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sábado, 14 de maio de 2022

CONTO: OLHANDO PARA O HORIZONTE DA VIDA - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

 Conto: Olhando para o horizonte da vida

             Marina Colasanti

        Subitamente tocado pela mutabilidade da vida, parou e perguntou-se: "Meu Deus, onde estarei no ano que vem a esta hora?" E do futuro respondeu-lhe o tédio: "Aqui, quando então te perguntarás, onde estarei no ano que vem, e a resposta será aqui. Quando então te perguntarás, onde estarei..."

Marina Colasanti. Contos de amor rasgados. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.

Fonte: Livro – Viva Português 1° – Ensino médio – Língua portuguesa – 2ª edição 1ª impressão – São Paulo – 2014. p. 28-9.

Entendendo o conto:

01 – Desse pequeno conto pode-se extrair um tema, mas, para isso, é necessário compreender o sentido por trás da organização do texto – e perceba que esse sentido não é tão claro, tão óbvio. O que pode significar ser “Subitamente tocado pela mutabilidade da vida”?

      Essa expressão pode significar um momento em que a personagem do miniconto sente, de forma repentina, que a vida é feita de mudanças.

02 – Ao pergunta-se "[...] onde estarei no ano que vem a esta hora?", a personagem revela um desejo que vai além de simplesmente saber em que lugar estará no próximo ano. Que desejo é esse? Escreva a alternativa certa no caderno.

a)   O desejo de que algo em sua vida se modifique.

b)   O desejo de prever o futuro.

c)   O desejo de planejar os próximos anos.

03 – Quem responde à pergunta é o tédio, exatamente do lugar onde a personagem estará dali a um ano.

a)   Por que a resposta dada pelo tédio se opõe ao desejo da personagem?

Porque evidencia para a personagem que nada em sua vida vai mudar.

b)   Que ideia é reforçada pela repetição da pergunta ("Onde estarei no ano que vem a esta hora?") e da resposta ("Aqui")?

É reforçada a ideia de repetição, tédio, de que nada mudará na vida da personagem.

04 – Releia as respostas dada às questões anteriores e responda:

a)   O tema do miniconto de Marina Colasanti coincide com o tema do texto de Filosofia "Crise existencial". Que tema é esse?

O tema é a insatisfação com a própria existência ou a busca de um sentido para a vida.

b)   Quanto à forma de apresentar o tema, em que o texto se diferencia?

No miniconto, a autora narra uma história assim compartilha uma mensagem, mas não de modo direto: os dados são trabalhados artisticamente para tornar mais expressivo um fato e alcançar o leitor pelas emoções; isto é conseguido pelas combinações de palavras e frases, pelo uso da repetição como recurso expressivo.

 

quarta-feira, 12 de maio de 2021

CONTO: LUZ DE LANTERNA, SOPRO DE VENTO - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

 CONTO: LUZ DE LANTERNA, SOPRO DE VENTO

                  Marina Colasanti

         Tendo o marido partido para a guerra, na primeira noite da sua  ausência a mulher acendeu uma lanterna e pendurou-a do lado de fora da casa. “Para trazê-lo de volta”, murmurou. E foi dormir.

        Mas, ao abrir a porta na manhã seguinte, deparou-se com a lanterna apagada. “Foi o vento da madrugada”, pensou olhando para o alto como se pudesse vê-lo soprar.

       À noite, antes de deitar, novamente acendeu a lanterna que, a distância, haveria de indicar ao seu homem o caminho de casa.

      Ventou de madrugada. Mas era tão tarde e ela estava tão cansada que nada ouviu, nem o farfalhar das árvores, nem o gemido das frestas, nem o ranger da argola da lanterna. E de manhã surpreendeu-se ao encontrar a luz apagada.

       Naquela noite, antes de acender a lanterna, demorou-se estudando o céu límpido, as claras estrelas. “Na certa não ventará”, disse em voz alta, quase dando uma ordem. E encostou a chama do fósforo no pavio.

       Se ventou ou não, ela não saberia dizer. Mas antes que o dia raiasse não havia mais nenhuma luz, a casa desaparecia nas trevas.

        Assim foi durante muitos e muitos dias, a mulher sem nunca desistir acendendo a lanterna que o vento, com igual constância, apagava.

        Talvez meses tivessem passado quando num entardecer, ao acender a lanterna, a mulher viu ao longe, recortada contra a luz que lanhava em sangue no horizonte, a escura silhueta de um homem a cavalo. Um homem a cavalo que galopava na sua direção.

