terça-feira, 24 de novembro de 2020

ARTIGO DE OPINIÃO: SETENTA ANOS, POR QUE NÃO? LYA LUFT - COM GABARITO

 Setenta anos, por que não?

 Lya Luft

"Hoje em dia, fazer 70 anos é uma banalidade. Vou reunir filhos e pouquíssimos amigos e fazer aquela festona nos 80"

Acho essa coisa da idade fascinante: tem a ver com o modo como lidamos com a vida. Se a gente a considera uma ladeira que desce a partir da primeira ruga, ou do começo de barriguinha, então viver é de certa forma uma desgraceira que acaba na morte. Desse ponto de vista, a vida passa a ser uma doença crônica de prognóstico sombrio. Nessa festa sem graça, quem fica animado? Quem não se amargura?

O tempo me intriga, como tantas coisas, desde quando eu tinha uns 5 anos. Quando esta coluna for publicada, mais ou menos por aqueles dias, estarei fazendo 70. Primeiro, há meses, pensei numa grande festa, eu que sou avessa a badalações e gosto de grupos bem pequenos. Mas pensei, bem, 70 vale a pena! Aos poucos fui percebendo que hoje em dia fazer 70 anos é uma banalidade. Vou reunir filhos e pouquíssimos amigos e fazer aquela festona nos 80. Ou 90.

Pois se minhas avós eram damas idosas aos 50, sempre de livro na mão lendo na poltrona junto à janela, com vestidos discretíssimos, pretos de florzinha branca (ou, em horas mais festivas, minúsculas flores ou bolinhas coloridas), hoje aos 70 estamos fazendo projetos, viajando (pode ser simplesmente à cidade vizinha para visitar uma amiga), indo ao teatro e ao cinema, indo a restaurante (pode ser o de quilo, ali na esquina), eventualmente namorando ou casando de novo. Ou dando risada à toa com os netos, e fazendo uma excursão com os filhos. Tudo isso sem esquecer a universidade, ou aprender a ler, ou visitar pela primeira vez uma galeria de arte, ou comer sorvete na calçada batendo papo com alguma nova amiga.

Outro dia minha neta de quase 10 anos me disse: "Você é a pessoa mais divertida que conheço, é a única avó do mundo que sai para comprar mamão e volta com um buldogue". Era verdade. Se sou tão divertida não sei, mas gosto que me vejam não como a chata que se queixa, reclama e cobra, mas como aquela que de verdade vai comprar a fruta de que o marido mais gosta, anda com vontade de ter de novo um cachorro e entra na loja quase ao lado do mercado. Por um acaso singular, pois não são cachorros muito comuns, ali há um filhotinho de buldogue inglês que voltou comigo para casa em lugar da fruta. Foi batizada de Emily e virou mais uma alegria.

E por que não? Por que a passagem do tempo deveria nos tornar mais rígidas, mais chatas, mais queixosas, mais intolerantes, espantalhos dos afetos e da alegria? "Why be normal?", dizia o adesivo que amigos meus mandaram fazer há muitos anos para colocarmos em nossos carros só pela diversão, pois no fundo não queria dizer nada além disso: em nossas vidas atribuladas, cheias de compromissos, trabalho, pouco dinheiro, cada um com seus ônus e bônus, a gente podia cometer essa transgressão tão inocente e engraçada, de ter aquele adesivo no carro.

Não precisamos ser tão incrivelmente sérios, cobrar tanto de nós, dos outros e da vida, críticos o tempo todo, vendo só o lado mais feio do mundo. Das pessoas. Da própria família. Dos amigos. Se formos os eternos acusadores, acabaremos com um gosto amargo na boca: o amargor de nossas próprias palavras e sentimentos. Se não soubermos rir, se tivermos desaprendido como dar uma boa risada, ficaremos com a cara hirta das máscaras das cirurgias exageradas, dos remendos e intervenções para manter ou recuperar a "beleza". A alma tem suas dores, e para se curar necessita de projetos e afetos. Precisa acreditar em alguma coisa.

O projeto pode ser comprar um vaso de flor e botar na janela ou na mesa, para contemplarmos beleza. Pode ser o telefonema para o velho amigo enfermo. Pode ser a reconciliação com o filho que nos magoou, ou com o pai que relegamos, quando não nos podia mais sustentar. O afeto pode incluir uma pequena buldogue chamada Emily, para alegrar ainda mais a casa, as pessoas, sobretudo as crianças, que estão sempre por aqui, o maior presente de uma vida de apenas 70 anos.

