre a moral da
fábula: “Em terra de urubus diplomados não se ouve canto de sabiá”, assinale a
opção correta.
a)
O período é composto por duas orações.
b)
O sujeito do verbo ouvir é canto de sabiá.
c)
Nessa frase, houve exploração da ênclise.
d)
O texto está na voz ativa.
e)
“... de urubus diplomados” é
sujeito simples.
05 – Assinale a alternativa
que aponte o clímax da fábula.
a)
Os urubus decidiram se tornar cantores.
b)
Os urubus fizeram competições de canto entre
si.
c)
Os pássaros invadiram a floresta.
d)
Os velhos urubus convocaram os pássaros para
um inquérito.
06 – Como termina a fábula?
a)
“... quando ‘Os velhos urubus entortaram o
bico, o rancor encrespou a testa...’”.
b)
“[...] quando as pobres aves se olharam
perplexas [...]”
c)
“[...] quando apresentaram um diploma para
provar que sabiam cantar [...]”
d)
“[...] quando os urubus expulsaram
da floresta os passarinhos que cantavam sem alvarás”.
07 – Julgue se os itens
abaixo estão corretos (C) quanto aos
aspectos semânticos e gramaticais. (E)
errado.
a)
(E) “Cantar sem titulação devida é um desrespeito à
ordem”. Em tal contexto, eram ordeiros apenas os intitulados.
b)
(E) O segmento “o rancor encrespou a testa”
caracteriza uma comparação como figura de linguagem.
c)
(E) O termo “gargarejaram” pode ser substituído por
“gargantearam” sem prejuízos de ordem semântica.
d)
(E) A mudança topológica do adjetivo acarreta
variações semânticas no segmento “Os velhos urubus” assim como em: os velhos
marinheiros e marinheiros velhos.
08 – Julgue os itens quanto
aos aspectos morfossintáticos e semânticos. (C) correto. (E) errado.
a)
(E) O texto classifica-se como fábula ou um
apólogo, por atribuir a seres inanimados características de seres humanos.
b)
(E) O objetivo dos urubus era coibir o direito de
canto dos pintassilgos; caçá-los, portanto.
c)
(E) Tornou-se impossível urubus e pintassilgos
coabitarem a mesma floresta.
d)
(E) Trata-se de uma estrutura exclusivamente
dissertativa.
09 – Julgue os itens com (C) correta e (E) errada.
a)
(C) “O saber institucionalizado não aceita outras
formas de saber que não as controladas por lei”. A proposição identifica-se com
a moral do texto.
b)
(C) O poder dos urubus pode ser comparado ao das
corporações ditatoriais que não aceitam o sucesso de quem não podem controlar.
c)
(C) Considerando a ordem estabelecida na floresta
pelos urubus, pode-se afirmar que os canários, pintassilgos e sabiás são
amorais.
d)
(E) A exceção dos sabiás, os outros pássaros
poderiam viver na floresta desde que participassem dos concursos.