       Aos poucos, apertando os olhos para ver melhor, distinguiu a lança erguida ao lado da sela, os duros contornos da couraça. Era um soldado que vinha. Seu coração hesitou entre o medo e a esperança. O fôlego se reteve por instantes entre os lábios abertos. E já podia ouvir os cascos batendo sobre a terra, quando começou a sorrir. Era seu marido que vinha.

          Apeou o marido. Mas só com um braço rodeou- -lhe os ombros. A outra mão pousou na empunhadura da espada. Nem fez menção de encaminhar-se para a casa.

        Que não se iludisse. A guerra não havia acabado. Sequer havia acabado a batalha que deixara pela manhã. Coberto de poeira e sangue, ainda assim não havia vindo para ficar. “Vim porque a luz que você acende à noite não me deixa dormir”, disse-lhe quase ríspido. “Brilha por trás das minhas pálpebras fechadas, como se me chamasse. Só de madrugada, depois que o vento sopra, posso adormecer.”

        A mulher nada disse. Nada pediu. Encostou a mão no peito do marido, mas o coração dele parecia distante, protegido pelo couro da couraça. “Deixe-me fazer o que tem que ser feito, mulher”, disse sem beijá-la. De um sopro apagou a lanterna. Montou a cavalo, partiu. Adensavam-se as sombras, e ela não pôde sequer vê-lo afastar-se recortado contra o céu.

        A partir daquela noite, a mulher não acendeu mais nenhuma luz. Nem mesmo a vela dentro de casa, não fosse a chama acender-se por trás das pálpebras do marido.

       No escuro, as noites se consumiam rápidas. E com elas carregavam os dias, que a mulher nem contava. Sem saber ao certo quanto tempo havia passado, ela sabia porém que era tanto.

       E, passado outro tanto, num final de tarde em que à soleira da porta despedia-se da última luz do horizonte, viu desenhar-se lá longe a silhueta de um homem. Um homem a pé que caminhava na sua direção. Protegeu os olhos com a mão para ver melhor e aos poucos, porque o homem avançava devagar, começou a distinguir a cabeça baixa, o contorno dos ombros cansados. Contorno doce, sem couraça. Hesitou seu coração, retendo o sorriso nos lábios — tantos homens haviam passado sem que nenhum fosse o que ela esperava. Ainda não podia ver-lhe o rosto, oculto entre barba e chapéu, quando deu o primeiro passo e correu ao seu encontro, liberando o coração. Era seu marido que voltava da guerra.

Não precisou perguntar-lhe se havia vindo para ficar. Caminharam até a casa. Já iam entrar, quando ele se reteve. Sem pressa voltou-se, e, embora a noite ainda não tivesse chegado, acendeu a lanterna. Só então entrou com a mulher. E fechou a porta.

 

COLASANTI, Marina. luz de lanterna, sopro de vento. in: ——.

Um espinho de marfim e outras hist—rias. Porto Alegre: l&PM, 1999. p.

165-168.

Fonte: Livro: Língua Portuguesa: linguagem e interação/ Faraco, Moura, Maruxo Jr. – 3.ed. São Paulo: Ática, 2016. p. 78-9.

ENTENDENDO O CONTO

 1.   As situações que você imaginou se concretizaram, de alguma forma, na história criada por Marina Colasanti?

Resposta pessoal.

2.   De que maneira a personagem principal persegue seu objeto de desejo?

Ela tenta manter acesa a chama da lanterna, noite após noite.

      3.O  clímax ocorre quando a mulher reencontra o marido, quando este volta da guerra pela segunda vez. De que maneira o desfecho aproxima a mulher de seu objeto de desejo? Explique.

      O gesto de acender a lanterna, executado agora pelo marido, sugere ao leitor o que acontecerá com ambas as personagens. O fogo, nesse caso, simboliza o calor, o amor, a proximidade entre ambos.

  4.   Como você explica o desfecho do conto?

     O desfecho aponta para a consolidação do amor entre marido e mulher. O fogo aceso mantém o marido “vivo” e “acordado”.

5.   Em sua opinião, que leitores mais se identificam com esse conto? Por quê?

Possivelmente leitores adultos, talvez do sexo feminino, capazes de se identificar com o drama vivenciado pela personagem feminina: a mulher que aguarda o retorno do marido que partiu para a guerra.