 Fonte:http://www.udemo.org.br/Leituras/Leituras_242.htm

Fonte da imagem:https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fm.folha.uol.com.br%2Filustrada%2F2017%2F09%2F1921164-colecao-traz-perdas--ganhos-sucesso-editorial-da-gaucha-lya-luft.shtml&psig=AOvVaw11YjWXPUbX9V1FDO9wbGqg&ust=1606318335783000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCMDO5KTAm-0CFQAAAAAdAAAAABAD

Questões

          1)   Quais são os pontos chaves que são abordados nesse artigo?

·        A banalidade de fazer setenta anos.

·        O modo como lidamos com a vida.

·        Vivemos mais do que nossos antepassados.

·        Manter o bom humor, a alegria de viver.

·        Se formos eternos acusadores, acabaremos com amargor em nossas próprias palavras e sentimentos.

·        Precisamos ter projetos sempre.


2)   As aspas empregadas em “dos remendos e intervenções para manter ou recuperar a “beleza”, permitem a leitura de uma crítica à ideia de que:

          a)     Cada idade tem sua beleza própria.

         b)    A beleza só está associada à juventude.

         c)     A beleza interior deve valer mais do que a exterior.

         d)    O conceito de beleza é subjetivo, bastante relativo.

        e)     Trabalhando a mente, o corpo fica belo.

 3)   Qual a finalidade desse artigo?

             A autora nos fala da banalidade de se fazer setenta anos, uma vez que, nas últimas décadas, a expectativa de vida aumentou significativamente em todo o mundo.

          4)   Qual a posição defendida pela autora, nesse texto?

            Que devemos ter sempre projetos, pois eles nós irá impulsionar a olhar para frente, mesmo que seja pequeno, e também manter o bom humor sempre.

        5)   Cite pelo menos dois argumentos utilizados pela autora para defender sua posição.

·        Que não iria fazer festa aos setenta anos, pois fazer setenta anos é uma banalidade, e sim fazer uma festona aos oitenta anos.

·        Que essa coisa de idade é fascinante: tem a ver com o modo como lidamos com a vida. Sempre nosso olhar otimista ou pessimista.

6)   Qual argumento mais convincente, na sua opinião, que o autor utiliza?

                    Resposta pessoal.

             7)   A questão discutida é mesmo controversa e de relevância social?

                 Sim, porque a autora aborda um tema tão relevante de forma sutil e leve.

               Já que hoje, graças aos avanços da medicina moderna e também das iniciativas na área de saúde pública, nos ajudam a viver mais do que nunca.

           A controversa é que a sociedade ainda não tem esse olhar para as pessoas com mais de sessenta anos, imagine setenta.

 

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

MÚSICA(ATIVIDADES): NA MORAL - CIDADE NEGRA - COM GABARITO

MÚSICA(aTIVIDADES): NA MORAL

                                                               Cidade Negra

 Ah-ah-ah

Há de se respeitar a minha moral
O meu visual, e tudo que eu digo
Pra alguém me escutar
Mesmo a tal cibernética

Ah-ah, ah-ah
E ser imortal não é natural
Eu não sou capacho
Eu sei os meus passos pra não vacilar
Ah, pra não vacilar

É que eu insisto transparecer
No que eu acredito, sem ressentimentos
E há tanta gente pra convencer
E que sei que sentem
O mesmo do que eu sinto

Com a certeza do meu destino
Sei que o universo vai conspirar comigo

Tão precisando de amor
Tão precisando resolver
Tão precisando de carinho

Tão precisando de amor
Tão precisando resolver
Tão precisando de carinho
Carinho, oh-oh

O tempo passa
E suas piadinhas já não tem mais graça
E não disfarça o mar de lama da sua piscina
Pouca vergonha que crescente contamina

Oh, gente da tua laia
Que…


ENTENDENDO A CANÇÃO

 1)   A partir da compreensão global da canção “Na Moral”, só NÃO é correto afirmar que:

a)   O respeito seria consequência da preservação da própria identidade.

b)   O enunciador tem consciência de seus objetivos, de seus passos.

c)   A moral do enunciador pode ser percebida por meio de traços físicos e comportamentais.

d)   A necessidade de convencer o outro é exclusiva do enunciador.

 2)   Que figura de linguagem encontramos nesses versos?

“Tão precisando de amor

Tão precisando resolver

Tão precisando de carinho”

A figura é Anáfora.

 3)   Copie da canção versos em que o eu lírico se impõe diante da sociedade.