 

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

CONTO: AO DEUS DIÁLOGO - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

 Conto: Ao deus diálogo

              Marina Colasanti

        Para garantir a segurança de suas famílias, os antigos romanos mantinham em casa um altar aos deuses do lar. Hoje, sem altar mas com a mesma devoção, cultuamos o deus diálogo.

   Dele esperamos que resolva todos os problemas da relação, escancarando as portas do entendimento. Que funcione como uma espécie de garantia do amor, um seguro contra as separações. Dialogue! Exortam os terapeutas e os comportamentólogos. Dialogue! Incitam centenas de livros, milhares de revistas. E nós, que somos uma geração cheia de vontade de acertar, empunhamos os sagrados estandartes do diálogo e desandamos a falar.

        Mas será que o sabemos? Desde pequeninos uma frase marca nossa relação com essa difícil arte: “Cala a boca, menino!” Criança não tem vez para falar. Junto com o desmame, aprende que não deve interromper os adultos, não deve se meter em conversa de gente grande a não ser quando solicitada. Em meus tempos de colégio interno – que já vão bastante longe, mas nem por isso fazem parte da antiguidade – não podíamos falar nem nos dormitórios, nem nos corredores, nem no refeitório, nem na sala de aula, e muito menos na capela. Ou seja, não podíamos falar, a não ser nos recreios. Transgressões a essa regra implicavam perda das saídas quinzenais. Assim, as boas freiras se esforçavam para fazer de nós futuras dialogantes.

        Em casa continua o aprendizado. Qualquer filho descobre desde cedo que os pais utilizam dois diálogos diferentes: um na frente das crianças, e outro depois que as crianças estão dormindo, ou quando acham que elas não estão ouvindo. A partir daí, os filhos, aprendizes obedientes, passam a utilizar com os pais o mesmo sistema. (...)

        Esse aprendizado pode ganhar reforço behaviorista quando, dizendo para os pais ou adultos em geral aquilo que a prudência lhe aconselharia calar, a criança é devidamente castigada. Dessa forma, castigo e verdade estabelecem aos poucos, para ela, um sólido vínculo.

        Crescidos, temos fartas oportunidades de ver aplicado em larga escala aquilo que aprendemos. Os políticos e governantes falam uma coisa e pensam outra, os filósofos e os intelectuais apregoam uma liberdade que não praticam em casa, a boa senhora patrona de uma instituição de caridade maltrata a empregada. E todos parecem praticar um discurso para uso externo e outro para consumo interno.

        Ou seja, somos oficialmente instigados à abertura e à sinceridade, ao famoso diálogo. Mas, o que nos é realmente ensinado, como meio de defesa e de vitórias, é a duplicidade do discurso.

        E por falar em amor. São Paulo, Círculo do Livro, s/d. p. 115.

     Fonte: Português – Linguagem & Participação, 8ª Série – MESQUITA, Roberto Melo / Martos, Cloder Rivas – 2ª edição – 1999 – Ed. Saraiva, p. 97-8.


Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fwww.acessa.com%2Fnegocios%2Farquivo%2Fnoticias%2F2017%2F05%2F08-dialogo-trabalho%2F&psig=AOvVaw1qALaoL_Dk3yQUu5G6JBNf&ust=1607562514476000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCLjS-Zbbv-0CFQAAAAAdAAAAABAD

Entendendo o conto:

01 – De acordo com o texto, qual o significado das palavras abaixo:

·        Exortam: encorajam.

·        Behaviorista: relativo à teoria psicanalítica que estuda o poder dos estímulos no aprendizado.

·        Comportamentólogos: estudiosos do comportamento.

·        Incitam: animam, encorajam.

·        Apregoam: propagandeiam.

·        Transgressões: desobediências.

·        Instigados: aconselhados, encorajados.

02 – De que fala o texto?

      O texto fala de causas que dificultam o diálogo entre as pessoas.

03 – Qual a ideia desenvolvida pela autora deste texto?

      Embora conscientes da importância do diálogo, temos grande dificuldade para praticar “essa difícil arte”, pois, à nossa volta, valoriza-se a sinceridade do diálogo, mas o que realmente se ensina é a duplicidade do discurso.

04 – Segundo o texto, quais as causas da dificuldade de se tornar um “verdadeiro dialogante”?

      A educação que recebemos em casa e na escola, os exemplos dados pelos pais, políticos, filósofos e intelectuais que apregoam uma coisa e praticam outra: todos parecem ter um discurso para uso externo e outro para consumo interno.

05 – Há um momento em que a autora utiliza uma profunda e amarga ironia. Localize o trecho onde isso acontece.

      “Assim, as boas freiras se esforçavam para fazer de nós futuras dialogantes.”

       

sábado, 22 de agosto de 2020

CONTO: DE MUITO PROCURAR - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

 Conto: DE MUITO PROCURAR

                    Marina Colasanti

        Aquele homem caminhava sempre de cabeça baixa. Por tristeza, não. Por atenção. Era um homem à procura. À procura de tudo o que os outros deixassem cair inadvertidamente, uma moeda, uma conta de colar, um botão de madrepérola, uma chave, a fivela de um sapato, um brinco frouxo, um anel largo demais.

        Recolhia, e ia pondo nos bolsos. Tão fundos e pesados, que pareciam ancorá-lo à terra. Tão inchados, que davam contornos de gordo à sua magra silhueta.

        Silencioso e discreto, sem nunca encarar quem quer que fosse, os olhos sempre voltados para o chão, o homem passava pelas ruas despercebido, como se invisível. Cruzasse duas ou três vezes diante da padaria, não se lembraria o padeiro de tê-lo visto, nem lhe endereçaria a palavra. Sequer ladravam os cães, quando se aproximava das casas.

        Mas aquele homem que não era, via longe. Entre as pedras do calçamento, as rodas das carroças, os cascos dos cavalos e os pés das pessoas que passavam indiferentes, ele era capaz de catar dois elos de uma correntinha partida, sorrindo secreto como se tivesse colhido uma fruta.

        À noite, no cômodo que era toda sua moradia, revirava os bolsos sobre a mesa e, debruçado sobre seu tesouro espalhado, colhia com a ponta dos dedos uma ou outra mínima coisa, para que à luz da vela ganhasse brilho e vida. Com isso, fazia-se companhia. E a cabeça só se punha para trás quando, afinal, a deitava no travesseiro.

        Estava justamente deitando-se, na noite em que bateram à porta. Acendeu a vela. Era um moço.

        Teria por acaso encontrado a sua chave? Perguntou. Morava sozinho, não podia voltar para casa sem ela.

        Eu... Esquivou-se o homem. O senhor, sim, insistiu o moço acrescentando que ele próprio já havia vasculhado as ruas inutilmente.

        Mas quem disse... resmungou o homem, segurando a porta com o pé para impedir a entrada do outro.

        Foi a velha da esquina que se faz de cega, insistiu o jovem sem empurrar, diz que o senhor enxerga por dois.

        O homem abriu a porta.

        Entraram. Chaves havia muitas sobre a mesa. Mas não era nenhuma daquelas. O homem então meteu as mãos nos bolsos, remexeu, tirou uma pedrinha vermelha, um prego, três chaves. Eram parecidas, o moço levou as três, devolveria as duas que não fossem suas.

        Passados dias bateram à porta. O homem abriu, pensando que fosse o moço. Era uma senhora.

        Um moço me disse... Começou ela. Havia perdido o botão de prata da gola e o moço lhe havia garantido que o homem saberia encontrá-lo. Devolveu as duas chaves do outro. Saiu levando seu botão na palma da mão.

        Bateram à porta várias vezes nos dias que se seguiram. Pouco a pouco espalhava-se a fama do homem.

        Pouco a pouco esvaziava-se a mesa dos seus haveres.

        Soprava um vento quente, giravam folhas no ar, naquele fim de tarde, nem bem outono, em que a mulher veio. Não bateu à porta, encontrou-a aberta. Na soleira, o homem rastreava as juntas dos paralelepípedos. Seu olhar esbarrou na ponta delicada do sapato, na barra da saia. E manteve-se baixo.

        Perdi o juízo, murmurou ela com voz abafada, por favor, me ajude.

        Assim, pela primeira vez, o homem passou a procurar alguma coisa que não sabia como fosse. E para reconhecê-la, caso desse com ela, levava consigo a mulher.

        Saíam com a primeira luz. Ele trancando a porta, ela já a esperá-lo na rua. E sem levantar a cabeça ─ não fosse passar inadvertidamente pelo juízo perdido ─ o homem começava a percorrer rua após rua.

        Mas a mulher não estava afeita a abaixar a cabeça. E andando, o homem percebia de repente que os passos dela já não batiam ao seu lado, que seu som se afastava em outra direção. Então parava, e sem erguer o olhar, deixava-se guiar pelo taque-taque dos saltos, até encontrar à sua frente a ponta delicada dos sapatos e recomeçar, junto deles, a busca.