“Há de se respeitar a minha moral

O meu visual, e tudo que eu digo”.

 4)   Em que versos o eu lírico demonstra ter certeza de seu destino? Copie-o.

“Com a certeza do meu destino

Sei que o universo vai conspirar comigo”.

 5)   Pesquise e dê o significado das seguintes expressões:

Na moral = que está tudo bem, tudo tranquilo, sem problemas, de boa.

Não sou capacho = pessoas que permitem que os demais o utilizem como bem entender.

Da tua laia = no modo de vida de determinado classe ou grupo.

 












domingo, 22 de novembro de 2020

CONTO: O HOMEM QUE QUIS LAÇAR DEUS - SILVIO ROMERO - COM GABARITO

 Conto: O homem que quis laçar Deus          

Silvio Romero

  Havia um homem que era muito pobre e com muita família. No lugar em que morava, havia uma estrada muito grande e se dizia que por ali passava Deus e o mundo. Ouvindo dizer isto o homem, e querendo saber a razão por que Deus o tinha feito tão pobre, armou um laço e assentou-se na estrada à espera de Deus.

        Levou assim muito tempo, e todos que passavam perguntavam o que estava ali fazendo. Ele respondia que queria pegar Deus. Afinal, estando já desenganado de que nada fazia, já ia para casa, quando apareceu-lhe um velhinho e deu-lhe quatro vinténs, dizendo que só comprasse um objeto que custasse aqueles quatro vinténs. Nem mais barato, nem mais caro.

        O homem foi para casa muito contente, imaginando no que havia de comprar com aquele dinheiro. Lembrou-se de um compadre negociante rico que tinha, o qual estava para fazer viagem a buscar sortimentos para sua loja. Dirigiu-se o compadre pobre para a casa do compadre rico e pediu-lhe que comprasse qualquer coisa que custasse aqueles quatro vinténs.

        Fez o compadre a sua viagem e chegando na cidade não encontrou nada por aquele preço. Foi ao mercado e ainda nada. Só encontrava objetos por três vinténs, um tostão, meia pataca, dois mil réis, três, etc.

        Ia já para casa, quando ouviu um menino mercar: “quem quer comprar um gato? Custa quatro vinténs.” O homem ficou muito contente e comprou o gato. Era um animal raro naquele lugar. Chegando o negociante em casa do amigo onde estava hospedado, e que também era do comércio, este ficou desejoso de possuir aquele animal e pediu ao amigo para deixar o gato passar a noite na loja, onde havia muito rato, que lhe davam um grande prejuízo.

        No outro dia quando abriram a casa, tinha uma quantidade tão grande de ratos mortos que causou admiração. Aí o negociante dono da casa ofereceu uma grande soma de dinheiro ao amigo pelo gato.

        Este recusou, dizendo ser o gato de um seu compadre muito pobre, que o tinha encarregado de comprar um objeto qualquer com quatro vinténs. Insistiu muito o negociante e afinal ofereceu tanto dinheiro que o amigo não pôde recusar e vendeu o gato. Voltou o compadre rico de sua viagem, mas chegando em casa teve tanta pena de dar o dinheiro ao compadre, que o enganou com uma peça de chita, muito ordinária, dizendo ter comprado aquilo com os quatro vinténs.

        O compadre pobre ficou muito contente e, chegando em casa, a mulher desmanchou logo a fazenda em camisas para os filhos. Mas como Deus não quer nada mal feito, assim que o compadre saiu com a peça de chita, o rico caiu com uns ataques muito fortes e já para morrer. A mulher o aconselhou a que se confessasse, que ele estava muito mal, e chegando o padre e sabendo do segredo, mandou-o restituir todo o dinheiro do compadre pobre. Este veio a chamado do rico, que logo melhorou, só com a presença dele.

        Mas o ricaço, não tendo coragem de entregar o dinheiro, ainda enganou o outro com outra peça de fazenda ordinária.

        O pobre não cabia de si de contente, e mal tinha saído, já o rico estava outra vez morre não morre. É chamado de novo a toda pressa o compadre pobre, sendo ainda uma vez enganado com outra peça de fazenda, mas desta vez o rico já estava quase expirando, e não teve outro remédio senão declarar ao companheiro que aquelas barricas que ali estavam eram dele com todo o dinheiro que continham.