COLASANTI. Marina. Histórias de um viajante. São Paulo: Global, 2005

Entendendo a conto:

01 – O homem, personagem principal do texto, é descrito ao longo do conto. Como ele é?

      Era magro, taciturno, calado e solitário.

02 – A que se referem os adjetivos “fundos e pesados” e “inchados”?

      Referem-se aos bolsos da calça daquele homem.

03 – No trecho: “Mas aquele homem que não era, via longe.” (4.º parágrafo), a que característica do homem o narrador se refere com a expressão em destaque:

      Ao fato de ele andar de cabeça baixa, passava pelos lugares e pelas pessoas desapercebido, por isso o termo “que não era”.

04 – Escreva, de outra forma, a frase “Com isso, fazia-se companhia”, no quinto parágrafo, substituindo o SE por aquilo a que ele se refere:

      Com isso, fazia o seu tesouro de companhia.     

05 – Repare que há um diálogo no trecho que vai do oitavo ao décimo parágrafo. Escreva-o, usando a pontuação característica de um diálogo:

      “-- Eu... Esquivou-se o homem.

       -- O senhor, sim, insistiu o moço acrescentando que ele próprio já havia vasculhado as ruas inutilmente.

        -- Mas quem disse... resmungou o homem, segurando a porta com o pé para impedir a entrada do outro.

        -- Foi a velha da esquina que se faz de cega, insistiu o jovem sem empurrar, diz que o senhor enxerga por dois.”     

06 – O que significam as reticências nesse trecho?

      Foram usadas para indicar a suspensão ou interrupção de uma ideia ou pensamento.

07 – A quem se refere a palavra destacada em: “Devolveu as duas chaves do outro”?

      O outro aqui se refere ao rapaz que havia perdido a chave de casa, e que levou três chaves para ver qual serviria, e então a mulher devolveu as outras duas.

08 – O que significa o termo “seus haveres”? (16.º parágrafo)?

      Refere-se aos seus achados e perdidos.

09 – A chegada da mulher provocou inicialmente duas mudanças na vida do homem. Quais?

      Ele passou a procurar alguma coisa que não sabia como fosse e o homem também acabou perdendo o juízo.

10 – O que significa a expressão “afeita a abaixar a cabeça”, no último parágrafo?

      Significa que não estava disposta a abaixar a cabeça; andava altiva.