        Ouvindo isto, o pobre quase que não se segurava em pé, tal foi o choque que sentiu, e como louco correu a dar novas à família, que não sabia como explicar tamanha felicidade. Houve oito dias de festas e o pobre ficou logo cercado de muitos amigos, entre eles o rico que ficou bom da moléstia esquisita, assim que entregou o dinheiro.

Romero, Sílvio. folclore brasileiro; cantos e contos populares do brasil. 3 v. Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1954. Coleção Documentos Brasileiros.

Entendendo o conto:

01 – Em relação à estrutura textual do conto.

a)   Quantos parágrafos tem o conto?

O conto tem onze parágrafos.

b)   Narrador:

·        Participa da história.

·        Conta os fatos sem participar.

c)   Em relação ao discurso das personagens.

·        Presença de discurso: - Direto.

                                    - Indireto.

d)   Qual é a tipologia predominante no conto:

·        Narrativa.

·        Argumentativa.

·        Descritiva.

02 – Qual é o tema do conto?

      A avareza do homem rico.

03 – Quais os personagens que fazem parte dessa narrativa?

      O homem pobre, seu compadre rico, um velhinho, um menino, a mulher do homem pobre, o padre, o negociante e a mulher do homem rico.

04 – Que fato provocou o desenrolar dos acontecimentos descritos no texto?

      O fato do homem pobre ter acreditado num ditado popular “por ali passava Deus e o mundo”; ele resolveu ficar numa estrada perto de sua casa para laçar Deus.

05 – Em que momento surge o conflito da história?

      Quando o compadre rico não quer dar ao homem pobre o dinheiro da venda do gato.

06 – Por que o homem pobre desistiu de laçar Deus?

      Porque apareceu-lhe um velhinho e deu-lhe quatro vinténs.

07 – O compadre rico enganava o homem pobre dando-lhe o quê?

      Uma peça de chita muito ordinária.

08 – O que acontecia com o ricaço quando enganava seu compadre pobre?

      Tinha uns ataques fortes e ficava entre a vida e a morte.

09 – Qual o desfecho (epílogo ou conclusão) da história?

      O compadre rico declara ao homem pobre que aquelas barricas que ali estavam eram dele com todo o dinheiro que continham.

 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

CRÔNICA: CUIDADO COM OS REVIZORES - LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO - COM GABARITO

 Crônica: CUIDADO COM OS REVIZORES                    

                    Luís Fernando Veríssimo

Todo escritor convive com um terror permanente: o do erro de revisão. O revisor é a pessoa mais importante na vida de quem escreve. Ele tem o poder de vida ou de morte profissional sobre o autor. A inclusão ou omissão de uma letra ou vírgula no que sai impresso pode decidir se o autor vai ser entendido ou não, admirado ou ridicularizado, consagrado ou processado. Todo texto tem, na verdade, dois autores: quem o escreveu e quem o revisou. Toda vez que manda um texto para ser publicado, o autor se coloca nas mãos do revisor, esperando que seu parceiro não falhe. Não há escritor que não empregue palavras como, por exemplo: “ônus” ou “carvalho” e depois fique metaforicamente de malas feitas, pronto para fugir do país se as palavras não saírem impressas como no original, por um lapso do revisor. Ou por sabotagem.

Sim, porque a paranoia autoral não tem limites. Muitos autores acreditam firmemente que existe uma conspiração de revisores contra eles. Quando os revisores não deixam passar erros de composição (hoje em dia, de digitação), fazem pior: não corrigem os erros ortográficos e gramaticais do próprio autor, deixando-o entregue às consequências dos seus próprios pecados de concordância, das suas crases indevidas e pronomes fora do lugar. O que é uma ignomínia. Ou será ignomia? Enfim, não se faz.

Pode-se imaginar o que uma conspiração organizada, internacional, de revisores significaria para a nossa civilização. Os revisores só não dominam o mundo porque ainda não se deram conta do poder que têm. Eles desestabilizariam qualquer regime com acentos indevidos e pontuações maliciosas, além de decretos oficiais ininteligíveis. Grandes jornais seriam levados à falência por difamações involuntárias, exércitos inteiros seriam imobilizados por manuais de instrução militar sutilmente alterados, gerações de estudantes seriam desencaminhadas por cartilhas ambíguas e fórmulas de química incompletas. E os efeitos de uma revisão subversiva na instrução médica são terríveis demais para contemplar.

Existe um exemplo histórico do que a revisão desatenta – ou mal-intencionada – pode fazer. Uma das edições da Versão Autorizada da Bíblia publicada na Inglaterra por iniciativa do rei James I, no século XVII, ficou conhecida como a “Bíblia Má”, porque a injunção “Não cometerás adultério” saiu, por um erro de impressão, sem o “não”. Ninguém sabe se o volume de adultérios entre os cristãos de fala inglesa aumentou em decorrência dessa inesperada sanção bíblica até descobrirem o erro, ou se o impressor e o revisor foram atirados numa fogueira juntos, mas o fato prova que nem a palavra de Deus está livre do poder dos revisores.

A mesma bíblia do rei James serve como um alerta (ou como o incentivo, dependendo de como se entender a história) para a possibilidade que o revisor tem de interferir no texto. O objetivo de James I era fazer uma versão definitiva da Bíblia em inglês, com aprovação real, para substituir todas as outras traduções da época, principalmente as que mostravam uma certa simpatia republicana nas entrelinhas (como a Bíblia de Genebra, feita por calvinistas e adotada pelos puritanos ingleses, e que é a única Bíblia da História em que Adão e Eva vestem calções. Para isso, James reuniu um time dividido entre os que cuidariam do Velho e do Novo Testamento, das partes proféticas e das partes poéticas, etc. Especula-se que as traduções dos trechos poéticos teriam sido distribuídas entre os poetas praticantes da época, para revisarem e, se fosse o caso, melhorarem, desde que não traíssem o original. Entre os poetas em atividade na Inglaterra de James I estava William Shakespeare. O que explicaria o fato de o nome de Shakespeare aparecer no Salmo 46 – “shake” é a 46ª palavra do salmo a contar do começo, “speare” a 46ª a contar do fim. Na tarefa de revisor, e incerto sobre a sua permanência na História como sonetista ou dramaturgo, Shakespeare teria inserido seu nome clandestina e disfarçadamente numa obra que sem dúvida sobreviveria aos séculos. (Infelizmente, diz Anthony Burgess, em cujo livro A mouthful of air a encontrei, há pouca probabilidade de esta história ser verdadeira. De qualquer maneira, vale para ilustrar a tentação que todo revisor deve sentir de deixar sua marca, como grafite, na criação alheia.)

Não posso me queixar dos revisores. Fora a vontade de reuni-los em algum lugar, fechar a porta e dizer “Vamos resolver de uma vez por todas a questão da colocação das vírgulas, mesmo que haja mortos”, acho que me têm tratado bem. Até me protegem. Costumo atirar os pronomes numa frase e deixá-los ficar onde caíram, certo de que o revisor os colocará no lugar adequado. Sempre deixo a crase ao arbítrio deles, que a usem se acharem que devem. E jamais uso a palavra “medra”, para livrá-los da tentação.

Texto originalmente publicado em: VIP Exame, mar. 1995, p. 36-37.

Fonte da imagem: https://www.google.com/url?sa=i&url=https%3A%2F%2Fjornalggn.com.br%2Fopiniao%2Frevisores-que-enrolam-editores-que-empacam%2F&psig=AOvVaw1LNipws7_QQKSPF3P3zaXo&ust=1606005342461000&source=images&cd=vfe&ved=0CAIQjRxqFwoTCNDR5aqyku0CFQAAAAAdAAAAABAD

ENTENDENDO A CRÔNICA

1)   Em “Toda vez que manda um texto para ser publicado, o autor se coloca nas mãos do revisor, esperando que seu parceiro não falhe. Não há escritor que não empregue palavras como, por exemplo: “ônus” ou “carvalho” e depois fique metaforicamente de malas feitas, pronto para fugir do país se as palavras não saírem impressas como no original, por um lapso do revisor. Ou por sabotagem”. (1º parágrafo), o “lapso” ou “sabotagem” do revisor se daria por:

a)   Coesão malfeita, oriunda de um problema de colocação pronominal.

b)   Imprecisão vocabular, que redundaria em erro de concordância nominal.

c)   Erro de regência verbal, implicando dificuldade na interpretação.

d)   Uma confusão ortográfica, que provocaria modificação semântica no texto.

e)   Utilização de palavras eruditas, dando um caráter demasiadamente culto ao texto.

 2)   Leia o excerto extraído do texto de Verissimo e o comentário abaixo. Em seguida, identifique as afirmativas como verdadeiras ( V ) e falsas ( F ).

“Todo escritor convive com um terror permanente: o do erro de revisão.”

 Para evitar “o terror permanente do escritor”, ou seja, para revisar com segurança, o revisor deve levar em conta alguns fatores:

 (  ) o tipo e o nível de linguagem em que o texto está escrito.