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

CRÔNICA: DE QUEM SÃO OS MENINOS DE RUA? MARINA COLASANTI - COM GABARITO

CRÔNICA: DE QUEM SÃO OS MENINOS DE RUA?   
                    Marina Colasanti  

         Eu, na rua, com pressa, e o menino segurou no meu braço, falou qualquer coisa que não entendi. Fui logo dizendo que não tinha, certa de que ele estava pedindo dinheiro. Não estava. Queria saber a hora.
          Talvez não fosse um Menino De Família, mas também não era um Menino De Rua. É assim que a gente divide. Menino De Família é aquele bem-vestido com tênis da moda e camiseta de marca, que usa relógio e a mãe dá outro se o dele for roubado por um Menino De Rua. Menino De Rua é aquele que quando a gente passa perto segura a bolsa com força porque pensa que ele é pivete, trombadinha, ladrão.
          Ouvindo essas expressões tem-se a impressão de que as coisas se passam muito naturalmente, uns nascendo De Família, outros nascendo De Rua. Como se a rua, e não uma família, não um pai e uma mãe, ou mesmo apenas uma mãe os tivesse gerado, sendo eles filhos diretos dos paralelepípedos e das calçadas, diferentes, portanto, das outras crianças, e excluídos das preocupações que temos com elas. É por isso, talvez, que, se vemos uma criança bem-vestida chorando sozinha num shopping center ou num supermercado, logo nos acercamos protetores, perguntando se está perdida, ou precisando de alguma coisa.           Mas se vemos uma criança maltrapilha chorando num sinal com uma caixa de chicletes na mão, engrenamos a primeira no carro e nos afastamos pensando vagamente no seu abandono.
           Na verdade, não existem meninos De Rua. Existem meninos NA rua. E toda vez que um menino está NA rua é porque alguém o botou lá. Os meninos não vão sozinhos aos lugares. Assim como são postos no mundo, durante muitos anos também são postos onde quer que estejam. Resta ver quem os põe na rua. E por quê.
            No Brasil temos 36 milhões de crianças carentes. Na China existem 35 milhões de crianças superprotegidas. São filhos únicos resultantes da campanha Cada Casal um Filho, criada pelo governo em 1979 para evitar o crescimento populacional. O filho único, por receber afeto "em demasia", torna-se egoísta, preguiçoso, dependente, e seu rendimento é inferior ao de uma criança com irmãos. Para contornar o problema, já existem na China 30 mil escolas especiais. Mas os educadores admitem que "ainda não foram desenvolvidos métodos eficazes para eliminar as deficiências dos filhos únicos".
             O Brasil está mais adiantado. Nossos educadores sabem perfeitamente o que seria necessário para eliminar as deficiências das crianças carentes. Mas aqui também os "métodos ainda não foram desenvolvidos".
                Quando eu era criança, ouvi contar muitas vezes a história de João e Maria, dois irmãos filhos de pobres lenhadores, em cuja casa a fome chegou a um ponto em que, não havendo mais comida nenhuma, foram levados pelo pai ao bosque, e ali abandonados. Não creio que os 7 milhões de crianças brasileiras abandonadas conheçam a história de João e Maria. Se conhecessem talvez nem vissem a semelhança. Pois João e Maria tinham uma casa de verdade, um casal de pais, roupas e sapatos. João e Maria tinham começado a vida como Meninos De Família, e pelas mãos do pai foram levados ao abandono.
               Quem leva nossas crianças ao abandono? Quando dizemos "crianças abandonadas" subentendemos que foram abandonadas pela família, pelos pais. E, embora penalizados, circunscrevemos o problema ao âmbito familiar, de uma família gigantesca e generalizada, à qual não pertencemos e com a qual não queremos nos meter. Apaziguamos assim nossa consciência, enquanto tratamos, isso sim, de cuidar amorosamente de nossos próprios filhos, aqueles que "nos pertencem".
              Mas, embora uma criança possa ser abandonada pelos pais, ou duas ou dez crianças possam ser abandonadas pela família, 7 milhões de crianças só podem ser abandonadas pela coletividade. Até recentemente, tínhamos o direito de atribuir esse abandono ao governo, e responsabilizá-Io. Mas, em tempos de Nova República*, quando queremos que os cidadãos sejam o governo, já não podemos apenas passar adiante a responsabilidade. A hora chegou, portanto, de irmos ao bosque, buscar as crianças brasileiras que ali foram deixadas.

(COLASANTI, Marina. A casa das palavras. São Paulo: Ática, 2002.)

Fonte: Livro – Tecendo Linguagens – Língua Portuguesa – 7º ano – Ensino Fundamental – IBEP p. 254/255.
POR DENTRO DO TEXTO:

01 – Que fato narrado no primeiro parágrafo desencadeou a reflexão desenvolvida ao longo do texto?
      O fato de o narrador-personagem ter sido abordado por um menino na rua. Inicialmente, ele nem o ouviu direito e achou que o menino pedia algo. No entanto, o garoto só queria saber as horas.

02 – No texto, a categoria meninos é dividida em dois grandes grupos.
a)   Quais são esses grupos?
“Menino de Família” e “Menino de Rua”.

b)   Como eles são diferenciados no texto?
Eles são diferenciados pela forma como, em geral, são vistos: o “Menino de Família” é bem-vestido, tem mãe; o “Menino de Rua” geralmente rouba o relógio do “Menino de Família” e é visto como uma ameaça; um trombadinha, pivete, ladrão.

c)   Em sua opinião, o texto pode ser considerado preconceituoso por estabelecer essa divisão?
Resposta pessoal.

d)   O menino a quem a autora se refere no início da crônica se encaixa em qual dos dois grupos? Justifique sua resposta transcrevendo um trecho do texto.
O menino não se encaixa em qualquer um dos grupos, como pode ser confirmado no trecho “Talvez não fosse um Menino de Família, mas também não era um Menino de Rua.”

03 – A crônica descreve a diferença no comportamento das pessoas diante de uma criança bem-vestida chorando e de uma criança maltrapilha fazendo o mesmo.
a)   Qual é essa diferença?
O texto descreve que uma criança bem-vestida chorando costuma receber atenção, proteção, enquanto uma maltrapilha costuma ser ignorada.

b)   Em sua opinião, por que acontece essa diferença de comportamento?
Resposta pessoal do aluno.

c)   O que, provavelmente, a autora quis dizer ao usar a expressão “filhos diretos dos paralelepípedos e das crianças?
Provavelmente, ela quis dizer que as crianças são consideradas filhas da rua, como se ninguém as tivesse gerado, como se não tivessem família.