(  ) a adequação da linguagem ao objetivo do texto e ao leitor.

(  ) a adequação dos conhecimentos veiculados pelo texto ao nível de conhecimentos de base do leitor a quem ele se destina, de modo que seja mantido o equilíbrio entre o “dado” e o “novo”.

(  ) a presença da linguagem plurissignificativa no texto literário.

(  ) a variação linguística, a complexidade, a preponderância de conotação que caracterizam o texto técnico. Assinale a alternativa que indica a sequência correta, de cima para baixo.

a. ( X ) V – V – V – V – F

b. (  ) V – F – V – F – V

c. (  ) V – V – V – F – F

d. (  ) F – V – F – V – F

e. (  ) F – V – V – F – V

3) Considerando as ideias presentes no 1º parágrafo, assinale a única alternativa correta:

a) Todo escritor comete erros, e por isso, seus textos necessariamente precisam de rigorosa revisão, de caráter gramatical.

b) Os escritores temem a questão da revisão, porque qualquer deslize de linguagem é motivo para críticas negativas.

c) O texto refere-se ao revisor como um profissional mais importante que o escritor, visto que ele tem poder de vida ou de morte sobre o autor.

d) O temor constante dos escritores em relação ao erro de revisão, não se justifica, pois é comum ouvir-se que não existe perfeição, e, dessa forma, perdoa-se qualquer desvio de linguagem nos textos.

 

4)Considerando o entendimento adequado da informação “Todo escritor convive com o terror permanente:  do erro da revisão.” Marque a alternativa que contradiz com a informação.

a) Nem todo escritor comete erro passível de revisão.

b) Todo escritor teme a revisão de seu texto, ainda que ela seja impecável.

c) Todo escritor escreve bem, mas a revisão é indispensável.

d) O terror maior na vida profissional de um escritor é a revisão de seu texto.

5) Em relação às ideias apresentadas no 6º parágrafo, assinale a alternativa correta.

a) A citação de um exemplo como o da Bíblia Má é irrelevante para a ideia defendida pelo autor de que todo texto é passível de revisão.

b) A observação acerca da revisão desatenta que caracteriza o texto da Bíblia Má funciona como argumento contrário à ideia defendida ao longo do texto.

c) O exemplo da revisão do texto da Bíblia Má funciona como elemento argumentativo que ratifica o ponto de vista do autor da importância de uma revisão cuidadosa.

d) O exemplo da revisão do texto bíblico retifica a argumentação defendida pelo autor de que nem Deus foi poupado do poder dos revisores.

6) Leia: “Grandes jornais seriam levados à falência por difamações involuntárias, exércitos inteiros seriam imobilizados por manuais de instrução militar sutilmente alterados, [...] (linhas 27-28).

Considerando a reescritura do trecho destacado nesse fragmento, observando-se o mesmo tempo da voz passiva,  segundo a norma padrão da língua escrita, e mantendo-se o mesmo sentido textual, assinale a estrutura correta.

a)   Grandes jornais serão levados à falência por difamações involuntárias.

b)   Grandes jornais deveriam ser levados à falência por difamações involuntárias.

c)   Levar-se-iam grandes jornais à falência por difamações involuntárias.

d)   Levar-se-ão grandes jornais à falência por difamações involuntárias.

7) Quanto ao uso da forma destacada no fragmento “Ninguém sabe se o volume de adultérios entre os cristãos de fala inglesa aumentou [...]” , Que alternativa está correta?

a) Inicia uma estrutura oracional de valor circunstancial, indicando uma condição para a realização do fato anunciado na oração anterior.

b) Pode ser retirado do fragmento sem alterar o sentido e a estrutura sintática do período.

c) Introduz uma oração de valor complementar que ressalva a incerteza do autor em relação ao aumento de adultério provocado por um erro de revisão.

d) Funciona como um conector de orações, interligando estruturas de mesmo valor sintático.

8) No fragmento “[...] Vamos resolver de uma vez por todas a questão da colocação das vírgulas, mesmo que haja mortos, [...]” o conectivo destacado pode ser substituído por outros sem alteração semântica. Nesse sentido julgue o único errado.

a) posto que.

b) se bem que.

c) além do que.

d) por mais que.