04 – O texto estabelece um paralelo entre as 36 milhões de crianças carentes do Brasil e as 35 milhões de crianças superprotegidas da China, associando alguns problemas a cada uma dessas realidades.
     a) Pesquise na internet ou em livros de História a respeito da política de natalidade da China, que pode contextualizar a informação apresentada pela autora.
         Os alunos devem compreender melhor a política do filho único, implantada na China na década de 1970, como forma de controlar o crescimento populacional.

     b) Quais problemas são associados aos filhos únicos da China?
         Segundo o texto, muitos filhos únicos na China, por receber afeto “em demasia”, tornam-se egoístas, preguiçosos, dependentes, e seu rendimento é inferior ao de uma criança com irmãos. Deve-se trabalhar com os alunos que não se trata de uma regra e que certamente não se pode generalizar tal afirmação.

     c)Levante uma hipótese: o que pode ter gerado, no Brasil, 36 milhões de crianças carentes? Pesquise na internet se houve mudança nesse número.
        Resposta pessoal do aluno.

05 – Agora é sua vez de produzir um texto. Para isso, releia a crônica e tome nota sobre: situação-problema, questão controversa, dados sobre crianças em situação de rua, responsabilidade pelo problema e conclusão. Produza então um resumo, usando essas anotações.
      A autora relata que um menino segurou em seu braço e a assustou, o que a motivou a refletir sobre a ideia de menino de rua e menino de família e a forma preconceituosa como pessoas lidam com esse problema. A autora apresenta dados da época que denunciavam em torno de 7 milhões de crianças abandonadas, procurando mostrar que a responsabilidade não é apenas da família, mas de toda a sociedade.

06 – Para você, qual foi a mensagem mais importante do texto em relação à proteção da infância? Explique.
      Resposta pessoal do aluno.

07 – Em sua opinião, por que foi utilizada a letra inicial maiúscula nos termos destacados no trecho a seguir?
        “Talvez não fosse um Menino de Família, mas também não era um Menino de Rua.
      Resposta pessoal do aluno.

08 – Releia: “Na verdade, não existem Meninos de Rua. Existem meninos Na rua. E toda vez que um menino está Na rua é porque alguém o botou lá. [...]”.
        Qual é a diferença de sentido entre os termos destacados? Qual é o efeito de sentido gerado pelo uso desses termos, no excerto?
     Enquanto “de Rua” caracteriza “meninos” em uma situação permanente, “Na rua” dá a ideia de um estado momentâneo.

09 – No penúltimo parágrafo, há uma pergunta que estimula a reflexão do leitor. Releia: “Quem leva nossas crianças ao abandono?”
a)   Qual é a resposta sugerida para essa pergunta, no próprio texto?
Que todos nós, como indivíduos que formam a coletividade, somos responsáveis pelo abandono dessas crianças.

b)   Você concorda com esse posicionamento?
Resposta pessoal do aluno.





sexta-feira, 24 de maio de 2019

CRÔNICA: NA ESQUINA E NA PRAÇA - MARINA COLASANTI - COM GABARITO

Crônica: Na esquina e na praça
                      
                 Marina Colasanti

        Dobramos a esquina e vi o homem caído. Não. Dobramos a esquina e ouvi os gritos do homem caído. Não. Dobramos a esquina e ouvi os gritos. Aí vi que eram de um homem caído.
        -- Mãe, vou até a praça com a Rita brincar nos balanços.
        -- Tá bem. Não demora. Rita, traz leite na volta.

        Vi o homem caído e pensei que estivesse ferido e falei, para o carro que o homem está ferido. Mas logo pensei que estivesse bêbado, mania minha de dramatizar. Aí vi o sangue.
        Começou a chover, achei que as meninas tinham se protegido debaixo de alguma marquise. Não me preocupei por elas estarem demorando.
        O homem estava caído ao lado da carrocinha de cachorro-quente, na calçada da praia. Saltamos do carro correndo. Pensei que tinha se machucado carregando engradados de refrigerantes, tinha se cortado nos cacos. Tentei inventar uma história para justificar de forma incolor o homem caído no sangue. Mas o homem tinha a sua história.
        Reclamei com as duas quando as vi chegar. Vinham suadas, de cabelo molhado. Cadê o leite? Perguntei.
        -- Foi assalto. Levaram todo o dinheiro. Estavam de carro.
        O homem pálido, a cabeça encostada num embrulho, quase não se mexia. Cadê a ambulância? Já vem. O sangue na calçada ia virando mingau, os sapatos deixaram uma marca clara revelando o cimento.
        -- Mãe, você não sabe o que aconteceu!
        -- Deram tiro nele de pura malvadeza. Não queriam pagar o cachorro-quente e ainda levaram o dinheiro.
        O homem gemendo. Me leva, gente, me leva que eu estou morrendo. Tá morrendo nada, foi na perna, amigo, perna não mata ninguém. É, mas é na perna que tem o femural, eu fosse a senhora levava ele, a ambulância não vem mesmo, o homem acaba morrendo.
        Acaba morrendo no meu carro. Aí, o que é que eu faço? E vai manchar tudo de sangue. Não, não é por causa do sangue, mas é porque a gente não deve mexer em gente ferida. Não é não, é por causa do medo mesmo, estou com medo de me envolver com o homem, com o sangue do homem, com a morte e a vida do homem. Oh, meu Deus, por que é que eu fui passar por esta esquina e dar de cara com a minha mesquinhez?
        -- Mãe, foi um bando de meninos [...]. Eles rodearam a gente e atiraram areia e pedras na gente, puxaram o cabelo da Rita, aí disseram que minha mãe era piranha e eu disse que não era, que minha mãe é jornalista, e eles não deixavam a gente ir embora nem andar, e disseram que iam arrancar minha carteira e tomar meu dinheiro e ainda me davam uma surra.  
        -- Eu vi da janela quando deram o tiro nele.
        Será que o homem morre mesmo? e se morrer e eu não tiver levado ele, como é que vou viver depois? E seu levar e morrer no caminho, como é que eu vou viver depois? Mas eu juro que a ambulância vem, o homem disse que vinha. Eu preciso que a ambulância venha.
        -- Aí, mãe, chegaram dois moços e vieram salvar a gente. Espantaram os meninos, deram a maior bronca, e trouxeram a gente até aqui embaixo.
        Lá vem a ambulância. Pronto. É pela boca da calça que se levanta a perna de um ferido. Eles sabem mexer sem machucar. O homem não está morrendo, não vai morrer, não tem femural nenhuma. Foi um tiro na perna, e eu estou salva.
        -- Tive tanto medo, mãe.

                     Marina Colasanti. Na esquina e na praça. In: _______ A casa das palavras. São Paulo: Ática. [s.d.] v. 32.
Entendendo a crônica:

01 – O que você achou do texto e das situações apresentadas nele?
      Resposta pessoal do aluno.

02 – O que a leitura desse texto despertou em você? Comente com os colegas e verifiquem se eles também tiveram a mesma sensação ao ler o texto.
      Resposta pessoal do aluno.

03 – Por que o primeiro parágrafo, a narradora relata os fatos na ordem não linear? Que efeito de sentido isso causa na compreensão?
      Isso ocorreu porque ela foi relatando os fatos com base no que ia recordando, o que torna a narrativa não linear. O efeito é a ideia de agitação da vida cotidiana.

04 – Embora a história seja contada de forma desordenada, é possível perceber que duas situações diferentes de violência foram relatadas.
a)   Que situações são essas?
O homem que levou um tiro na perna e as meninas que foram assaltadas.

b)   Identifique em cada parágrafo do texto cada uma das duas histórias apresentadas.
Resposta pessoal do aluno. Sugestão: A resposta está indicada no texto.

05 – Releia o seguinte trecho: “Acaba morrendo no meu carro. Aí, o que é que eu faço? E vai manchar tudo de sangue. Não, não é por causa do sangue, mas é porque a gente não deve mexer em gente ferida. Não é não, é por causa do medo mesmo, estou com medo de me envolver com o homem, com o sangue do homem, com a morte e a vida do homem. Oh, meu Deus, por que é que eu fui passar por esta esquina e dar de cara com a minha mesquinhez?”

a)   Por que o narrador se considera mesquinha? Explique.
Porque ela reconhece que estava mais preocupada com a sua própria situação do que com o problema vivenciado pela pessoa que estava precisando de ajuda.

b)   A maneira como a narradora desse trecho trata o problema revela que a violência é vista de que forma?
A atitude dela revela que a violência é vista de maneira banal.