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

CONTO: A REPARTIÇÃO DOS PÃES - CLARICE LISPECTOR - COM GABARITO

 Conto: A Repartição dos Pães        

               Clarice Lispector

Era sábado e estávamos convidados para o almoço de obrigação. Mas cada um de nós gostava demais de sábado para gastá-lo com quem não queríamos. Cada um fora alguma vez feliz e ficara com a marca do desejo. Eu, eu queria tudo. E nós ali presos, como se nosso trem tivesse descarrilado e fôssemos obrigados a pousar entre estranhos. Ninguém ali me queria, eu não queria a ninguém. Quanto a meu sábado – que fora da janela se balançava em acácias e sombras – eu preferia, a gastá-lo mal, fechá-la na mão dura, onde eu o amarfanhava como a um lenço. À espera do almoço, bebíamos sem prazer, à saúde do ressentimento: amanhã já seria domingo. Não é com você que eu quero, dizia nosso olhar sem umidade, e soprávamos devagar a fumaça do cigarro seco. A avareza de não repartir o sábado, ia pouco a pouco roendo e avançando como ferrugem, até que qualquer alegria seria um insulto à alegria maior.

Só a dona da casa não parecia economizar o sábado para usá-lo numa quinta de noite. Ela, no entanto, cujo coração já conhecera outros sábados. Como pudera esquecer que se quer mais e mais? Não se impacientava sequer com o grupo heterogêneo, sonhador e resignado que na sua casa só esperava como pela hora do primeiro trem partir, qualquer trem – menos ficar naquela estação vazia, menos ter que refrear o cavalo que correria de coração batendo para outros, outros cavalos.

Passamos afinal à sala para um almoço que não tinha a bênção da fome. E foi quando surpreendidos deparamos com a mesa. Não podia ser para nós…

Era uma mesa para homens de boa-vontade. Quem seria o conviva realmente esperado e que não viera? Mas éramos nós mesmos. Então aquela mulher dava o melhor não importava a quem? E lavava contente os pés do primeiro estrangeiro. Constrangidos, olhávamos.

A mesa fora coberta por uma solene abundância. Sobre a toalha branca amontoavam-se espigas de trigo. E maçãs vermelhas, enormes cenouras amarelas, redondos tomates de pele quase estalando, chuchus de um verde líquido, abacaxis malignos na sua selvageria, laranjas alaranjadas e calmas, maxixes eriçados como porcos-espinhos, pepinos que se fechavam duros sobre a própria carne aquosa, pimentões ocos e avermelhados que ardiam nos olhos – tudo emaranhado em barbas e barbas úmidas de milho, ruivas como junto de uma boca. E os bagos de uva. As mais roxas das uvas pretas e que mal podiam esperar pelo instante de serem esmagadas. E não lhes importava esmagadas por quem. Os tomates eram redondos para ninguém: para o ar, para o redondo ar. Sábado era de quem viesse. E a laranja adoçaria a língua de quem primeiro chegasse.

Junto do prato de cada mal-convidado, a mulher que lavava pés de estranhos pusera – mesmo sem nos eleger, mesmo sem nos amar – um ramo de trigo ou um cacho de rabanetes ardentes ou uma talhada vermelha de melancia com seus alegres caroços. Tudo cortado pela acidez espanhola que se adivinhava nos limões verdes. Nas bilhas estava o leite, como se tivesse atravessado com as cabras o deserto dos penhascos. Vinho, quase negro de tão pisado, estremecia em vasilhas de barro. Tudo diante de nós. Tudo limpo do retorcido desejo humano. ‘Tudo como é, não como quiséramos. Só existindo, e todo. Assim como existe um campo. Assim como as montanhas. Assim como homens e mulheres, e não nós, os ávidos. Assim como um sábado. Assim como apenas existe. Existe.

Em nome de nada, era hora de comer. Em nome de ninguém, era bom. Sem nenhum sonho. E nós pouco a pouco a par do dia, pouco a pouco anonimizados, crescendo, maiores, à altura da vida possível. Então, como fidalgos camponeses, aceitamos a mesa.

Não havia holocausto: aquilo tudo queria tanto ser comido quanto nós queríamos comê-lo. Nada guardando para o dia seguinte, ali mesmo ofereci o que eu sentia àquilo que me fazia sentir. Era um viver que eu não pagara de antemão com o sofrimento da espera, fome que nasce quando a boca já está perto da comida. Porque agora estávamos com fome, fome inteira que abrigava o todo e as migalhas. Quem bebia vinho, com os olhos tornava conta do leite. Quem lento bebeu o leite, sentiu o vinho que o outro bebia. Lá fora Deus nas acácias. Que existiam. Comíamos. Como quem dá água ao cavalo. A carne trinchada foi distribuída. A cordialidade era rude e rural. Ninguém falou mal de ninguém porque ninguém falou bem de ninguém. Era reunião de colheita, e fez-se trégua. Comíamos. Como uma horda de seres vivos, cobríamos gradualmente a terra. Ocupados como quem lavra a existência, e planta, e colhe, e mata, e vive, e morre, e come. Comi com a honestidade de quem não engana o que come: comi aquela comida e não o seu nome. Nunca Deus foi tão tomado pelo que Ele é. A comida dizia rude, feliz, austera: come, come e reparte. Aquilo tudo me pertencia, aquela era a mesa de meu pai. Comi sem ternura, comi sem a paixão da piedade. E sem me oferecer à esperança. Comi sem saudade nenhuma. E eu bem valia aquela comida. Porque nem sempre posso ser a guarda de meu irmão, e não posso mais ser a minha guarda, ah não me quero mais. E não quero formar a vida porque a existência já existe. Existe como um chão onde nós todos avançamos. Sem uma palavra de amor. Sem uma palavra. Mas teu prazer entende o meu. Nós somos fortes e nós comemos.

Pão é amor entre estranhos.

ENTENDENDO O CONTO

1)   Qual é a tipologia predominante no conto:

a)   Narrativa.

b)   Argumentativa.

c)   Descritiva.

 2)   Qual a temática do conto?

                  Um almoço por obrigação.

3)   Quais personagens fazem parte dessa narrativa?

Os convidados e a dona da casa.

4)   Qual o cenário em que se desenrola a história?

         Era um sábado e as pessoas convidados para o almoço estavam ali por obrigação.

5)   Descreva o que “era uma mesa para os homens de boa-vontade”.

A mesa fora coberta por uma solene abundância. Sobre a toalha branca amontoavam-se espigas de trigo. E maçãs vermelhas, enormes cenouras amarelas, redondos tomates de pele quase estalando, chuchus de um verde líquido, abacaxis malignos na sua selvageria, laranjas alaranjadas e calmas, maxixes eriçados como porcos-espinhos, pepinos que se fechavam duros sobre a própria carne aquosa, pimentões ocos e avermelhados que ardiam nos olhos – tudo emaranhado em barbas e barbas úmidas de milho, ruivas como junto de uma boca. E os bagos de uva. As mais roxas das uvas pretas e que mal podiam esperar pelo instante de serem esmagadas. E não lhes importava esmagadas por quem. Os tomates eram redondos para ninguém: para o ar, para o redondo ar. Sábado era de quem viesse. E a laranja adoçaria a língua de quem primeiro chegasse.

6)   Em que passagem do texto ocorre o clímax, ou seja, o momento que surpreende a todos?

Quando os convidados passam para a sala do almoço e se deparam com uma mesa coberta por uma solene abundância.

7)   No conto o narrador participa da história ou simplesmente conta a história estando fora dela? Qual o nome dado a esse tipo de narrador?

Sim, o narrador participa da história.

Narrador-personagem.

8)   Do ponto de vista da norma culta, a única substituição/mudança que poderia ser feita, sem alteração de valor semântico e linguístico, seria:

a)   “ali mesmo ofereci o que eu sentia àquilo que me fazia sentir” = ali mesmo ofereci o que eu sentia àquilo que fazia-me sentir.

b)   “Tudo cortado pela acidez espanhola que se adivinhava nos limões verdes” = Tudo cortado pela acidez espanhola que adivinhava-se nos limões verdes.

c)   “Mas cada um de nós gostava demais de sábado para gastá-lo com quem não queríamos”. = Mas cada um de nós gostava demais de sábado para o gastar com quem não queríamos.

d)   “Só a dona da casa não parecida economizar o sábado para usá-lo numa quinta de noite”. = Só a dona da casa não parecia economizar o sábado para usá-lo numa quinta de noite”.

e)   “Quanto a meu sábado – que fora da janela se balançava em acácias e sombras – eu preferia, a gastá-lo mal”. = Quanto a meu sábado – que fora da janela se balançava em acácias e sombras – eu preferia, do que gastá-lo mal.

9) No início o narrador relata de uma forma como se não conhecesse a mulher que "lava o pé de qualquer estrangeiro", porém ao final do conto relata qual o grau de parentesco com ela. Qual era?

     Ela era sua mãe.

10) E em uma simples frase o narrador deixa isso bem claro: "A cordialidade era rude e rural". As analogias são feitas à quê? 

      À Santa Ceia como: o dia de sábado como hospitaleiro e dos homens.